Worse Than Nicotine

Sunday Morning Rain Is Falling...


P. O. V Autora:

O primeiro dia de fevereiro podia ser apenas isso, um dia qualquer no calendário, mas o diretor do longa metragem que é vida resolveu conversar com o roteirista e mudar todo o script de uma hora para a outra.

Em um apartamento de NYC, usando a velha camiseta da faculdade e um moletom qualquer, o respeitável Dr. Grace se preparava para algo muito normal em um domingo de manhã: ir à padaria, comprar alguns pães e outras guloseimas que seus olhos fizessem seu estômago pensar queria, ou que soubesse que sua filha gosta. E lá estava ele, óculos no rosto, cabelos naturalmente desalinhados, chaves em mãos, destrancando o apartamento, quando o script muda.

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Era nessa hora que ele deveria sair, mas eis que um obstáculo tentador encontra-se parado a sua porta, com uma expressão meio perdida no rosto.

— Por favor, diga-me que não está saindo! — a mulher pede, fechando os olhos.

— Eu ia à padaria... Aqui em baixo... — ele responde atordoado pela súbita aparição dela.

Sem pedir licença, a ruiva entra em seu apartamento e se senta no enorme sofá da sala, onde muitas vezes acabavam dormindo enquanto viam filmes juntos.

— Onde está Allie? — ela pergunta, olhando para os lados enquanto mexia na bolsa.

— Dormindo. No quarto dela! — Apolo fecha a porta calmamente, ignorando o seu estômago barulhento. — Ártemis, olha... Sobre aquela noite, nós...

— Precisamos conversar? Sim, mas não sobre o que você tem em mente: eu simplesmente não consigo falar sobre isso agora! — ela suspira, e tira da bolsa sua câmera semiprofissional.

Quando ainda estavam na faculdade, Ártemis confessou que queria trabalhar como legista. Trazer justiça aos que partiram injustamente, da mesma forma que Apolo queria cuidar dos que ainda habitavam ou habitariam. Ele, como o bom amigo que era, a apoiou — mesmo que achasse a idéia assustadora —, e lhe deu de presente a câmera que ela segurava agora: sempre via os legistas de séries com elas, e achou que sua querida veneradora da lua merecia uma.

— Você ainda a tem! — ele murmura, sentando-se ao lado dela.

— Sim, e ela nunca me foi tão útil! — um pequeno sorriso se abre no rosto de Ártemis. — Eu soube que ficou preocupado com meu “sumiço”, e que Allie sofreu com isso, mas eu precisei sair da cidade.

— Suponho que a culpa seja minha, certo? — ele suspirou, massageando as têmporas.

— O mundo não gira ao seu redor, Apolito! — ela o tranqüiliza — Viajei a trabalho; estava curiosa sobre um antigo caso.

Carpe Diem, aproveite o dia: era o lema de Ártemis. Ela raramente tocava no passado, principalmente no quesito trabalho, onde a premissa era sempre a mesma: um cidadão morto, uma equipe em busca de justiça, Ártemis em busca de resposta. Então, o fato de ela viajar, em busca de um antigo caso, obviamente surpreendeu Apolo.

— Está vendo essas marcas de tiro? — ela lhe passa a câmera, mostrando o corpo em que trabalhavam.

Apolo fora liberado de seu serviço desde o aniversário da irmã; era, agora, parte honorária do time de legistas da NYPD e só seria liberado quando esse caso fosse resolvido.

O corpo da mulher estava agora no laboratório, ainda intacto, antes da autopsia. Apenas as três balas que a perfuraram e tiraram sua vida.

— Passe as fotos, por favor! — Ártemis indica — Da direita para a esquerda.

Embora confuso, Apolo acata a ordem, e passa para a foto de um outro cadáver. Esse queimado, mas ainda com feições distinguíveis. Passa mais uma vez, e o terceiro corpo lhe provoca arrepios: as feições indistinguíveis, o corpo quase reduzido a cinzas, apenas um anel no dedo o tornava reconhecível.

— Isso é algum tipo de vingança? — ele pergunta, devolvendo-lhe a câmera.

— Sabia que você não notaria, por mais que seja detalhista. — ela suspira, e puxa uma pasta de dentro da grande bolsa.

Ártemis afasta a mesa de centro e começa a distribuir o conteúdo da pasta pelo chão. Eram versões ampliadas das fotos que Apolo vira. À medida que ela espalhava as fotos pelo chão, a percepção de Apolo se aguçava.

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— Minha nossa, Ártemis...

— Elas são iguais, Apolo! — a mulher completou. — A vizinha de Thalia, a mulher no Brooklyn, Maria: as três foram mortas pelo mesmo assassino!

