Who We Are

Carta VII- Querido Matt, onde vivem os monstros?


Uma semana. Uma longa semana. Era o tempo que faltava para os estudantes finalmente começarem seus estágios e treinamentos. Eles seriam divididos de acordo com suas habilidades, sua área de preferência e, aparentemente, seus contatos. Todos os calouros pareciam querer se tornar sombras dos professores, se tornar a mão direita do coordenador do setor em que gostariam de trabalhar.

Mags desviou de um dos calouros tendo uma conversa com o professor de química molecular e se sentou do lado de Nash e Phoebe que pareciam muito concentradas em verificar uma lista de papeis na frente delas. As duas demoraram para perceber a presença da amiga.

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–Não acredito que vocês ainda não responderam esses formulários- Criticou Mags revirando os olhos para as amigas que pareciam desesperadas.

–Eu queria esperar para ver o que realmente me interessaria- respondeu Nash que tinha uma expressão de profunda concentração. Mags se controlou para não rir da amiga.

–Você já decidiu?- Perguntou Phoebe que parecia mais perdida do que os gansos de Haymitch quando mudava a estação- Porque sinceramente, não tenho a menor ideia. Tudo parece tão igual para mim. Química orgânica, Química inorgânica, Bioquímica. Certo. E essas subdivisões aqui, química analítica, fisico-quimica. Não essa definitivamente não. O professor é um tarado.

Mags não conseguiu se conter e soltou uma gargalhada.

–Como química orgânica e inorgânica podem ser a mesma coisa para você?-perguntou Mags se divertindo mais do que deveria com a situação.

–Eu sei que não é tudo igual, gênio do interior- disse ela parecendo claramente aborrecida- Eu fui selecionada para o departamento. Sou uma das mentes mais brilhantes de Panem.

Nash olhou para a amiga com uma expressão de profundo terror.

–Oh, não! Panem, o que será de ti!!- dramatizou.

Phoebe atirou nele um dos livros, que por pouco não pegou na cabeça do amigo. Graças aos reflexos rápidos, Mags também saiu ilesa.

–Ei, Ei, ok crianças. Se acalmem!- falou sentando no meio das duas- Tia Mags vai ajudar vocês.

–Você não tem que preencher seus próprio papéis- Questionou Phoebe, enquanto pegava uma caneta dentro da mochila e alcançava um dos formulários para Mags sem cerimônia.

–Preenchi na semana passada- respondeu Mags- Entreguei ontem só. Não tive tempo. Foi uma semana complicada.

Mags não queria pensar nos papeis que estavam na mesa do coordenador do curso de química nesse exato momento. Primeiro, porque ela tinha certeza de que não tinha respondido muito bem o questionário que vinha com o formulário. Segundo, ela tinha certeza de que não escrevera correto uma palavra. O que o coordenador iria pensar dela? Além disso ela não tinha se apressado porque queria se mostrar.

Não. Mags queria uma das duas vagas para o departamento de bioquímica. Essa vaga não era só a mais difícil de conseguir porque todo mundo achava a matéria mais fascinante, mas também porque o departamento era comandado por 'Crave, cabelo verde'. Ele era o segundo em comando na universidade e a autoridade mais importante no assunto. Uma vaga para trabalhar com ele significava uma ascensão rápida e prestigio. Mags não ligava para isso. Quer dizer, ter seu nome ligado a uma das áreas mais importantes da ciência.... com certeza seria legal. Mas ela queria a vaga no departamento para poder continuar suas pesquisas sobre o veneno das teleguiadas.

Phoebe e Nash a encararam espantadas.

–Uma semana complicada?- graniu Nash- Você sabe que ninguém entregou ainda né?

Phoebe encarou Nash séria.

–Nash. Acho que deixamos uma nerd entrar no nosso grupo- falou Phoebe num tom de alguém que dá uma noticia ruim a alguém.

Nash revirou os olhos e fez um sinal para que Mags não prestasse atenção a outra.

–Mas afinal, para qual departamento foi sua primeira opção?- Indagou a amiga vendo a expressão preocupada de Mags.

Mags mordeu o lábio antes de responder. Não queria que seus amigos pensassem que estava buscando glória ou algo assim.

–Bioquímica- falou finalmente- Eu sei o que vocês estão pensando. Toda a atenção que esse departamento recebe e todo mundo vai se inscrever para ele, praticamente impossível de entrar, mas.... Eu gosto dessa àrea.

