Capítulo 32

Príncipe Isao

“A amizade é como a saúde, só depois de perder se aquilata o seu valor” – Leoni Kaseff

CNBLUE – I’m Sorry

Encarava fixamente os azulejos a frente de seu rosto, enquanto as pernas afundavam na banheira, deixando os joelhos para fora. Os ombros contornavam a porcelana e sentia a pele acima do peito arrepiada de frio. Afundou mais, suspirando. Olhou para a porta do quarto, desejando pela décima vez que ela se abrisse. Já fazia três dias que Marina e Cosette não vinham, e isso o incomodava. Tudo bem, fora ele quem pedira para elas não viessem com tanta freqüência, pois poderia levantar suspeitas de seu pai, entretanto... Era solitário demais sem elas. Abriu um sorriso fraco. Sentia-se melhor. Mais forte, era verdade. Na verdade sentia-se como um príncipe deve sentir: pronto para se jogar na frente de uma carruagem e salvar um órfão mendigo.

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Olhou para o celular, tocando sua playlist preferida. Isao havia se esquecido do quanto gostava de se perder nas músicas, e simplesmente... Flutuar para outro lugar. Como em um labirinto, sem nunca encontrar a saída. Ele só queria ficar mais naqueles corredores, perdido de todos e de tudo. Fechou os olhos, balançando a cabeça no ritmo da música, cantando junto a letra. O coreano era quase tão familiar quanto o japonês. Estava tão absorto, que não notou quando a porta do banheiro se abriu, e a pessoa adentrou, até que ela desligasse o celular e cessasse a música.

– Querido, quanta saudade. – a voz arrancou-o do labirinto como se todas as paredes ao seu redor tivessem caído de repente. Abriu os olhos, agarrando as bordas da banheira. Ela sorriu. Os cabelos loiros escorrendo pelas costas, olhos claros lindos e uma pele tão branca que poderia ser uma boneca em tamanho real. A face ostentava maçãs ruborizadas, um nariz fino e sobrancelhas finas quase invisíveis. Lábios finos e pequenas sardas contornando o queixo. – Meu filho está bem, graças a Deus. – ela se ajoelhou – Não ouvi falar sobre você essa semana. Conseguiu viver aqui sozinho?

– Melhor do que imagina. – respondeu, recolhendo os braços para evitar tocá-la. A mulher notou o ato e sorriu, embora um pingo de tristeza estivesse por trás de toda a máscara que ela usava. Às vezes Isao se sentia terrível por temer sua mãe. Ela ao menos o chamava de “Querido” e preocupava-se com ele. Mas até onde vai essa preocupação, e começa as expectativas? Sabia que no fundo, ele era apenas seu instrumento para conseguir poder. Um herdeiro legítimo do trono, seu filho e também príncipe do Japão. Ela só queria os títulos. Não um filho de verdade.

– Estou feliz em saber isso. – ela sentou-se sobre os pés. – Seu pai está bem rigoroso com as quatro meninas restantes.

– Quatro? Ele eliminou três em três dias?

– Sim. Ele é um homem muito exigente – ela riu baixinho – Mas as concorrentes são boas. E muito bonitas. Creio que irá gostar de qualquer uma delas. Claro que seu pai escolherá a melhor.

– A melhor para ele. – revirou os olhos.

– Não seja tão duro, Isao... – a rainha suspirou – Seu pai só quer um bom futuro para você.

– Amassando o meu passado? Me fazendo engolir o presente? – ergueu as sobrancelhas, e por uma fração de segundos notou a raiva passar pelos olhos azuis da rainha, e então ela abriu um sorriso largo.

– Nós só pensamos em você. Tudo o que fazemos é para o seu bem.

– Verdade? Pois não foi isso que pareceu quando me deu banho com uma esponja de aço e me proibiu de gritar, pois um rei forte não grita diante da dor.

– Eu fiz isso? – ela piscou os olhos, atônita. Ela nem se lembra. Não significou nada para ela. – Bem, mas se você ainda lembra, então serviu de lição, certo? – ela sorriu – Um rei forte não teme a dor.

– Por que veio aqui? Creio que não foi para ver se estou bem.

– Ah, querido, você sempre acha que eu tenho segundas intenções... – ela riu fraco – E é verdade. Vim avisá-lo para se arrumar hoje a noite. Seu pai permitiu que viesse jantar conosco.

– Por quê?

– Ora, ora. – ela se levantou – É falta de educação deixar os hóspedes esperando! Seus primos adorariam vê-lo, depois da viagem longa que tiveram.

