Zohar

Aquilo que é desconhecido ao outro.


Nossas realidades são distintas, mas nossa essência é a mesma.

Utilizando a mão para afagar as costas de Zohar, Sarah tentou ao máximo acalmar a amiga e trazê-la de volta à realidade. A crise não durou muito tempo, mas enquanto durou Zohar sentiu todo o pânico, o medo e a tristeza que sentiu naquele dia em que viu seu pai pela última vez. Lembrava-se perfeitamente daquele dia e por mais que tentasse, não conseguia controlar sua mente e todas aquelas sensações horríveis que sentia. Quando abriu os olhos e viu Sarah bem à sua frente, transparecendo toda a sua preocupação no olhar pelo que estava acontecendo, Zohar então soltou um longo suspiro e chorou descontroladamente.

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—Já passou...- Sarah passou os braços em volta dela e a abraçou fortemente, sentindo o coração apertado por ver a amiga naquele estado. –Está tudo bem, Zoe.

E enquanto Zohar se acalmava, Sarah tirou o molho de chaves do bolso da calça, sem desfazer o abraço, e entregou para Shakespeare, para que ele fosse buscar o carro do outro lado do cruzamento. Ela viu que ele não estava entendendo nada do que estava acontecendo, mas aquela não era hora para explicações. Em volta as pessoas já começavam a se aproximar para saber o que estava acontecendo, então ela apenas pediu para que ele fosse rápido para evitar mais incômodo para a amiga.

Pouco tempo depois ambas estavam de volta ao conforto de casa. Zohar já estava muito melhor quando chegou, mas Sarah insistiu para que ela tomasse um banho quente e fosse se deitar. Sabia que, por mais que a amiga dissesse estar bem, por dentro ela não estava. Por isso ela insistiu, praticamente empurrando Zohar para dentro do banheiro e dizendo para ela demorar bastante.

Depois do banho quente Zohar entrou no quarto e se deitou na cama. Tinha secado seus cabelos com o secador, contudo eles ainda estavam úmidos. Deitou a cabeça no travesseiro e virou-se na direção da janela, onde podia ver o movimento das nuvens que passavam. Tinha chorado muito durante o banho, tanto que teve que tomar um remédio contra dor de cabeça para conseguir relaxar, mas não tinha sono algum.

Enquanto estava ali, observando as nuvens e desejando que o sol voltasse a brilhar novamente depois daquela semana nublada, Zohar ouviu uma movimentação no corredor. Mesmo com a porta fechada ela reconhecia os passos e já podia imaginar Sarah andando de um lado para o outro. A julgar pela velocidade dos passos ela parecia apressada e isso aguçou a curiosidade de Zohar. Estava a ponto de se levantar para descobrir o que ela estava fazendo quando se lembrou de que mais para o fim da tarde daquele mesmo dia Sarah voltaria para Londres, pois teria aula no dia seguinte. Zohar se sentiu desanimada por esse fato e voltou a se deitar na cama, sem ânimo.

Era a primeira vez, desde que chegara à casa de Suzan, que Zohar tinha passado tanto tempo com Sarah. Ainda se lembrava dos primeiros finais de semana que passou ali, assim que chegou, e como a presença de Sarah e sua personalidade excêntrica a deixava um tanto arredia. Repensando em tudo o que aconteceu, agradecia profundamente por Sarah ter insistido em se aproximar ao invés de tê-la deixado de lado, principalmente quando à principio Zohar não se mostrou disposta a dar muito espaço para a amizade. Quando se viu pensando no que tinha acontecido mais cedo, sentiu-se extremamente aliviada por tê-la por perto. Ter a amizade sincera e verdadeira de Sarah fazia com que Zohar se lembrasse de suas amigas em seu país natal. Algumas de suas amigas tinham se casado ainda novas, como quase tinha acontecido com ela. Outras tinham simplesmente desaparecido de um dia para o outro sem deixar nenhum aviso e Zohar não fazia ideia do que tinha acontecido com elas.