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Nash e Phoebes trocaram olhares preocupados. Desde que Mags participara daquela terrível entrevista com Calígula, os dois vinham meio que tentando proteger a garota. Para Mags isso era enervante. Toda Panem acreditava que ela era uma piada, não precisava ter seus amigos a tratando como se fosse uma boneca de porcelana também.

– O que foi gente?- Perguntou ela encarando os dois.

–Calma ai, baby tordo. Se alguém consegue entrar nesse departamento é você- respondeu Phoebe rapidamente- Mas você é um imã de atenção e você foge disso como nêutrons fogem de prótons. Tem certeza de que vai querer ficar nesse departamento?

Mags já tinha pensado naquilo. Com certeza seria difícil, mas ela estava cansada de ter que pensar e agir baseado em seu sobrenome. Estava cansada de todas as pessoas a conhecerem pelos feitos de seus pais. Estava na hora de ela começar a buscar seus próprios caminhos. Nada melhor que o departamento de Bioquímica para isso. Além do mais, ela realmente queria entrar nele. Sabia que essa era sua parte favorita da ciência.

–Eu gosto de bioquímica e, de qualquer forma, me inscrevi em química orgânica também. Acho que provavelmente vou ficar nesse departamento.

–Certo- disse Phobe encarando Mags séria- Seja lá o que for, somos o Team tordo lembra? Estaremos com você.

Mags sorriu para as amigas. Ela nunca tiveram uma amizade tão forte com outras pessoas antes. Claro, ela tinha inúmeros amigos no 12. No entanto, nunca ninguém a entendera tanto quanto Phoebe e Nash. No inicio, a desconfiança era mútua. Phoebe não deixava de fazer piadas com toda a coisa do tordo até que Mags deixou claro que ela não era Katniss Everdeen. "Sabe, sempre fui fã da sua mãe. Acho que arranjei um ídolo melhor agora", foi que Phoebe respondera a Mags e a garota não tinha entendido aquelas palavras até agora.

–Certo! Me deem isso aqui.

E assim passaram o resto da semana, com Mags ajudando no preenchimento dos formulários. Nash entregou dois dias antes de Phoebe que não conseguia se decidir para qual departamento se candidatar. Quando finalmente chegou sexta, as três estavam tão nervosas que mal conseguiam se conter. Felizmente, ela não concorria com nenhuma das duas. Nash tinha se inscrito em Físico -quimica, Phoebe se inscrevera em química orgânica.

–Uau, isso aqui está até parecendo um jogos vorazes- comentou Phoebe ao ver dois colegas brigando porque tinham se candidatado a mesma vaga.

Mags não soube porque o comentário a irritou tanto, mas resolveu não responder e soltou um "vejo vocês depois" apressado. Sabia que Phoebes não tinha comentado por mal, nem para irritá-la. Sabia que a amiga deveria estar mais consciente do que realmente eram o jogos, mas não era bem culpa dela. Argh! Mags estava com os nervos em frangalhos.

Ela soube que haviam 17 candidatos para as duas vagas no departamento de biomedicina. Mais da metade da turma. Isso incluía os melhores alunos, incluindo Seymor Audrick que parecia gostar de atormentá-la. Ela jurou que se controlaria, mas lá estava ela olhando um painel eletrônico pela décima vez no dia para saber quando sairiam os resultados. Quando entrara no departamento ela se admirara com toda a tecnologia do local. Agora, ela odiava aquele maldito painel.

–Preocupada estrela? - ela ouviu uma voz mais ou menos conhecida atrás dela e teve que se controlar para não sair correndo dali- Por que não pede para seus pais uma ajuda. Tenho certeza que eles colocam você no departamento que quer mais rápido do que você consegue dizer 'amoras'.

Argh! Realmente, não precisava de mais pressão. Se virou rapidamente encarando o garoto atrás dela.

–Sério Audrick, pode me dar um dia de folga? Não estou no humor para suas piadinhas agora.

Isso só aumentou o riso zombeteiro do garoto. Ele impediu que ela saísse dali. Ela encarou ele, sentindo a raiva começar a controlá-la. Fique calma, fique calma.

–A estrela não está no humor hãn? Típico! Vai ver é porque seu amante desafortunado não está aqui para te fazer feliz.

Ah certo. Claro que Audrick assistira aquela maldita entrevista. Mag sentiu suas bochechas ficando quentes, seus pulsos se fechando de forma ameaçadora. "Não demonstre que está com raiva, finja que não se importa".

–Olha, não sei por que você me odeia tanto. Sinceramente, não me interessa. Só me deixe em paz certo? Fico fora do seu caminho, se ficar fora do meu.

