A Clarividente

Capítulo 26


Nirina e Kevin continuavam a breve viagem em silêncio. Ela torcia para que Riana estivesse em casa e, ao mesmo tempo, pensava no que falaria para a amiga. Perguntava-se por que ela havia mentido quando perguntou se ela estava fazendo algo diferente.

“Você tem feito algo diferente ultimamente?”

“Como assim?”

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“Algo que foge a sua rotina.”

“Ah, meu pai quer que eu melhore minha leitura, por isso tenho ido até a biblioteca pegar alguns livros. Era a isso que você se referia?”

Tinha certeza que a amiga havia mentido agora que já conhecia bem o aspecto da energia que a magia negra exalava. E, sem dúvidas, era o que ela havia sentido aquele dia, quando a encontrou na estrada.

De repente, deu-se conta de que estava sozinha com Kevin, a pessoa em quem ela mais confiava na Corte. Olhou para ele brevemente e desviou o olhar; depois, fixou o olhar no soldado. Ele reparou e retribuiu o olhar em silêncio, com um tênue sorriso no rosto. Os dois se encararam até que Nirina sentiu o rosto corar e desviou-o, observando a cidade que passava pela janela. Kevin riu suavemente e decidiu quebrar o silêncio:

— Não imaginava que eu te olharia desse jeito também, não é? — ele riu novamente, sem abandonar o leve sorriso.

— Não — respondeu Nirina, corando. — Achei que você fosse desviar o olhar.

— Imaginei. Bem — ele continuou. — Existe algo que você queira me dizer?

— O quê? — ela sorriu, surpresa.

— Você me olhou como se tivesse alguma expectativa, como se tivesse algo a me dizer. Quer dizer o que é?

— Não... — ela hesitou por um tempo e apertou as próprias mãos. Olhou para baixo e se perguntou por que estava tão nervosa em dizer algo que devia ser tão simples. — Kevin.

— Pois não? — disse ele, cortês como sempre.

— É que... Eu quero que você saiba que apesar de eu estar sempre rodeada por pessoas na Corte, você é a pessoa em quem eu mais confio. E eu quero poder contar com sua ajuda quando precisar. Quero poder confiar plenamente em você. Eu não sei direito o porquê — continuou a maga, sem jeito, mas ao mesmo tempo com firmeza —, talvez seja seu jeito gentil, cortês e competente. Você é a única pessoa em quem eu consigo sentir uma pureza de sentimentos quase incomparável. É assim com você e era assim com Aiko — ela sorriu, um pouco triste. — Eu quero que você seja algo... — ela pensou por um tempo. — Como se fosse meu cavaleiro.

Kevin aumentou o sorriso e ficou parado por um tempo, depois olhou para a espada, que estava atada a sua cintura.

— É claro — ele disse. — É claro que lhe servirei, Nirina. Desde que Reno me designou para ser seu guarda no primeiro dia, estou aqui para isso. Se precisar de minha ajuda, para o que for, pode contar comigo. Serei sua espada.

Ela sorriu, quase sem perceber que a carruagem havia parado. Nirina estendeu uma de suas mãos em direção a Kevin, esperando que ele a apertasse. Ajoelhando-se brevemente no espaço da carruagem – que não era nada pequena – entre os bancos, Kevin segurou a pela mão suavemente e beijou, quase sem encostar os lábios, a parte de cima. Ainda segurando-a, olhou para a maga e sorriu.

— Ao seu dispor, senhorita Nirina.

Nirina recolheu a mão, rápido, e juntou as duas em frente ao seu peito. Assim que sentiu o beijo de Kevin sobre sua mão, sentiu o coração acelerar e o rosto ficar quente. Tentando controlar-se e disfarçar seus sentimentos, ela sorriu e inclinou brevemente o corpo para frente em uma reverência, enquanto Kevin se levantava.

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— Muito obrigada, Kevin. É um prazer saber que posso contar com você.

— Quando precisar.

Ao dizer isso, o soldado abriu a porta da carruagem e esperou que Nirina descesse, conduzindo-a pela mão. O veículo atraiu a atenção das pessoas ao redor, mas como Kevin estava junto, Nirina não se importou. Algumas olhavam desconfiadas, mas como ela estava sem a túnica roxa, quase ninguém conseguia reconhecê-la como a aprendiz de magia clarividente do Reino de Sira.

Assim que pararam em frente à casa de Riana, Kevin olhou para Nirina.

— Devo esperá-la aqui?

