xxx

Temores Abrandados


Os jardins do museu são lindos, parecem uma floresta. Não vi pra qual direção ele foi, dei uma olhada em volta para ver se via ele mas a neblina não ajudava muito. Foi ai então que eu me virei de volta, e lá estava ele na minha frente. Inácio.

Eu não acreditei no que eu vi. Não sabia o que fazer, estava simplesmente paralisada. E ele ficou lá parado, me olhando. Quando consegui me mover, dei um passo em sua direção e lhe chamei. Por um momento perdi todos os meus sentidos, minha visão escureceu e eu só me lembro de ter caído no chão gelado e molhado.

Acordei em uma cama, num quarto no qual eu nunca vi na vida. Era aconchegante e pequeno, as paredes tinham tons de coral. Os móveis eram antigos, do mesmo estilo dos que eu tinha visto em Paquetá, e a cama era bastante confortável, do lado da cama tinha uma janela que dava pra rua. Estava bem frio e chovendo, eu estava com uma camisola de mangas compridas e coberta com cobertores grossos e macios. Por mim, ficaria ali o dia todo.

Depois de uns minutos uma mulher gritou da porta para que eu me vestisse que teria que estar "lá" em uma hora. Isso não seria uma tarefa fácil, não sabia nem em que ano eu estava, como iria saber que tipo de roupa usar. Vi que tinham bastantes anáguas, então deduzi que os vestidos eram bem cheios. Peguei um que achei muito bonito: branco com detalhes de tons de azul claro, tinha mangas longas até o pulso. Era muito bonito, e com as anáguas ficou mais ainda. Calcei as meias e uma sapatilha fechada, que me lembravam as de sapateado.

Quando fiquei pronta, meu próximo objetivo era conseguir andar com aquele vestido. Ainda bem que a porta era larga o suficiente pra que eu pudesse passar. Fui ao banheiro, que inclusive novamente encontrei um penico, e depois desci as escadas procurando a cozinha. A casa era muito bonita, era um casarão bem pequeno desses de dois andares, era como um pequeno palacete. Na cozinha, encontrei uma mulher lendo algo. Falei que estava pronta e ela me respondeu:

— Finalmente Cecília! Achei que havia desistido de ir comigo, Arsénio acabara de sair. Viera avisar-me que o Imperador e sua família já chegaram ao palácio.

Precisei de um tempo até processar tudo que tinha acabado de ouvir. Não acreditei quando ela falou "o Imperador e sua família", na verdade a fixa não caiu tão cedo. Perguntei a data e ela disse que estava no jornal da manhã, então o peguei e datava o ano de 1863, em Petrópolis. E agora você me pegou, eu não sei o que estava acontecendo naquela época. Acho que as princesas estavam com 16 e 17 anos, e Dom Pedro ll traia D. Teresa Cristina com a Condessa de Barral. Essa seria a "viagem" mais emocionante que eu já havia feito!

Então fomos até o palácio, que ficava praticamente atrás de nossa residência. Estava muito frio, e o chão estava molhado da chuva que já havia cessado. Nas ruas, mulheres andando com aqueles imensos vestidos e homens de chapéus. Carruagens passando para lá e para cá. Chegamos ao portão do palácio, minha mãe tinha uma chave e o abriu, o que me levou a crer que ela tinha total acesso a tudo lá dentro. Nós entramos, e tudo estava mesma coisa. Nada havia mudado, tirando o fato de que o jardim estava bem maior.

Minha mãe foi direto para a cozinha que era atrás da casa, e eu fui atrás dela, seguia todos os passos dela. Estava nervosa, gelada e suando frio. Eu poderia encontrar qualquer pessoa que estava nos meus livros de história ali, e se não fossem como nas pinturas? E se não fossem como eu acreditava?

Minha mãe, Fortunata, era cozinheira de Petrópolis da família Imperial. Olha que honra, foi puríssima sorte. Ela se estressou comigo por ficar colada nela o tempo todo e quis me levar até as princesas, mas eu não queria, então relutei. Ela foi me empurrando da cozinha ao jardim, de onde ao mesmo tempo vinha um homem. Era barbudo, levemente cheio e estava vestido com um terno de maestro de orquestra, desses com o rabo atrás. A calda. Sei lá.

— Fortunata, hoje queremos algo que nos sacie a fome. A viagem foi longa e cansativa!

— Sim, Vossa Majestade Imperial, estamos a preparar o melhor de nossa cozinha!

— Como vai Ciça? As meninas estão na sala de música com a mãe.

A unica coisa que eu me lembro foi das pernas terem bambeado, e com aquele vestido imenso me puxando, eu tombei e sai rolando pelas gramas do jardim. Precisou de um "escravo" vir me ajudar a levantar, o que era impossível sozinha. Agradeci a boa alma e voltei para onde eu estava. Pedi desculpas e tentei falar com o moço, mas eu tava paralisada. Gente, era Dom Pedro ll que tava ali na minha frente e ainda me chamando pelo apelido.

— Vossa Majestade Imperial, eu sou sua fã! — falei chorando, toda me tremendo.

— Ora, por que choras se não hei de te fazer mal algum? A propósito, que és um fã? — perguntou rindo

— É quem admira muito alguém, seu Dom Pedro — respondi secando as lágrimas. Nessa hora olhei para minha mãe, que estava cobrindo o rosto com as mãos.

Ele agradeceu falando umas coisas que eu não entendia nada, muito inteligente esse homem, e me disse novamente que as meninas estavam me esperando. Agradeci e sai correndo em direção à casa. Tropecei e ralei as mãos de novo, só pra constar. Entrei e fui procurar a tal sala de música, que no museu eu tinha visto que era a ultima no final do corredor, que a propósito era bem longo, e só de ver me dava cansaço.

Estava caminhando em direção a sala de música quando de um dos quartos quarto pula alguém. Eu gritei tão alto que de todo o palácio se poderia ouvir. Era uma moça, bonita, familiar...