Zohar fechou os olhos assim que seus pensamentos seguiram por uma direção que a levaram a pensar no que tinha acontecido mais cedo. Aquelas crises já tinham acontecido outras vezes. Em alguns períodos de tempo foram mais frequentes, em outros menos. Porém Zohar nunca sabia quando elas iam acontecer novamente e ela odiava isso. A pior coisa do mundo era não conseguir ter controle sobre sua própria mente, não conseguir convencê-la de que tudo o que estava sentindo não era real. Por isso quando sentiu todo o pavor da guerra retornar, agradeceu imensamente por Sarah estar ali para confortá-la, já que não saberia o que fazer se estivesse sozinha, sem ninguém para abraçá-la e passar a segurança precisava para se acalmar e dizer que tudo estava bem.

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Seus pensamentos vagavam por longe quando de súbito ouvir a porta do quarto ranger um pouco. Ela olhou por cima do ombro e viu Sarah olhando para ela através de uma fresta.

—Te acordei?

—Não, nem dormi.- Zohar mal tinha terminado de responder e Sarah abriu a porta por completo.

—Ok. Então já que é assim...- ela se encaminhou para a cama e pulou nela após deixar o celular sobre o criado-mudo. –Vou deitar aqui com você até à hora do café. A não ser, é claro, que você queira ficar sozinha.

—Não, pode ficar. Não tem nada pra fazer mesmo e eu sei que não vou dormir.- Zohar respondeu, deitando-se de barriga para cima, sentindo sua cabeça doer um pouco mais com o balanço da cama.

Sarah abriu o sorriso e se ajeitou na cama, também deitando de barriga para cima, e encostou sua cabeça no ombro da amiga.

—Ai, nem acredito que vou ter que voltar pra Londres hoje à noite.- ela choramingou. –Não quero ir. Já é quarta-feira! Podiam emendar tudo, já que faltam só mais dois dias.

Zohar sorriu e balançou a cabeça.

—E você está mesmo pensando em ir?

—Você acha que eu deixaria de ir pra aula só porque daqui dois dias é final de semana?

Zohar deu de ombros.

—Se tratando de você...

—Ah!- Sarah se afastou de Zohar e a encarou boquiaberta. –De novo isso! Por que as pessoas tem mania de... Aff!- ela bufou, e isso fez Zohar rir.

—É que você é imprevisível, faz coisas malucas quando ninguém espera, então...

—Não, deixa...- Sarah ergueu a mão. –Não precisa dizer mais nada, eu já entendi.- ela fechou a cara.

Zohar encarou o teto, segurando o riso. Depois olhou para a amiga pelo canto do olho e viu que ela ainda estava de cara fechada.

—Eu sou responsável, tá’ legal?- Sarah se queixou, ainda revoltada.

—Eu não disse que não era...

—Tenho amigos da minha idade que não tem um por cento da responsabilidade que eu tenho. Eu entrego os trabalhos sempre na data certa, estudo para as provas com afinco. Sou uma aluna dedicada, ok?

—Ok. Mas eu não disse que não era.- Zohar insistiu.

—E eu não disse que você disse. Só estou enchendo a minha própria bola, já que ninguém faz isso...

Zohar riu com gosto.

—Você não existe, Sarah...

—Existo sim e quero aproveitar essa minha existência...- ela fez uma pausa enquanto se ajeitava na cama para ficar deitada de lado na cama, de frente para Zohar. –Você está bem, certo?

—Sim...- Zohar respondeu, mesmo sentindo dor de cabeça.

—Então podemos falar sobre você, certo?

—Lá vem você de novo...- ela rolou os olhos. –Não, eu não estou bem...

—Não, dessa vez não é sobre rapazes. Dessa vez não.- Sarah riu de si mesma. –É que... Aquilo que aconteceu mais cedo acontece sempre assim? Do nada?

Zohar olhou dentro dos olhos de Sarah, acompanhando a mudança em sua expressão.