O garoto a encarou. Mags não conseguiu distinguir o que ele estava pensando. Antes que tivesse tempo de analisar Seymor ou que o garoto pudesse responder, ela ouviu um grito vindo da entrada do prédio.

Sem pensar os dois saíram correndo. Mags quis continuar conversando com Audrick, porque até mesmo isso era melhor do que a cena que ela encontrou no pátio central. Phoebe gritava a pleno pulmões enquanto era segurada por um dos colegas. Havia outros três envolta de Nash. E eles .... oh não, Nash. Eles espancavam o garoto da forma mais brutal que Mags podia imaginar.

–Deixem eles seus idiotas! - Gritava Phoebe- Parem! Por favor. Ele não quer pegar a vaga de vocês. Por favor.

Nash já estava no chão, sangue escorria do rosto dele. Sua camisa praticamente se tornando vermelha. Ela nunca soube o que foi que a fez correr até os monstros. Não soube se foram os gritos de Phoebe, as lágrimas silenciosas de Nash, ou se foi a fúria que viu num dos olhos dos agressores. Talvez tenha sido o fato de os quatro rirem e repetirem a mesma palavra várias vezes. "aberração, aberração, aberração".

E então ela foi. Era como se ela tivesse vendo a cena pela perspectiva de outra pessoa. Ela se atirou em cima de um dos agressores. Seu punho latejou quando sentiu os ossos do garoto embaixo dos seus, o coração pulsando forte pela alegria do soco. Ela ouviu os amigos e Seymor gritando seu nome, mas não se importou. Ela deu mais um soco. Alguém a tirou de cima do garoto e colocou a mão ameaçadoramente em sua garganta.

O terceiro atacante já se recuperara do choque de ver uma garota batendo no amigo e, enquanto o parceiro ainda cuspia sangue, tinha partido para cima de Mags. Um deles segurava sua garganta, o outro aproveitou e lhe acertou um soco. A dor foi bem vinda. Ela sabia o que fazer. Enquanto eles estavam ocupados com seu rosto, ela levantou uma perna e acertou o menino que a segurava. Ela sentiu o ar voltando aos poucos aos pulmões, mas ainda não tinha acabado. O outro se preparava para lhe dar mais um soco, mas Mags foi mais rápida girando o corpo. A mãe dele bateu dolorosamente no cimento e antes que ele pudesse ao menos sentir a dor, ela já o tinha chutado. O garoto agora gritava no chão. Ela deu mais um chute nos dois primeiros atacantes e encarou o menino que sobrara e o que segurava Phoebe com uma fúria assassina.

–Saiam daqui- ela não reconheceu a raiva na própria voz- Se machucarem alguém de novo, juro que vou acabar com vocês.

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Sem pensar os dois garotos ajudaram os amigos que não tinham condições de andar e saíram correndo dali. Não demorou muito para que Mags se desse conta do que tinha feito. Quase matei alguém pensou. E foi tão, tão bom. Olhou suas mãos, ela tremia como nunca tinha tremido antes na vida. Tinha algo vermelho nelas. Ela sentiu vontade de vomitar. Sangue. O corte no lábio latejava e sua perna doía dos chutes que dera.

Ela olhou para os amigos. O olhar de surpresa deles foi o que a deixou mais confusa, mais desolada. Seymor deu um passo até ela, Mags não sabia bem o que esperava.

–Mellark...- começou ele com uma voz doce que ela não reconheceu, mas foi interrompido por um flash.

–Uau- disse alguém atrás dela- Isso vai ser uma manchete e tanto. Calígula com certeza vai me promover.

Com um nó no estômago Mags reconheceu o estagiário de Calígula.

–Me diga- perguntou ele enquanto guardava o equipamento- Foi assim que você conseguiu a vaga no departamento de Bioquímica?

–Quê?- perguntou Mags sem entender, olhou para os amigos confusa. Seymor estava com uma expressão indecifrável. O garoto apontou para o painel.

–O resultado saiu- disse Seymor, agora sem qualquer traço de compaixão- Você entrou no departamento de bíoquimica. Junto comigo.

Aquilo era demais. Ela viu os amigos assustados, Phoebe ainda segurando Nash que sangrava e Seymor a encarando desconfiado."Eles estão com medo de mim, eu tenho veneno de teleguiada no sangue" E então ela correu.

Correu para casa. Para o mais longe que pudesse do departamento. Havia uma carta de Matt. Oh Matt, ele sempre sabia como a fazer feliz, ele sempre estava ali para fazê-la rir, mesmo que ela não merecesse.

