A Clarividente

Capítulo 15


Reno se aproximou dos portões do Palácio com passos rápidos, a expressão preocupada e os olhos baixos. Sem demora chamou um dos cocheiros para levá-lo de carruagem até seu destino.

Não conseguia parar de pensar em Suriel. A mulher, bibliotecária na cidade de Ima, era o amor de sua vida. Recentemente, alguns acontecimentos vinham atrapalhando a vida de sua amada e a sua própria.

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Entrou na carruagem e, batendo no teto, sinalizou para que o cocheiro a colocasse em movimento. Passou a mão pelo cabo de sua espada e sorriu com carinho para a arma, que já havia passado tanto tempo ao seu lado. Esperava que ela fosse o suficiente para defender Suriel do que estava por vir, também. Não teve o cuidado de usar um capuz sobre a cabeça, afinal, só estava indo até a biblioteca para ver sua amada. Era o que a maioria das pessoas pensaria.

Ela havia pedido a ele que ficasse longe de Nirina, ou os dois seriam descobertos. Mas Reno acreditava que o melhor disfarce é mostrar que não há nada a ser escondido: sendo simpático e conversando sempre com a aprendiz como fazia com todos, mostraria que não tinha nada a temer e tudo estava completamente normal. Ele sabia que não estava, no entanto.

Uma dor terrível se apossava de seu coração enquanto seu destino se aproximava. Sentiu-se ainda mais preocupado e até mesmo triste por Nirina, que era uma menina tão boa e logo estaria envolvida com todos os tipos de maldades. Sentiu vontade de protegê-la, mas quem realmente não saía de sua cabeça era a bibliotecária.

Logo quando chegou, dispensou o cocheiro e arrumou a espada à sua cintura, entrando rápido na imensa biblioteca. O lugar era agradável, muito bem organizado, e cheio de livros, divididos em seções de acordo com o assunto e até mesmo a data em que foram publicados. Apesar de rica, a biblioteca não tinha muito movimento.

Suriel era uma jovem agradável, que havia começado a ajudar na biblioteca quando adolescente por amar livros. Sua família havia montado o lugar na cidade de Ima havia anos e, como colecionadora e amante de livros, começara cedo a ajudar seu pai na catalogação e passava horas entre os livros, organizando-os, limpando-os e lendo-os. Sem muitos afazeres, passava a tarde concentrada nos objetos, que ultimamente vinham sendo a única distração para seu sofrimento.

Ela era doze anos mais nova que Reno, e os dois haviam se conhecido quando o Rei solicitara livros raros para a própria biblioteca. Suriel foi a responsável pela venda e, enquanto estava na Corte, conhecera Reno. Achara-o interessante e o convidou para ir até a biblioteca mais vezes. O soldado assentiu. Os dois então se apaixonaram e começaram um relacionamento estável, apesar de Reno precisar morar na Corte e Suriel viver sozinha em uma casa na cidade.

Assim que Reno entrou, Suriel ergueu o olhar do livro que lia e correu até o líder dos soldados, jogando-se em seus braços. Os dois se olharam sem dizer nada e, pela preocupação no olhar de seu amado, a bibliotecária sabia o que tinha que fazer.

— Ele o espera na sala dos fundos — disse ela, com a voz calma e fraca como sempre. — Aquela que dá para a passagem subterrânea.

— Obrigado, Suriel. — Ele a beijou na testa e passou a mão por seus cabelos. — Estarei de volta em breve.

— Cuide-se, Reno, por favor.

Ela juntou as mãos em frente ao corpo com uma expressão de óbvia preocupação. Abaixou os olhos e sentiu vontade de chorar: aquilo não podia ser verdade. Teve vontade de entrar nos livros e levar Reno consigo, fugindo daquele mundo tão cruel. Quando estava prestes a voltar ao balcão, no entanto, um homem de aparentemente cinquenta anos surgiu, e Suriel obrigou-se a abrir um sorriso simpático e energético:

— Bom dia, meu senhor — disse ela, prestativa. — Em que posso ajudá-lo?

— Você é a filha do senhor Seth, Suriel? — perguntou o visitante, com um sorriso. — Chamo-me Arthus, prazer. Conheci seu pai há alguns anos, em um interesse que compartilhávamos por livros.

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— Sim, sou — respondeu. — Prazer, senhor Arthus. Ouvi meu pai e algumas outras pessoas falarem sobre o senhor. É bom saber que conheceu meu pai e se interessa por livros. Posso lhe ser útil?

— Pois não — disse ele, sorrindo. — Eu estou aqui para fazer algumas pesquisas. Existe uma seção na biblioteca que trate sobre magia?

— Claro — respondeu Suriel. — No segundo andar. Queira me acompanhar, por favor.

— Com todo o prazer.

Os dois subiram as grandes escadas até o andar superior, e Suriel guiou Arthus até a seção que ele desejava. Havia muitos livros e ele apreciou a ajuda da bibliotecária, que era rápida e conhecia bem cada uma das estantes.

Ele selecionou alguns livros que achou de valia e refletiu se devia ser mais sincero com a moça. Decidiu, por fim:

— Existem mais livros sobre magia negra aqui, Suriel?

