Ágda

O derradeiro treino


A noite desfilava impassível, através de uma passerelle de flocos prateados. A brisa gelada passeava arrogantemente, espremendo-se por entre as pequenas e solitárias habitações da antiga e distante Bluegard.

Ângela ergueu-se da sua cama, caminhou até à molhada janela e vislumbrou o firmamento escuro e tristonho, ao longe na misteriosa linha do horizonte nasciam os primeiros raios da fresca e jovem madrugada. As lembranças do dia anterior assaltavam a sua mente de treze anos como uma bomba altamente mortífera.

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Dégel entrava a paços lentos na sala de jantar, iluminado pelas milhares de velas que repousavam luzindo nos seus elegantes castiçais. Parou junto de um confortável cadeirão e sentou-se, olhando para a sua aprendiza, que se escondia por entre páginas velhas de um qualquer livro.

– Ângela, precisamos de falar. – Iniciou ele, em tom urgente.

– O que se passa, senhor Dégel? – Perguntou a jovem, imergindo das profundezas daquele misterioso volume. O seu bonito rosto estava ligeiramente corado devido ao intenso calor proveniente da requintada lareira. Os seus lindos olhos marinhos apresentavam um tom vermelho, fruto das inúmeras horas de estudo.

– Estás a estudar há imensas horas, larga esse livro de uma vez por todas. – Pediu Dégel, observando uma lágrima cansada que deslizava das profundezas azuis. – Como tu sabes, já estás aqui em Bluegard há cerca de três anos, fizeste grandes e magníficas progressões nos teus treinos, progressões físicas e teóricas. Contudo, a tua maior e mais complicada fragilidade reside inteiramente no facto de não seres capaz de me atacar numa situação real. – Iniciou o cavaleiro.

– Sim, eu compreendo, todavia acho que podíamos ultrapassar esse pormenor insignificante. – Sugeriu a jovem de cabelos cor de cereja esperançada.

– Isso está fora de questão, nem pensar. – Disse o Aquário irredutível. – Bem, amanhã será o teu último e derradeiro treino, quero que me mostres todo o teu poder, quero que eleves o teu cosmo até aos limites infinitos do distante universo estelar. Caso contrário, terminaremos o treino e tu jamais serás uma amazona. – Informou em voz gelada. – Por outro lado, se conseguires atingir parâmetros razoáveis brevemente adquirirás a tua armadura lendária. – Disse, pensando no futuro escondido por trás de todo aquele cenário gélido e agreste.

– Eu serei uma amazona, juro. – Afirmou Ângela, mordendo o seu fino lábio com a incerteza a rasgar-lhe penosamente o coração.

– Nunca duvidei disso. – Constatou Dégel, banhado no mesmo sentimento decrépito.

Ângela abanou a sua cabeça de lindos cabelos de fogo, tentando libertar-se daquela catadupa de emoções e pensamentos desconfortantes e injustos. Lamentava com todas as suas forças a tremenda falta de compreensão do seu querido e gelado mestre.

De súbito um intenso cheiro a puras rosas inundou-lhe a alma transtornada. Uma figura bela e majestosa deslizou suavemente pela sua cansada mente de treze anos. Uns lindos cabelos azuis dançavam-lhe nos olhos ensonados e vermelhos.

– Albafica! – Pensou ela tristemente. – Se eu não ultrapassar o cruel treino que me aguarda ansioso, nunca mais te vejo, nunca mais te direi o quanto gosto de ti. Irei superar esta dolorosa e traiçoeira meta! – Disse ela determinada, sentindo o seu coração pulsar intensamente contra o seu peito. – Eu serei uma amazona! – Exclamou ela, abandonando a janela coberta de orvalho matinal e saltando de novo para o mundo quente dos seus cobertores.

Unity entrou rapidamente na quente sala de jantar, onde Dégel já estava sentado, comendo com dificuldade uma torrada barrada com compota de avelã. A partir daquela fatídica noite, em que o cavaleiro visitara Ângela enquanto dormia, a relação dos dois amigos nunca mais fora a mesma, todavia tentavam ultrapassar juntos aquela questão constrangedora e infantil.

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– Bom dia, Dégel. – Saudou o lindo jovem, sentando-se ao lado do cavaleiro de ouro. – Como estás?