—Minha mãe me falou que você teve uma crise parecida assim que chegou aqui, mas como nunca mais tinha acontecido, e eu nunca vi isso na minha vida, eu fiquei assustada. Quase morri de preocupação.

Zohar deu um meio sorriso.

—Eu também achei que tinha parado, mas pelo jeito não.- ela suspirou, encarando o teto novamente.

—Mas acontece do nada?

—Depende. Algumas vezes tenho pesadelos horríveis e acordo quase daquele jeito, outras vezes, quando tem um gatilho que ativa as lembranças, é pior.

—Pior em que nível?

—No nível de hoje. Eu tenho revivescência quando ouço som repentino de tiros ou explosões.- ela respondeu, sentindo-se angustiada só de lembrar.

—Por causa da guerra.- Sarah supôs.

—Sim.

—Mas já faz tanto tempo... Você não saiu da Síria em 2015?

—Sim, mas a guerra não saiu de mim ainda.- Zohar respondeu de pronto, analisando os detalhes das flores desenhadas no teto.

—E como que é? O que você sente?

—Esses gatilhos fazem meu corpo reagir involuntariamente como se eu estivesse lá no meio da guerra de novo. Eu revivo toda a adrenalina, todo o medo de morrer, todo o pavor que eu sentia toda vez que uma bomba explodia por perto, como se eu estivesse lá de novo. Por um motivo que eu não sei qual, tudo isso ainda está escondido em algum lugar do meu cérebro e vem à tona nesses momentos, sem que eu tenha controle.- explicou. –Às vezes tento dizer para mim mesma que o que eu estou sentindo não é real. Bem...- ela parou para pensar. –Na verdade é muito real. Eu realmente sinto medo e pavor igual ao que eu senti quando estava lá, mas a diferença é que o que provoca isso não é real. Não tem uma bomba explodindo aqui do meu lado. Mas meu cérebro interpresa como se eles fossem reais. Bombas reais. É simplesmente horrível.

Sarah balançou a cabeça, tentando entender as coisas sob o ponto de vista daquela situação.

—Uma vez eu participei de uma excursão e eu comecei a passar mal, porque eu tomei um remédio para enjoo, que fazia dormir também, sem necessidade. E lá pelas tantas eu senti meu estômago queimar e senti também ânsia de vômito no resto da viagem até chegar ao local. Fiquei muito enjoada. Depois eu melhorei um pouco e na volta não senti nada, mas dias depois eu peguei um ônibus comum, e não demorou muito e eu comecei a sentir a queimação no estômago e a ânsia de vômito, exatamente como no dia que passei mal. Depois de um tempo os sintomas passaram, e quando voltei pra casa não senti nada. No dia seguinte foi exatamente a mesma coisa, mas depois não senti mais nada. Então eu tenho mais ou menos uma noção do que seja isso que você sente. No meu caso, o gatilho foi estar no ônibus.

Zohar confirmou com a cabeça e fez uma cara de lamento.

—Isso é horrível.

—Sim.- Sarah concordou. –Claro que ânsia de vômito e queimação no estomago não chega nem perto do que você sentiu enquanto esteve na Síria. Isso é óbvio!- ela acrescentou, com medo de que Zohar entendesse errado.

—Eu entendi o que quis dizer.- Zohar sorriu e deu um cutucão no braço dela.

—Ah tá’. É. Eu só quis dizer que sei o que é essa coisa que acontece, embora não chegue perto do que acontece com você...

—Eu entendi!- ela riu. –Não precisa se explicar.

—Tudo bem!- Sarah estendeu as mãos ao alto.- Só não quero que pense mal de mim, achando que sei lá.- deu de ombros.

—Não exagere, Sarah.- Zohar se sentou na cama e ajeitou os cabelos. Sentiu a cabeça doer um pouco mais, porém não reclamou. –Mesmo que as pessoas não entendam o que é isso, eu entendo elas. É algo que só se entende de verdade quando se passa por isso.