— Sim — ela respondeu. — Não devo demorar muito. Vou conversar com Riana e em breve nós iremos até outra casa. Não sei se vamos de carruagem ou a pé, pode ser perto. Mas de qualquer modo você vai me acompanhar.

— Tudo bem. Esperarei aqui.

Nirina andou devagar até a casa de Riana, que era simples, mas agradável. Tinha uma varanda boa para se ficar nos fins de tarde, quando a cidade já estava praticamente vazia e os comerciantes já fechavam suas lojas.

Parou em frente à porta e bateu nela algumas vezes. Mordeu o lábio inferior com a demora, achando que a casa estava vazia, mas logo a mãe de sua amiga apareceu para atender.

— Olá, Aldara — disse ela, sorrindo. — Como vai?

— Nirina! Você está diferente — ela sorriu. — Há tempos não nos vemos! Quer tomar um chá?

— Ah, estou um pouco ocupada hoje — ela sorriu novamente. — Mas agradeço pelo convite. Preciso falar com Riana, bem rapidinho. Ela está?

— Está, sim. Entre, querida. Sente-se no sofá enquanto vou chamá-la.

— Muito obrigada — respondeu, entrando.

A casa não havia mudado nada. Enquanto Nirina esperava, não teve nem sinal do pai de Riana ou de seu irmão mais novo, Remi. Assim que a amiga chegou no cômodo, Nirina correu até ela e a abraçou. Percebeu o quanto estava com saudades e decidiu que não perguntaria o motivo de ela ter mentido. Afinal, Nirina podia interpretar errado o fato de que ela estava aprendendo magia negra. Tinha seus motivos.

— Quanto tempo, Nirina! — disse Riana, abraçando-a forte. — Você está bem diferente — prosseguiu, olhando-a como se a analisasse. — Parece até que está mais alta!

— Cala a boca, Riana — respondeu, cutucando a amiga nas costelas. — Não implique comigo, ou te dou um banho aqui mesmo, no meio da sua sala.

— Duvido que você faça isso.

— Duvida mesmo?

— Sim.

Riana cruzou os braços, em pose de desafio. Nirina não gostava de ser desafiada por pessoas que achavam que ela não aceitaria. Sem demorar, a maga invocou a quantidade suficiente de água para molhar Riana por completo, rápida, e jogou sobre Riana, que ficou olhando para ela incrédula.

— Não sabia que você já tinha aprendido a fazer isso! — ela riu, ainda surpresa, olhando para seu vestido encharcado, bem como os tapetes da sala. — E agora?!

— Agora você seca — Nirina riu, virando as costas para Riana, depois sentou no sofá. — Vou ficar esperando.

Riana sorriu.

— Tá bom, eu sei o que você quer ouvir. Desculpe por te desafiar achando que você recusaria.

— Ótimo! — sorriu Nirina, pulando do sofá e batendo palmas. Rapidamente ela estendeu sua mão direita e reuniu toda a água que havia dispersado antes, tanto dos tapetes quanto de Riana. Sua amiga pareceu ficar mais surpresa com a retirada da água do que com o ataque. Era uma sensação engraçada secar instantaneamente daquela maneira. Reunindo toda a água sobre a palma de sua mão, Nirina foi até a janela mais próxima e deixou que ela escorresse pela parede até a rua, para que não molhasse ninguém.

— Isso é tão legal — disse Riana. — Eu queria muito poder fazer essas coisas!

— Mas você sabe fazer outras coisas — disse Nirina, séria.

— Tipo, que coisas?

— As que você aprendeu com Ian.

Riana tornou-se um pouco mais séria e a segurou pela mão. Sussurrando, disse:

— Venha.

Puxou Nirina pela mão e a levou para o quarto, fechando a porta em seguida.

— Melhor se minha mãe não ouvir.

— Ela ainda não sabe?

— Nem saberá. Prometa-me que não contará, senão meu pai me mata!

— Não vou contar — disse ela. — Não tenho motivos pra fazer isso.

— Então você já conheceu Ian. Eu não sabia.

— Conheci, sim. Fiquei sabendo também que ele é o mesmo mago de ar que eu persegui aquele dia, quando fomos ver a chegada de Zahra. Fiquei sabendo que você ocultou algumas informações de mim, mas eu entendo que teve seus próprios e justificáveis motivos para isso — completou ela, com um sorriso.

— Sinto muito por isso — disse Riana, abaixando a cabeça.