– E-eles chegaram? – Isao se levantou, ignorando a nudez e a água que pingava de seu corpo até o chão. A rainhra recuou, preocupada em molhar seu vestido de tecido fino. – Por que não me contou?

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– Estou contando agora, querido.

– Quando? Quando chegaram?

– Pela manhã.

– Manhã? – respirava pesadamente, tentando ignorar o ar abafado do banheiro, onde a água quente deixava rastros.

– Ontem, de manhã.

Ontem? – cerrou os punhos e trincou os dentes. – Tudo bem. Vá embora, eu vou me trocar.

– Lamento, porém seu pai disse que só poderá sair no horário do jantar. – ela sorriu.

– Mas são meus primos!

– Eles estão cansados da viagem.

– Tiveram um dia inteiro para descansar, graças a você. – mordeu os lábios. Não podia vacilar agora. Não quando estava finalmente conseguindo entrar nos eixos. Respirou fundo. – Tudo bem, mãe. Tudo bem. Quando for a hora do jantar...

– Eu mandarei servos para te buscarem. – ela completou. – Só mais uma coisa, Isaac. Obedeça as regras, mantenha a cabeça baixa e tudo ficará realmente bem.

– Eu não faço isso sempre? Normalmente nunca fica bem.

– Tudo é sempre para o seu bem. Agora não seja um rebelde doente, controle-se, e guarde esse gênio assassino dentro de você.

Um punhal atravessou seu coração naquele momento. “...e guarde esse gênio assassino dentro de você”. Respirou com dificuldade, enquanto desviava os olhos dela. A rainha sorriu, vitoriosa, abandonando o banheiro, o quarto e seu filho, para que os demônios o devorassem. Isao jogou-se na banheira, agarrando os cabelos com força. Trincava os dentes e sentia o rosto de sangue na boca. Assassino. Era sempre isso. Não importava o quanto tentasse ser um bom filho, não importava o quanto se segurasse para não fugir das regras. Ele sempre recebia esse título. Nunca iria abandoná-lo. Os pesadelos. Os demônios. Aquele monstro rugindo em suas veias. Assassino.

Fechou os olhos fortemente, querendo não começar a chorar, mais foi inevitável. Jogou a água com as pernas, enquanto gritava fortemente, expulsando da garganta os soluços. Não era um assassino, não era um assassino. Ele não era! Sim. Ele era sim. Um monstro. Um terrível monstro. A mão começou a sangrar e a dor explodiu pelo pulso quando o soco acertou o espelho do banheiro. Abriu os olhos, encarando o próprio reflexo nos cacos ainda não quebrados. Respirou fundo. Não, não, não... Estava perdendo o controle novamente. Não podia, não podia! Colocar todo o trabalho que Marina e Cosette tiveram no lixo por uma simples frase de sua mãe, era imperdoável. Por elas. Agüentaria. Por elas. Respirou fundo. Era isso. Precisava delas. Precisava delas agora.

Atravessou o quarto, arrancou das gavetas roupas limpas, colocou-as e abriu a porta de seu chalé atrás do castelo. Sentir o vento fresco pela primeira vez em uma semana era ótimo, mas não parou para apreciar. Seguiu em direção ao castelo, contornando-o. Encontrou o local onde a hera chegava ao chão. Enfiou um pé entre o emaranhado de ramos, e então o outro. Tinha feito aquilo um milhão de vezes quando era pequeno. Com os primos. Mikhail e Nikolai estavam lá, com o pai e a mãe. Tinha de ficar por perto, ou as garras do Imperador se fechariam ao redor da garganta de sua única família.

Alcançou o segundo andar, encontrando uma janela aberta, por onde as cortinas voavam. O quarto era espaçoso e bem decorado, com cores de rosa claro e branco. Pisou firmemente no carpete, correndo pelo quarto e esgueirando-se até a porta. Colocou a mão sobre a maçaneta e escutou o som de pigarrear por cima do ombro. Virou-se, sobressaltado, encarando o dono do quarto, sobre a cama, de braços cruzados, encarando-o de volta. Ela tinha uma expressão de “E o que você está fazendo aqui?”. Engoliu em seco.

– Eu sou o príncipe Isao. Só usei um atalho para chegar ao castelo mais rápido.

– Claro. – ela concordou – Já que as portas da frente estão cheias de guardas, o Salão Principal está cheio de garotas e as escadas estão cheias de servos. Então decidiu cortar caminho pela minha janela. – ela sorriu – Interessante.

– Eu lamento. Teria algo que pudesse recompensar este... Erro de cálculo? Eu juro que pensei estar entrando pela minha janela.