Sarah a observou por um momento, sinceramente se solidarizando com o trauma dela, e então ouviu seu celular vibrar em cima do criado-mudo. Ela esticou o braço para pegá-lo e quando desbloqueou a tela viu que tinha recebido uma mensagem de Anna. Ela abriu a mensagem, leu e respondeu, e quando saiu da conversa dela, viu a conversa de Namjoon logo a baixo. Ela clicou na tela e viu as mensagens que tinha enviado pra ele durante aquela manhã e também pouco antes de ir até o quarto de Zohar. Nenhuma respondida até então.

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Ela tirou os olhos da tela e olhou para Zohar, que ainda estava sentada na cama, com as costas voltadas para ela e fazendo alguma coisa na barra da calça que Sarah não conseguia ver o que era. Por um momento sua mente ficou em branco, mas então a dúvida surgiu em sua mente: Deveria contar o que tinha acontecido dias antes? Namjoon tinha as acusado de querer se aproveitar do que tinha acontecido e, ao que tudo aparentemente indicava, não havia chances de Zohar entrar em contato com Taehyung por intermédio de Namjoon. Valia a pena provocar mais esse “desgaste” emocional nela? Sarah simplesmente não sabia. Se tinha ficado em silêncio todo aquele tempo era justamente porque queria poupar amiga daquela situação. Mas ao mesmo tempo se sentia mal por esconder todas aquelas mensagens trocadas.

Sarah voltou sua atenção ao celular assim que viu Zohar se levantar da cama e ir até o guarda-roupa, e escreveu mais uma mensagem. Assim que enviou, passou o dedo na tela, observando os textos que tinha enviado pra ele anteriormente, e sorriu.

—Que sorriso é esse? Tá’ falando com algum boy, né?- Zohar perguntou ao se aproximar da cama novamente e ver Sarah sorrindo.

Sarah sorriu e desligou o celular.

—Pior que sim!

* * *

Quando o avião chegou ao aeroporto de Sydney depois das longas horas de voo desde Las Vegas, tanto os membros do BTS quando os staffs se prepararam para a recepção das fãs que os aguardavam. Estavam extremamente cansados, mas sabiam que cumprimentar as fãs era algo que não podiam deixar de fazer, ainda mais depois de terem passado pela Billboard dias antes.

Enquanto caminhavam para fora do avião, Namjoon ligou o celular e o deixou dentro do bolso da calça. Ajeitou as roupas e o cabelo ao caminhar e esperou pelos amigos. Estava exausto, com os quadris doendo pelo tempo que ficou sentado, e com sono. Ele tirou os óculos escuros de dentro da bolsa e os colocou, e não demorou muito e sentiu seu celular vibrar dentro do bolso da calça.

—Tudo o que eu quero agora é um banho quente e minha cama.- ele ouviu Yoongi comentar com Hoseok, ao se aproximarem.

—Mas tua cama tá’ na Coréia, amigo.- Hoseok riu da confusão que ele tinha feito.

Namjoon olhou para eles e viu Yoongi parar a caminhada e fazer uma cara de desgosto misturada com desânimo enquanto olhava para o chão. Namjoon sorriu, percebendo que não era o único que estava com saudades da própria cama, e olhou para além deles à procura de Taehyung.

Quando se deu conta daquilo que tinha feito, percebeu que sua preocupação pela situação de Taehyung já tinha se estabelecido em seu subconsciente, e que procurar por Taehyung para manter os olhos nele tinha se tornado um hábito. Ele balançou a cabeça e riu de si mesmo. Em seguida tirou o celular do bolso da calça, que vibrava, e viu que era 11h30 da manhã de sexta. Seu celular tinha atualizado o fuso horário automaticamente através da localização, e dar-se conta que de que tinha viajado através do tempo, saindo de quarta-feira às 22h30 e chegando àquele horário depois de dezoito horas de voo o fez coçar a cabeça em confusão. Em seguida abriu a caixa de mensagens e viu que Sarah tinha enviado novas mensagens.