– Estou ótimo. – Respondeu o dourado. – Será um treino igual a todos os outros. – Disse, fingindo falsa confiança.

– Nem tu acreditas no que estás a dizer. – Constatou o aristocrata louro, olhando no fundo gelado do aprisionado coração do jovem Dégel. – Podes falar comigo, apesar de tudo o que nos separa, os fios que nos unem são mais fortes e fiéis.

– Eu tenho receio que ela falhe. – Admitiu Dégel, assombrado por aquelas ideias. – Se isso acontecer eu não vou poder fazer nada. Nesse caso ela terá que enfrentar o seu próprio destino sozinha, visto que eu terei que voltar para o santuário em breve. – Desvendou ele tristemente.

– Ela nunca ficará sozinha, eu cuidarei dela. – Prontificou-se Unity. No entanto aquela afirmação em nada reconfortou o cavaleiro, ele não queria por nada ficar longe da sua aluna. – Fica tranquilo. – Finalizou o jovem, devorando uma grande colher de compota de amêndoas.

– Sim, eu sei disso. – Respondeu o dourado infeliz. – Ela ainda não tomou o pequeno-almoço, pois não? – Perguntou.

– Não ainda não, apenas tu e eu estamos acordados. – Esclareceu Unity, continuando o seu combate contra o frasquinho de compota.

– Certo, vou acordá-la. – Disse Dégel, finalizando a refeição a muito custo.

– Não é necessário, estamos aqui. – Falou a doce voz de Serafina, entrando na divisão acompanhada de Ângela que tremeu ligeiramente ao avistar o cavaleiro.

– Bom dia. – Disseram os dois rapazes em uníssono perfeito.

As duas amigas sentaram-se à mesa servindo-se de torradas e sumo de frutos frescos. A garganta da jovem ruiva estava presa, impossibilitando a passagem da comida. Dégel olhou-a preocupado, reconhecia perfeitamente aqueles sintomas de nervos incontroláveis.

– Fica calma, tudo correrá pelo melhor. – Segredou Unity, beijando-lhe a face ternurenta. – Não fiques nervosa. Estarei sempre a pensar em ti. – Disse amorosamente.

– Eu não estou nervosa. – Mentiu Ângela, tentando engolir o sumo fresco e delicioso. – Eu estou bem, não se preocupem. – Disse ela em voz alta, surpreendendo todos os presentes.

Os seguintes minutos decorreram em silêncio, todos eles tentavam comer, todavia a tarefa não era fácil. Ângela desistiu, empurrando o pratinho de ouro para bem longe de si.

– Espero por si lá fora, senhor Dégel. – Anunciou ela, levantando-se e caminhando até ao exterior gélido e deprimente.

Unity, Serafina e Dégel entreolharam-se, quando a cabeleira de fogo mergulhou na manhã Invernal.

– Tu tens um plano, certo? – Interrogou o jovem louro curioso.

– Claro que tenho, mas será apenas usado em último recurso. – Respondeu o Aquário. – Tu assistirás ao treino? – Perguntou, dirigindo-se ao amigo.

– Claro, estarei sempre com ela. – Respondeu Unity, lançando um olhar interrogativo ao cavaleiro.

– Então vou colocar-te a par da situação e do meu plano. – Disse Dégel, baixando a voz, transformando-a num sussurro urgente. – Eu pedia um…

Ângela caminhava de um lado para o outro tendo como companheira fiel e silenciosa a bela e prateada neve. O receio apertava-lhe horrivelmente o coração palpitante. O desespero turvava-lhe a mente. A ansiedade egoísta atrofiava-lhe os músculos. A tremenda espera congelava-lhe o sangue. Até que por fim paços apressados cortaram o silêncio inscrito em cada doce floco de neve. Dégel e Unity saíam da antiga e senhorial mansão nobre, dirigindo-se ao sítio onde ela estava.

– Vamos? – Questionou o cavaleiro.

– Sim vamos. – Respondeu corajosamente a menina. Unity aproximou-se dela e pegou na sua mão trémula e fria, começando a andar, rumo ao misterioso destino escondido por aquela imensidão branca e graciosa.

Qual o plano de Dégel? Qual o resultado deste derradeiro treino?