Guardiã do Rei

O Trauma da Vingança


There was a time when I trusted everyone

There was no place that I would not go

~ Once When I Was Little

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Percy aguardava com Luke, nos estábulos, quando as jovens chegaram.

Rachel e Annabeth vestiam roupas para cavalgar femininas, e os cabelos estavam trançados. Rachel, como sempre, estava sorridente e falando sobre como Nancy fora tola na noite passada. Já Annabeth continuava com seu jeito tímido e calado; porém, era por isso mesmo que sua conversa parecia ser mais interessante ainda aos olhos de Percy.

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Quando ela falava, contava sobre como gostava de cavalos e como sentia saudade da terra natal. Sua voz, quando não estava trêmula nem chorando – como das outras vezes em que se encontraram – era bela e firme, mas ao mesmo tempo doce e educada. Seus olhos cinza eram instigantes e pareciam estar a todo tempo analisando quem estava à sua volta. A ela foi dada uma égua de crinas douradas e pelagem de mesma cor. Annabeth amou de imediato sua montaria.

Percy aproximou-se de seu velho Blackjack. Já se conheciam há muito tempo, quando Percy o ganhara de presente de aniversário aos treze anos. Era seu melhor amigo, e parecia tão inteligente e misterioso sob sua pelagem totalmente negra que Percy não o trocava por nada no mundo.

Luke montou em seu cavalo marrom, que também já o tinha há muito, e Rachel sorria de cima de sua égua malhada. O dia estava ensolarado e convidativo, como se dissesse “aproveite, o verão está acabando”, o que era mesmo verdade.

Começaram em um trote ao redor do castelo, mostrando para Annabeth tudo o que havia além da cozinha. Ela parecia muito interessada em todas as pessoas que o frequentavam e sobre a história da construção. Percy tentava sempre ser o que mais teria sua atenção, então, cercava-a a todo instante e irritava-se quando Rachel tomava-lhe a palavra. Por que era tão difícil falar com Annabeth?

Quando Luke os chamou para uma corrida, os quatro se afastaram bastante das construções, alcançando os campos abertos dentro dos muros do castelo. Sempre que tocavam em seus limites, Percy pensava no mar, atrás daquelas muralhas, distante. Embora soubesse que, correndo, o alcançaria, não o fazia. Sua mãe foi tão clara quanto ao perigo das águas, e Percy não queria preocupá-la agora, quando a mulher já tinha os nervos à flor da pele por causa do senhor seu pai.

Quando Annabeth perdera o controle das rédeas e o conseguiu de volta em poucos minutos, o príncipe a ajudou, e ela riu. Pela primeira vez, Percy a viu rir. E era uma risada genuína, divertida e inocente. Suas bochechas se avermelharam e os olhos quase se fechavam enquanto abria-se o sorriso. Foi contagiante, e os outros três também riram.

Era como se ali, naquele minuto, não existissem problemas. Percy não pensou em sua coroação, Rachel parecia não pensar no pai distante, Luke finalmente não falava sobre a defesa do castelo e Annabeth também parecia ter esquecido seus fantasmas. Os quatro eram crianças, aproveitando a vida exatamente como ela era, naquela breve tarde de verão.

Antes que a risada morresse, alguém fazia alguma brincadeira e ela recomeçava. Eles desceram de seus cavalos e correram um atrás do outro, e, quando tropeçavam, rolavam na grama e ali descansavam. Estava tudo tão bem que parecia muito valioso e completamente frágil. Um momento que poderia extinguir-se a qualquer segundo, como se, ao pensar em algo diferente, ele se dissipasse de repente. Uma pintura em um vaso delicado, que ao ser derrubado, acabaria ali. E Percy não queria isso. Não queria de modo algum.

O sol estava quente, mas começou a tornar-se quente demais. Ao longe, no céu azul, uma tempestade claramente se aproximava. Quando o vento que rugia forte anunciou a chegada da chuva, os meninos pararam de rir.

– Será uma tempestade bastante forte – Luke observou.

– Tempestade de verão – concluiu Percy. – Acontece sempre nos dias mais quentes.

– Ontem houve um raio aqui perto – contou Rachel. – Annabeth e eu o vimos. O tempo anda muito estranho ultimamente.

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Annabeth tinha o cenho franzido enquanto olhava para o alto.

– As tempestades eram assim em sua terra, Chase? – pediu Percy.

Ela estreitou os olhos, tentando se lembrar.

– Bem – ela começou –, em Lortland caiam tempestades com frequência, mas durante determinado período. No verão era apenas verão.

