Era muito bom sentir a maresia batendo nos meus seios naquela madrugada extremamente estrelada. Fitei todo o céu escuro escutando o barulho das ondas se quebrando ao horizonte. Ao virar minha face eu encaro os dois olhos negros emoldurados por lindas sobrancelhas me observando. A pouca luz emitida daquele negócio que ele carregava clareava de longe sua íris, onde notei que sua pupila estava dilatada.

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Aquele seu cheiro amadeirado, muito típico dele, penetrava no meu corpo instigando todos os meus sentidos a fazerem coisas das quais seriam extremamente desconfortáveis naquele local ou que prejudicasse a saúde dele. Héclyro passou o polegar nas maçãs do meu rosto e depois a ponta de seu nariz arrebitado tocou no meu fazendo um carinho e notei que ele aspirava minha pele com muita vontade.

Ele descia seu rosto na curva de meu pescoço, que agora estava sem minhas brânquias, pois meu corpo todo estava fora do mar deixando minha cauda virar pernas. Os toques das suas mãos fortes em meus ombros me causavam leves arrepios. Como eu queria que aqueles breves momentos entre a gente fossem para sempre.

O espaço entre nossos corpos a cada segundo era diminuído, aumentando o atrito entre nossas peles. Sentir os pelos de seus braços e sua barba por fazer era muito prazeroso, na verdade ele todo me dava prazer. Amidh me segura. Ergui meu tórax sobre seu colo, e a cabeça dele ficou entre meus seios, apenas fiquei sentido o cheiro agradável que seu cabelo ondulado bagunçado exalava em meu nariz.

Ele apertava todo o meu corpo com muita força, cada vez mais eu partia para cima tentando fundir nossos corpos, pois parecia que ainda havia muito espaço entre nós. Puxei suas costas com minhas mãos e eu sentia minhas garras aumentando o tamanho e logo me contive para não machucá-lo.

Sentada no colo dele com meus seios em atrito aos dele, eu recebia alguns espasmos que percorriam minha espinha ao sentir sua mão apertando minhas costas e descendo cada vez mais. Até que ao notar seus dedos passarem pela minha barriga, abaixando-os aos poucos, um enjoo subiu instantaneamente em minha garganta.

Afastei-me rapidamente e pressionei minha boca com a mão tentando diminuir a náusea. Enchi meu corpo de oxigênio e depois expeli todo o ar preso dentro de mim, diminuindo assim aquela ânsia agonizante. Puxei meus cabelos para as costas, pois naquele instante parecia que até a presença deles na frente de meu rosto estava me sufocando. Misericórdia, isso tinha que acontecer logo agora?

Fiquei respirando calmamente até ter certeza que o enjoo tinha passado. Quem dera que aquele fosse o primeiro. No último mês eu só sentia vontade de expelir qualquer coisa que não fosse carne humana, ou seja, aquele ser que se desenvolvia em mim não queria comer peixe. Não que nós sereias vivêssemos comendo peixes, mas comíamos para manter certa força, algumas vezes na semana, e a carne humana era para manter nossa alma mais viva uma vez ou duas ao mês na lua cheia. E antes de sair de Neferice a gente tinha comido peixe, isso explicava o motivo do enjoo.

— Ally, tu estás bem? — perguntou quase em sussurro, colocando a mão em meu ombro fazendo um afago.

— Sim. — Minha voz estava mais baixa que o normal. Ainda de costas para ele, virei meu rosto em soslaio e emite um sorriso amarelo. — Ultimamente tem aumentado esses enjoos.

— Vê-la assim me cortas por dentro. — Ele me abraçou por trás dando-me um beijo no meu ombro.

Ao escutar ele falar, senti uma pressão no meu interior. Eu achava tão lindinho o jeito que ele se expressava, meu coração se apertava quando ele se abria daquela forma, algo que eu tinha muita inveja. Achava interessante como ele respeitava meu lado e minha dificuldade em conseguir me expressar sem me cobrar sentimentos.

