Vínculos

Lugar Certo, Hora Certa


Capítulo 3- Lugar Certo, Hora Certa

Sábado, 6 de Setembro de 2003.

Enquanto cobria mais um bocejo com o dorso da mão, Shae se lembrou de seu antigo emprego, num restaurante medíocre a dez minutos de casa. O salário era uma vergonha, a gerente era uma cretina e suas colegas garçonetes pareciam odiar aquele lugar tanto quanto ela. Mas havia, pelo menos, uma coisa boa naquele buraco: não precisava trabalhar aos sábados.

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No Favorite, ela não só precisava fazer isso como seu turno começava cedo, às seis da manhã. Esse era o azar de trabalhar em um lugar que servia de tudo; se fosse só um bar, provavelmente começaria a trabalhar só no final da tarde. O dinheiro a mais que ganhava quase não compensava o desgaste e o aborrecimento de abrir mão das bebedeiras com os amigos nas noites de sexta.

Quando o relógio bateu meio-dia, indicando sua hora de descanso, guardou seu avental verde no armário nos fundos do restaurante e andou três quadras até uma lanchonete para se encontrar com Ethan. Entre as variadas formas de cumprimentá-la, ele escolheu:

— Você está horrível hoje.

— E você é um merda todos os dias — devolveu enquanto abria o cardápio.

Ethan riu.

— Ia perguntar o que está achando do emprego novo, mas sua cara já diz tudo.

— Essa é a cara da classe trabalhadora nos sábados de manhã. Saberia disso se não vivesse da mesada do papai — respondeu, fazendo sinal para o garçom.

— Acho melhor esperar o Nate para fazermos os pedidos.

— Ele não vem.

Ethan franziu o cenho.

— Por quê?

Shae pediu torta de limão e chá preto. Sem desviar os olhos da amiga, Ethan disse ao garçom que depois faria o pedido.

— Porque eu não chamei ele.

Ele a olhou como se tivesse ficado maluca e começou a falar, mas calou-se ao se dar conta da cilada em que tinha se metido.

— Bruxa.

Shae deu de ombros.

— Posso até ser uma bruxa, mas pelo menos não peguei a mulher do amigo.

Os olhos acinzentados de Ethan exibiram uma centelha de raiva.

— Pelo menos eu não traí meu namorado.

— Você só não fez isso porque nunca namorou.

Ele não podia negar que era um bom argumento.

— Não precisava ter armado uma emboscada, era só ter me dito que queria conversar.

— Mentiroso. Você teria dado um jeito de escapar, que nem fez ontem e na quarta de manhã quando eu tentei abordar o assunto.

Do outro lado da mesa de madeira escura, Ethan cruzou os braços e bufou.

— Eu sei que é uma merda ter que falar sobre isso, pelo amor de Deus, tudo isso é uma merda, mas nós realmente...

— Eu sei que você está preocupada, mas isso é assunto meu...

— Não é só seu! Você não é tão idiota assim, sabe muito bem que o certo seria eu ir contar pro Nate o que você fez, coisa que eu tô me segurando para não fazer desde que eu descobri sobre essa porra...

— Então por que você não vai lá contar ao invés de ficar dando uma de moralista, hein?!

A irritação o fez perder controle da voz, atraindo a atenção das outras pessoas no recinto. Shae, todavia, não se sentiu afetada, ainda que nem percebera seu pedido sendo servido. Sequer olhara para o garçom.

— E você ainda pergunta, seu imbecil?! Eu te amo! Não fiz nada porque te amo! É impossível para mim contar a verdade porque sei o tanto que vai te prejudicar. Nem se eu quiser eu consigo te fazer mal assim. — Cerrou os punhos e os olhos por um momento para conter as lágrimas que ameaçavam se formar. Queria arremessar a xícara de chá e o prato a sua frente longe, gritar até ficar rouca. — Mas eu também amo o Nate. E ficar calada vendo-o todo caidinho de amores por aquela megera, sem saber de nada, sem saber que ela não dá valor nenhum para ele, me destrói.

Por um tempo que se arrastou, Ethan ficou calado, com os olhos presos em qualquer coisa que não fossem os olhos da amiga. Ela tomou alguns goles, mesmo não estando com vontade.

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— Me desculpe — disse, ainda sem olhá-la. — Me desculpe. Eu sinto muito, de verdade, por estar fazendo você passar por isso, não queria arrastar mais ninguém para essa merda. Mas eu não posso...

— Você pode! — Tomou a mão dele por cima da mesa. — É lógico que ele vai ficar magoado; nós também ficaríamos no lugar dele. Mas ele vai te perdoar uma hora.

