À Procura de Adeline Legrand

História de Gerações


Fiquei sentada no banco, ainda sem acreditar no que estava acontecendo. Sim, era Nathaniel. Ou melhor, Natanael. De cabelos castanhos, longos quase até os ombros, com as pontas levemente douradas. Os olhos, iguais aos do pai, iguais aos de Nathaniel. Era difícil acreditar que aquilo não era ilusão e que eu teria que me internar em um hospital psiquiátrico.

Eu tenho tantas perguntas... Será que ele é psicólogo também? Será que possui os mesmos costumes e manias? Será que usa óculos para ler e escrever? Eu nem reparei em suas roupas... Obviamente ele não usaria terno, camisa social ou colete.

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Olhei para cima quando duas silhuetas pararam na minha frente. Me levantei para ter melhor visão dos dois, notando como eles eram parecidos. Não eram pai e filho e sim uma cópia e outra cópia. Essa genética dos homens Bergers é persistente...

— Você está bem? — Abner questionou. — Meu filho disse que você não parecia se sentir muito bem.

— Eu estou melhor. Acho que foi a pressão que baixou...

— Se você se sentir mal novamente me diga, posso levá-la ao hospital.

Afirmei e não consegui impedir de perguntar algo. — Você é médico?

— Sim. Maria comentou?

Eita... — Talvez, não tenho certeza.

— Ah, tudo bem. Então... Acho que você deve ter achado estranho essa... movimentação — comentou, sorrindo depois de dar uma rápida olhada para o filho.

Eu nem sei se ainda consigo achar alguma coisa estranha. — Bom, ele comentou que meu nome era famoso na família de vocês. Fiquei curiosa sobre isso.

— Imagino que sim — falou Abner, indo se sentar no banco logo à frente. Notei que ele usava roupas sociais. Vi de relance as roupas de Natanael enquanto ele se sentava ao meu lado, que vestia peças comuns, calça jeans escura e uma camiseta cinza. — Agora que chegou o momento eu nem sei como começar. — Ele riu.

— Por que não começa na época em que soube das cartas? — sugeriu Natanael.

Cartas?!

— Isso. Então, Heloise, eu tinha quinze anos quando, pela primeira vez, soube de cartas que passaram pelas gerações da nossa família. Minha mãe, Coline, me apresentou cartas que meu bisavô escreveu para uma moça chamada Heloise Dumas, que não era a esposa dele.

Jesus, eu acho que vou desmaiar... Nathaniel se casou com quem? Louise?

— Eu fui o último da minha geração a conseguir ler essas cartas, minhas irmãs já tinham lido e falavam disso sempre que conseguiam... Essas cartas foram assunto de diversos almoços e jantares, para você ter uma noção.

— Você não vai passar mal de novo, vai? — Natanael perguntou, me observando. — Você está com a mesma cara de quando eu te vi aqui.

Acorda, Heloise. Para de agir assim, é óbvio que eles vão achar estranho! Você precisa agir como se não soubesse de nada disso!

— Não, eu estou bem. Eu só... estou muito entretida com a história. Para quem eram essas cartas? — Voltei a encarar Abner. — Quem era essa moça, se não era a esposa do seu bisavô?

— É aí que está. Não temos como ter certeza. Sempre que discutimos isso, na família, chegamos à conclusão de que meu bisavô era apaixonado por essa moça. Talvez eles tenham tido um relacionamento que não deu certo, talvez a moça fosse de outro lugar e teve que ir embora... Ou eles tinham uma amizade muito forte... O que seria estranho, porque se fosse o caso, provavelmente ele saberia o endereço dessa moça para mandar as cartas, mas ele não escrevia nada além do próprio nome e do nome da moça, no caso, o seu.

— Quando Maria me deu o caderno de inglês dela para me mostrar algumas anotações bonitinhas que você fez — comentou Natanael, sorrindo —, eu vi seu nome e mostrei ao meu pai. Automaticamente lembramos das cartas e nem acreditamos que finalmente tínhamos achado alguém da família.

