— Alys, exijo que os expulsem já! Estão há quase cinco dias vagando pela floresta...

— Mataram um animal por gula. G-u-l-a!

— Eu senti essa pobre alma, você deveria ser a protetora. Sabe que eu sinto cada morte que acontece.

— E a aquela bruxa louca? Arruinou toda a minha plantação e ainda fica amaldiçoando os deuses.

Revirei meus olhos desdenhosamente. Os dois espíritos já estavam ali há duas horas reclamando, reclamando e reclamando. Como sempre! Só sabem fazer isso. Francamente não entendo a frustração e a apatia que sentem em relação aos humanos. São criaturas curiosas, precárias, mas curiosas. Terminei a trança que fazia em minhas madeixas, e lentamente me levantei da pedra em que estava há horas, enquanto as duas reclamonas não calavam a boca.

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— Você podia pelo menos fingir que está nos escutando — Uma delas miou, irritando-me.

— Não sei porque essa raiva dos humanos. São um quebra-cabeça fascinante.

— São asquerosos — Nealie, o espírito com uma aparência quase de fantasma, protestou alterada — Se você não resolver, resolverei eu e do meu jeito. E você sabe como acho divertido essa parte... — um sorriso maléfico formou em seus lábios — se eu encontrar mais um... Já sabe!

— Eu concordo, sabe que o meu limite são três dias, e o nobre e seu soldado já estão há quatro.

— Nealie, não pode sair matando todo mundo que der vontade. Você precisa aprender a ter paciência... ah, Cernunnos estava a sua procura. — ela bufou contrariada e se retirou, desaparecendo no meio da floresta — Eileen, eu sei do seu limite. Só tente entender, lembra aquela doença que o rei amaldiçoou Eleor Marin Grand e o resto da sua família?

— O servo traidor? Aquele homem que você me contou que tinha um filho menor, que resistiu e acabou falecendo?

— Sim, esse mesmo. O jovem nobre é o filho mais velho dele. Ele está atrás do Diancecht, a mãe está morrendo e ele segue o mesmo caminho.

— Pelos deuses, estás me tornando igual a ti, fazendo ter... te.. ter compaixão! — Ela disse a última palavra enrolando a língua, como se dizer isso causasse um gosto amargo na boca.

Segundos depois soltou uma risada graciosa, aveludada daquelas que fazem cócegas ao escutá-la. Sorri ao mesmo tempo em que conversávamos sobre os homens, principalmente Dulcan, parece que a minha história fez o coração dela se aquecer.

Finalmente poderia tomar o banho que tanto esperava. Prendi no alto da cabeça, em forma de coque, o meu cabelo trançado. Cautelosamente coloquei um pé no lago, provando a temperatura da água, Assim que percebi que me agradava imergi meu corpo até a altura dos seios. O espírito que mais se parecia uma Ninfa de tão bela, tinha um belo par de olhos azuis acinzentados que se focavam em outro plano, em um mundo oposto. Depois de um tempo ela resolveu se juntar à mim.

Durante o tempo em que estive me banhando nua, senti alguém me observando. Olhei algumas vezes em direção à floresta; nada. Vinha tendo esse sentimento nos últimos dias. Novamente virei a cabeça, somente para encontrar um belo alce bebendo água. Tentei focar nos sons, escutei apenas a voz de um humano. Estava na hora de trabalhar!

Seus cabelos acobreados, que diferentes dos meus eram de um tom bem mais escuro, caiam em sua face enquanto comia algumas frutas silvestres despreocupadamente sem notar a presença quase fantasmagórica da Nealie, que observava hà duas milhas e meia, embaixo de um tronco revertido, com grandes folhas que a tampavam bem. Naquele momento um esquilo, de pelagem ruiva com o torso branco, que comia suas nozes sossegadamente em cima do tronco da árvore, onde curiosamente o sábio se encontrava apoiado, — por acaso do descuido próprio ou de um espírito que se encontrava bem a frente —, deixou uma delas cair em cima do colo do Jovem bem abaixo dele. O homem se assustando deu um solavanco para trás, batendo a cabeça com muita força no tronco e caindo desmaiado.

O vento balançava alguns lírios que se encontravam ao lado do moço caído. De todas as pessoas que já observei, digo com toda certeza que essa foi uma das mais peculiares e interessantes, se tornando um dos meus preferidos. Ao ver a cena, Nealie confirmou minhas suspeitas ao sair rindo. Com passos delicados segui em direção ao menino de cabelos cor chocolate. Ao me aproximar pude notar, entre várias oportunidades, como ele tinha um rosto belo, com o queixo quadrado. Levantei sua cabeça com carinho e notei o corte que surgiu. Colhi algumas ervas rapidamente, e com um pouco de trapaça, tratei o machucado. Rasguei um pedaço da barra do meu vestido e amarrei em sua cabeça.

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Seu rosto repousava em meu colo, cantava algumas cantigas para os deuses, precisava agradá-los de vez em quando se quisesse ganhar favores. Perdi-me nos detalhes do seu rosto e acabei esquecendo de me cobrir, lentamente ele abriu seus olhos e aqueles belos pares de olhos verdes olharam em minha direção. Havia sido descuidada. Com um movimento brusco desvaneci de perto dele e corri para dentro da minha floresta, abrigando-me. Eram poucos os que realmente já tinham me visto.

— Hey! Volte aqui, não vou lhe machucar, tem a minha palavra!

Enquanto aquelas duas esmeraldas me procuravam entre os arbustos e galhos ele percebeu a sua cabeça, colocando a mão no lugar em que havia machucado e franziu o cenho. Exclamou um ai antes de olhar para o causador de tudo isso, a pequena noz.

— Foi você que tratou? Só queria dizer obrigada. Você tem belos olhos, e um cabelo maravilho, só para constar! Cor de brasa do fogo, lindo! — Ele estaria... como os humanos chamam?... Galanteando?

— O que um sábio faz nessa floresta?

— O que um sábio não faria nessa floresta?

Não consegui me controlar e acabei soltando uma risada abafando com o manto, que agora já tinha vestido.

— Você não é um sábio, é só um louco!

— E você é uma bela mulher sozinha na floresta, o que me faz pensar que não poderia ser humana.

Não podia correr mais riscos, com uma última risada e sempre escondida, me afastei discretamente pela sombra. Deixando-o sozinho e frustrado.