– Tem. Tem algo que você pode fazer... – ela sorriu, maldosa, enquanto jogava os cabelos loiros para o lado. Tinha lindos lábios carnudos e olhos hipnotizantes. Isao piscou algumas vezes, enquanto ela caminhava em sua direção. Como uma fada.

“Como uma fada. Você é um idiota ou é apenas o Isao Fujiwara?”, respirou fundo. Agora a menos de um metro, ela abriu um sorriso largo. Cheirava a morango. Com certeza ela não era uma de suas selecionadas. Deveria ter vindo da União Eurásia, junto de Mikhail e Nikolai.

– Diga ao Príncipe Nikolai que eu o ajudei a chegar até ele. Seja lá o que você queira fazer. Diga que ajudei, e então... Eu irei ajudar.

– Quer que eu diga a verdade? Normalmente as pessoas pedem para as outras mentirem.

– Eu não gosto muito de mentiras. Na verdade, eu odeio quando mentem para mim. – ela sorriu, como se fosse uma piada. – Pode ir agora, Isao. Boa sorte. – ela abriu a porta, expulsando-o.

– Claro, senhorita. Para você tam... – a porta fechou-se diante de seus olhos. “É a primeira vez que fecham a porta na cara de um príncipe, disso eu tenho certeza”, pensou, enquanto virava-se e corria pelo corredor. Virou a direita e subiu mais algumas escadas, ignorando os olhares dos criados. “Vão correr em direção ao meu pai para contar que eu fugi de minha prisão, mas quem se importa?”, continuou, até alcançar a torre. As escadas em espiral lembravam as escadas do farol. A lembrança da noite passada ao lado de Cosette veio com intensidade, e agora conseguia ver a luz da Lua, beijando o rosto dela, enquanto dormia sobre o próprio braço. Isao lembrava-se de tê-la comparado a um anjo, no momento. A porta da torre estava aberta, e quando parou diante dela, encarou a cena, um tanto peculiar.

Isao realmente não queria interromper o momento que seus primos estavam tendo, enquanto Nikolai jogava Mikhail contra a parede e acertava-lhe um soco na boca do estômago. Mikhail caiu de joelhos, tossindo. Nikolai se virou e abriu os braços.

– Isaac! – gritou. Isao foi tomado pelo calor do momento, caminhando-correndo pelo quarto, até cair nos braços de Nikolai.

– Niko... – sorriu – Cara, que saudade.

– Igualmente. – Nikolai tocou-o nos ombros – Você cresceu. Não parece mais uma menininha chorosa. – ele riu – Está bonito. Provavelmente fazendo muito sucesso com as garotinhas. – ele gargalhou, enquanto Mikhail levantava-se, trêmulo. Nikolai ajudou o irmão gêmeo.

– O que vocês estavam fazendo? Por que eu juro que no começo pensei que era uma cena romântica, e então você praticamente o fez vomitar o café da manhã. – ergueu as sobrancelhas.

– Ah, nada demais. Mikhail tentou me beijar e eu, como um bom garoto difícil, me recusei. – ele sorriu. – Mas eu não dou tapas no rosto. Eu acertou o soco. – ele mostrou o punho, e então seus olhos voltaram para as mãos de Isao. – Céus, você acertou alguém no caminho para cá? Se queria um saco de pancadas, poderia usar o Mikha, eu deixo. Não tenho ciúmes.

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– Na verdade foi mais um espelho – riu fraco, enquanto tocava os nós dos dedos. – Não dói. Não se preocupem. Então... Ah, estou tão feliz. – sorriu, tentando evitar ruborizar, como Nikolai dizia que ele sempre fazia. Nikolai apertou-lhe as bochechas.

– Você é sempre uma menininha, não, Isaac? Pare de ficar tão vermelho! Isso já é sedutor demais – ele riu. – Mikhail, papai já voltou do chá com o tio? Meu pai quer muito vê-lo, Isaac.

– Verdade? Não sabia que ele gostava de mim. Da última vez eu deixei ele esperando. – encolheu os ombros.

– Nós deixamos os dois esperando. – Nikolai riu – Mas foi divertido aquela guerra de lama na chuva. Meu pai disse que faz bem para nós soltarmos nossos hormônios. Seu pai ficou bravo, não?

“Bravo. Seria bom se ele ficasse apenas bravo”. Isao deu de ombros, sentando-se sobre uma das camas. Seu tio queria vê-lo. Era a segunda melhor notícia que recebia no dia. Quer dizer, ele e o tio não eram íntimos. “Mas ele quer me ver”. Não notara o quanto estava feliz com a vinda dos primos, até agora. “Eles gostam de mim”, pensou, olhando-os, enquanto Nikolai agarrava Mikhail pelos cabelos e prendia-o entre os braços. Mikhail tentava livrar-se.