— E se não perdoar?

— Ele vai.

— Shae...

— Não importa o quanto ele goste da Esther, ele sempre vai te amar mais. Você é praticamente uma parte dele, assim como ele é de você e eu sou de vocês e vocês de mim.

Ethan cobriu o rosto com as mãos, curvando-se tanto que quase deitou na mesa. Respirando fundo, ele voltou para a posição normal.

— Mal posso esperar para hoje à noite. Nós precisamos muito de uma bebida.

Fazia tempo desde a última vez que ele falara algo tão bom aos seus ouvidos.

(...)

O arrependimento de ter saído de casa batera em Juliet assim que vira o tamanho da fila para entrar na festa. Britt e Esther a convenceram a ir com elas com o argumento de que era uma boa oportunidade para começar a socializar. Mesmo frequentando a universidade, não havia se entrosado com ninguém na Irlanda. Mas também não era como se tivesse tentado muito...

Seu desgosto havia começado ainda em casa, quando não conseguiu encontrar uma roupa decente para uma balada, já que as que tinha eram apropriadas para o clima de Phoenix, não de Dublin. Nada de minissaia ou vestido tubinho, apenas calça, várias blusas de lã e uma desgastada jaqueta bege. Por pouco também não tinha saído de casa com touca e luvas, e não demorou para se arrepender da escolha. Tinha certeza de que suas unhas estavam roxas por baixo do esmalte vermelho.

Praticamente todos na fila estavam eletrizados de expectativa e agiam como se aquela fosse ser a melhor noite das vidas deles. Enquanto Esther e Britt, ignorando sua existência, tagarelavam sobre um tal de Nate, Juliet só conseguia pensar em duas coisas: no quão lotada e propícia a provocar ataques de claustrofobia a festa estaria e no frio desgraçado que só ela parecia estar sentindo. Não conseguia entender como algumas garotas — muitas, na verdade — conseguiam sair naquele clima de roupa curta.

— Falando nele... — disse Esther, ficando na ponta dos pés e acenando freneticamente.

— Puta merda, ela tá com ele — apontou Britt em tom de asco.

Seguiu o olhar delas, encontrando um casal vindo em sua direção. O rapaz era alto, loiro, de pele extremamente clara, olhos verdes e feições descontraídas. Vestia uma camisa branca com um casaco azul escuro por cima e jeans. Já a garota tinha cabelos loiro-escuros e olhos castanhos puxados para um tom alaranjado. Seu vestido de lantejoulas rosa claro com um belo decote em forma de v ia até metade das coxas e seus saltos faziam os gigantes de Britt parecerem pequenos. Não pôde deixar de pensar que sem aqueles sapatos ela devia ser bem baixinha, pois nem com eles ela era muito alta.

Ela também não parecia muito feliz em ver Esther e Brittany, ao contrário do rapaz, que abriu um sorrisão. Assim que as cumprimentou, ele fitou Juliet de uma forma comicamente curiosa.

— Essa é Juliet, a minha prima de quem eu te falei — apresentou Esther, percebendo sua hesitação. — Jules, esse é o Nate.

— Oi, Jules — Nate pronunciou o apelido como uma brincadeira simpática, com um sorriso que parecia ficar mais caloroso e brilhante a cada segundo que se passava, e virou-se para a amiga ao seu lado, sendo o único a não agir como se ela não estivesse ali — Essa é a Shae.

A tal Shae não moveu um centímetro sequer em sua direção, apenas deu-lhe um sorriso estupidamente forçado antes de voltar-se para o amigo, que havia virado para Esther e estava prestes a dizer algo.

— Precisamos ir, o Ethan tá esperando.

Sem nem dar tempo de ele se despedir direito, ela o agarrou pela mão e saiu puxando-o de modo bruto.

— Além de nojenta é sem educação — comentou Esther, que continuava a fitar a garota arrastando o amigo como uma mãe afastando o filho de uma má influência.

— E você esperava alguma coisa diferente vindo daquela piranha?

(...)

Nate não sabia mais como era ficar ao menos um minuto sem levar um esbarrão. A quantidade indecentemente alta de pessoas na festa lhe proporcionava a desagradável sensação de estar preso dentro de uma lata de sardinhas. Ethan e Shae, no entanto, pouco se importavam com aquilo, seja pelo fato de estarem bêbados ou por serem festeiros natos.

Os amigos sempre foram bem mais “pra frente” do que ele. Na época da escola, era comum os dois aprontarem e os três serem castigados. Ainda que Shae tivesse a cabeça um pouco mais no lugar do que Ethan, ambos viviam se metendo em confusões e compartilhavam uma imensa paixão pela arte da farra, diferente de Nate. Ele gostava sim de beber e ir em festas, mas não no nível insano deles.