Percy assentiu. Ouvia falar de Lortland, mas agora, estava destruída. Eram um povo rebelde, e rei Paul optou por lhes fazer uma visita com armas. Sua intenção não era destruir o pequeno condado, mas os homens de Dern Castellan não aceitaram as desculpas de Lortland. Alguns soldados foram julgados, mas Percy sempre achou que a culpa pesava mais sobre os ombros de Dern. Ao mencionar isso ao pai, o rei conversou com o ministro, que justificou dizendo que Percy não entendia dessas coisas.

A partir de então, a história do “príncipe burro” espalhou-se pela região, fazendo com que as pessoas não acreditassem na possibilidade de Percy saber governar. E essa pressão caía sobre seus ombros como ferro.

– Vamos voltar ao castelo – disse Luke – Antes que os raios comecem a cair sobre nós.

Os três riram. Mas, ao começarem a se afastar de perto de uma das muralhas, alguém riu ainda mais alto. Uma quinta voz, feminina e hipócrita cortou os pensamentos de Percy. Ao virarem em busca de seu dono, depararam-se com uma menina jovem de cabelos cor de mel e pele levemente bronzeada, de olhar frio e penetrante em direção ao príncipe.

– Veja só quem encontrei – a menina falou. – Perseu, o príncipe assassino.

Ao lado de Percy, Annabeth reprimiu um sussurro.

– Natalie... – ela engoliu o nome. Rachel virou-se para ela.

– Você conhece essa menina?

Natalie olhou para Annabeth pela primeira vez.

– Annabeth? Annabeth Chase? O que faz aqui?

A pele de Annabeth empalideceu. No momento de distração da menina, Luke sacou uma espada e colocou-se entre Percy e Natalie.

– Afaste-se do príncipe – ele falou em voz grave. – Agora.

A espada de Luke era divina, como sempre pensou Percy. Ela era forjada de dois tipos de metais diferentes, e Luke disse que era apenas por aparentar ser mais assustadora. A de Percy era bonita, mas ele não gostava dela. Por isso, nunca a carregava consigo, como o amigo. Era pesada e ele não conseguia manejá-la corretamente. Chamava-a Estorvo, quando seu nome real era Tesouro.

Mas ao ver a espada de Luke, Mortífera, apontada para uma menina com tanta violência assim incomodou Percy.

– Luke, abaixe a espada – Percy ordenou.

– Senhor, perdoe-me, mas é para sua defesa – Luke respondeu sem tirar os olhos da menina. – Semideusa – cuspiu a palavra.

Ela encarou a espada e seu dono de forma curiosa.

– Espada mui bela – Natalie disse por fim. – Foi com ela que cortou a cabeça de minha irmã?

Rachel segurou Annabeth quando ela tentou gritar. Luke partiu para cima de Natalie com a espada, mas a menina esquivou-se e sacudiu a mão ao ar, fazendo nascer pequenas ervas daninha que seguraram os pés de Luke, impedindo-o de avançar.

Percy estava assombrado. Ela era uma semideusa. E ele sabia de quem ela falava.

– Espere – ele gritou, quando ventou rugiu mais forte e começou a chover. – Você é irmã de Laura?

Luke tentava cortar desesperadamente as ervas em seus pés, mas elas não paravam de crescer. Natalie olhou para Percy com lágrimas nos olhos. Um raio cortou o céu.

– Laura Diher! – ela gritou o nome com orgulho, tentando ser ouvida acima do som da chuva. – Minha irmã mais nova, de doze anos, que foi morta por ordem de seu estúpido pai!

Percy olhou em volta. Não havia soldados por perto. O castelo estava longe, e por causa da chuva, ninguém acreditava que havia alguém tão distante da construção em plena tempestade de raios.

Ele estava sem reação. A menina estava em prantos quando sacudiu a mão com ódio no ar, e a grama do chão se desfez em uma areia movediça aos pés de Percy.

Annabeth se soltou dos braços de Rachel e agarrou Natalie pelos braços.

– Pare, Natalie, pare! – Annabeth tinha a voz esganiçada. – Por favor, volte, volte!

Percy caía dentro da areia movediça, que o engolia sem dó. Rachel tentou ajudá-lo, mas não encontrava aderência ao chão devido à chuva, e não alcançava os braços do primo. Luke ainda brigava com as ervas que estavam em suas pernas agora, e Annabeth ainda falava com Natalie, mas Percy não a ouvia. Desesperado, ele via a si mesmo somente com o pescoço para fora da terra, e continuava a afogar-se.