Apolo ajoelhou-se diante das imagens, frente a frente com Ártemis, analisando-as detalhadamente. O tiro na costela imobilizava, o no pescoço matava, o da testa era por puro masoquismo. Mas e os incêndios? Para que serviam?

— Você foi até a Itália?

— Sim. Quando voltava da Eslovênia, fiz uma parada em Veneza e visitei o túmulo dela. Ele me deu permissão, mas pedi que não comentasse nada com os filhos: não quero alarde, pelo menos não até ter certeza. — Ártemis suspirou, acariciando os pingentes de sua pulseira prateada.

— Ela estava em Nova York quando foi morta; por que a enterraram lá? — claro que ele se lembrava da mulher: viu-a algumas vezes, quando era muito mais novo, e ela ia deixar o filho em sua casa, para brincar com sua irmã.

— O mausoléu da família é na Itália, e aquela era sua terra natal. Foi justo: se eu morresse aqui, gostaria de voltar para a Eslovênia e ser enterrada ao lado de minha mãe. Só aceitaria ficar aqui se fosse ao lado do corpo de meu marido, mas como não o tenho, escolho minha mãe! — a ruiva balança a cabeça, tentando clarear os pensamentos e fugir dos devaneios mórbidos — Enfim, eu estava analisando meu laudo sobre essa mulher, e o achei muito familiar. Você sabe que eu não escrevo a mesma coisa duas vezes, embora use sinônimos quando as situações são parecidas.

— Culpe-me por isso! — ela realmente o culpava por isso: era ele, com sua alma de poeta, quem sempre insistiu para que ela adotasse a sinonímia.

— Então, fui procurar em meus arquivos, e achei outras duas autopsias cujos laudos tinham as mesmas palavras, na mesma ordem. A primeira que abri, notei que era a mulher do Brooklyn, que fora morta poucas semanas antes da vizinha de Thalia; mas foi ao ver o segundo que me surpreendi e comecei a me preocupar. — ela ergue os olhos castanhos esverdeados, mergulhados em completa confusão. — Apolo, isso foi há três anos... E nunca foi resolvido.

— Eu sei, Artie! Eu sei o que quer dizer! — ele suspira, sentando-se.

Era quase pessoal: conhecer uma vítima sempre dificulta o trabalho. Sempre te faz lembrar que a vida não é eqüitativa, e que alguém ainda chora por uma alma injustiçada.

— Papai, onde você está? — depois de um tempo indefinido em silêncio, são despertos de seus pensamentos pela melodiosa e sonolenta voz de Allegra.

Sem saber se a amiga queria que soubesse de sua estadia ali ou não, Apolo não a responde. Ao invés disso, encara mais uma vez a vastidão multicolorida que eram os olhos de Ártemis.

— Preciso de um favor! — ela pega a bolsa e puxa de lá um pequeno pacote — Leve isso para um laboratório analisar. Quero uma segunda análise, só vou ficar tranqüila se houver outra opinião.

— Pai, espero que esteja com fones no ouvido, porque estou um pouco cansada de te procurar! — a menina grita, andando pelo corredor.

— Estamos aqui, meu amor! — e é Ártemis quem responde, guardando apressadamente as fotos na pasta e a câmera na bolsa. — Apolo, guarde isso com a sua vida! E me entregue os resultados o mais rápido possível!

Não houve tempo para respostas, apenas para esconder o embrulho que Ártemis lhe dera. Segundos depois, sua filha estava em seus braços, lhe dando um abraço empolgado.

— Bom dia, papai! — ela lhe sorriu, aninhando a cabeça em seu peito, como se ainda fosse um bebê.

— Bom dia, meu amorzinho! — ele beijou-lhe os cabelos dela, abraçando-a forte por um momento.

Imaginava quantos não choravam por seus entes queridos, por aquelas três mulheres mortas. Será que as outras duas estavam sendo procuradas? Alguém, além de sua melhor amiga, queria lhes dar justiça? E quanto a Maria? Conhecia sua família, conviveu com suas dores... Como se sentiam agora, três anos depois do crime?

Como o pai que era, apegado a filha, não conseguia imaginar-se caso algo acontecesse à sua princesinha. Prometeu a que protegeria de todos os males, mas saber que o acaso era algo contra o qual não tinha armas, apenas o deixava angustiado.

— Assim, sei que a filha é sua por direito e por sangue, mas acho que tem algum lugar naquela certidão em que meu lindo nome aparece como “mãe adotiva”. Então, se não for pedir muito, será que posso abraçar minha filha? — a ruiva murmura, assumindo uma feição bem diferente da de antes.