Sentindo os braços de Héclyro me abraçar mais forte, acariciei minha barriga e olhando a lua minguante eu deixei um sorriso aleatório escapar. A brisa do mar e o cheiro daquele ser atrás de mim era basicamente minha definição do paraíso.

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— Obrigada por tudo — disse em sussurro olhando sua mão acariciando a minha sobre a barriga.

— Tudo o quê? — perguntou com o tom da voz bem baixinho na minha orelha, mordendo o lóbulo fazendo com que eu contraísse a cabeça entre o ombro sentindo um arrepio, deixando um sorriso largo escapar.

— Me entender... Entender tudo o que está acontecendo comigo. — Suspirei. —Sei que vivo falando isso para você, mas é como se eu me sentisse culpada, por ter que fazer essas coisas, quando na verdade eu só queria estar aqui ao seu lado. E às vezes eu me sinto mais culpada ainda por você ser tão compreensível, sabe?

— Ally, e o que eu farias a não ser tentar compreender toda a sua situação? — Ele colocou o queixo sobre minha cabeça pressionando-a para baixo, para me irritar brincando. — Não serei hipócrita e dizer que não me importo com o fato de tu dormires com outro homem... trit-o... tritõe. — Tritão, o corrigi afastando minha cabeça que estava abaixo da sua. — Enfim, mesmo sabendo que ele também gosta de outro igual a ele, me incomoda, pois eu te quero só para mim.

Permaneci em silêncio absorvendo tudo o que ele disse. Sempre deixei Héclyro sabendo de absolutamente tudo o que acontecia comigo, inclusive da gestação. Eu o admirava, pois se a situação fosse comigo, eu não sei se seria tão compreensiva.

— Às vezes eu tenho vontade de mergulhar nesse oceano para ti achar. — Ele passava o nariz em meus cabelos úmidos. — Eu sinto muito ciúmes de ti. É horrível ter que te dividir e não tê-la exclusivamente para mim.

— Não precisa sentir. — Sorri para ele.

— Só de olhar para ti e ver o tanto que tu és bonita, me faz questionar se ele também deve ser. — Ele suspirou deixando escapar tristeza. — Tenho receio de não ser tão belo quanto ele, mesmo sabendo de tudo ao seu respeito e de quem ele gosta. Ainda sim isso me deixa com um pé atrás, Allysa, pois nem a mulher mais bela daqui deve chegar aos pés da sereia menos bonita da sua tribo. Dessa forma, isso também deve se aplicar aos homens da sua espécie. — Nossa espécie. Ele abaixou a cabeça e notei seus olhos brilharem mais do que o comum.

Virei-me de frente para ele e fiquei observando seu rosto, pois ele não tinha noção de como era perfeito para mim. Héclyro era lindo de uma forma extremamente gritante para mim.

— Algumas fofocas circulavam no castelo após o baile de que “ela só podes estar acompanhando ele por ser príncipe”. — Ele deixou o ar escapar dos lábios entreabertos. — E entendi o que eles queriam dizer, como se tu fosses bonita demais par...

Meus lábios foram ao encontro dos dele calando-o rapidamente, não queria que ele continuasse a falar daquele jeito, pois aquilo me causava um enorme aperto no meu corpo. Aos poucos evoluí aquele beijo deixando nossas línguas se mesclar gentilmente. Passei minhas mãos em seu cabelo acariciando a região e depois descendo para suas costas sentindo a textura dos tecidos.

— Você é perfeito, por fora e principalmente por dentro! — afirmei. — Deixem falar, não ligue. Você é lindo, é o ser mais belo que já vi... seu cheiro... sua voz... sua covinha quando sorri. Tudo em você me atrai de uma forma inexplicável e isso me assusta, pois me avassala por dentro sempre me tirando o foco dos meus pensamentos. Pra ser sincera, você não sai da minha mente nem mesmo quando estou passando por grandes problemas... Até esse seu sotaque é bonito. — Não sei o que havia acontecido comigo, mas simplesmente coloquei para fora tudo o que eu pensava, e meu estômago parecia estar formigando. Talvez essas sejam as mudanças sentimentais que as escolhidas falavam que sentiam.

