por nós, quer-nos, oprime-nos

VII: por nós, oprime-nos.


p o r n ó s, q u e r n o s, o p r i m e n o s — VII

O mundo de Emídio gira num ângulo de 360º e, de uma vez por todas, cai.

“Mas são a mesma coisa!” Ele se afasta de Calisto, o apontando a acusação. Cai na areia, atordoado, se molhando ainda mais com a água.

“Acredite no que quiser, mas não o são.” Calisto se levanta, o observando com um tão característico olhar reprovador. “Porque as bruxas as quais Hemitério, assim como todos os outros, acredita existir, não existem.”

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Pela primeira vez em sua vida, Emídio não acredita que uma profanação tão crua viesse logo da pessoa com quem passou a vida inteira ao seu lado. Uma profunda perplexidade — complexa, em partes — o atinge; é como estar sem as muletas de fé que o apoiam diariamente a continuar andando.

“Eu... sabia.” Calisto murmura, com um sorriso amargo. “Sabia que você não entenderia, Emídio. Seu silêncio é a prova disso.”

Diante do argumento dele, Emídio se vê indefeso. Não há voz, nem palavras, que expressem a batalha entre acreditar em Calisto ou acreditar na igreja — portanto, em Deus — dentro do mais profundo do seu ser.

“E pensar que você realmente é igual aos outros...” Calisto cospe. “Eu não deveria ficar tão desapontado com isso, imagino. Mas, sabe...”

Eu gostaria de estar errado, as palavras saem num murmuro surdo. É naquele momento que Emídio tem a impressão de que, além da água da chuva, um rastro de lágrimas também começa a manchar a pele de Calisto.

Ele estica o braço em direção ao amigo — em vão, pois, enquanto permanece imóvel, o outro some do seu campo de visão, o deixando para sempre.

Anotações de alguns trechos da Bíblia repousam sobre uma escrivaninha próxima da cama. Emídio lançou a elas um olhar desgostoso, para, então, se enfiar por debaixo das cobertas em busca de ir dormir. O dia já está quase amanhecendo no horizonte de Coimbra, contudo, ainda lhe vale o esforço de tentar descansar um pouco.

Logo, percebe que não consegue; a cabeça dói muito; dores sobre o universo e o mundo, e sobre a pessoa que reside no centro deles: Calisto. Como chega a essa conclusão? É outra das coisas que Emídio procura refutar dentro de si.

Quando se dá conta, já chega hora de ir à igreja. Como não poderia faltar daquela vez, se apressa em sair de casa o quanto antes, se limitando a comer pobremente o que pouco tem.

Na praça da cidade, Emídio observa, há grande tumulto. É com má vontade que põe seu corpo a ir até lá averiguar o que quer que estivesse acontecendo naquele episódio.

E, ao pôr os olhos no olho do furacão, as cores vivas das chamas passam a se alastrar em seu campo de visão pouco cromático; assim como um rosto conhecido que aos poucos se torna menos.

Achara-o; pegara-o; julgara-o; seu Deus. Ou melhor, a convenção humana.

O averno que Emídio agora observa que o cerca — que Calisto procurou fazê-lo enxergar que sempre o cercou — se inunda no cheiro doentio da carne queimada; nos gritos de felicitações dos demônios a sua volta; no sorriso que o mundo nunca irá trazer de volta.

Por ter atirado a primeira pedra, Emídio paga o preço.

E em meias-certezas sobre sua fé, seu amor agora queima.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.