— Mas... vocês nunca pensaram em procurar? Na internet, em algum cartório, sei lá.

— Não — respondeu Abner, se curvando para frente, apoiando os cotovelos nas coxas. — Essas cartas praticamente se tornaram lendas da família. Nunca pensamos em procurar, vai saber por quê. Talvez todos pensaram que seria em vão, já que são bem antigas... E quando menos esperamos, você apareceu.

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— A pergunta é... Heloise Dumas era sua tataravó? — Natanael me olhou. — Seu nome foi uma homenagem? Porque o meu foi uma homenagem ao meu avô, que se chamava Nathan, e ao bisavô do meu pai, que se chamava Nathaniel, o responsável pelas cartas.

— Eu... não sei, talvez seja, nunca parei para perguntar isso a minha família... Mas o que tinha nessas cartas, afinal?

— Muitas coisas — disse Abner. — Meu bisavô escrevia sobre acontecimentos da vida dele, sobre alguns amigos, ele citava algumas famílias amigas. Como os Le...

— Legrand?

— Sim, isso. Como sabe?

Caramba, Heloise! — Eu pensei... na família de uma amiga.

— Sua amiga é uma Legrand? — Natanael indagou, surpreso. — Caramba, que coincidência.

Bota coincidência nisso... — Pois é.

— Ele citava outras famílias, falava do trabalho dele de psicólogo... Claro que ele escrevia tudo isso como se estivesse contando a sua... tataravó, sabe? Mas obviamente as cartas nunca foram entregues e ninguém sabe por quê. Meu avô soube das cartas pouco antes de Nathaniel morrer. Ele pediu para que as cartas passassem de filho para filho para, quem sabe, chegassem a alguém da sua família um dia.

Esfreguei o rosto com as mãos, atordoada com tanta informação. — Quando... ele morreu? Você sabe?

— Em mil novecentos e trinta e nove. Quatro anos depois que meu pai nasceu.

Caramba... Ele morreu tão novo. Tudo bem que naquela época não era incomum as pessoas morreram pouco depois dos cinquenta anos...

— Pelo jeito... nada dessa história toda chegou à sua família. — Abner percebeu minha reação e tentou aliviar os ânimos mudando de assunto.

— Não, pelo menos eu nunca soube. Será que... eu poderia ler essas cartas? A Maria poderia me trazer e eu juro que devolvo. — Depois de escanear.

— Eu te deixaria ler com o maior prazer, mas não sei onde elas estão...

— No sótão — disse Natanael, de repente. — Eu estava lá olhando algumas caixas e vi o bolo das cartas, eu só preciso procurar de novo porque não lembro em qual das caixas está.

— Ótimo, você pode fazer o favor de procurá-las?

— Claro. — Ele se levantou no pique e me olhou. — Vamos lá.

Quê? — Eu... eu vou junto?

— Não é você que quer ler as cartas?

Encarei Abner, surpresa. Ele sorriu, incentivando. — Pode ir. Acho que a Maria vai querer ficar mais um pouco por aqui.

Meu coração começou a disparar. Eu queria muito ir, mas não sabia se podia deixar a escola no meio da exposição. Em um pico de emoção, levantei e comecei a andar, sendo acompanhada por Natanael.

— Eu não sei se posso deixar a escola agora — comentei, levando os dedos até a boca para mordiscar as unhas.

— Diga que precisa sair por uma emergência... Ou diga que você está passando mal, aproveita que ainda está pálida.

Isso, é uma boa.

Entramos no pátio interno ainda cheio. Procurei, por entre as pessoas, a professora de história. Assim que a encontrei, fui até ela e lhe toquei o ombro.

— Heloise... o que foi? Por que você está pálida desse jeito? — Ela me olhou, preocupada.

— Eu acho que minha pressão baixou...

— Será que ela pode ser liberada? — Natanael falou. — Eu posso levá-la ao pronto-socorro.