Ele fechou os olhos e suspirou ao se lembrar das duas mensagens que ela tinha enviado para ele antes que tivesse entrado no avião em Las Vegas. Provar que ele estava ridicularmente enganado? Como ela pretendia conseguir fazer aquilo?! Aquela mensagem o fez ter certeza que ela era uma garota muito audaciosa. E diante daquilo ele se dispôs a esperar só para ver se ela realmente conseguiria provar, e dessa forma, convencê-lo, de que elas não tinham segundas intenções. Só esperava que ela parasse de chama-lo de palhaço o quanto antes.

Diante disso, quando Namjoon viu que ela tinha enviado novas mensagens ficou um tanto ansioso para saber o conteúdo das mesmas, mas como todos já estavam se encaminhando para o portão de desembarque, ele guardou o celular no bolso novamente e só o pegou quando entrou no carro estacionado na frente do aeroporto.

Ao seu lado estava Hoseok, quase adormecendo de novo. E aproveitando que estava no banco de trás e não corria o risco de que alguém lesse as mensagens, ligou o celular e leu o que tinha recebido de Sarah.

“Vou levar a Zohar pra atravessar uma ponte suspensa hoje. Ela não sabe disso ainda, porque ainda não falei que é uma ponte suspensa, e aposto que ela vai odiar a ideia. Mas descobri que minha missão nessa vida é ser um anjo na vida dela (e vocês de alguma forma desempenharam um papel nisso [por que, céus?], então vou fazer o possível para fazer com que ela tenha boas lembranças. Principalmente comigo, claro. Embora, pensando agora, andar numa ponte suspensa comigo não seja lá uma lembrança boa. *risosmaléficos*”

“Se você não receber mais mensagens minha, é porque a ponte caiu. haha”

Namjoon riu ao ler a mensagem e balançou a cabeça. Ele olhou para os amigos no carro para ver se sua risada fora de contexto tinha chamado a atenção de alguém, e ao ver que ninguém tinha percebido ele passou os olhos pela mensagem mais uma vez e partiu para a seguinte.

“A trilha até a ponte suspensa dura em torno de uma hora e é claro que eu só contei isso pra ela quando chegamos aqui. Estamos parados em algum ponto do não-sei-aonde descansando as pernas e aproveitei pra mandar essa mensagem enquanto ainda estou com vontade de fazer isso. Parece que eu estou escrevendo um diário. Enfim. Apesar do cansaço a experiência está sendo legal. Perguntei um milhão de vezes se ela quer desistir e voltar pra casa, mas ela disse que não. Perguntei um milhão de vezes porque eu tenho noção de que sou exagerada e às vezes não presto atenção na vontade e no sentimento dos outros (eu admito isso, viu?), então fiquei com medo de que ela estivesse fazendo isso só pra me agradar. Do fundo do meu coração eu quero ajudar ela a ter as experiências mais incríveis na vida, principalmente por saber que ela passou pelas experiências mais horríveis da vida antes de chegar aqui, mas tenho medo, porque eu sei que eu posso não estar levando em consideração o fato de que talvez ela não queira ter as experiências mais incríveis da vida. Isso é tão complexo. O que eu faço? E você, o que tem feito aí pra não me responder?

“Nem me importo.”

“Com você.”

“Com o fato de você não me responder, é o que eu quero dizer.”

“Acredita que ela fez cara feia e me julgou por eu tomar Yakult?! Que absurdo!”

Ao ler a mensagem, saindo de um assunto emotivo e inspirador para algo tão nada a ver, Namjoon fechou os olhos e balançou a cabeça, rindo internamente. Aquilo estava ficando interessante. Percebeu que as últimas mensagens tinham sido enviadas não fazia muito tempo e se ajeitou no banco da SUV, enquanto esta se dirigia ao hotel, para lê-las mais atentamente.

