— Tá, eu digo. Mas só quando chegar em casa, tá bom?

A promessa do Wade ecoava na minha cabeça.

— Quem diria... – Eu falei para mim mesmo.

Só quando chegar em casa, tá bom?

— Quem diria, que nunca chegaríamos.

O meu quarto estava escuro, o sol tentava entrar. Mas por sorte a cortina o segurava. Já fazia dois dias desde que o Wade tinha se tornado selvagem e me atacado, hoje não iria trabalhar. Resumi em ficar sentado ao lado da minha cama.

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O tempo passava lentamente pelos meus olhos, mesmo não querendo tinha que me levantar para fazer as necessidades e antes de entrar no banheiro, olhava para o relógio na parede. Era umas duas da tarde quando o telefone tocou, eu não me levantei, mas ele continuou tocando e assim que parava, tocava logo em seguida. Na quarta vez que tocou, a minha paciência gritou para que eu acabasse com aquilo. Me levantei e fui atender aquele maldito telefone.

— Alô? – Eu falei.

— Alô, aqui é Cindy da Moodle. Eu gostaria de falar com o Sr. Hunter – Uma voz feminina atendeu.

Eu revirei os olhos.

— Oi, Cindy. Sou eu, o Felix – Bufei.

— Felix, hoje notamos que você não veio trabalhar. Ficamos preocupados...

— Cindy, olha. Eu só não estou me sentindo bem, tá? Assim que me sentir melhor, eu vou. Tem como você pedir para alguém me mandar as planilhas de saída, gastos e o orçamento do almoxarifado? – Querendo saber como eu estava? Não precisava da piedade das pessoas.

— Okay, tudo bem. Eu vou pedir para alguém. Melhoras – Ela disse de uma maneira gentil e desligou.

Fechei os olhos e os massageie com os dedos. Sentei no sofá e olhei para a varanda, o vento sacodia as cortinas. Senti uma sensação ruim, como se estivesse sendo observado, coloquei as pernas no sofá e me abracei.

— Será que ele vai voltar? – Novamente falando com o nada.

Depois de algumas horas o meu estomago começou a reclamar pela falta de comida. Tive que me levantar para ir até a cozinha, preparei torradas e comi com patê de atum, mas parecia sem gosto, como se o meu paladar nem funcionasse mais. Com a comida dentro da barriga voltei para a minha posição no sofá e lá fiquei por mais algumas horas.

O sono invadiu sem ser convidado e aos poucos fui devaneando.

...

— Felix! Acorda! – Uma voz veio de longe. – Felix! – Consegui distinguir o dono dela.

— Bem... O que... O que foi que aconteceu? – Eu pisquei para adaptar os meus olhos a claridade da sala.

— Felix, acharam os desaparecidos!!! – O Ben estava em cima de mim e me sacudia feito um boneco de pano.

— Que desaparecidos?

— Aí meu deus – Ele revirou os olhos – Todos os que se tornaram selvagens e depois sumiram, eu acho que um tal de Wade estava entre eles.

— Wade? Acharam ele? – Eu me levantei na mesma hora e segurei o meu primo pelos ombros.

— Sim, acharam ele.

Eu não consegui me conter, abracei o Ben o mais forte que pude e rodei com ele, mas como ele é um pouco pesado não consegui fazer isso por muito tempo.

— Então? Vamos? Onde ele está? Como ele está? – Assim que larguei o Ben o enchi de perguntas.

— Calma, calma. Todos os desaparecidos foram levados para o Medical Zootopia Hospital Center. Se você quiser eu posso te levar.

— Então vamos. Eu preciso ver o Wade – A esperança queimava feito uma fornalha dentro do meu peito.

Benjamin pegou algumas coisas e fomos em direção ao MZHC, eu nem podia acreditar que tinham achado ele, o Bem me contou o que tinha ocorrido. A Judy estava um uma missão para achar uma lontra que estava na lista de desaparecidos, depois de dois dias no caso ela além de encontrar a lontra tinha achado todos os outros desaparecidos de uma vez só. Eu nem acreditei que a Judy tinha conseguido realizar o sonho de dela de ser uma oficial de polícia e que seria ela a encontrar o Wade.

Assim que chegamos no hospital, o Ben conseguiu permissão para que eu pudesse ver o Wade.

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— Me sigam, por favor – A enfermeira me fitou com o rosto sério. Aquele olhar me deu um frio na espinha.

— Enfermeira, está tudo bem com o Wade? – Tive que perguntar se algo tinha acontecido com aquele lobo...

— É que mesmo depois de achados, eles não retornaram o que era antes... É melhor você ver com os seus próprios olhos – Ela segurou a plaqueta com mais força. Aquilo me deixou tenso.

— Felix, calma. Vai ficar tudo bem – O Benjamin tocou no meu ombro.

Atravessamos uma ponte que ligava a outra ala do hospital. A enfermeira nos guiou por um corredor com uma iluminação bem fraca, enquanto passávamos pelas salas vi os animais que estavam presos. Ursos, leões, tigres e até pude ver uma pequena lontra que estava amarrada a um poste no meio do quarto.

— Por que eles estão assim? Presos? Amarrados? – Eu tive que perguntar, não acreditava no que os meus olhos estavam vendo.

— Mesmo depois de achados, eles ainda mantêm o comportamento... Como eu posso dizer... Primitivo – Ela fitou os pacientes dentro dos quartos.

— Então quer dizer...