— Claro, eu aviso a Abby. Vai lá, espero que fique melhor.

— Obrigada.

Voltamos a andar, dessa vez, para fora da escola. Enquanto caminhávamos pela rua, dei uma olhada de canto para o homem ao meu lado, que tinha acabado de colocar uma mecha de cabelo atrás da orelha. Eu quase suspirei. Nunca imaginei aquele rostinho com cabelos grandes, e ele ficava um charme.

Ele me olhou e eu disfarcei, como se estivesse olhando para o outro lado da rua.

— Você... já leu as cartas? — perguntei, curiosa.

— Já, duas vezes. Uma quando tinha uns onze anos, quando tive interesse em saber sobre elas, mas eu não li todas, acabei cansando na quarta. — Riu, lembrando de algo. — E há umas semanas li de novo, dessa vez, tudo o que deu.

— Como assim tudo o que deu?

— Tem muitas partes que estão apagadas, tem dois ou três envelopes vazios, alguns papéis rasgados ou com manchas de algum líquido. O que não é surpresa, essas cartas passaram literalmente por todas as mãos de todos da minha família.

— E o que você achou?

— Achei que deviam pelo menos ler e comer depois...

— Não, sobre o conteúdo das cartas. Sobre o que seu tataravô escrevia.

— Ah... Eu acho que ele parecia muito feliz quando falava sobre as coisas de sua vida, mas parecia triste quando falava daquela moça.

Ai, Deus...

Em cinco minutos de caminhada, chegamos na casa de três andares, contando com o sótão. Fiquei chocada com o tamanho da construção e Natanael sorriu ao ver minha reação.

— Bem exagerado, não é? Apesar de ser grande, precisa de muitas reformas. Meu pai quis se mudar para essa casa porque descobriu que meu avô morou aqui quando era mais novo — explicava ele, enquanto girava a chave na fechadura da porta de entrada. — Ainda tem bastante caixas espalhadas por aí, não faz muito tempo que nos mudamos...

Entramos e eu prontamente observei tudo. Estávamos em um corredor e de ambos os lados haviam arcos enormes. À direita, era uma sala de estar com lareira, sofás e uma televisão no chão. À esquerda, uma sala com pilhas de caixas.

— O cara da imobiliária disse que essa era uma sala de música — comentou Natanael, parando na frente do arco da esquerda. — Eu fico imaginando como era na época do meu avô... Provavelmente tinha um piano, alguns sofás chiques... É engraçado parar para pensar, não é?

— É, acho que sim...

Natanael seguiu em frente no corredor, onde saímos em um pequeno hall. Havia uma escada de madeira escura à esquerda e antes de segui-lo para cima, dei uma rápida olhada para a direita, onde vi outro arco, um pouco menor, que dava para uma sala de jantar. Subimos para o segundo andar, saindo em outro hall quadricular com três portas em cada parede, mas o homem seguiu para outra escada logo ao lado da que subimos. Saímos em um salão médio, sem paredes, apenas com algumas colunas que sustentavam o teto, que no centro era mais alto. Ali, haviam alguns móveis e muitas caixas, pequenas, médias e grandes.

— Agora só preciso me lembrar onde eu estava mexendo... — Ele falou, indo para uma das pilhas de caixas mais próximas.

Fiquei parada ali, o vendo abrir a primeira caixa e olhar para dentro dela. Seu olhar concentrado era o mesmo que eu me lembrava. De repente, ele olhou para trás.

— Não precisa ter vergonha, vem. Vou precisar de ajuda.

Timidamente, me aproximei, indo para a caixa logo ao lado da que ele estava mexendo. A abri e comecei a procurar.

— As cartas estão dentro de alguma coisa?

— Dentro de uma caixa de madeira talhada.

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Me surpreendi quando bati o olho em uma caixa de madeira, e a peguei. — Essa?

Natanael me olhou, surpreso. — Essa foi rápida.

Mordi o lábio, receosa. Eu realmente queria saber tudo o que Nathaniel escrevera para mim?