Ao longe, viu Natalie dizer em voz alta para Annabeth:

– Desculpe-me, Chase – ela disse com uma expressão vazia. – É por minha irmã, que... – suas palavras sumiram na chuva, até serem ouvidas de novo - ...minha pequena flor de jasmim.

Assim que ela completou a sentença, Luke se desvencilhou das ervas daninhas. Natalie fez as rosas de perto da muralha abraçarem Annabeth e a manterem longe, enquanto a menina aumentava o poder da areia movediça. Natalie estava tão concentrada em afogar Percy que não percebeu a aproximação de Luke e de sua espada.

Percy estava engolindo a terra e suas mãos seguravam-se precariamente à grama. Ele arrancava os matos em busca de salvação, mas só tinha o rosto para fora, e seus braços estavam pesados demais para serem erguidos. Rachel gritava seu nome e pedia para que ele segurasse em sua mão, mas ela estava longe demais. Annabeth ainda estava abraçada pela roseira, e os espinhos perfuravam seus braços.

A última coisa que viu foi Luke erguer a espada. Annabeth gritou “Natalie!” em uma voz tão dolorosa que Percy pensou em desistir de lutar e afogar-se apenas para não ouvir mais o choro dela. Seu cabelo coberto de terra caiu sobre um de seus olhos, mas ele viu. Ele viu e muito bem, quando a espada desceu sem piedade sobre Natalie.

Luke descarregou todo o peso sobre a arma, e a espada de dois metais era agora realmente aterrorizante. Quando tocou a pele de Natalie, parecia estar rasgando uma folha de papel. A espada percorreu seu corpo do ombro até debaixo das costelas em uma linha diagonal, e Natalie ergueu as mãos buscando o ar e soltando um grito agudo e assustador. Quando seu corpo dividiu-se ao meio, as duas partes bateram no chão com um baque surdo, sem vida. O sangue escorreu para fora e o cobriu juntamente com a chuva fria que caía.

Luke ergueu sua espada ofegante, e Percy já não se afogava. A areia movediça se desfez como mágica, e ele encontrou a si mesmo de joelhos sobre a grama. Annabeth livrou-se da roseira e tinha os braços arranhados e muito machucados. Rachel tinha os olhos fixos no corpo dilacerado ao chão, e o rosto de Natalie esboçava uma agonia mortal. O sangue na espada de Luke lavou-se pela chuva.

Rachel entrou em choque. Começou a gritar horrorizada, e Annabeth chorava compulsivamente sobre o corpo cortado ao meio. Percy estava sem ar, e tinha a impressão de estar se sufocando com terra, mesmo que a areia movediça já houvesse desparecido. Luke aproximou-se dele ajudando a tossir, e a terra saía da boca de Percy toda vez que ele tossia.

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Annabeth olhou para a espada nas mãos de Luke perturbada. Quando ele ofereceu a mão para ajudá-la a se levantar, Annabeth afastou-se aos pulos como se ele apontasse uma espada em seu pescoço. Rachel gritou e gritou até sua voz sumir, e finalmente soldados apareceram. Percy tinha a sensação de não ouvir mais nada.

Luke precisou bater em suas bochechas levemente para acordá-lo do choque.

– Senhor, senhor, olhe para mim – ele dizia, a pele branca como neve. – Percy, sou eu. Luke. Olhe para mim. Acabou. O senhor não está se afogando, não está.

As mãos de Percy tremiam quando ele segurou o amigo pelos ombros.

– Semideuses – ele gaguejou, a voz saindo falhada – são... monstros...

– Sim senhor, são mesmo – Luke concordava apenas para acalmá-lo. Mas Percy não se acalmaria. Nunca mais. Estava desesperado. Assustado. Quase morreu. E viu uma morte. E pela primeiríssima vez, a morte lhe agradara.

– Nós vamos matar todos eles – Percy finalmente formou uma frase completa, e não percebeu o peso do olhar desesperado de Annabeth sobre si.

– Sim senhor – Luke concordava. – Todos eles.

E Percy ainda tremia e tinha o olhar vazio, quando foi levado de volta ao castelo. As pessoas o cercavam, mas ele não ouvia suas vozes. A imagem de Natalie tentando matá-lo, e depois seu grito agonizante... e todo aquele sangue... dançava diante de seus olhos. Percy sabia que parecia um louco. Mas ele tinha medo. Muito medo. Suas mãos tremiam, e seus pensamentos não faziam sentido.

E ele não viu quando Annabeth chorou ainda mais enquanto ouvia o desejo mais profundo de Percy, naquele instante: o fim de todos os semideuses. Agora.