“Ela tem T.E.P.T”

Namjoon franziu as sobrancelhas, não fazendo ideia do que aquela sigla significava.

“Quando alguma situação inesperada acontece, isso funciona como um gatilho mental e ela tem uma espécie de crise. Não sei se posso chamar assim. A Zohar tem Transtorno de Estresse Pós-Traumático, caso você tenha franzido as sobrancelhas sem saber o que TEPT significa [também fiquei com cara de interrogação quando ouvir isso pela primeira vez], e hoje, no caminhado para a sorveteria, ouvimos uns sons de tiros e bombas explodindo. Não eram realmente tiros e bombas, era apenas o som vindo de uma televisão absurdamente alta. Mas pra o cérebro dela foi como se ela realmente tivesse voltado pra Síria, no meio da guerra. Cortou meu coração ver ela desesperada daquele jeito. Não consigo imaginar o que ela passou naquele lugar, mas pela reação que ela teve bem ali, na minha frente, eu entendi os medos dela.”

“Sabia que ela tem medo de voltar pra Londres? Ela tem medo de se encontrar com o ex-noivo dela por acaso. Quando ela me contou isso pela primeira vez, internamente eu achei isso tão... ridículo... [essa primeira vez foi à caminho da cidade onde está a ponte]. Mas depois eu vi o que de fato significa ter medo. Depois de hoje eu percebi que eu nunca senti medo de verdade de alguma coisa. Eu não sei o que é ter medo real de alguma coisa assim como ela, então como eu pude achar aquilo ridículo? Isso foi tão egoísta da minha parte...”

“Tenho que me arrumar pra voltar pra Londres. Até mais, sr. P.”

—Senhor P.?- Namjoon encarou o celular por um tempo, dando-se conta que P vinha do seu mais novo apelido atribuído por ela. –Palhaço?

Ele suspirou, deixou o celular em cima do colo e voltou sua atenção para a paisagem além da janela. Por um momento tentou calcular a que horas ela tinha enviado aquelas mensagens, mas desistiu imediatamente. Não estava coma cabeça no lugar para calcular tanto fuso-horário.

Era meio de tarde em Sydney e o céu estava lindo, sem nenhuma nuvem. Ele recostou a cabeça no encosto do banco e ficou ali olhando a paisagem enquanto pensava sobre tudo o que tinha lido. De fato, Sarah parecia sincera naquilo que escrevia e era um tanto engraçado pensar que ela estava quase do outro lado do mundo, vivendo todas aquelas coisas e relatando não só o que tinha acontecido, mas também o que pensava. Aquelas coisas eram íntimas demais para serem compartilhadas, ainda mais com um estranho.

Ele pegou o celular e passou os olhos pelas mensagens novamente. Ainda parecia irreal que tudo aquilo tinha acontecido, mas ele tinha ajudado ela. E num pensamento súbito se questionou o motivo de sempre lançar a culpa de tudo aquilo sobre Taehyung. Não tinha pessoalmente fugido com ela ou dormido na ong e todas aquelas maluquices, mas ele tinha ajudado ela. Se ele não tivesse aparecido na frente dos parentes dela, logo na entrada do Jardim Japonês do hotel, e dito que não tinha visto ninguém por ali, não teria dado mais tempo para que Zohar e Taehyung conseguissem sair dali.

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Ela era só uma garota normal, mas ele também era um cara normal. A diferença entre os dois era o anonimato. Qualquer um podia cantar, qualquer um podia ser parte de uma boyband, qualquer um podia ser líder de alguma coisa ou ter dinheiro rolando na conta. Isso não fazia dele alguém mais especial que os outros, por mais que a mídia talvez fizesse questão de enaltecer isso. A vida dele não era mais importante do que a dela, só por causa daqueles itens. Nesse universo de vidas únicas e singulares, quem teria a audácia de fazer essa distinção?

Ele olhou para o celular em sua mão e abriu a conversa com Sarah novamente para escrever uma mensagem.

“Ela está melhor?”