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Confusão em dobro


Droga. Droga, droga, droga. Eu não tinha ideia do que fazer quando chegasse à AAM. Por vários motivos:

1 – Eu não via Tyler desde o “incidente” e não tinha a menor ideia de como agir ou o que falar para ele. Eu deveria pedir desculpas? E pelo que exatamente? Pelo beijo ou pelo – ugh — vômito? Ou será que eu deveria fazer piada disso? Tipo “se você não descobriu o que eu comi no almoço pelo beijo, pelo menos viu depois nos seus pés, haha”. Não, acho que não era uma boa ideia. Talvez eu devesse só ignorar. Ou melhor! Eu poderia fingir que não era eu! Claro! Se eu estava bêbada, por que ele não podia estar? Claro! Perfeito! E se ele desconfiasse e perguntasse se era eu a louca que o agarrou e depois cuspiu o café-da-manhã, almoço e café da tarde nos seus tênis novo, eu poderia rir e dizer algo como “o quê? Eu nem sequer ESTAVA nessa festa!”. É ISSO! Estava decidido: eu iria fazer de conta e... Ah, droga, o cabelo. Não se vê todos os dias garotas de cabelo azul por aí. Ah, e eu falei com ele, não? Já tinha me esquecido disso. Droga.

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2 - Eu faltei na aula segunda. E o Sam provavelmente iria perguntar por que eu faltei. E o que eu iria dizer? Eu poderia inventar que estava doente. Mas e se ele perguntasse a doença? Que doença que passa em dois dias? Eu não sei! Não sou boa com esse tipo de coisa! Acho que eu tenho um sistema imunológico muito bom, porque eu raramente fico doente. Nem me lembro da última vez em que estive gripada. Acho que foi há uns quatro anos, se não me engano. Ah não, agora lembro, foi quando estava na sexta série, há cinco. Me lembro bem disso porque quando eu fico doente, eu fico doente. Nessa última vez, fiquei internada por quatro dias, com soro na veia e febre de 40 graus Celsius. Um PESADELO. Por isso, achei melhor não inventar nada desse tipo, já que nunca tive experiências com doenças que surgem misteriosamente e desaparecem milagrosamente em questão de algumas poucas horas. Mas o que eu falaria então? Tinha que ser algo bem convincente e simples, porque senão, vai que ele resolvesse ligar para minha mãe para saber a verdade? Daí que eu morreria, porque a minha mãe nem desconfia que eu esteja fazendo aulas para aprender a “brigar na rua”, como ela diria. É claro que esse não é o objetivo do Muay Thai – apesar de meio que ser o meu objetivo –, mas ela não pensa assim. Se já não foi muito fácil convencê-la a me deixar fazer academia com a Johanna – que é o que ela pensa que eu estou fazendo – imagina o que eu não teria que falar! Fora que eu teria que dar explicações para ela e para o Sam, já que eu tenho mentido para ele também, que acha que minha mãe super me apoia na incrível arte que é a arte marcial. Ai, deus.

3 – TINHA UMA TARTARUGA NA MINHA MOCHILA! Onde eu iria deixá-la? Ela não é um cachorrinho para eu amarrar num canto e eu tampouco poderia deixá-la trancada na mochila. Será que eu poderia trazê-la para o tatame, só para observar? Não, acho que não.

Aargh! O que eu vou fazer?, pensei desesperada.

Eu já estava chegando na academia e não havia pensado em nada realmente efetivo. Quando estava a uns 20 passos da entrada comecei a repensar minha decisão. Será que não era melhor voltar para o conforto da minha casa, onde eu não teria que enfrentar ninguém? Bem, exceto a minha mãe. Que com certeza iria querer saber por que tem uma tartaruga no jardim. E por que eu ando faltando tanto na academia que ela está pagando. Na segunda eu disse que estava com cãibra pelos exercícios de sexta, e quando ela desconfiou, eu disse que era muito comum “cãibras atrasadas” quando se faz exercícios pesados. Viu? Eu disse que não era boa com “doenças e dores misteriosas e efêmeras”. Mas depois de um tempo colou, já que eu insisti muito e disse que estava na Wikipédia e tal. Enfim. Comecei a ver movimentos dentro da academia e dei meia volta repentinamente. Mas então parei. Tinha gente vindo nesta direção.

Ah, droga, aquele não poderia ser o... Ah, droga! Era o Tyler vindo para cá! Eu precisava me esconder.