— Sim, senhor, mas estão guardados em uma seção onde apenas funcionários tem acesso. Qual seria seu interesse neles?

— Ah, pois eu não quero aprender, a senhorita pode ficar tranquila. Qualquer coisa pergunte a seu pai sobre mim. Sou um mago de água, e tenho estado interessado em saber como essa magia negra funciona. Não sei ao certo. Interesses pessoais.

— Certo — disse Suriel, sentindo o coração acelerado. — Vou buscar alguns deles para o senhor.

Arthus sentou em uma das cadeiras enquanto Suriel saía com passos rápidos. Ela não conseguia parar de pensar quais eram os motivos de Arthus para estar atrás de magia negra. Sentiu vontade de pedir ajuda a ele, que parecia tão compreensivo. Fechou os olhos por um instante e respirou fundo, acalmando a vontade de chorar ao pensar em Reno. Desejou que tudo estivesse indo bem na conversa entre os dois.

Levou os livros até a mesa de Arthus um tanto incerta. O fato de ele conhecer seu pai e ter dito que não tinha interesse em aprender magia negra não era o suficiente. Mas ele provavelmente não conseguiria aprender lendo os livros apenas naquele instante. Logo deu as costas ao leitor e saiu, indo até seu balcão.

— O que você estava pensando quando deixou o corpo daquela mulher jogado na rua? — perguntou Reno a seu chefe, andando de um lado para o outro, insistente. — Você prometeu que não me daria problemas. Disse que eu não precisaria investigar nada, que eu só precisaria tratar de te trazer as vítimas, e você cuidaria de tudo! — ele deixou que sua voz se tornasse mais forte, enquanto o outro homem o encarava com um olhar desafiador. — Não sei por que você matou ela, não ousaria perguntar, mas você podia ter sumido com ela. Assim como sumiu com aquele garoto, o Rob. Não podia? Você está tornando as coisas difíceis.

— Lilian? Ela estava se tornando um incômodo — respondeu o homem. — Estava arrependida de me ajudar a matar as vítimas nos rituais, e disse que o amor que sentia por mim não conseguia ser mais forte que o arrependimento que ela sentia. Mas ela foi burra demais para ficar em silêncio. Disse que pretendia me deixar, e eu não correria o risco de deixá-la dar com a língua nos dentes.

— Então sumisse com ela. Certo? Pra que deixar o corpo dela jogado na rua? Você é tão burro quanto ela?

— Reno, acalme-se — disse ele, com a voz suave. — Não se esqueça da sua condição comigo. Faça o que ordeno, e você e sua Suriel estarão bem. Cuidado com o que diz.

O soldado mordeu o lábio inferior. Precisava mesmo ficar mais calmo não apenas por seu bem, mas pelo bem de Suriel.

— Eu quero que eles percebam — continuou, ainda com a voz calma. — Quero que os magos desse país percebam que algo diferente vem acontecendo.

— Tudo bem — disse Reno. — Mas você não me chamou aqui só pra isso, não?

— Não mesmo, você é esperto — sorriu ele. — Como esperado de quem eu escolheria como meu aliado.

Reno não contrariou. Deu um sorriso discreto em resposta e agradeceu, esperando que seu chefe continuasse.

— Eu gostaria de te pedir que trouxesse até aqui minha próxima vítima. Mas não só uma vítima — disse ele, fazendo a pele de Reno arrepiar. — Um convidado, alguém especial.

— Fale, por favor — pediu Reno, sentindo-se calmo novamente.

— Sven.

— Sven? Sven não sabe que eu estou te ajudando, apesar de estar te ajudando também. Certo?

— Certo. Por isso será mais fácil, não acha? Peça ajuda daquele líder dos magos, como é o nome dele...

— Martin. Não preciso da ajuda dele, trarei Sven até aqui.

— Essa noite.

— Se me permite... Posso perguntar qual é o motivo?

— Ele foi descuidado. Permitiu que seu aprendiz visse uma das cartas que escrevia para mim. A criança ficou sabendo. Sven conseguiu que o aprendiz ficasse em silêncio através de ameaças, mas não quero correr o risco. Traga-o aqui. Com aquele aprendiz, se for possível.

— Aiko? Não será possível, eu...

— Reno — disse o homem, severo. — Se não puder trazer o garoto, traga Sven e então mate esse aprendiz.

— Eu não posso fazer isso!

— Talvez você prefira que Suriel seja sacrificada em um dos rituais.

— Não! — exclamou Reno, juntando as mãos à frente do corpo como em uma súplica. — Não, por favor!

— Então, qual é a sua decisão?

— Trarei. Trarei os dois, se possível. Se não, eu garantirei que Aiko não abrirá a boca.

— Ótimo, Reno. Eu sabia que podia confiar em você, desde que li a mente de Suriel quando cheguei.

— Por que ela, Rezon? — perguntou o soldado, com o olhar angustiado. — Por que Suriel?

— Não é Suriel, é o lugar. A biblioteca é grande, silenciosa, cheia de quartos e compartimentos, perfeita. Lendo a mente da moça consegui saber que ela tinha alguém que amava. Alguém de dentro da Corte. Perfeito! Acho que foi o destino que quis assim. Diga! Não foi, Reno? — continuou ele, com uma risada estridente.