A garota se trancou no quarto. Não saiu quando Effie apareceu em casa, quando a chamou para o jantar nem quando a amiga ameaçou chamar os bombeiros. Finalmente após gritar que estava tudo bem e que precisava ficar sozinha é que foi deixada em paz. E chorou. Chorou porque batera em alguém, chorou por Nash, chorou por perceber que não estava livre de acessos de loucuras. Só depois de horas é que conseguiu ler e escrever uma carta com calma para Matt.

Querido Matt

Não sabe o quanto fiquei feliz por você. Eu queria estar ai para ver sua face se iluminar toda, você me olhar com cara de quem acabou de saber que o chão dos seus pés está sumindo e sorrir como se todos os sorrisos do mundo tivessem se juntando para formar seu sorriso. De repente você solta as mil palavras feias que sabe e sai correndo como a personificação da felicidade. Acredite, eu posso imaginar perfeitamente sua reação.

De alguma forma, até fico feliz que eles tenham adiantado a matéria sobre jogos vorazes. Vivendo na Capital, percebi que muitos perderam a noção do que foram os jogos. Me permito imaginar sua aula. Você no meio da sala, contando todas aquelas verdades horrorosas, escolhendo bem as palavras para que elas assentassem com calma na mente de todos eles sem criar danos permanentes. Engraçado eu ter falado sobre danos permanentes. Nunca acreditei muito nisso, sempre achei que tudo pudesse ser remediado. Mas algumas coisas meu querido irmão, são profundas demais para serem remediadas.

Você sempre contou a verdade Matt, você sempre faz o possível para ser honesto. E isso é uma das milhões de coisas que eu amo em você. É triste que eu tenha que pedir para fazer exatamente o contrário agora. Você disse que viu minha entrevista com aquele urubu vestido de apresentador de televisão (ele tem um site horrível também, mas pelo que entendi só as pessoas da capital tem acesso a ele, parte das modificações de Comunicação em Panem. Segundo a propaganda, logo estarão testando conexão em mais 5 distritos). Por favor, faça o possível para que mamãe e papai não vejam esse tipo de coisa. Eles já têm preocupações demais e não quero que eles fiquem preocupados comigo. Omitir não é bem uma mentira é? Creio que tecnicamente sim. Verdades ocultas às vezes machucam tanto quanto uma mentira, mas eu não pediria para que você fizesse isso se não fosse necessário.

Eu deveria começar pela boa noticia, mas não consigo. Eu consegui a vaga no setor de bíoquimica que eu tanto queria, mas tudo que consigo pensar é que deixei alguém muito machucado hoje. Uma amiga minha foi atacada hoje. Matt, ela foi atacada da forma mais vil que alguém pode ser atacado.

Aqueles meninos eram tão covardes, batiam nela como se tivessem direito de fazer isso. Como se Nash não tivesse a risada mais alegre da face da terra, como se ela não fosse a pessoa mais gentil que eu já conheci. Me perguntei como eles podiam ser tão cruéis, me perguntei como eu podia deixar aquela crueldade acontecer. Tudo o que eu pensei naquela hora era que aqueles monstros mereciam sofrer.

Então eu bati neles. Você sabe que sempre odiei violência. Sempre me pareceu tão errado. O que fiz hoje.... Não imagino o quanto mamãe e papai ficariam desapontados se soubessem o que fiz. Fui contra tudo que eles sempre lutaram. Olhei para mim e percebi Matt...eu era exatamente como os montros que atacavan Nash. E como se pode lutar contra o monstro dentro de você Matt? Como você convive com a culpa? Por favor, não fique preocupado. Eu estou bem. Pelo menos acho que vou ficar. Uma parte de mim sabe que eu fiz a coisa certa. Uma parte não está se sentindo culpada. Isso é o que me assusta mais.

Abraham Lincoln ahãn? Me parece alguém que nasceu para fazer coisas grandes. Parece alguém que nasceu para fazer o mundo melhor, alguém exatamente como você. Vou procurar o que puder. Bom você ter mencionado tia Alba. Faz tempo que não visito ela e Gale. Vou ver se consigo ir ao 2 qualquer dia. Se conseguir alguma informação importante, te envio mais rápido do que os aerodeslizadores da capital (você devia ver, eles fizeram novos modelos desde que você veio aqui na última vez). Tenho certeza de que vai ser interessante pesquisar sobre Abraham e ouvir o que ele tem a dizer. Espero que ele não se arrisque muito. Abraham deve ter em algum lugar do mundo uma irmã como eu que se preocupa com ele.

Beijos e saudades

Da sua irmã que está aprendendo a conviver com os próprios monstros

Mags