Me virei novamente e retornei para a academia em passos rápidos. Entrei de cabeça baixa para não fazer contato visual com ninguém por acaso e ser obrigada a iniciar uma conversa. Meus pés se moviam automaticamente e eu empurrei a primeira porta que vi. Quando parei para observar o lugar onde estava, percebi que entrara num vestiário. Aproveitei para olhar meu reflexo (é sempre bom estar apresentável, mesmo quando você parece sem saída) e percebi algo na pia além dos sabonetes. Um desodorante aerossol. Simples, alguém esqueceu, logo viria buscá-lo, ou talvez nem viesse. E um desodorante é algo tão comum num vestiário que a principio não dei nenhuma bola para ele, quase não o percebi. Mas então, quando eu estava dando leves mordidinhas na boca para deixá-la um pouco mais rosada, minha mente voltou a funcionar. A embalagem era preta. O desodorante fora usado recentemente e seu cheiro ainda perfumava o ar, e era bem característico. Peguei a embalagem na mão para me certificar, mas já tinha certeza: era masculino. Entrei no vestiário masculino! É claro! Já estive várias vezes no feminino e ele não era assim e que eu me lembre, só havia um masculino e um feminino. Graças a deus não tinha ninguém mais ali.

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Respirei aliviada por um momento, mas não durou muito: havia um barulho de passos que se sobressaía aos chutes e gritinhos que alguém estava dando lá fora. E eles estavam ficando mais fortes, mais perto. E então eu comecei a me desesperar. Para onde eu iria? Se eu saísse pela porta como se nada houvesse acontecido, iriam pensar que eu sou uma pervertida. Eu poderia tentar sair pela janela, mas aquilo ali era um vestiário e só tinha a porcaria de uma basculante a dois metros do chão.

É o fim. Iriam me pegar dentro do vestiário masculino. O que iriam falar?

Será que eu poderia ser suspensa ou algo do tipo? Mas se isso acontecesse, acho que nunca mais voltaria a botar minha cara na AAM. Os passos estavam mais perto e agora dava para ouvir conversas também. Eram mais de uma pessoa. Droga, eu precisava fazer alguma coisa. QUALQUER COISA era melhor que ficar parada com um desodorante na mão. Então num impulso corri e abri um dos armários grandes, entrei lá dentro e fechei a pequena porta de metal com um ruído no exato instante que ouvi a grande porta do vestiário sendo aberta. Os garotos entraram fazendo um grande estardalhaço, e começaram a conversar sobre dores do último treino e comprar ataduras novas. Também preciso, pensei. Me mexi um pouco a fim de ver quem estava ali. Eram três pessoas, percebi. Olhei para cima e vi seus rostos. E agora que as vozes tinham rostos, as reconheci imediatamente. Porque eram meus colegas Jonathan, Jasper e... bem, e Tyler, é óbvio, porque agora que eu NÃO queria me encontrar com ele, parecia que ele aparecia em todo lugar que eu estava. Soltei um gemido triste, que, graças a deus, ninguém ouviu, e, sem alternativas, fiquei parada esperando que eles fossem embora e comecei a escutar as conversas.

Ainda era sobre ataduras. Jonathan só lava as dele no final de semana. Quando lembra. Agora sei por que fedem tanto. Tyler precisa de luvas novas. Jasper não queria mais falar de luvas. Opa, o assunto mudara agora. Festas?

— Nossa, eu fui numa festa no sábado, lá na casa do Hugh, lembra dele, Jasper? Do futebol. – Jonathan perguntou.

— Claro.

— Então, só que a mãe dele estava em casa e a gente não sabia. Parece que ela toma uns remédios e dorme como uma pedra, mas a gente fez tanto barulho que ela acordou e botou todo mundo para fora! Tive até que abandonar uma gatinha lá... – ele falou rindo e todos o acompanharam.

— Eu também fui numa festa sábado, e tinha até erva nuns doces. E tinha uma menina muito viciada em doce e que ficou doidona e... – eles começaram a rir no meio, sem deixar Jasper terminar. Devia ser tudo mentira. Eu aposto que era. Eles já tinham terminado de enrolar as ataduras nas mãos quando começaram a trocar de camiseta. Quase fiquei num impasse, não sabendo se olhava ou não, mas não aguentei e dei umas espiadas.

Uau. É só o que tenho a dizer.