— Não precisa se desculpar. Já falei que entendo. Mas e então — ela continuou —, como vão as aulas com Ian?

— Bem. É muito mais difícil do que eu pensava, mas eu já consigo invocar espectros com facilidade e movê-los já é bem fácil também. Agora estou aprendendo os movimentos mais rápidos, para serem usados em uma luta.

— Legal. Nunca vi um de perto.

— Eu te mostraria se não estivesse em casa. Se alguém vir isso, com certeza minha mãe ficará sabendo.

— Tudo bem. Não precisa demonstrar.

— Como vão as coisas na Corte?

— Não tão bem. Estamos com um grande problema ultimamente, e em parte é por causa disso que vim até aqui.

— Eu posso ajudar em algo?! — perguntou ela, animada. Sabia que Ian estava metido em algo, mas ele não quisera explicar imediatamente e não permitia que Riana participasse.

— Pode.

— Como?

— Eu preciso falar com Ian. Urgentemente, mas não sei onde ele está. Como você o conhece, pensei em vir até aqui. Riana, leve-me até Ian, agora mesmo.

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— Tudo bem. — Respondeu Riana. — Eu farei. Com uma condição.

— Qual?

— A de que você me explique o que está acontecendo.

— Ian não te contou?

— Não. Ele só disse que era algo perigoso e que queria me proteger me deixando de fora. Disse que na hora certa eu saberia, mas desde então ele fica mudando de assunto toda vez que pergunto!

— Se ele não disse, não sou eu que deveria dizer.

— Escolha — disse Riana. — Conte, ou não levo.

— Deveria saber que eu não preciso disso — sorriu Nirina. — Pode me levar de boa vontade, ou então posso ler sua mente para descobrir.

Riana apertou os olhos e olhou para o lado em seguida, indecisa. Achou que essa seria uma boa oportunidade de descobrir, mas obviamente não era.

— Não quero falar, Riana, não é porque não confio em você. É por respeito a Ian. Se ele não te contou ainda, é porque acha que não é a hora. Entende? Ian deve achar que é algo perigoso e quer te proteger omitindo o que está acontecendo provavelmente porque sabe que você teria vontade de intervir.

— Tudo bem — ela sorriu. — Depois vou perguntar para o Ian, com certeza ele vai me falar.

— Faça isso. Agora, vamos? Precisa mesmo ser rápido.

— Vamos.

Riana e Nirina saíram do quarto e avisaram Aldara que estavam de saída. Logo Nirina chegou até Kevin, que se apresentou brevemente para Riana.

— É longe?

— Não — respondeu. — É perto. Podemos ir a pé daqui até lá. Será melhor se formos a pé — ela tornou a voz mais fraca, em um sussurro: — Hazael está lá e ninguém pode reconhecê-lo. É melhor não chamarmos a atenção.

— Tudo bem. Kevin — chamou Nirina — nós vamos a pé. Acompanhe-nos, por favor.

Kevin ordenou ao cocheiro que ficasse ali até que voltassem, esperando. Ele acatou a ordem enquanto o trio se distanciava cada vez mais da casa de Riana, aproximando-se da casa de Selene, que não era longe.

Não demoraram a chegar. Riana foi à frente e abriu a porta, que não estava trancada. Assim que entraram, Nirina gostou da casa e se surpreendeu por ser aquela a casa de Ian. Kevin, por sua vez, preferiu ficar esperando do lado de fora.

— Você conhece a dona dessa casa, Nirina — disse Riana, sorrindo.

Atraída pelo barulho de alguém entrando na sala, logo Selene surgiu para recepcionar.

— Nirina! O que vem fazer aqui? — perguntou ela, indo até sua aluna e abraçando-a. — Que surpresa!

— Pois é — sorriu. — Eu não fazia ideia de que aqui era sua casa, tão próxima de Riana. Pensei que fosse a casa de Ian. Vim, exatamente pois preciso falar com ele. Ele está?

— Sim. Ele e Hazael estão no andar de cima, mas eu vou chamá-los agora mesmo.

Hazael e Ian haviam sentido a presença de Nirina quando ela havia chegado na sala. Ambos ficaram surpresos ao vê-la ali, algo totalmente inesperado. Desceram as escadas rapidamente e a cumprimentaram e também cumprimentaram a Riana. Ela estava especialmente bonita, Ian observou.

— Olá — disse Ian. — O que a traz aqui, pequena clarividente? — ele sorriu, em tom amigável.

— É algo importante — ela falou, séria.