— Vem dançar com a gente! — chamou Shae alegremente.

Sem esperar por uma resposta, Ethan o puxou pelo braço de maneira quase agressiva.

— Eu não sei dançar! — protestou.

— Sabe sim! — ela insistiu. — Já te vi dançando várias vezes...

— Só quando estou tonto!

— Para de ser chato e vai rebolar, Nathaniel — Ethan brincou, dando-lhe um tapa bem dado em sua bunda, arrancando dele uma cara brava e uma gargalhada escandalosa de Shae.

Ela jogou os braços por cima de seus ombros, encontrando as mãos atrás de sua nuca, e colou seu corpo no dele, rebolando no ritmo de música. Ele colocou as mãos em sua cintura e comentou em tom de brincadeira:

— Desse jeito vão achar que estamos juntos.

A resposta de Shae foi um beijo estalado em sua boca seguido por um sorriso travesso.

— Deixa os outros acharem, ninguém tem nada a ver com a nossa vida. Não é mesmo, Ethan?

Quando ambos se viraram para o amigo, ele não estava mais lá.

— Ué, cadê ele?

— Deve estar com alguma garota — respondeu, dando de ombros. Era de lei Ethan sumir para pegar alguém. — Só espero que seja solteira.

— E que não seja a Esther — Shae disse com acidez.

— Como?!

— Brincadeirinha. — Sorriu amarelo. — Mas já que falei dela, me promete uma coisa?

— O quê?

— Nate, você me ama, não ama?

— É claro que sim.

— De verdade?

— De verdade, lindinha. Você sabe muito bem que Ethan e eu somos loucos por você.

— Então me promete que vai deixar a cretina da Esther de lado?

— O quê?! — exclamou, soltando-a. — É claro que não!

— Mas você tem que fazer isso, Nate! — protestou de maneira manhosa.

Tenho?! — endureceu suas feições. — Não começa, por favor.

— Começar com o quê?

— Com esse seu discursinho de ódio contra a Esther. Ela é incrível. Não é só porque você não gosta dela que eu sou proibido de gostar!

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Incrível?! — gritou em um tom estridente. — É a porra duma agressão você chamar aquela coisa assim. Incrível é o Ethan ter conseguido passar em Direito sem nunca ter chegado perto de um caderno pra estudar; incrível, também, é ele nunca ter engravidado alguém ou pegado uma DST; incrível é aquele gato do meu professor de Marketing; incrível é o tanto que eu fico gostosa com esse vestido... Esther Ruttle não é incrível. Ela passa longe, bem longe disso. Você é incrível, Nate, merece alguém melhor do que ela. Estou falando isso para o seu bem, ela vai te fazer muito mal e...

— Já chega! Passou da hora de você parar de agir feito criança e entender que o mundo não gira ao redor de você e das suas vontades. Essa rixa estúpida entre você e a Esther é problema de vocês. Então para de fazer de conta que eu tenho alguma coisa a ver com isso, porque não tenho!

Nate estava arfando quando terminou de falar. Amava Shae do fundo do coração, mais até do que amava sua irmã mais nova, Nicki. Mas precisava admitir que se tinha uma coisa que ela sabia fazer como ninguém era ser chata e implicante. Sua paciência para lidar com tais comportamentos vinha diminuindo a cada dia.

— Eu só quero o seu bem — Shae repetiu com a típica voz rouca de quem está prestes a chorar.

Ver seus olhos marejarem fez Nate imediatamente se sentir culpado, mesmo tendo consciência de que havia dito a verdade. Antes que pudesse se desculpar, ela sumiu em meio à multidão.

Movido pelo arrependimento, tentou ir atrás dela. Com dificuldade, rodou a festa inteira umas duas vezes, mas não conseguiu encontrá-la.

Frustrado e de saco cheio de tudo ao seu redor, decidiu procurar seus outros amigos. Havia esbarrado com Faith e Aaron em um certo momento, porém não lhes deu muita atenção por estar mais preocupado em achar Shae. Também vira Ethan dançando na maior intimidade com Michelle Stokes, o que só contribuiu para piorar seu humor. A ruiva era namorada de Darragh O’Hale, um brutamontes que jogava no time de rúgbi da universidade. Se meter com ela era sinônimo de pedir para apanhar. Fez uma nota mental para dar uma bronca no amigo assim que possível.

Como desgraça pouca é bobagem, não conseguiu achar Faith e Aaron novamente. A única alternativa que sobrou foi beber alguma coisa para tentar se acalmar e rezar para não passar o resto da festa sozinho.

