Highhorn não esperou Nick começar a falar, o que foi ótimo, já que ele não tinha palavras. Ele se virou e saiu, carregando Doug porta afora. Os ex- capangas de Doug furaram os pneus do furgão de Finnick, nem se dando o trabalho de retirá-lo de dentro da velha fábrica, e recolheram os celulares de todos. A porta de aço enferrujado bateu com um estrondo, trancando Nick, Judy, Finnick e todo o DPZ lá dentro.

Judy foi a primeira a reagir. Ela abraçou Nick tão forte que ele pensou que havia quebrado as costelas.

— Hey, cenourinha, eu não disse que já deu?

A coelha soltou a raposa, e depois lhe deu um soco bem forte.

— Ai! – Nick protestou.

— Isso é por ter demorado tanto. – Judy não parecia se importar com o fato de que estavam presos e havia um rinoceronte louco indo tomar a cidade. – E, agora que temos tempo pra conversar, o que...

— Judy! – Nick disse, num tom firme. – nós temos várias questões a resolver, mas antes precisamos nos organizar, certo? Primeiro, vamos colocar o chefe Bogo numa posição menos desconfortável. Ele já vai estar uma fera quando acordar, então vai ficar melhor se ele estiver apoiado em algum lugar.

Nick chamou dois policiais altos – Trombini e Honckov – para carregarem o chefe até uma parede, onde o encostaram. Ele ressonava em um ritmo que parecia muito com a Gazelle cantando “try everything”.

— Segundo, - Nick disse baixinho perto do ouvido de Judy. – Eu ainda não conheci seus pais, então...

Judy ergueu uma das sobrancelhas antes de seguir em frente, dando a volta no grupo de policiais que cochichavam entre si, aparentemente não sabendo o que fazer. A oficial Hopps rapidamente atravessou a multidão de coelhos, que abriu passagem ao ver Nick. A raposa sorriu ao ver a expressão curiosa dos pequenos coelhinhos.

Judy chegou até seus pais, apertando as mãos uma na outra. Só pra deixa-la ainda mais nervosa, Nick deixou que ela o apresentasse (algo que nunca fazia).

— Mãe, pai, esse é o meu... – o focinho de Judy tremeu antes de ela continuar – Amigo do trabalho, oficial Nick Wilde. Nick, esses são meus pais.

Nick beijou a mão da mãe de Judy e apertou a mão do seu pai. Judy tentou disfarçar a cara de completa vergonha, mas Nick notou. Então riu.

— Sr. e Sra. Hopps. Prazer em conhecê-los, finalmente.

— Ah, sim, prazerem conhece-lo também, Sr. Wilde. Judy fala muito de você. – Stu, o pai de Judy, comentou.

Judy parecia querer ser enterrada viva, por isso Nick não perguntou o que Judy havia falado sobre ele. Ele não era tão cruel.

— Ah, me chame de Nick. É uma pena termos nos encontrado numa situação como essa, mas eu prometo que Judy e eu pensaremos numa solução. Afinal, somos policiais, não é? A propósito, eu creio ter encontrado uma de suas filhas... Teresa, certo?

A Sra. Hopps deu um pulo de alegria.

— Ela está bem? E os outros?

— Sim, ela e os dois irmãos estão bem. Foram encontrados e no momento estão na casa de um de seus parentes, o Sr. Mathias Hopps. Não se preocupe. –Nick respirou fundo e disse – Agora, se nos der licença, temos que bolar um plano. Foi um prazer finalmente conhece-los, Sr. e Sra. Hopps.

Ao se afastarem do casal, Judy deu outro soco em Nick.

— Você fez aquilo de propósito! – ela nunca conseguia parecer indignada o suficiente para Nick. Mas não fazia muita diferença, já que, quando estava alegre, ela tendia a acertar o braço da raposa da mesma forma.

— é claro que fiz. – Nick continuou caminhando, massageando o braço dolorido. – acha que eu ia perder uma oportunidade dessas?

Eles se aproximaram do círculo de policiais que discutiam, em pé ao redor do chefe Bogo. Nick sentiu que era seu dever dizer a eles que estavam fazendo uma péssima figura com aquela cara de perdidos, e foi exatamente por isso que ficou calado.

— Nick. – Judy o chamou para um canto – o que o Highhorn quis dizer com “explicar”?

Nick sentou no chão, apoiado na parede, e suspirou. Sua postura confiante se desfez por conta própria, e ele deixou os ombros caírem.

— Eu fui enganado. Por todo esse tempo, eu achava que era o único cara esperto no jogo, mas eu caí direitinho na armadilha dele. Eu fui muito trouxa.

Judy sentou-se ao lado dele e colocou a mão sobre seu antebraço. Nick olhou para a mão dela, e quase retirou o braço. Quase.

— Nick. – ela disse – você é o cara mais esperto que eu conheço. Meu melhor amigo, e... Não importa se você foi enganado. Todos nós somos enganados o tempo todo. O que importa é o que vamos fazer agora.

Nick já conhecia o discurso de cor e salteado.

— “tentar fazer do mundo um lugar melhor” – ele respondeu, um pouco mais animado – mas você não entende, Judy. Eu confiei nele. E ele... Parece que toda a vez que eu confio em alguém, esse alguém me trai.

— Ah, é? E eu? – Judy apoiou os punhos fechados na cintura – eu te traí, alguma vez?

— Eu recebi uma mensagem de Doug que lhe faria reconsiderar essa pergunta. – Nick brincou, entregando para ela o seu bloco de anotações.

— Nick! – Judy riu – eu pedi desculpas!

— Tem razão – ele respondeu, imitando a voz de Judy – “eu realmente sou só uma coelha boba”. Um pedido de desculpas em grande esti...