Ian olhou para Riana apreensivo, mas não teve coragem de pedir para que ela saísse. Por isso, olhou para Nirina e pediu para que continuasse. Depois explicaria tudo para Riana, já era hora.

— Rezon. Ele designou um novo aliado, Martin, o líder dos magos do exército do Rei.

Ian e Hazael ficaram em silêncio por um tempo, esperando.

— Martin veio falar comigo e com Zahra. Disse que havia falado com Rezon e que havia, falsamente, acordado com ele. Falou que levaria uma nova vítima a ele, mas que queria isso com uma condição: que ele esperasse sete dias, e não os costumeiros três dias que geralmente espera. Com isso, ele quis que ganhássemos mais tempo para planejar e agir. Como Rezon sempre lê as mentes que o interessa, se não fizermos nada dentro de sete dias, Martin precisará voltar a falar com Rezon e será morto por tê-lo traído. Precisava vir te avisar. Precisamos, obrigatoriamente, agir dentro de quatro dias. Não podemos deixar Martin morrer.

— Por mim eu deixaria — disse Hazael. Ian já esperava tal comentário, mas Nirina ficou surpresa.

— Por que faria isso? — disse a maga, estendendo as mãos, com uma expressão incrédula no rosto.

— Porque eu sou uma pessoa vingativa e esse mago já fez muitas coisas pra atrapalhar minha vida no passado.

— Mas ele arriscou a própria vida para nos ajudar. Se não fizermos nada, dentro de quatro dias seu corpo estará jogado às ruas como estiveram os anteriores.

— Não estou dizendo que não vamos fazer nada — disse Hazael. — Mas minha vontade era essa.

— Quieto, Hazael — disse Ian e, pela primeira vez, o mago de fogo acatou. — Deixe-me falar. Avise Zahra que recebi a resposta de Aileen hoje mesmo pela manhã. Ela aceita vir. Chegará daqui a um ou dois dias, então todos nos conheceremos e ainda teremos um pequeno tempo até agir. Rezon é forte, mas ele com certeza não é mais forte que todos nós, unidos. Assim que ela chegar, Selene saberá e avisará a vocês duas. Então nos reuniremos aqui, ou provavelmente na casa de Arthus, que é mais afastada e assim ele não precisa vir até a cidade.

— É bom saber disso — disse Nirina, aliviada. — Realmente bom. Não quero que Rezon faça mais vítimas, independente de quem seja. Se Martin foi injusto com você — continuou Nirina para Hazael — com certeza, algum dia ele vai pagar, Hazael. Tenha certeza. Assim como Rezon vai pagar por o que já fez com essas pessoas e com Aiko.

— Há algo mais que precise saber? — perguntou Ian.

— Não, era só isso. Não devo demorar muito, preciso retornar à Corte. Ainda está em tempo de ter aulas com Zahra e à tarde verei Selene — sorriu. — É realmente bom saber que Aileen vem, apesar de achá-la tão perigosa quanto Rezon. Ela também mata. Apenas seus motivos são diferentes.

— É justificável, não acha? Você também não mataria Rezon se pudesse?

— Faria — seu olhar se tornou frio de repente. — Eu com certeza o mataria.

— Vê? Todos nós sentimos essa vontade, hora ou outra. A diferença são sempre os motivos.

— Não é a mesma coisa! — disse Nirina. — Ele merece, ele já matou várias pessoas!

— Assim como eu, Aileen e Hazael.

Nirina manteve-se um tempo em silêncio.

— Nós merecemos morrer? Você nos mataria?

— Não.

— Entenda. São apenas motivos diferentes. Aileen tem suas convicções e você, as suas. Sei que você é inteligente e vai compreender.

— Eu compreendo — disse Nirina. — Compreendo, você está certo, Ian. Bem — continuou, olhando para todos ali. — É melhor que eu vá agora. Kevin está me esperando lá fora.

— Vocês dois andam bastante juntos, não é mesmo? — disse Hazael, rindo.

— Sim — respondeu Nirina, sem hesitar. — Estamos sempre juntos.

Ian acompanhou Nirina até a porta e os dois se despediram rapidamente. Nirina abraçou Riana com força, demoradamente, e então se foi.

Riana virou para Ian e sorriu, ficando séria em seguida.

— Acho que é hora de me explicar tudo isso, Ian.

— Eu sei — ele disse, apoiando uma de suas mãos nas costas de Riana e guiando-a para dentro. — Entre. Vamos conversar.