– Então, você já tem uma namorada? – Nikolai finalmente soltou seu irmão gêmeo. – Soube que só restam quatro garotas. Eu e Mikhail ainda temos as trinta e cinco. Você é rápido. Uma semana e só restam quatro.

– Digamos que as outras não tinham as qualidades necessárias – deu de ombros. – E vocês? Alguma namorada?

– Imagine. – Mikhail suspirou – São todas muito... Superficiais. Não consigo sentir a verdadeira face de nenhuma. O Nikolai já tem uma noiva.

– Noiva? – encarou seu primo.

– Mentira! – Nikolai caiu sobre Mikhail, prendendo-o na cama – Mentiroso! Mentiroso! Ela disse que somos amigos! Amigos! – ele estava vermelho, e realmente enraivecido. Isao gargalhou, enquanto Mikhail implorava por perdão, e Nikolai prendia-o. O Czar russo adentrou o quarto, suspirando, enquanto o Imperador entrava também. Isao reprimiu a gargalhada, antes que virassem gritos de agonia. Seu pai encarou-o de cima a baixo, antes do rei russo abrir os braços e agarrá-lo com um só puxão.

– Isaac! Isaac, meu sobrinho preferido! – ele disse, em sotaque profundo.

– Sou seu único sobrinho, tio.

– Exatamente! – o rei gargalhou, a voz arranhada. – E também é o sobrinho mais bonito, mais talentoso, mais amado e mais esperto! – riu novamente, enquanto puxava Isao pelos ombros – Ei, genro, este menino é muito parecido com você! Olhe só esses cabelos como carvão! E esses olhos castanhos! Eu juro, fiquei apaixonado por esses olhos! – o Czar gargalhou – Ao contrário dos meus filhos que só sabem beijar-se e socar-se.

– Papai, eu e o Mikha mantemos uma relação de extrema afinidade. – Nikolai defendeu-se.

O Czar gargalhou.

O Imperador não soltou uma risada, como era de costume. Isao sentia os olhos firmes de seu pai sobre os ombros. Ele dizia com se ódio “Você está morto”, mas não importava agora, importava? Estava com sua família. A família de verdade. Mikhail, Nikolai e o tio. Eles eram sua família. E era isso que importava. Deixou-se cair nos braços rechonchudos do Czar, enquanto ele o envolvia pelo pescoço.

– Como cresceu! Como cresceu esse menino! Nem parece mais uma garotinha!

– Tio! – reclamou.

– Desculpe, desculpe – o rei gargalhou. – Mas não consegui resistir. Você era uma menininha tão bonitinha, Isaac! Nikolai ficou falando sobre você por dias!

– Eu não sabia que você era um garoto – Nikolai gritou por cima da risada de seu pai.

– Meu pai não me deixava cortar o cabelo – Isao se defendeu. – Mas mesmo assim...

– E suas bochechas eram rosadas. E tinha sempre lágrimas nos olhos, quando caía de algum lugar ou quando Nikolai te empurrava forte demais.

– E-eu era frágil. – sentiu-se enrubescer.

– Uma menininha frágil e rosada! – o Czar tocou o ombro do Imperador, empurrando-o levemente. “Meu pai só não o mata pois ele é o rei da União”. Não que isso impedisse o Imperador de matar os filhos do Czar. Virou os olhos para ele, esperando alguma reação, mas ele apenas balançou a cabeça suavemente e abriu um sorriso de lado.

– Creio que meu filho precise se arrumar para o jantar de hoje. Isao, você terá mais tempo para ver seus primos depois. Agora, volte para seu quarto.

– Eu acho que o jantar vai demorar ainda...

– Agora. volte ao seu quarto. Agora. – ele disse, duramente – Agora, Isao.

O Czar soltou seus ombros, um tanto desconcertado. Nikolai agarrou seu braço direito e Mikhail o esquerdo. Os gêmeos abraçavam-no.

– Não vamos deixar ele ir! – disseram em uníssono, o rei russo gargalhou, entretanto o Imperador manteve sua rigidez fria.

– Meninos, deixe-me esclarecer algumas coisas. Vocês podem saltar como lebres à vontade, enquanto estiverem em seu território. Minha casa, minhas regras. Agora, Isao, volte ao seu quarto.

Lentamente, seus primos o soltaram, e Isao caminhou em direção a porta. Obediente. Cabeça baixa. Como sua mãe pedira. “E deixe esse gênio assassino guardado dentro de você”. Respirou fundo. Não importava. Realmente não importava. Não deixaria que seus pais os matassem. E Isao sabia exatamente o que fazer.