Nick conseguiu desviar do terceiro soco. Então voltou à seriedade quando um pensamento lhe ocorreu.

— Espere aí... – ele falou pra si mesmo.

— O que foi, Nick?

— Eu descobri o plano de Highhorn.

Nick fora tolo de não ter pensado nisso antes. Todos os detalhes se encaixavam.

— Desde que a Bellwether fugiu, as pistas estavam na minha cara e eu não percebi. Como Doug sabia a respeito do sistema de segurança? Como ele sabia do gerador de emergência?

— Calma, eu não tô entendendo nada! – Judy reclamou. Nick a segurou pelos ombros.

— Só uma perguntinha! – ele encarou Judy com seus olhos verdes – o que Doug usou em vocês no sequestro?

Judy inclinou-se para trás até se encostar na parede antes de responder.

— Tranquilizante, eu acho. Parecia algo como anestesia, tipo...

Nick a interrompeu.

— Mas como ele acertou vocês? Como era a munição das armas que ele usou? Eram dardos?

Judy fez uma careta, aparentando confusão. Nick ainda segurava os seus ombros, e ela tentou se soltar sem sucesso.

— Eram... Eu não sei, cápsulas? Como aquelas que usava com o soro das uivantes, é, cápsulas.

Nick soltou Judy e arregalou os olhos.

— É isso! - nick repetiu - Esteve na minha cara o tempo todo!

Ele apontou o indicador para o ar, seguindo seu raciocínio enquanto falava.

— Doug usa cápsulas, certo? Ninguém mais usa dardos, só a polícia. Ele acertou todos os guardas com cápsulas, então como Highhorn tinha um dardo no pescoço? E logo depois... Doug só queria vingança. Ele se contentaria em sequestrar você, eu e seus pais. Porquê sequestrar todos esses coelhos?

Judy não estava acompanhando o pensamento de Nick.

— Hããããããã...

— Pra chamar a atenção! Doug queria se vingar, e não estava nem aí se ia ser preso ou não. Highhorn deve ter convencido ele a sequestrar toda a família. Mas Doug não seguiu o plano. Ele não queria ser encontrado! Eu sempre achei estranho que as mensagens de Doug fossem tão objetivas. Na primeira mensagem, era só um “boa sorte”. Na segunda também. Agora eu entendi!

Nick levantou, agitando os braços em círculos rápidos.

— Nunca houve uma terceira mensagem! A carta era de Highhorn. A mensagem de Doug era clara e simples. Boa sorte. A carta era um enigma. Não fazia sentido até agora, mas a carta não era de Doug! Highhorn tinha acesso aos capangas do Doug, por isso a foto era de menos. Quanto a você falar enquanto dorme... Hey, Judy, você fala mesmo enquanto dorme?

A expressão de Judy ficava cada vez mais confusa e engraçada (Judy torcia o nariz, fazendo uma mistura de sorriso com esgar de dor).

— Se eu falo enquanto durmo? – Judy continuou sentada, mas inclinou-se para frente como se fosse vomitar. – E eu lá sei se falo enquanto durmo? O que isso tem a ver?

Nick suspirou e sentou novamente.

— Tente entender, cenourinha: Highhorn foi o mandante do crime. Ele sequestrou todos vocês pra chamar a atenção sobre Doug e Bellwether. E sabe porquê?

— Não.

— Porque sequestrar Judy Hopps é o meio mais fácil de dominar Zootopia.

— Ah, até parece – Judy fez uma expressão de desdém – eu não sou tão importante assim.

— Não? – Nick pôs a mão no queixo, fingindo pensar melhor. – tem razão. No dia em que você é sequestrada, todo o departamento de polícia de Zootopia se dispõe a encontra-la como prioridade máxima. Se todos forem presos em algum ugar, a cidade fica desprotegida. E olha só, se está falando em dominar a cidade, tendo uma refém tão desimportante, você pode chantagear o maior chefe do crime da cidade, que não correria o risco de perder a madrinha dos seus netos.

— Você falou com o Sr. Big?

— Ah, sim, esse é outro detalhe. Highhorn deve ter dado um jeito de informar a filha do Sr. big sobre o seu sequestro, e ele mandou um carro me pegar. Ele me disse que tinha uma “colega” que lhe devia uns favores. Silvana, a informante em pessoa. Doug havia fornecido armas aos seus seguranças em troca da minha cabeça. Highhorn a convenceu de me dar algumas informações primeiro. Se eu morresse, ele daria outro jeito de acabar com o ZPD.

Nick encostou-se na parede, baixando a cabeça.

— Eu fui até lá, e ela me jogou da janela. Bem, não exatamente me jogou, na verdade eu pulei.

Pulou? Como assim, pulou?

— Do topo do palm’s Garden.

— Não.

— É sério. Highhorn deve ter oferecido a ela um papel importante no domínio dele, eu acho. O próximo passo seria intimidar a prefeitura, e nós dois sabemos que com o prefeito Daniel essa é a parte mais fácil de todo o plano. Nós ficamos aqui, até que ele decida que não somos mais importantes, ou morremos de fome.

— Ou fugimos.

Nick olhou para o fundo dos olhos violeta de Judy. E teve a melhor ideia que já passara pela sua cabeça..

— Escute, cenourinha, você saberia se por acaso... – Ele tirou algo do bolso e entregou à Judy – A sua mãe ainda tem aquele que eu dei pra ela?

Judy pegou o spray da mão de Nick com um olhar desconfiado.

— Sim, ela tem, porquê? Você tem um plano?

— O melhor plano de todos.

Nick saiu correndo na direção da mãe de Judy, deixando a coelha ainda mais confusa do que no início da conversa.