– Acho que você não esperava me ver, né?

– Não... – Murmurou Fatinha olhando estática para a Loira que não via há exatos sete anos – Entra, por favor.

– Valeu.

– Quer alguma coisa? Um suco, refri... Chá? Acho que morando em Londres você deva preferir isso.

– Não tá tudo bem... Eu só vim falar com o Dinho.

Fatinha prendeu a respiração quando Lia falou no nome do seu ‘marido’. Lia não sabia, mas por mais que ela quisesse, Dinho não poderia falar, brigar ou fazer seja lá o que for com ela.

– Por quê? – Perguntou direta sem paciência ou emocional para joguinhos. Não acreditava que a Marrenta estivesse na sua sala, no apartamento que no passado foi só de Adriano – ‘Qualé a sua’, hein? Não vai me dizer que tá com saudades dele!

– Não... Mas, talvez ele esteja com saudades minha. É sobre isso que eu vim falar – Lia tirou a carta que recebeu em Londres de dentro da bolsa e mostrou a outra. Fatinha pegou o envelope e olhou fixamente para ele – Sabia que seu marido anda escrevendo para mim? Não sei você, mas no seu lugar eu ficaria bem puta da vida se o cara com quem sou casada por acaso escrevesse para uma ex que mora do outro lado do atlântico.

– Não foi ele... Fui eu.

– X –

– O que você descobriu?

– Pouca coisa, mas bem interessantes. Ela trabalha numa fundação que dá assistência a crianças carentes, é a diretora... Quem diria que a Fatinha fosse chegar tão longe, né? Aposto que você não, Bruno.

– Dá para parar?! Acha que isso já não é tudo muito desgastante para mim? Eu posso ter um filho e nem sabia disso – Exclamou o moreno, mas sua consciência lhe desmentia. Ele sempre soube da verdade e negar isso para Rasta não mudaria nada – Um filho que não sabe de mim e que chama outro, aquele moleque inconsequente de pai!

– Olha, te aconselho a ir com calma. Tecnicamente, ele é o pai, criou, registrou... Tem laços com a criança. Você não pode bater de frente se quiser, realmente, ficar perto do menino.

– AH, me cona uma novidade! Claro que eu sei disso... Por isso te liguei. Você é advogado, pode me ajudar a me aproximar do garoto.

– Isso vai ser simples, difícil mesmo vai ser você conseguir drobar a mãe dele – Concluiu Rasta astuto, muito atento ao fato do amigo ser apaixonado pela ‘Periguete’ – Ela tem muitos pontos contra você, meu amigo.

– Eu sei... – Falou desanimado.

– X –

– Como assim você?! – Indagou a Marrenta perdendo a compostura.

Lia acreditou, quando deixou o hotel em que estava hospedada com a família, que tudo seria bem simples: Ela iria até Dinho diria tudo o que tinha para dizer e partiria em seguida sem nenhum assunto pendente com ele. Mas saber que tinha sido Fatinha e não Adriano a lhe enviar a carta mudava muito os seus planos. Ao chegar ao apartamento do casal e deliberadamente informar que ele lhe escrevia para a Loira pensou, mesquinhamente, que era uma forma de se vingar dele e dela também, por ter casado com seu ex-namorado. Entretanto, sendo ela a remetente era como se seu golpe não tivesse efeito, pior, ela foi a pessoa atingida.

– Não eu, bem, mais ou menos eu é o que quero dizer – Atrapalhou-se Fatinha ao explicar – Eu sabia sobre a carta e...

– E o quê?! Achou que seria divertido? Que você e ele podiam tirar uma com a minha cara? Porque se foi isso que vocês pretenderam, fique sabendo que...

– Dá para calar a boca e me deixar terminar? – Interrompeu Fatinha. Lia a fuzilou com o olhar – Ele nãos sabe, nem poderia... – Falou por alto ao pensar em Dinho no hospital. “Ele não fazia ideia”, entristeceu-se ela – Olha, não sei se existe uma forma certa de dizer isso ou explicar, a verdade é que eu ainda não compreendo, apesar de ter vivido cada momento... Se tiver algo que possa dizer em minha defesa é que ninguém quis magoar você ou sei lá o quê que essa sua mente tão perturbada possa estar pensando. Desde o inicio, foi por ele... Só por ele.

– Eu... O que tá acontecendo? – Perguntou Lia num fio de voz. Algo dentro dela dizia que o que estava por vir não era bom... Era mais do que ela podia suportar.

– Acho melhor eu te mostrar.

– X –

– Faz dois anos. Acidente de carro... Ele está em coma desde então.

Lia olhou para o corpo imóvel sobre a cama. Era Adriano, o seu Dinho, um pouco mais velho do que se lembrava, os mesmo cachos, o semblante em paz... Se ela não tivesse escutado toda a história juraria que ele estava dormindo ou lhe pregando uma peça estúpida e sem graça e que quando se levantasse ela poderia lhe dar um bom soco na cara só para ele aprender que com ela não se brinca.

– Lia?

A Marrenta se aproximou da cama, um passo hesitante atrás do outro diminuindo a distancia entre eles. Foram muitos anos e em nenhum momento ela pensou que o reencontraria assim, tão sem... vida. Lia não sentia, não imaginava ser possível sentir qualquer coisa naquele instante... Choque? Raiva? Tristeza? Um pouco de tudo e tudo de nada. Era Dinho, o Idiota por quem ela se apaixonou há muito tempo e que sem nenhuma consideração partiu seu coração. E mesmo depois de sete anos ele ainda tinha a capacidade de quebrar algo que ela sequer tinha concertado.