Sentiu um aperto no ombro. Ignorou-o por achar que era mais algum contato inconveniente ocasionado pela lotação do lugar até ouvir a voz feminina:

— Nathan, por acaso você viu a Esther e a Brittany?

A prima de Esther parecia compartilhar de seu desgosto por aquela noite. Mesmo tentando ser simpática, dava para ver as linhas de irritação em seu rosto. Cogitou corrigir seu nome, mas acabou deixando para lá.

— Eu não faço ideia, me perdi de todo mundo — respondeu com pesar. A última vez que vira Esther foi na fila.

— Eu também...

— Vamos procurá-las juntos! — interrompeu, para logo em seguida se sentir um pouco envergonhado pelo seu desespero.

Ela assentiu com um sorriso que lembrava muito o de Esther. Juliet era muito bonita, de pele negra salpicada por sardas, grandes olhos castanhos claros e cachos volumosos.

Deram as mãos para não correrem o risco de passar pela irritação de se perderem um do outro e saíram para mais uma ronda. E fracassaram novamente.

Definitivamente a má sorte estava montada neles.

Acabaram tendo a brilhante ideia de irem para a área de fumantes após darem uma passada no bar, desistindo momentaneamente das buscas. A área a céu aberto nos fundos não estava tão vazia quanto Nate esperava, mas ainda era melhor do que o lado de dentro.

(...)

Shae não sabia ao certo, ou tinha dificuldade de se lembrar por conta da bebida, como foi acabar daquele jeito: encostada na parede do lado de fora da boate aos beijos com Logan Connely.

A única certeza era a de ter topado com ele enquanto procurava por Ethan logo após brigar com Nate. Mas, por hora, não importava muito saber como chegara ali. Só queria, e precisava, se distrair um pouco, coisa para a qual Logan era perfeito.

Tinha uma quedinha por ele desde que ele se mudara para sua rua, há pouco mais de um ano. Lembrava-se perfeitamente de quando o vira pela primeira vez: estava voltando do cinema com Skye e Mark quando teve sua atenção roubada pelo garoto de pele cor de oliva e cabelos negros que ajudava o pai a descarregar o caminhão de mudança.

— Que porra é essa?! — O grito deu-lhes um susto, apartando o beijo.

Seu sangue congelou ao ver a face irada do namorado. Não fazia sentido Vince estar ali. Ele havia lhe dito que só voltaria de Londres na quarta-feira, dia esse que planejava terminar o relacionamento de vez; mesmo que ele não a tivesse traído, não via mais como continuar.

— Vince... O que você tá fazendo aqui? — Não gaguejou por pouco.

— Voltei mais cedo e quis fazer uma surpresa para você na festa, Ethan me contou que iam vir. Mas pelo visto você não sentiu a minha falta... — Quase cuspiu as palavras, carregando um olhar de puro ódio.

— Eu posso explicar...

— Explicar o que, sua putinha?! Que é só eu virar as costas que você dá pro primeiro cara que aparecer na sua frente?!

Putinha?!

— Sim, P-U-T-I-N-H-A — soletrou. — Você é a maior puta que eu já conhe...

A frase foi interrompida por um tapa de Shae, resultado da explosiva mistura de álcool e raiva. Uma coisa que aprendera com suas irmãs era que não importavam as consequências ou o quão errada estivesse, não podia de modo algum se permitir ser mal tratada.

A resposta de Vince foi drástica. Sem hesitação nenhuma, ele deu-lhe um soco no rosto tão forte que a fez perder o equilíbrio e cair no chão, batendo com força a cabeça contra o concreto da calçada.

— Você tá maluco?!

Sentiu o ar sendo brutalmente sugado de seu peito pelo impacto, impedindo-a de gritar pela dor lancinante que se arrastou queimando por sua cabeça. O grito de Logan foi a última coisa que seus sentidos captaram antes de apagar.

(...)

Era para ser apenas um jantar na casa de seus melhores amigos.

Tudo fora combinado com dois dias de antecedência: Ray passaria no restaurante de Mia após seu expediente, comprariam bebidas e iriam para casa, onde Scott os estaria esperando com uma travessa de cozido recém-saída do forno.

Se as coisas tivessem saído como o planejado, teriam adentrado a casa, cuja sala era maior do que seu apartamento, e sido imediatamente atingidos pelo cheiro da especialidade culinária de Scott. Ray, mais pelo simples impulso de irritá-lo do que por descontentamento, reclamaria da falta de inovação do amigo na cozinha, ainda que adorasse o famigerado cozido de carne de porco com legumes. Scott lhe responderia de uma maneira mal-educada que não combinava com seu riso.