Ele ficou em silêncio por alguns segundos, levantou sua cabeça e me encarou. Aos poucos um largo sorriso se formou em sua boca mostrando toda sua arcada dentária perfeita e sua boca veio ao encontro da minha dando pequenos beijos intercalados de suspiros e sorrisos vindos de nós dois.

— Estou apaixonado por ti — disse Héclyro em sussurro, de olhos fechados com nossos narizes encostados.

— Eu também — falei, mesmo sem saber ao certo o que aquele tipo de sentimento significava, mas eu de alguma forma entendia que era importante para ele, então para mim também era. Héclyro abriu um sorriso gigantesco novamente e eu correspondi. Amei ver aquele seus olhinhos contraídos e aquelas covinhas se formando. Muito bonitão, para de ser por para baixo, coisa linda de Amidh.

Ficamos um tempinho ali nos curtindo e trocando carinhos. Cada vez mais estava se tornando difícil ficar longe do Héclyro, era como se uma força me puxasse para perto dele. A marca da Rosa dos Ventos nos ligava bastante, mesmo longe eu o sentia presente, não só nos pensamentos, mas também nas sensações.

O som do mar, maresia e dos nossos beijos contaminavam meus ouvidos. Eu queria que esses momentos fossem eternizados ao invés do caos que estava minha vida lá em Neferice. Só de me lembrar do que acontecia meu nervosismo voltava. Parecia que a qualquer momento algo ia explodir dentro de mim, ou que uma sereia ia surgir na minha frente batendo com a cauda na minha cara dizendo que eu estava pecando.

— Tu já percebeste uma coisa? — Olhei em curiosidade para ele. — Eu meio que sinto quando tu queres me encontrar nessa rocha, és como se fosse instinto. Acho isso tão estranho, mesmo depois de semanas sem te ver, eu me sentia persuadido a vir aqui com Elis a sua procura. — Olhei para o animalzinho de Héclyro deitado dormindo na areia.

— Talvez seja por isso aqui. — Trisquei na marca em seu pescoço, sorrindo para ele.

— Talvez sejas. — Ele olhou para marca no início do seu pescoço, quase escondida nos tecidos, tomando meu dedo para si e beijando-o. — Aliás, como tiraste um tempinho para vir aqui? Pois já fazias um bom tempo que tu não vinhas me visitar. Todo dia eu pensava em ti e eu sentia muito a sua falta. — Seu tom de voz foi baixando gradativamente.

— Bom, eu consegui arranjar um tempinho, pois disse que queria ficar sozinha colocando a culpa na gestação dizendo que estava estressada com toda aquela responsabilidade na tribo depois dessa viagem repentina da Marissa e tudo aquilo que eu tinha te falado que aconteceu entre mim e ela e com aquelas sereias na mesa de jogos. Então eles atenderam meu pedido e eu consegui dar uma fugida.

— E ela viajou para onde, mesmo? — Héclyro deitou-se na pedra me levando junto ao seu corpo posicionando minha cabeça em seu peito.

— Depois daquela discussão minha e dela, em que ela falou que não queria cometer o mesmo erro e depois sumiu na floresta de algas, eu no outro dia fiquei caçando ela na tribo. Mas recebi a repentina notícia, pela a nojenta da mãe da Tamara, a Natísys, de que Marissa teve de viajar para outras tribos para resolver uns problemas sobre importações com as outras anciãs. — Héclyro assentia ao que eu falava como se conhecesse todas as sereias que eu citava, achei aquilo engraçado, mas preferi não comentar nada. — Obviamente era mentira, eu acho que ela só não queria me encarar no outro dia e arranjou essa desculpa. Talvez a minha exuberante presença a incomodasse. — Sorri mais para mim do que para Héclyro que me fitou de canto do olho com um sorriso de lado.

