Eu mexia a bebida em meu copo com um canudo, meus olhos seguindo os movimentos circulares que se repetiam incansavelmente. Levantei o olhar, constatando que as expressões presentes no rosto de Mayu continuavam tão estressadas quanto da última vez que eu havia checado. Era estranho vê-lo dessa maneira. Ele nunca fora do tipo expressivo, mas acho que nem mesmo ele conseguia sair de um torneio como perdedor depois de tanto treinamento e preparo físico e não sentir nada a respeito. Perdedor não… Eu não chamaria o segundo colocado de um torneio regional de perdedor. Nunca. Mas acho que uma derrota continuava sendo um derrota, e isso provavelmente o chateava mais do que eu poderia jamais imaginar.

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— Se eu tivesse treinado mais… — Ele murmurou. Mayu parecia estar irritado consigo mesmo, como se não tivesse se empanhado o suficiente ou coisa assim.

— Ah, vamos. Você sabe que não é assim. Você deu tudo de si.

— Se fosse assim eu teria vencido. — Seu tom era ríspido, o que me deixou um tanto abalado.

Sem saber o que dizer, permaneci em silêncio. Eu odiava esse tipo de situação porque sempre fazia eu me sentir impotente. Eu queria ajudá-lo, animá-lo, mas as palavras não vinham, o que deixava um sentimento desconfortável no fundo da minha garganta. Esperei mais um pouco, mas as coisas não mostravam sinais de melhora — e por “coisas” eu me refiro ao humor de Mayu. Decidi arriscar uma segunda tentativa.

— Sabe… Se ganhar fosse fácil, não haveria mérito em ficar em primeiro lugar. Veja na derrota um incentivo. Treine mais do que nunca e, ano que vem, ganhe o primeiro lugar. Não adianta ficar remoendo o passado. Concentre-se no futuro.

Aquelas palavras pareceram fazer algum efeito, pois as suas feições deram uma boa suavizada, apesar dele ainda se manter em silêncio. Tomei aquilo como um incentivo para continuar a falar.

— Não é ganhar que te torna mais forte. Quando você perder, levante-se com a cabeça erguida. Perder não é o fim. Apenas treine e fique cada vez mais forte, e então a vitória virá naturalmente.

Silenciei-me, embaraçado de ter falado tanto. Mayu olhava diretamente em minha direção, seus lábios entreabertos eram um sinal de que ele fora pego desprevenido pelas minhas palavras. Bebi um pouco da bebida que jazia no copo à minha frente, mas isso não me ajudou a acalmar.

— Bem, ou pelo menos era isso que meu pai sempre dizia. Quero dizer… Não é como se eu tivesse qualquer experiência própria. Só estou repetindo as palavras dele.

— Seu pai? - Mayu parecia confuso e eu não o culpava. Pensando bem, eu nunca havia falado sobre meus pais até aquele instante.

— Ah, sim… Ele era judoca. Praticava desde jovem e parou uns anos atrás. Ele e minha mãe até queriam que eu seguisse os passos dele e competisse e tal mas eu nunca tive talento, então me deixaram desistir depois de uns dois anos tentando.

— Eu… Eu não sabia disso.

— Eu nunca disse. Não tinha como você saber.

— Por que ele parou?

— Ele se machucou. Rompeu um tendão. E acho que a idade estava começando a pesar nas costas.

— Oh…

Ficamos em silêncio. Mayu tinha feições pensativas e eu não sabia se isso era um bom sinal, mas pelo menos ele parecia estar se sentindo melhor do que antes. Aproveitei a oportunidade para terminar minha bebida. Quando Mayu tornou a olhar em minha direção, seus olhos brilhavam e eu tinha um péssimo pressentimento.

— Eu quero conhecê-lo!

— Hum?

— Mikoto, você tem que nos apresentar! Tenho certeza de que ele tem muito a me ensinar! - Ele parecia determinado a conseguir uma resposta positiva de minha parte.

— Ah, eu não…

— Imagina todo o conhecimento que ele não juntou ao longo dos anos!

— Mayu… Você percebe que estamos falando do meu pai, né?

Mayu piscou algumas vezes.

Oh. — Ele só então pareceu entender o significado de seu pedido. Suas feições se tornaram perdidas e até um tanto embaraçadas.

Olhei para o lado, incapaz de manter meu olhar no rapaz. Mexi nos fios do meu cabelo, inquieto.

— Se bem que não temos que dizer que estamos saindo… — Eu disse, depois de um tempo.

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— Não. Eu… Eu não poderia mentir. Se for para conhecer seus pais tem que ser direito, propriamente.

O rosto de Mayu estava tão vermelho quanto o meu, o que era estranho. Normalmente, era somente eu que ficava embaraçado e sem palavras nesse tipo de situação. Haviam primeiras vezes para tudo.

— Bem, um dia… — Mas as palavras morreram em sua boca.

Decidimos, por fim, pelo silêncio. O sentimento de que talvez fosse cedo para apresentações formais era mais do que provavelmente mútuo.