Nick parou para tomar um gole do café. Ele só percebeu que tinha cochilado quando notou que estava frio. Tentou organizar os pensamentos, imaginando o motivo de estar deitado sobre uma pilha de papéis.

Ele havia... ah, sim. Ele havia caído do prédio mais alto de Zootopia. Depois de ligar para o Sr Big, ele tinha visitado a Dirk’s vans alguns minutos antes do fechamento da loja para ver se os dados batiam com os fornecidos pela criminosa. Batiam. Então, ao sair de lá, ele recebeu um comunicado de Highhorn, informando que o DPZ havia recebido uma denúncia de roubo de veículo. Dois caminhões de mudança. E Nick fora até a Tiger’s avenue para ver se os caminhões estavam mesmo lá.

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Estavam. Nick teve que admitir que, apesar de ter tentado mata-lo, Silvana fora bem precisa nas suas informações. A traseira dos caminhões estava repleta de pelo de coelho, e haviam alguns dardos tranquilizantes espalhados pelo fundo dos veículos. Nick voltara ao DPZ tentando conciliar os dados. Doug havia facilitado muito até ali. Por quê agora estava complicando as investigações?

Algo estava escapando, Nick sentia. E, por isso, havia tentado rever todos os fatos desde o princípio, para checar se ele não havia tropeçado em alguma dedução. Havia levado com ele um monte de café, mas nem todo o café do mundo o impediria de dormir depois do esforço que ele havia feito naquele longo dia. Nick checou o celular, ainda sonolento e desorientado.

23:58 , o aparelho o acusava. Dormi por duas horas! Ele levantou a cabeça, com o pescoço dolorido, graças à posição desconfortável em que havia ficado durante o sono. Quando tentou esticar a mão até o último papel que estivera lendo, as quilometragens que o agente de Silvana havia anotado, sua coluna e seu cotovelo estalaram dolorosamente.

Nick começou a ler os números, parando quando notou que havia esquecido o primeiro número da sequência. Ele suspirou, cansado demais até para sentir raiva. Como vou encontrar Judy estropiado desse jeito? O silêncio, tanto no prédio vazio da delegacia quanto na sua própria mente, foi a única resposta que teve. Até que o som de passos pesados o fez virar a cabeça, lutando para esticar as orelhas, que apesar de seus esforços continuaram caídas.

— Nick, eu trouxe o café que você... – o oficial Highhorn parou diante da expressão confusa de Nick.

— ... Hmm... café? Eu não me lembro de ter... – Nick encostou-se de volta na cadeira, surpreso com a moleza que se apoderou de seu corpo. A cadeira parecia tão confortável, macia e...

— Wilde! – Highhorn acordou Nick novamente. Ele fez uma expressão raivosa ao sacudir a raposa com suas mãos enormes. Nick sentiu-se um pouco mais desperto.

— Escuta aqui, Wilde – ele falava de uma forma mais mal educada que o chefe Bogo – eu sei que não quer descansar um minuto até que ela seja encontrada, sabe-se lá o que eu faria na tua situação, mas você precisa dormir, ou amanhã não vai ter condições de sequer abrir os olhos.

— Quem é você pra falar comigo desse jeito? – Nick estava com a voz quebrada pelo cansaço, mas mesmo assim conseguiu soar bastante ameaçador, recobrando um pouco da postura arrogante que lhe servia de escudo. – Você não pode sequer imaginar o que eu estou sentindo! O que Doug lhe deve? Um dardo no pescoço? Sua honra como policial? Que motivos você tem para querer ajudar? Pra você, não faz diferença se qualquer coisa acontecer a uma coelha irritante que você só viu na TV. Você não faz ideia do que é ser eu. – Nick esqueceu por um momento que tinha prometido a si mesmo nunca baixar a guarda. Assim que lembrou, fez o comentário mais ferino e humilhante que pôde: começou a contar uma história.

– Um rinoceronte passa nos testes, se torna policial e depois, guarda de prisão. Vive uma vida desinteressante e chata até que um bandido, sozinho, consegue invadir a prisão e retirar a prisioneira mais bem guardada debaixo do seu nariz. O que ele faz? Ele vai tentar ajudar a solucionar um caso acima de sua capacidade, só pra dividir a glória no fim e pra que todos esqueçam o seu fracasso miserável. Você não tem a mínima moral pra tentar sequer imaginar a minha situação.

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Highhorn apertou a bandeja de papel que segurava com tanta força que os copos de café sobre ela foram esmagados. Nick teve que desviar do café quente que foi derramado no processo. Será que eu fui longe demais? Perguntou-se, mesmo sabendo a resposta. Ficou óbvio que Nick havia ido longe demais quando o rinoceronte começou a chorar.

Não haviam palavras capazes de concertar o que Nick havia feito, e ele bem sabia. Ele tentou segurar a pata do colega, que tremia enquanto lágrimas silenciosas escorriam de seu rosto imóvel. O rinoceronte deu um soco na mesa, tão forte que Nick achou que ela tinha quebrado ao meio.