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Respirei fundo e deixei o silêncio tomar conta de mim. Fiquei repassando na minha cabeça tudo que disse a ele e me lembro que depois dessa viagem da Marissa eu tinha que ficar fazendo o trabalho dela no Templo da Justiça com as outras sereias da bancada. Foram as piores semanas, pois ter que encarar elas era irritante. Elas por serem mais velhas achavam que tinham o direito de falar o que quisessem sem escutar algo de volta. Comigo não era assim, pois eu as retrucava, porque não consigo receber desaforo alheio.

— Me sinto aliviada te contando isso... bem menos estressada. — Deixei o ar sair do meu corpo pelos meus lábios entreabertos. — Só esses minutos perto de você conseguem fazer esses problemas sumirem da minha cabeça — confessei. Héclyro afagou minha nuca com sua mão e deu um riso nasal.

Fiquei fazendo carinho no peitoral de Héclyro brincando com os poucos pelos ali presentes na abertura dos tecidos que o cobria. Aspirava todo aquele seu cheiro me acalmando aos poucos. Eu tinha tirado a noite para desabafar com Héclyro, e por incrível de pareça aquilo me fazia tão bem, era como se um peso fosse tirado de meu corpo e me deixasse somente flutuando em águas mornas.

Quando eu tinha chegado à rocha para encontrar ele, e o vi em cima de Elis cavalgando, aquela pressão no peito vinha à tona... E nossa! Era uma sensação tão gostosa, era como se a distância intensificasse o que eu sentia por ele de forma avassaladora e vê-lo de longe fazia meu coração palpitar. Eu queria saber o que a cabeça dele estava pensando naquele instante.

— Tu podias largar tudo e vir morar comigo — disse ele com tom de humor cortando meus devaneios. Aquelas palavras foram soltas de forma tão simples, pois elas quebraram totalmente minha linha de raciocínio. A única coisa que consegui fazer foi deixar uma risada de nervosismo escapar.

— Se eu fizesse isso é capaz de um esquadrão de sereias virem aqui tomar conta de seu castelo e matar toda sua família. — Sorri para ele, mas só depois percebi que o que eu disse foi um pouco mórbido.

— Não custa sonhar — respondeu rindo para mim. — Aliás, minha avó andou perguntando por ti e eu tive que inventar desculpas tentando explicar seu sumiço, não só para ela como para boa parte da nobreza, já que tu viraste o assunto no castelo.

— Algo me diz que ela vai entender o sumiço — falei sendo sarcástica.

Depois de algumas conversas aleatórias, Héclyro me pediu algo muito estranho. Ele queria que eu cantasse, coisa que nesses vários meses que nos conhecemos eu nunca fiz. Eu fiquei ponderando entre cantar ou não, pois eu jamais tinha feito nada dessa forma que não fosse para matar e comer depois.

Mesmo assim resolvi começar a cantarolar uma breve melodia infantil que minha mãe me cantava. Tentava me lembrar dos versos vagos na memória, e aos poucos quando a música fluía na minha mente parecia que tinha se tornado mais fácil entoar a canção do início ao fim.

Cantei sem intenção de sedução ou hipnose, foi simplesmente para saciar o desejo de Héclyro, mas estranhamente aquilo me fez voltar lembranças boas. Eu não conseguia cantar olhando para ele, pois me sentia constrangida. Que coisa irônica vindo de uma sereia. O mais engraçado foi que depois de terminar, eu havia me dado conta que me lembrei dela toda.

Depois de algumas semanas, eu sempre mantinha a música na cabeça para não esquecê-la mais. No decorrer dos dias, minha rotina tinha se tornada cansativa, devido Marissa ainda não ter voltado e isso só agravava as coisas para mim, pois me sentia exausta fisicamente e psicologicamente só de ver aquelas filas de sereias para fazer reclamações.

Mesmo assim eu conseguia visitar Héclyro mais vezes, e teve uma semana que eu bati o recorde de números de visitas, fiquei com receio de ele abusar da minha cara. Na verdade eu estava com mais medo de estar afetando negativamente a saúde e o sono dele, mas como ele não havia reclamado de nada eu continuei.