— Tenho — ele parou, como se tentasse organizar os pensamentos. — Tenho certeza que sim.

— Essa noite — encarou-o, sem abandonar o sorriso.

— Rezon, é pouco tempo, por favor, eu...

— Essa noite, Reno. Eu não vou esperar mais por esse idiota do Sven. Escolhi mal um aliado. Espero que eu não esteja cometendo o mesmo erro com você. Suriel também espera — ele abriu mais o sorriso, de escárnio.

— Não está — Reno engoliu em seco. — Pode acreditar que não está. Essa noite. Muito em breve nos veremos novamente.

— Excelente, Reno, excelente. Vejo-o muito em breve.

Com um aceno leve da cabeça, Reno deu as costas ao mago, pensando qual desculpa usaria com Sven. Ou talvez pudesse dizer a verdade, já que esse seria o último dia de vida do mestre. Sven não o preocupava realmente. O maior problema era Aiko. Não sabia o que fazer para levar o aprendiz ao ritual na biblioteca, ou então devia matá-lo... Reno abaixou o olhar, inseguro. Então deixou que seu olhar se tornasse frio enquanto deixava as salas de trás, aproximando-se de Suriel.

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A bibliotecária a olhou com preocupação quando o encarou.

— Reno...

— De novo — disse o soldado, ainda com a expressão fria. — Esta noite devo trazer novas vítimas — ele continuou, quase em um sussurro. — Mas não qualquer uma. Ele quer Sven e seu aprendiz, Aiko.

— Reno, como isso será possível? Esse homem é insano, ele é...

— Ele é, Suriel. Mas são eles ou você. E eu não vou deixar ele por suas mãos imundas em você.

— Tem certeza?

— O que quer dizer? — Reno afinou os olhos, elevando um pouco a voz sem querer. — Acha que eu abriria mão de você para salvar a vida de Rob, dessa Lilian, de Sven e Aiko? Nunca. A sua vale muito mais que a deles.

— Porque você não os amava, Reno. Pense bem, meu amor — ela suplicou, unindo as mãos em frente ao corpo, erguendo as sobrancelhas. — Deixe-me morrer, salve sua carreira e muitas outras vidas.

— Não! — gritou Reno, fazendo os olhos de Suriel encherem de lágrimas.

— Cuidado, meu querido, há um leitor no andar de cima — ela disse, antes de prosseguir. — Reno...

— Suriel... Eu a amo. Esse homem não vai parar de matar se conseguir tirar sua vida. Ele não se importa. Mataria a você, mataria a mim se necessário, e continuaria matando outras pessoas. Enquanto eu puder te manter perto de mim, manterei.

— Tenha cuidado, Reno... Por favor.

— Cuidarei — disse o soldado, mantendo o olhar frio. — Será perfeito. Trarei Sven e matarei Aiko se necessário, se ele se recusar a acompanhar seu mestre. Espere do lado de dentro da biblioteca como sempre.

— Farei como pede, querido. Cuide-se.

Reno acenou levemente com a cabeça e deu as costas a Suriel, rangendo os dentes. A moça, por sua vez, juntou os braços em volta do corpo e chorou baixinho enquanto olhava para o chão.

Arthus tinha visto o soldado sair, reconhecendo-o como líder dos soldados do exército do Rei. Não soube dizer se era ainda o mesmo que havia conhecido anos antes, enquanto era mago da Corte. Desejou poder ouvir a conversa dos dois, reparando como a bibliotecária parecia consternada e o soldado, preocupado. Continuou concentrado nos livros quando viu Suriel subir as escadas. Ela parecia completamente natural.

— Deseja mais alguma coisa, senhor Arthus?

— Não, senhorita Suriel, muito obrigado. Só gostaria de fazer uma pergunta — disse, sorrindo cortesmente. — Quem era o cavalheiro que a acompanhava?

— Reno — ela respondeu, incerta. — Líder dos soldados do exército do Rei.

— Oh, sim, conheci Reno. Trabalhamos juntos.

Suriel sorriu. Arthus parecia conhecer as pessoas à sua volta. Não se surpreendeu ao pensar que nunca havia visto o mago: ela geralmente estava enfiada entre as estantes, lendo e organizando livros.

— Pois é, Reno citou o senhor em algumas conversas. É um prazer conhecê-lo finalmente.

— Obrigado, Suriel — ele sorriu. — Caso eu precise de alguma coisa, chamarei.

— Estarei à disposição — disse ela, descendo as escadas.

Arthus voltou a se concentrar na leitura, pensando em Reno. Nada nas conversas com o soldado havia dado a indicar que ele amaria uma mulher. Mas Reno sempre fora estranhamente reservado, no entanto: apesar de simpático e agradável, o líder raramente falava sobre sua vida pessoal, e Arthus resolvera respeitar. Com um suspiro cansado, voltou a ler os livros.

No primeiro andar, Suriel descansou o corpo sobre uma cadeira e se permitiu chorar baixinho, abraçando o próprio corpo mais uma vez.