Os pais voltaram taciturnos para casa. Alimentaram-se e trocaram de roupa. A mãe não chorava mais, e seu marido ficou preocupado com aquela contenção de emoções. Ele tinha medo que ela surtasse e perdesse a cabeça.


Se sua filha tivesse sido presa pelos militares ... Ele não queria nem pensar. As pessoas sentiam calafrios ao mencionarem os militares. Eram como reis, intocáveis. Eles tinham imenso poder e autoridade em suas mãos. Poder de vida ou morte.


Seu Aldo sentiu os joelhos fraquejarem. Ele procurou uma cadeira para sentar. Se sua filha foi presa em uma reunião clandestina da UNE, ela estaria agora numa prisão do Exército. Estaria sendo interrogada. Logo eles chegariam à conclusão de que ela não sabia de nada e de que nunca havia feito nada de mal na vida. Ela então seria libertada. Eles a libertariam, ele tinha certeza disso.


Eles passaram aquela noite calados, tristes, recolhidos em si mesmos, sem se tocarem. Era como se estivessem de luto. Seu Aldo, contudo, ficava repetindo para si mesmo que sua filha estava viva e que logo voltaria para casa. Ele passou a noite insone.


No dia seguinte ele avisou a esposa de que iria trabalhar, porque seu patrão era amigo de militares e poderia entrar em contato com eles, e descobrir algo sobre sua filha, caso ela realmente tivesse sido presa. Sua esposa nada falou, mas deixou transparecer a tristeza e agonia na face.


– Senhor Guilherme, gostaria de lhe falar um assunto particular, se o senhor me permitir.


– Pois não, Senhor Aldo! Pode entrar.
– Eu estou com um problema familiar, Senhor Guilherme. Minha filha desapareceu faz quatro dias.


– Eu sinto muito! Já deram parte na polícia?


– Já! Soubemos por colegas da faculdade que ela foi a uma reunião de estudantes na noite em que ela desapareceu. Eu temo que ... os militares a tenham prendido.


– Entendo!


– Eu já percorri delegacias, hospitais, necrotério ... e nada. Acho que ela está em uma prisão militar, Senhor Guilherme.


– Eu lamento muito, Senhor Aldo. Não sei como eu poderia ajudá-lo.


– O Senhor conhece os militares, Senhor Guilherme, o senhor poderia perguntar a eles se a minha filha está com eles ...


– Não, não, não ... - O homem balançou a cabeça negativamente enquanto falava com veemência.


– Por favor, Senhor Guilherme, ela é minha filha única. A mãe dela está desesperada. Nós só queríamos ter uma certeza de onde ela está. - Seu Aldo começou a chorar.


Senhor Guilherme esfregou as mãos no rosto, engoliu em seco e desviou os olhos do empregado. Levantou-se e se dirigiu à janela.


– As coisas estão diferentes agora, Senhor Aldo. As coisas voltaram ao tempo dos bárbaros, onde a lei do mais forte impera. Eu não posso simplesmente perguntar a um militar se ele tem a sua filha em seu poder. Eu poderia ... ser preso apenas por causa disso.


– Minha filha só tem 17 anos. Ela faz sociologia na PUC. Ela não é uma ameaça aos militares. Ela apenas foi levada por elementos estranhos até essa reunião de estudantes. Ela não tinha nenhuma noção do perigo que corria. Eu tenho certeza disso. Faz 4 dias que ela sumiu. Eu e minha esposa mal dormimos de tanta preocupação. - Seu Aldo chorava livremente agora.


– Senhor Aldo, acalme-se. Eu vou falar com um amigo meu que é militar. Tentarei descobrir se eles prenderam sua filha. Agora ... vá para casa. O Senhor não tem condições de trabalhar hoje. Vá! Fique ao lado de sua esposa. - Senhor Guilherme ajudou o outro homem a se erguer do sofá e o conduziu à porta da saída.


Seu Aldo foi para casa. Ficaram ele e a esposa deprimidos, apáticos, calados, como se sua filha já estivesse morta. Ainda havia a possibilidade de que ela voltasse para eles, mas esse era um tênue fio de esperança, que mantinha-se precariamente.


O Telefone tocou. Era Léia. Ela marcou um encontro no chafariz central do Jardim botâncio. Seu Aldo foi sozinho e convenceu sua esposa a ficar em casa, para o caso de alguém telefonar dando notícias. Ela concordou sem resistência, e por um momento seu marido achou que aquela passividade não era normal, mas ele tinha que sair e ir ao encontro daquela moça politizada, a única que lhe deu uma pista do que poderia ter realmente acontecido com sua filha.


O dia estava ensolarado e uma brisa fresca tornava aquele passeio agradável. Seu Aldo não poderia se importar menos. Ele preferia estar sob o sol escaldante do Sahara, se sua filha voltasse para casa, sã e salva.


– Como vai, Seu Aldo? - Léia falou às suas costas.


– Não muito bem, e você sabe o motivo. Então, Léia, o que tem a me dizer?


– Alguns colegas de faculdade conseguiram escapar do congresso clandestino da UNE. Eles confirmaram que sua filha e o Neco foram presos pelos militares.


Seu Aldo ficou encarando-a por um momento, então ele sentiu como se o peso do mundo caísse sobre suas costas. Suas pernas ficaram bambas e ele viu tudo ficar turvo. Léia o amparou e o ajudou a sentar-se próximo ao chafariz. Ela chegou a molhar seu rosto com água do chafariz.


– Por favor se acalme, Senhor Aldo. Desculpe! Eu deveria tê-lo preparado para a notícia, mas esse tipo de coisa vive acontecendo no meio acadêmico, que nós nem nos desesperamos mais. É claro, as coisas são piores para os colegas que se filiaram a grupos revolucionários.


– O que?


– Alguns colegas realmente se engajaram na luta armada. Eles chegaram inclusive a ter treinamento de guerrilha. Nem todos, é claro. A grande maioria é apenas simpatizante ou curioso, como a sua filha.


– Por que não me contou tudo isso antes?


– Por que estamos sendo caçados como terroristas ou criminosos de guerra? Todos temos medo e devemos ser cautelosos. Troquei diversas vezes de ônibus, antes de vir para cá. Até abandonei os estudos. A PUC não é mais segura. Há traidores e espiões infiltrados, que delatam os próprios colegas para os militares.


– E a minha filha?


– Como ela não sabe de nada, deve estar viva, ainda. Deve ser fichada agora. Vai ficar marcada como subversiva. Talvez seja condenada a alguns anos de cadeia. Os colegas militantes de grupos armados, ou considerados subversivos e comunistas ... bem, esses geralmente são assassinados. - Léia falou tristemente, olhando para o chão.


– O que? Como pode falar essas coisas como se fosse algo normal? Minha filha é inocente. Ela não é política ou ... revolucionária. Ela nunca fez mal a uma mosca, que dirá lutar contra o governo militar desse país.


– Por favor se acame, fale baixo. - Léia começou a olhar para os lados, desconfiada de que pudessem ser ouvidos. Ao ver um indivíduo fardado ao longe, ela se inquietou. - Desculpe, preciso ir. Aqui não é mais seguro. - Ela se afastou ligeira.


– Espere ... não vá!


Seu Aldo tentou segui-la, mas uma tontura o fez sentar-se pesadamente na balaustrada do chafariz. Ele molhou a face com a água do chafariz e esperou sentir-se melhor, para poder voltar para casa.