— Você é quem não tem moral para falar comigo, golpista de segunda! Você se acha mais importante do que todo mundo, não é? Não te passou pela cabeça que outras pessoas também tem motivos para querer ajudar? Acha que consegue fazer tudo sozinho? Acha que eu não sei o que está passando? O que você está sentindo é uma benção perto do que eu passei.

Nick sabia que tinha ferido o rinoceronte, talvez fundo demais. Por causa de um simples comentário. Quem é você? A sua consciência o recriminou. Ele tentou concertar a situação.

— Tem razão. Eu... Eu... – Nick perdeu as palavras. Humilhado por um rinoceronte com um cérebro de pudim, uma parte dele disse. Nick sentiu tanta raiva de si mesmo que desejou que essa parte dele morresse afogada em suas próprias palavras.

Highhorn simplesmente puxou a cadeira onde estivera trabalhando naquela tarde e sentou. Suspirou, tentado se livrar da raiva em seu peito e começou a falar.

— Há um ano, eu era oficial. Nunca me destaquei muito, nem pra melhor nem pra pior. O ZPD estava todo atrás da solução para o caso dos mamíferos desaparecidos, até que você e a oficial Hopps apareceram. Eu estava lá, ao seu lado, na verdade, quando você humilhou o chefe Bogo e defendeu aquela coelha. Eu... bem, alguns meses depois, você devia estar na academia quando isso aconteceu, estávamos atrás do Doug.

Ele havia sido o único a conseguir fugir, e a única ponta solta no caso das uivantes. Eu lembro bem daquele dia. Era meu dia de folga, e eu chamei a Clara pra sair. Nada podia dar errado. Fomos a um bom restaurante, depois demos uma volta num parque. Tudo estava perfeito. Sentamos num banco, num lugar pouco movimentado, e começamos a conversar. Eu nem me lembro quanto tempo conversamos antes de ele aparecer. Correndo. Estava fugindo eu acho. Uma ovelha alta com uma arma na mão.

Highhorn limpou os restos de café derramado de sua mão.

— Ele apontou direto para Clara, e mandou ela levantar. Ela levantou. Eu fiquei sem ação. Estava à paisana, e não tinha levado nada além do meu taser no bolso. “fique sentadinho, ou ela morre.” Ele disse. Eu não me movi. Sabia o que fazer numa situação dessas. Eu disse “se quer dinheiro, pode..” e ele riu. “eu quero um escudo” ele falou. “andando, boneca” ele tinha feito minha namorada de refém.

Eu reagi. Disse que era policial, tentei dominá-lo e pedi pra ela correr. Enquanto eu tentava tirar a arma dele, o gatilho disparou. Ela correu por vários metros antes de cair. Doug se aproveitou da brecha na minha guarda e fugiu, levando a arma. Eu corri atrás dele primeiro. Achei que ela só tinha tropeçado, ou algo assim. Perdi a pista dele quando ele entrou num bosque. Então voltei, ver como minha Clara estava...

Highhorn formou várias palavras com a boca antes de sir algum som dela.

— Eu... Não... Não sabia que Doug tinha... Acertado... E... Quando eu cheguei, ela tinha um dardo preso nas costas. Chamei uma ambulância, tentei os primeiros socorros. A última vez que a vi, ela estava em uma maca indo pro hospital. Depois, o médico me disse que era um tranquilizante. Só um tranquilizante. O alívio que senti... Mas... Ele me perguntou como ela estava quando foi atingida. Eu disse “correndo. Eu pedi pra ela correr.”

Eu não sabia. Alguns rinocerontes, quando são atingidos por um tranquilizante, eles... É algo biológico. Nós nem sentimos o efeito do dardo. Continuamos correndo. Até que... Ela morreu de ataque cardíaco, antes mesmo de chegar ao hospital.

Nick, pela segunda vez ficou sem palavras. Highhorn tirou do bolso um par de dardos.

— Guardei eles como lembrança. Um dela, um meu. Não pra me lembrar do que aconteceu. Nem em um milhão de anos eu esqueceria. Mas para me lembrar que ela não foi a única. Para me lembrar que, não importa o quanto lute, vão continuar existindo Claras e Jasons por aí. Pra me lembrar de ajuda-los sempre que eu posso.

Highhorn levantou-se e atravessou a sala até a saída. Nick pensou por um momento antes de sair também. Não conseguiria nada se não dormisse. Outro ponto pro rinoceronte. Nick foi caminhando até o seu prédio, subindo as escadas devagar. Assim que entrou, tomou um banho rápido e se jogou na cama.

A última coisa que fez antes de pegar no sono foi prometer que não deixaria a história de Highhorn se repetir com ninguém mais.

Principalmente com Judy Hopps.