Todos tinham corpos maravilhosamente esculpidos, até Jasper, que parecia tão magrinho, e Jonathan tinha tantos quadradinhos no abdômen que eu não consegui terminar a contagem. Mas eu simplesmente não conseguia tirar os olhos de Tyler. E ele era tão perfeito em tudo, que é óbvio que seu corpo tinha que combinar com isso. Eu estava HIPNOTIZADA. Mas então algo na conversa deles me fez desviar um pouco a atenção e focar no que eles estavam dizendo.

— E você Tyler? Saiu no final de semana?

— Saí sim, com o Olly e o Dake. Fomos numa festa. – ele disse distraído.

Ai, droga! Ele vai contar sobre o “incidente”, não vai? É claro que vai! Todos os outros contaram histórias engraçadas do final de semana. E garotos simplesmente têm que competir em tudo. O pior é que ele com certeza vai ganhar. E a história vai se espalhar e até a faculdade eu serei conhecida como “A garota que vomitou nos pés do seu crush”. Talvez até depois da faculdade vão se lembrar disso. Talvez meus filhos descubram sobre isso e eu seja uma vergonha para eles. Caramba, é sério que o Tyler vai fazer isso comigo? Ele quer por acaso que os meus filhos se envergonhem da própria mãe? Que cara sem coração ele é? Sem falar que até há dois minutos atrás eu ainda queria que os filhos fossem dele também. Ele vai fazer isso com os próprios filhos?

— E aí, e as garotas? – Jasper perguntou interessado, balançando o cabelo louro.

Era agora. Era agora que iniciaria meu martírio. Eu estava condenada. A garota que vomitou nos pés do crush.

— Ah... – ele começou. Sem coração. – Nada demais. – ele terminou e eu, Jonathan e Jasper ficamos esperando por mais, mas logo ficou claro que ele não ia dizer nada além.

Deu? Só isso? Fim? Ele não iria contar da terrível, desastrosa e – infelizmente – cômica cena do final da festa? Não consegui entender. Ele tinha um coração, afinal. Depois de um segundo de silêncio total, Jasper riu e falou debochando:

— Ui, ele é reservado! Prepotente! Ta se achando tão poderoso que nem vai contar das suas experiências para os reles mortais aqui! – e todos riram novamente. – Vou até sair daqui, rei da pegação! – Jasper levantou as mãos e foi se afastando para perto da porta e Jonathan o acompanhou.

— Ei, ei, alguém tem desodorante? – Tyler perguntou aos risos antes que eles saíssem.

— Ah, agora quer ser o humilde? Se vira, Vossa Monarquia. Excelentíssimo. – Jasper continuou a provocar e saiu.

— Acho que tem no meu armário. – Jonathan respondeu – É o terceiro da esquerda para a direita. – e foi para a aula também.

Terceiro da esquerda para a direita. Por que isso me soava tão familiar? Eu nunca nem tive um armário. Ai, droga!, pensei quando percebi. Era o armário em que eu estava! Olhei pelos pequenos espaços da porta de metal, enquanto Tyler se aproximava – sem camisa ainda, o que me distraía um pouco – e o meu coração batia cada vez mais forte. Ai, meu deus! O que eu iria fazer? Fechei os olhos esperando pelo momento derradeiro e quando Tyler já estava tão perto que eu sentia seu cheiro – maravilhoso, por sinal – uma voz, que parecia até Deus sendo misericordioso quanto a mim – mas era só Jonathan – gritou da porta:

— Pensando bem, acho que está na mochila. Ou na pia, não lembro. – e voltou para o treino.

— Ah ta. – Tyler disse e tirou a mão da porta atrás da qual eu me escondia. Me deu vontade de chorar de alívio, juro.

Respirei aliviada enquanto ouvia Tyler remexer em uma mochila, mas comecei a sentir uma movimentação na minha própria. A tartaruga! Com todas essas emoções – ameaça de ser descoberta, ameaça de ser humilhada, garotos sarados sem camisa, etc. – até tinha me esquecido dela. Mas agora ela não parava quieta e estava quase escapando pela abertura que eu tinha deixado para ela respirar. Fui fazer um carinho para ela se acalmar e foi aí que tudo desandou. Porque ela mordeu meu dedo e, num gesto involuntário, puxei minha mão que acabou batendo no metal da porta com um grande ruído. Em questão de milésimos de segundo, meu cantinho escuro foi invadido por uma grande claridade e um Tyler Holt exibia seu tanquinho sarado enquanto me encarava com a cara mais surpresa do mundo. Sem alternativas, estendi minha mão direita, que não havia sido mordida por nenhum animal e, constrangida, fiz a única pergunta que eu poderia fazer naquele momento:

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— Desodorante?