Sempre que eu voltava do nosso ponto de encontro eu me sentia toda boba, mas toda vez que via as grandiosas estátuas de Amidh na tribo eu ficava com muito peso na consciência. Allysa você está muito ferrada, era só o que eu conseguia pensar. Contudo, parecia que aqueles sentimentos que eu sentia por Héclyro só aumentavam, era quase impossível passar duas horas dos meus tediosos dias em Neferice sem lembrar das nossas noites, principalmente das mais quentes. Eu sentia uma enorme necessidade de estar com ele o tempo todo, sua presença contínua era o que eu mais queria.

Os dias iam escoando rapidamente, as madrugadas principalmente. O que eu mais fazia era pedir para Tamara exigir informações da mãe dela sobre o paradeiro de Marissa, pois já havia meses de sumiço. E aquilo não era normal, uma anciã não podia passar tanto tempo longe de sua tribo. Ainda mais deixar uma pessoa como eu tomando conta de coisas tão difíceis. Mas eu tentava, juro!

As desculpas da Santa Bancada das Sereias Antigas era sempre a mesma: resolvendo assuntos pendentes com outras tribos. Marissa não tinha o direito de soltar um enigma para mim e fugir por meses, isso atormentava minha cabeça a ponto de me deixar louca. E as minhas variações de humores pareciam piorar. Fora os desejos de comer peixes estranhos que o Hammys pegava para mim e depois eu colocava tudo para fora.

Damysis e Tamara estavam sempre lá me aparando quando necessário, pois eu estava abusando da cara da Lyria, não sei o motivo, mas não queria deixá-la tocar em mim. Meu corpo estava a repugnando, mas era involuntário, pois eu nunca tive nada contra ela. No entanto, ainda sim Lyria me ajudava a me arrumar ou organizar minhas coisas. Parecia que meus sentidos tinham se atiçado mais e eu estava extremamente agoniada com pequenas coisas. Hammys e Héclyro estavam sendo muito pacientes comigo, pois nem eu conseguia me suportar. Tinha dias que eu acordava e só pedia para Amidh me levar logo, porque estava difícil.

Em uma dessas noites de caçadas, onde navios eram destroçados para nos alimentarmos dos humanos, Damysis e Tamara ficaram comigo no Santuário de Encubação, pois me proibiram de participar da matança devido a gestação. Hammys prometeu trazer a comida para gente, então ficamos papeando sobre nossas vidas e problemas, até que Damysis fez uma colocação que mexeu com minha mete:

— Ultimamente eu venho escutando comentários das sereias nos Templos do Sono a respeito da sua barriga.

— Também escuto isso, principalmente quando minha mãe recebe algumas sereias da bancada no nosso templo. Eu não queria falar nada para não te preocupar por causa da sua cria — acrescentou Tamara.

— Como assim, gente? O que elas estão fofocando? — Senti uma pontada de preocupação no meu estômago. Involuntariamente eu olhei para minha barriga e passei a mão. — Estão pressupondo que não estou grávida?

— Estão falando que ela está muito pequena, não que não está grávida. — Damysis evitou me olhar nos olhos.

Um frio se estabeleceu em todo o meu corpo, torcia para ser enjoo, mas era nervosismo mesmo. Minha mente estava tendo um lapso de pensamentos negativos e vários medos se posicionaram como foco naquele momento. Fitei meus dedos que tremiam contra minha vontade, depois guiei minha visão para Tamara que abaixou a cabeça.

— Eu acho que está no tamanho normal. Sempre fui bem magra. — Tentei parecer calma o suficiente para não transparecer nervosismo.

— Allysa, a gestação de uma sereia é de sete meses, você já está no segundo. Era para ela estar maior — falou Tamara, apertando suas unhas nas palmas das mãos calmamente.

— Cada sereia tem um biótipo específico — menti. Minha vontade era afastar as preocupações e acreditar na minha mentira.