Antes que eu pudesse terminar a frase, ela parou logo em frente a um dos quartos, eu me virei para ver quem estava lá dentro. Ele ainda estava usando a mesma roupa daquele dia, só que ela estava toda rasgada e suja. Provavelmente ele não estava nos vendo pelo vidro, Wade só andava para lá e para cá, uivando as vezes, aquele som estridente e triste como se estivesse pedindo ajuda.

— Wade... – Pus a pata no vidro, ele estava ali. Mas não era ele ainda.

— Felix, pelo menos ele está bem. Tenho certeza que acharão uma cura ou tratamento para todos – O Ben tentou ser positivo, mas eu sabia que ele não confiava no Wade por ele ser um lobo.

— Eu... Eu quero ir para casa. Já vi o suficiente.

Demos meia volta e voltamos pelo mesmo caminho, ninguém falou uma palavra.

É quem sabe um dia.

Pelo jeito esse dia não chegaria. Quando saímos do hospital, estava tendo um protesto, era um grupo de Presas. Eles queriam a divisão de Zootopia, entre as Presas e os Predadores. Assim que nos viram começaram a vaiar, gritavam palavras de ódio e nos mandavam voltar para o nosso lugar.

— O que há de errados com essas pessoas? – E perguntei para o Ben quando chegamos no metrô.

— É que... Mesmo depois de ter achado os desaparecidos, os ataques continuam. Dia após dia, um Predador enlouquece e ataca alguém, não sabemos como identificar, como proteger e nem como evitar. Zootopia está à beira de uma crise.

— Então quer dizer que vamos ser odiados pelas Presas? Vamos viver como vilões?

— Eu não sei Felix, isso é só o começo. Não sabemos aonde isso vai dar ou se vai ter um fim.

Depois que ele falou isso, comecei a ver. Presas nos olhava com olhares nervosos, como se fossemos atacar a qualquer instante e tinha uns que até fazia feições de raiva e repugnância. Pela primeira vez me senti como Wade, me senti um monstro.

Chegando em casa a primeira coisa que fiz foi ir direto para o chuveiro, as imagens passavam como um filme na minha cabeça. O que seria da Zootopia agora? A cidade estava começando algo grande, uma crise muito grande se aproximava.

— Aposto que não era isso que você esperava né, Judy? – Eu disse para mim mesmo, ela sempre falava como a Zootopia era perfeita e que todos eram aceitos, que poderiam ser o que quiserem. Tenho certeza que agora não seria como ela diz.

...

Depois de dois dias resolvi ir para a Moodle, não podia mais ficar em casa fazendo planilhas e enviando arquivos por e-mail. Acho que a correria de empresa me faria bem.

— Bom dia – Falei para a recepcionista.

— Bom Dia... Sr. Hunter – Deu para sentir o nervosismo na voz dela. A Recepcionista Evelyn Shades, era uma zebra e provavelmente agora tinha medo de mim ou de qualquer outro Predador que trabalha na Moodle.

Quando cheguei no meu andar de trabalho, notei que estava mais vazio. Andei até achar um urso que trabalhava na mesa 09.

— Oi. Tudo bem? – Perguntei para ele.

— Oi. Tudo.

— Eu sou da mesa 96. É impressão minha ou o andar está mais vazio?

— É que uns dias atrás as Presas fizeram um baixa-assinado, solicitando que a empresa fosse dividida. Como eles são maioria, ganharão. Agora não podemos ir do primeiro até o nono andar.

— O que?!? Isso é um absurdo. Mas, e o pessoal do TI? Eles são compostos praticamente por Presas, o único Predador está doente.

— Eles são os únicos que não aderiram a isso.

— Obrigado pela informação – Antes que ele pudesse responder, eu fui para a minha mesa.

Estava faltando meia hora de ir embora, o dia tinha sido estressante. O lucro da empresa estava ameaçado devido as greves feitas pelas Presas de Zootopia, equipamentos estavam com dificuldade de entrar na cidade, os engarrafamentos só aumentavam. Todos tínhamos o dever de manter a empresa pelo menos acima dos lucros, deixar a Moodle no vermelho não era opção. Enquanto mandava os últimos e-mails e atendia as últimas ligações, alguém bateu na divisória do meu cubículo para me chamar a atenção.

— Licença? Você é o Felix Hunter? – Uma ovelha estava parando na entrada.

— Sim, em que posso ajudá-lo? – Ele não era do andar.

— Eu sou o Mouton, do TI. É que ficamos sabendo do Wade e que sabemos que ele não é... Selvagem. Queria dizer em nome do pessoal da TI que estamos do lado de vocês, pelo Wade – Ele parecia envergonhado, mas de certa forma sincero. Acho que nem tudo estava perdido.

— Como você sabia sobre mim?

— Foi fácil, o Wade não parava falava sobre você. Então o Peter só precisou fazer uma pesquisa no banco de dados para saber qual andar você trabalhava.

— Ah! Tudo bem, obrigado pela força – Eu me levantei o abracei e assim ele se foi.

No caminho de casa me peguei pensando no que ele tinha dito. Ele acredita que o Wade não se tornaria selvagem e nem seria um tipo de ameaça a sociedade. Mas se não for isso, o que seria? Por que o Wade me atacaria? O que levou ele a fazer aquilo? Como ele tinha sumido? Era tantas perguntas, mas nenhuma tinha respostas.

Depois de sair do banho, coloquei o meu pijama e fui para cama tentar dormir um pouco. Mas já sabia que os pesadelos viriam.