Pai e filha se olham. Se não fossem os olhos, os que não conheciam a família jamais diriam que tinham o mesmo sangue; mas aqueles que conhecem sabem bem que a mente dos dois trabalham pelo mesmo caminho, então não é exagero dizer que quando se encararam, o mesmo sorriso brincalhão surgiu no rosto dos dois, antes do loiro se erguer e começar a correr pela casa com a filha no colo, gritando em pura euforia, enquanto Ártemis bufava, para logo em seguida correr atrás dos dois.

Se aqueles que não conhecessem a família Grace vissem tal cena, seria possível dizer que aquela era apenas mais uma manhã de domingo comum, onde a chuva apenas observava uma típica família americana se divertindo.

Sunday morning rain is falling (É manhã de domingo, e a chuva está caindo)

Clouds are shrouding us in moments unforgettable (As nuvens estão nos envolvendo em momentos inesquecíveis)

E aqueles que conhecessem, de fato, o mais velho dos irmãos, saberiam que aquele poderia ser considerado o sonho que ele mais gostaria que se tornasse realidade, seu desejo mais profundo.

— Peguei vocês! — a ruiva os encurralara na cozinha, e caminhava para eles como uma caçadora caminha para suas presas.

— Oh, tem de piedade, Sacerdotisa da Lua!

In darkness she is all I see (Na escuridão, ela é tudo o que vejo)

— Terei da criança! — ela tentava manter a foz firme, mas aqueles momentos também lhe eram amados. — De você, jamais!

E lá estavam os três, rolando pelo chão da cozinha, enquanto ele era vitima de um duplo ataque de cócegas.

Se aquilo pudesse se repetir todos os dias, Apolo poderia dizer que padecera e fora parar no paraíso.

Maybe All I Need (Talvez seja tudo o que eu precise).

— Quem quer café? — ofegava depois de tanto rir, as duas agora deitadas ao seu lado, cada uma sobre um de seus braços.

— Parece que alguém quer é voltar pra cama! — Ártemis murmura, apontando para o lado esquerdo dele, onde Allie ressonava tranquilamente.

Sorrindo, os dois se levantaram com cuidado para não acordar a garota. Ele a pegou no colo, o que não era esforço algum, e rumaram para o quarto da menina — que, caso queiram saber, era de um tom claro de azul e com muitas fotos espalhadas por quadros de cortiça —, onde a puseram na cama, e se sentaram no chão do quarto, observando-a dormir como se vissem uma obra prima feita pelos dois.

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Considerando que foram eles quem a criaram, talvez estivessem mesmo certos.

— É ela! — Ártemis murmura, a voz embargada, o sorriso sumindo de seu rosto — É ela que me faz, assim como faz você, levantar todos os dias e me força a dar meu melhor; a atravessar oceanos. Quero dar à Allegra o que nos foi negado: um mundo justo, menos violento. Esforço-me todos os dias, como sua melhor amiga, como madrinha e mãe dela, como legista e médica também: se eu puder por um sorriso em seu rosto, confortar Allie por qualquer coisa, trazer justiça a alguém que perdeu a vida ou ajudar alguém que corra o risco de perdê-la, então meu dia terá valido a pena. E é por isso que sei que estou tomando a decisão certa ao pedir que analise esse material para mim.

Ele a encara por um tempo, tentando entender o que se passava no coração e na mente de Ártemis, sem realmente achar que esse fosse o ponto mais importante. Era de Ártemis que estava falando: qualquer coisa sobre ela era importante.

— Saiba, então, minha querida Sacerdotisa da Lua, que seu esforço não é em vão! — ele se aproxima, e a puxa para perto.

Como queria poder tocar seus lábios nos dela, como queria deixar toda a tensão de seu corpo fluir em um beijo. Mas não se atreveria. Não cometeria o mesmo acerto duas vezes, quando ela considerava o primeiro um erro. Ele podia esperar.

— És a melhor de todas! Amiga, mãe, madrinha, justiceira. — segurou o rosto dela entre os dedos, delicadamente, como se temesse quebrá-lo — E se seus instintos acham que há algo ali, tenho certeza de que terá. E não importa o que seja, eu irei estar ao seu lado, não importa a decisão que tome. Sempre!

— Sempre! — ela aceita o braço caloroso que ele lhe dá, aninhando-se ali e esquecendo todo o desconforto que estava por vir.

No meio de tanta efemeridade, estava certa em procurar por ele: Apolo — e consequentemente Allegra — era seu eterno!

Change the weather still together when it ends (O tempo muda e nós continuamos juntos no final)