— Deve ser... Sorte a sua, pois quase não parece que tem um ser aí — concordou Damysis apontando para minha barriga.

Fiquei em silêncio, pois no meu interior eu concordava com os rumores e fofocas das sereias da tribo. Todas as vezes que me olhava no espelho e via o tamanho da minha barriga eu estranhava, pois era como seu eu nem estivesse grávida, tinha apenas uma leve protuberância, nada demais. Hammys também sempre me observava pelo reflexo, mas não falava nada e isso me causava muito medo. A única pessoa que não deixou a entender nada foi Héclyro, pois ele nunca falou sobre o tamanho da minha barriga. Geralmente as que eram escolhidas, pelo menos as que vi, no segundo mês já tinham uma forma no corpo mais aparente que a minha

— Ainda vê o humano, Allysa? — Damysis perguntou cortando meus pensamentos.

— Sempre que posso — confirmei.

— Será se... — Tamara ia falar algo.

— Não! — Exclamei em desespero. — Impossível.

— Não, não é impossível, sabemos disso. O “humano” é a prova de que é possível. — Tamara colocou aspas com os dedos ao falar humano sendo sarcástica.

Fiquei calada e senti a mão de Damysis acariciar a minha, olhei para ela e fiz um sorriso amarelo tentando não transparecer estar tão nervosa por fora como eu estava por dentro. Tamara se afastou um pouco do meu lado e evitou me olhar, mas eu sentia que ambas também estavam preocupadas, talvez não tanto quanto eu, mas estavam. Na verdade eu fingia não estar, pois o mundo podia estar acabando, mas eu estaria lá fingindo que tudo estava bem.

— Acho bom fazermos algo para que esses boatos não se intensifiquem. Concorda, Tamara? — Damysis a fitou tentando amenizar a situação buscando uma sim em forma de consolo pelo olhar dela.

— Sim... Acho que seria conveniente você não sair muito na tribo, fique aqui no santuário, pois Tentaremos dar uma desculpa para as sereias da bancada sobre sua ausência nos seus deveres. — Tamara fez um “V” em suas sobrancelhas e comprimiu os lábios, pensativa. — Pelo menos até os comentários diminuírem e sua barriga crescer um pouco, mas é bom permanecer escondida.

Assenti com elas e concordando, pois era a única opção que eu tinha naquela situação.

— E evite encontrar o humano mais vezes. Pois sei que se pedir para você parar de vê-lo, iria dar um jeito de encontrá-lo escondida, como já faz. Então é melhor dar uma reduzida nessas idas à superfície. — Tamara levantou-se sem me olhar nos olhos, mas as pontas de seus dedos estavam agitadas.

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— Tamara está certa.

A única coisa que eu podia fazer era concordar, pois ferrada eu já estava em níveis catastróficos. Observei Tamara circulando pelo santuário e passando as mãos grosseiramente pelo cabelo que flutuava na água.

— Tamar..

— Eu sabia... eu sabia — falou quase que em sussurro mais para si própria do que para mim. Certeza que ela estava decepcionada comigo, pois se eu fosse ela também estaria. Tamara abriu a porta do santuário e saiu passando as mãos nas têmporas.

— Aonde você vai? — perguntei quase gritando, me levantando para segui-la, mas Damysis abaixou meus ombros.

— Fique aqui, deixa que eu converse com ela. — Damysis a seguiu.

Minha face queimava e aos poucos minha garganta estava se trancando junto a corrente fria que percorria todas as extremidades de meu corpo. Eu tinha consciência de que eu iria me dar muito mal. Visualizei o santuário com a porta aberta e vazio, todo branco em mármore, me transmitindo uma frieza enorme mesmo as águas do mar estando em uma temperatura agradável. Passei a mão em minha barriga sentindo minha pele. Por menor que ela estivesse eu iria proteger aquela cria com todas as minhas forças, pois foi para isso que fui ser a Escolhida. Aquele ser que eu estava gerando precisava de mim como eu precisava dele.