Como um autômato, Lia ergueu a mão ate ele, a centímetros do rosto. Mas ela não o tocou, seus dedos ficaram suspensos no ar sem que Lia tivesse forças para prosseguir. Seria assim? Sem ele, ao menos, olhar nos seus olhos?

– Ele odeia que toquem o cabelo dele – Falou mais para si do que para Fatinha – Odeia.

– É, ele detesta mesmo.

“O que eu to fazendo aqui?” Pensou ao mirar mais uma vez o rosto sereno.

– Eu preciso ir, minha família tá me esperando.

– Lia, por favor, vamos conversar.

– Uma outra hora, eu preciso mesmo ir.

Lia saiu em disparada pela porta sem enxergar nada a sua frente, sua visão embaçada por lágrimas que por algum motivo não caíam. Por que ela estava assim? Era natural ela sentir pena, afinal ele é um ser humano e o que vivia era uma tragédia, mas não tinha nada a ver com ela tinha? Lia deixou de se importar com ela há muito tempo, por isso não deveria estar tão abalada... Dinho era um imbecil que bateu o carro enquanto fazia alguma estupidez e ela deveria sentir o que? Compaixão? Culpa? Não, ela não tinha culpa, não devia nada a ele. Adriano era só um idiota do seu passado... Um fantasma que a perseguiu por muito tempo apesar da dor e dos quilômetros que o se separaram. E ela nem sabia que a distância seria maior do que ela imaginou... Ele era só passado. Dinho era só o seu amor.

– X –

– Obrigado por vir.

– Como foi? – Perguntou Fera ao entrar no apartamento da Loira. Horas depois de deixar o hospital, Fatinha ainda tentava se situar na avalanche de sentimentos que sentiu naquele dia. Não acreditou que Lia a procurasse, no caso Dinho, e não pode prever a reação dela. Ela sentia-se impotente, de certa forma, era um pouco culpa sua.

– Não foi... Eu não sei o que rolou, só que nós fomos até ele e ela meio que paralisou. Do nada disse que tinha que ir embora, eu tentei impedir, mas não deu em outra. Ela fugiu como sempre fez, aliás.

– Não seja tão dura.

– Será que tem como não ser? Era o cara que ela ama, e ninguém venha me dizer que ela não ama, porque isso tá escrito na testa dela... Enfim, era o ‘Idiota’ dela ali e ela vai embora?

– É difícil, tente se colocar no lugar dela. Ele é, como você mesmo disse, o cara que ela ama e que está em coma e que é casado com a melhor amiga com quem tem um filho. Muita informação para se assimilar, não?

– Odeio quando você tem razão.

– E eu adoro quando você fica toda brava – Fera a puxou para um abraço que logo foi seguido de um beijo – O que eu faria se você?

– Nada muito interessante, aposto! – Apesar da descontração, Fatinha não tirou a Marrenta do pensamento.

– X –

– Por que não vai embora?

“Não sei... Acho que é porque nem estou aqui.”

– Eu estou ficando louca? É isso? Eu te vi mais cedo no hospital... Você deve tá adorando me ver assim né? Provar que ainda mexe comigo, que ainda tem poder sobre mim.

Dinho, ou o que seria uma ilusão da mente e coração carentes de Lia projetou, sentou-se ao lado da loira. Ela o olhou, não era o cara que estava em coma, era o namorado de anos atrás. O adolescente inconsequente e cheio de sonhos que Lia amou mais do que ela mesma.

“Você sempre vai pensar o pior de mim?”

– Você é um idiota.

“E você uma Marrenta... A minha Marrentinha. Senti saudades.”

– Sentiu? Ou só sou eu desejando que você tenha penado bastante com a minha ausência?

Ele riu e ela sorriu triste, a brisa fria do mar tocando a pele do seu rosto aliviando um pouco a dor.

“É a sua fantasia, acho que direi o que você quiser. Mas... Eu senti, realmente, muitas saudades suas.”

– Eu também – Confessou ao olhar as ondas quebrando na areia. As lágrimas se formaram novamente em seus olhos, Lia queria tanto que fosse ele ali – Por que fez isso? Por que tá me machucando de novo? Você é tão Idiota que não podia tomar cuidado, né? Aposto todas as minhas fichas que bateu com a merda daquele carro só para fazer eu me sentir culpada. Pois fique sabendo que não funcionou, eu não tenho culpa! Foi você, foi você quem acabou com tudo!

“Eu sei... Sinto muito, Lia. Você deveria voltar para casa, não existe nada que te prenda aqui.”

– É o que eu vou fazer!

“É o que eu quero que você faça! Vá embora, fuja, desaparece... Como sempre fez e como sempre vai fazer. Continue mentindo para você mesma, negando o que sente, sufoque o amor que dedicou a mim... Você se saiu muito bem durante esses anos, para que mudar agora?”

– CALA A BOCA, IDIOTA! Sai da minha mente! – Gritou enquanto fechava com força os olhos. Ela sabia o que faria, iria embora. Voltaria com a família para a Inglaterra e seguiria sua vida com Vitor. Adriano era uma pagina virada em sua história. Depois de alguns minutos, ao abrir novamente os olhos, ele havia desaparecido. A ilusão acabou, mas ele ficou nela. Não agora, mas sempre, desde o primeiro momento em que eles se viram Lia soube que ela sempre pertenceria a ele.

– Eu te amo... Amo, Dinho. Desculpa.