Passariam o jantar falando de assuntos inúteis e agradáveis, depois lavariam a louça e iriam para a sala (ou para o banco no jardim dos fundos) acabar com as bebidas. Tudo muito simples, descontraído. O tipo de social que o fazia se lembrar que já estava na casa dos trinta anos.

Mas é claro que não foi isso que aconteceu.

Assim que Mia encaixou a chave na fechadura de casa, sentiram um forte cheiro de queimado. Logo descobriram que Scott falhara miseravelmente na tarefa de fazer algo diferente de seu cozido.

Para não perderem a noite, aderiram à programação normal de um grupo de amigos em sextas à noite: ir a um pub.

Depois de terem acabado com o álcool que Ray e Mia haviam comprado, os três foram para um pub conhecido no centro da cidade. Após algumas cervejas, decidiram ir para outro estabelecimento, chamado “Seven Marie”. Depois de passarem também pelo “The Admiral” e pelo “Grey King”, a noite foi declarada oficialmente encerrada quando Scott, após vomitar nos scarpins de uma mulher que passava por eles, cambaleou em direção ao chão e não conseguiu mais se levantar.

Teve que fazer o caminho para casa praticamente carregando o amigo, tendo de aturar uma Mia bêbada, tagarela e saltitante.

— Que tal parar de agir que nem uma maluca e me ajudar com o senhor seu marido? — falou após quarenta minutos de caminhada, sendo que trinta foram gastos indo na direção errada.

As maravilhas que o álcool proporciona.

— Larga ele aqui. Com certeza ele vai se lembrar do caminho de casa quando acordar amanhã.

Não havia nada na voz dela que indicasse que a sugestão fosse uma brincadeira.

— Quer abandonar ele? E quanto ao “na saúde e na doença”? — retorquiu, mesmo que a ideia de Scott acordando na sarjeta fosse irresistivelmente cômica.

— Doença, não decadência.

— Aquelas tequilas no Seven Marie foram ideia sua.

Mia estancou no lugar e voltou-se para ele com uma expressão de pura indignação.

— As tequilas foram ideia sua!

— Não foram não! A rodada que eu pedi foi de uísque!

“Ou foi gim?”

— Nós tomamos uísque quando ainda estávamos na minha casa.

— A gente nem comprou uísque!

— É claro que compramos, seu maluco! E nós nem entramos no Seven Marie, só passamos em frente!

— O quê?! É claro que entramos! Foi lá que tomamos aquela bebida vermelha estranha.

— Isso foi no bar da luz piscante!

— O quê?

— Não quero mais papo, você tá muito bêbado.

— Você não tem moral nenhuma para…

Gritos histéricos cortaram o ar gelado. Alguns bons metros à frente, um homem alto gritava com uma garota, enquanto um outro cara de camisa vermelha assistia a tudo calado.

Mia soltou um grito quando o homem deu um soco na garota, que foi ao chão com tudo. Na sequência, o rapaz de blusa vermelha partiu para cima dele e ambos saíram no tapa.

Ray largou Scott na calçada como um boneco de pano e foi ver a garota. Ela estava desacordada. A iluminação não era das melhores, mas conseguia ver sangue escorrendo de sua cabeça. Pegou o celular e, com dificuldade para digitar, ligou para a emergência.

Mia se materializou ao seu lado junto de um homem de terno, provavelmente um segurança, que correu para separar os caras que rolavam aos socos no meio da rua.

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— Meu santo Deus! — Mia, histérica, cobriu a boca escancarada com as mãos. — Eu conheço ela, Ray, eu conheço ela!

(...)

— Skye, está tudo bem?

— É claro que sim.

— Tem certeza? — insistiu Mark, desconfiado. — Você tá meio estranha.

— Estranha como?

— No mundo da lua. Você não é disso...

— Não estou não! — protestou.

— Do que eu estava falando?

Sorriu de canto ao ver que ela estava perdida.

— Er... Sobre a nossa viagem para a Jamaica? — arriscou essa opção, já que andavam conversando bastante sobre o destino recém-escolhido da lua de mel.

— Sobre o babaca do meu chefe ter finalmente se aposentado. Foi por isso que eu trouxe o vinho, para comemorar.

Ambos estavam sentados no tapete da sala da casa de Skye, saboreando o frango que haviam feito juntos, acompanhado do vinho caro que Mark comprara naquele mesmo dia. Algo que ele tinha em comum com Amy era não gostar que Skye bebesse, mas aquela era uma ocasião especial e digna de exceção.

— