POV FERNANDA

A claridade ofuscante cegou meus olhos por um breve momento, e arranhei meu braço na parede na tentativa de protegê-los da luz. Ainda correndo, vasculhei meus bolsos a procura da chave do carro e a mantive segura firmemente entre os meus dedos até chegar ao carro. Arranquei com tudo, fugindo dos tiros de Jeb.

Para meu desespero, logo atrás vinha um carro contendo uma alma vingativa me seguindo.

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Acelerei o máximo possível. Aquele carro não era o ideal para correr num deserto, e eu imaginava o que aconteceria caso o motor falhasse. Lucas estava perto. Perto demais. Jeb e os outros já haviam desistido, mas eu tinha certeza de que não deixariam barato.

Eu suava em bicas por conta da corrida e do calor que incidia sobre o deserto. Eu sentia a adranalina e o medo interferirem nos batimentos do meu coração. Eu estou presa nesse deserto! - Gritavam meus pensamentos.

Olhei pelo espelh0 retrovisor, mas não havia nada ali. De repente, o carro de Lucas me fecha na frente, parando de lado, a poucos metros do meu. Grito e por reflexo viro abruptamente o volante para a esquerda. O carro gira descontrolado, enquanto desesperada, tento recuperar o controle, mas em vão. Sinto o veiculo capotar uma, duas vezes até parar. Os estilhaços do que certa vez formavam uma das janelas estão espalhados em meu colo, cortando minha pele do rosto e do corpo. Vejo tudo girar numa dança continua, vertiginosa, e sinto estar prestes a sucumbir a inconsciência quando uma voz em minha cabeça grita que eu precisava correr. Os pensamentos aos poucos começam a fazer sentido, e mais uma vez o desespero toma conta de mim. Tento sair do carro e caio na areia fofa do deserto. Quero me por de pé, mas no momento em que olho para cima deparo-me com Lucas sorrindo friamente, segurando um cilindro com uma nevoa branca dentro, diretamente apontado para o meu rosto.

- Bons sonhos. – É a ultima coisa que ouço.

POV Ian:

Se não tivesse outras obrigações mais importantes na caverna eu mesmo seguiria Fernanda e me encarregaria de matá-la. Depois que contei em particular toda história sobre o nosso pacto a Jeb, pensei que fosse levar um tiro. Nunca o vi mais furioso como há dois dias atrás, quando a verdade sobre Fernanda fora dita. Provavelmente piorei seu animo após minha confissão, mas eu precisava contar isso a ele. Nunca me senti tão irresponsável – e estúpido – na vida. Porem, hoje de manha, Jeb me procurou e disse que havia pegado pesado no sermão. Sinceramente, eu não achava.

Precisei engolir toda minha raiva e por a cabeça em ordem. Hoje sairíamos da caverna em uma demorada viagem até o hospital St. Joseph. Já estávamos com o tudo pronto, e dentro de alguns minutos partiríamos. Terminei rapidamente de comer o resto do meu sanduíche e fui em direção ao meu quarto. Peguei a mochila que arrumei na véspera e dei uma ultima olhada em minhas coisas, conferindo se não estava esquecendo nada. Fechei a porta e fui até a praça, encontrando-me com Cal.

- Tudo pronto? – Perguntei?

- Sim. Quer que eu vá buscá-la?

- Não, pode deixar. Preciso perguntar algumas coisas a Doc. Tudo certo com Jeb?

- Já falei com ele. Jeb fez algumas recomendações e se despediu. Disse que iria até o hospital ver Peg e se despedir. Ele falou com você ontem, não?

- É, falou sim. – Dei minha mochila a ele – Leve isso para mim. Pode ir, eu já vou.

- Ok.

Andei em direção ao hospital. Achamos melhor sair ao final da tarde, de forma que quando pegássemos um trecho mais próximo as cidades, estivesse de noite. Embora a luz fosse pouca, era suficiente para que eu enxergasse sem o auxilio de uma lanterna.

- Espere um pouco – Jared disse antes de eu entrar – Melanie está com ela. De um tempo as duas.

Assenti. Passado alguns instantes, Melanie saiu da sala, enxugando discretamente os olhos lacrimosos na manga de sua blusa.

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- Ela está muito fraca e mal consegue responder. Doc disse alguma coisa sobre seu grau de consciência estar baixo e... Bem, ela continua ardendo de febre – Disse a Jared numa voz embargada – Vocês já estão prontos? – perguntou-me.

- Sim. Cal está esperando no caminhão. Já estamos partindo.

Inusitadamente, Melanie jogou seus braços ao redor do meu pescoço e me abraçou.

- Tome cuidado, Ian. Todos vocês. E por favor... Tentem ser rápidos.

- Vai dar tudo certo, Mel. Fique tranqüila.

Ela assentiu. Acariciei suas costas.

- E Jamie? – Perguntei no momento em que ela se soltava de mim para mais uma vez enxugar os olhos.

- Ja veio se despedir antes. Não queríamos que ele a visse assim, mas o garoto teimou tanto que o deixamos ficar um pouco – Respondeu Jared.

Assenti.

Entrei no hospital. Doc afagava os cachos loiros de Peg com uma das mãos.

- Alguma recomendação, Doc?

- Nada que eu lhe disser vai adiantar. Isso é muito maior que eu. Mas se serve de conselho, Ian, procure hidratá-la com água de hora em hora. Pode ajudar.

- Certo.

- Boa sorte – Desejou – E cuidado.

- Ficaremos bem – Garanti e sorri de leve.

Delicadamente, passei uma de minhas mãos por baixo da coluna de Peg e a ergui da maca. Se antes ela já era leve, agora eu mal sentia seu peso.

- A gente se vê, Doc.

Aninhei a cabeça de Peg em meu peito e direcionei-me a saída. Podia ouvir sua respiração ruidosa enquanto eu andava. Embora seus olhos estivessem fechados, ela não parecia estar dormindo; era mais como se estivesse em um estado de estupor.

Jared estava parado numa das ramificações em Y que me levava ao deserto. Parei de andar.

- Imagino que Jeb o alertou quanto a ir para leste.

- Sim, ele me lembrou. Alem de ser sentido ao local onde voces pegaram o corpo de Peg, fomos abordados lá uma vez. Já era de se imaginar que seguíssemos sentido oeste, não?

- Não custa lembrar.

Ele se aproximou e tocou a face de Peg.

- Já deve estar cansado de ouvir isso, mas fique alerta. Com Fernanda e Lucas soltos por aí...

- Eu sei – Interrompi. – Vai dar tudo certo. Há dias eu e Cal planejamos essa viagem, e com os desenhos e mapas de Jeb ficou mais fácil saber para onde ir.

Ele concordou com a cabeça.

- Ela vai ficar bem. Vocês vão conseguir.

Assenti.

- Mantenha as coisas em ordem, aqui. Com tantas preocupações Jeb está ficando louco.

- Ele sempre foi não é mesmo?

Ri.

- Precisamos ir. Adeus, Jared.

- Boa sorte, Ian. - Ele deu uns tapinhas em minhas costas e eu saí andando.

Cerrei meus olhos levemente ao sentir o sol fraco da tarde bater em meu rosto. Cal ligou o motor do caminhão assim que me viu.

- Eu vou ficar lá atrás com ela – Gritei ao chegar perto da janela.

Ele aquiesceu e saiu do caminhão para fechar o furgão assim que entramos. Deitei Peg em minhas pernas e suspirei. Eu podia parecer calmo e seguro por fora, mas por dentro eu rezava para que o tempo não fosse curto demais. Era tudo tão bizarro que eu mal conseguia enxergar o que estava acontecendo de fato. Há mais ou menos duas semanas atrás Peg adoeceu, e hoje pode estar à beira da morte. Tudo tão rápido, tão estranho...

Cal deu a partida e seguimos viajando.

POV FERNANDA

Minha consciência volta com a mesma rapidez com que partiu. Está tudo escuro e barulhento. Não consigo me mover. Debato-me, mas não sinto meus músculos. Pergunto-me o que está acontecendo, mas ouço minha mente perguntando outra coisa. Quero abrir os olhos, acordar do pesadelo que me lembro de ter vivenciado horas atrás.

As imagens tomam conta de minha mente. A expressão no rosto de Ian, a ira de Jeb, a traição de Lucas... Eu fugi de tiros, recordo-me. Mas Lucas me alcançou e tudo ficou preto. Sei que ele não atirou, mas não consigo entender o por que. Não era esse o objetivo? Matar-me?

‘’Bom dia, querida. Dormiu bem?” Pergunta sarcasticamente uma voz em minha cabeça.

“Não! Isso não pode estar acontecendo! Quem é você? Saia da minha cabeça imediatamente” Ordeno, histérica.

‘’Minha cabeça, você quer dizer. Esse corpo não lhe pertence mais, Fernanda. Ele agora é meu.”

“Quem é você?”

“Pode me chamar de Cristais Flamejantes. Sou uma CSB. Acredito que você conheça a definição dessa sigla, não?”

Sinto meu sangue congelar. Imediatamente, me agarro às minhas lembranças, tentando protegê-las.

“Não adianta se desvencilhar de mim. Já consegui muitas coisas enquanto você dormia. E em breve você sucumbirá e eu terei livre acesso a qualquer uma de suas memórias.”

Procuro manter a calma.

“Como? Como você é uma CSB? Esse comportamento não se deve ao corpo que você habita?”

“Não necessariamente. A maioria segue esse caminho por causa da violência que o corpo está habituado. A sede de sangue, vingança... Todo tipo de coisa que nós almas consideramos horríveis. Quando uma alma é implantada em um corpo cujo humano dentro dele foi ruim, ela pode apresentar comportamento igual. Podemos dizer que a maioria dos CSB’s tiveram esse destino. Contudo, ao passar do tempo, alguns de nós percebemos que a violência não é tão horrenda assim. Ela pode construir, sabia? Se queremos alguma coisa difícil de conseguir, ela pode facilitar nosso alcance. Sempre a usamos contra humanos, como você. Nunca em almas. Alguns de nossos princípios continuam, sabe.”

“Mas por quê? Por que fazem isso?”

“Odiamos vocês, humanos. Vocês mataram almas inocentes, continuam querendo o poder. Mas ele é nosso. E vocês nunca o terão de volta. Só fazemos com que entendam isso. Se não fosse pelos corpos medíocres dos infelizes que só o mal praticaram, ainda seriamos dominados pela sua raça. Agora o jogo virou. Nós é quem damos as cartas.”

Isso parecia horrível vindo de uma alma, mas fazia sentido. Seria então o ódio que movia Lucas? Mesmo depois de conviver durante anos no meio deles e nunca denunciá-los? O que ele pretendia com aquilo se já tinha a confiança de Nate e de até mesmo Jeb?

Todas as almas que apresentam comportamentos violentos graças ao corpo seguem o mesmo rumo que você?”

“Não. Muitas almas ficam assustadas e procuram os Buscadores. Algumas chegam a cometer delitos, poucas, devo acrescentar. Mas a maioria é retirada do corpo, que é descartado, e enviada a outro planeta.”

“Por que vocês se nomeiam CSB’s?”

“Achamos adequado criar uma facção para definir as almas mais espertas. Aquelas que conhecem a verdade e seguem o rumo certo para o total extermínio humano, como eu ou seu amigo Lucas. Apenas nós fomos suficientemente inteligentes para entender o que vocês fazem.”

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“Por que você está aqui?” Pergunto.

“Nossa, quantas perguntas! Lucas pediu a minha remoção do corpo que eu ocupava para vir para o seu. Ele acredita que você está escondendo um segredo muito poderoso e acredita na minha capacidade de descobri-lo.”

“E você tentará descobri-lo?” Pergunto temerosa, mesmo já sabendo a verdade.

“É claro que sim” Ela responde calma.

“Bem, boa sorte então. Sem duvida vai precisar” Desafio.

“Veremos.”

POV IAN

Depois de viajarmos sem pausa durante a noite toda, Cal parou rapidamente em uma pequena lanchonete ao amanhecer. Tentei seguir os conselhos de Doc, fazendo com que Peg bebesse água a cada hora, mas era difícil fazê-la engolir. Seus olhos não se mantinham mais abertos, e a cada instante parecia estar mais fraca e vulnerável.

Ele seguiu dirigindo durante o dia inteiro, até que trocamos de posição ao final da tarde. Foi complicado decidir se ele ficaria no banco do carona ou se ia para o furgão cuidar de Peg. Se alguma coisa desse errado – se algum buscador me fizesse parar - eu não teria como contornar a situação de forma tranqüila. Mas mesmo assim fiz com que ele ficasse com Peg. Eu ficaria bem mais sossegado sabendo que alguém a estaria assistindo. E nosso segundo dia de viagem passou.

No terceiro dia Cal abasteceu o tanque do caminhão e seguimos estrada a fora. A essa altura não estávamos tão longe assim do hospital. Estipulei mais um dia e meio de viagem.

Nosso roteiro não incluía paradas longas; conversas tampouco. Nenhum de nós dois estava com humor para conversar perante o clima de preocupação e ansiedade que se instalava ali. Os breves momentos em que me permitia dormir não eram bem aproveitados.

Por fim, conseguimos chegar ao quarto dia. Foi mais rápido do que eu pensei, e graças aos céus não era tarde demais. Embora estivesse de noite – hora em que eu deveria estar ao volante - estava no furgão no momento em que Cal estacionou o caminhão em uma rua escura próxima ao hospital. Meu coração batia rápido de ansiedade, preocupação e medo.

- Ao menor sinal de perigo me avise – Disse a Cal.

- Eu virei todas as noites para lhe informar sobre ela – Garantiu, e no mesmo instante me senti grato.

Peguei Peg em meus braços e beijei sua testa uma ultima vez antes de entregá-la a Cal, sentindo que parte de mim era levada junto com ela.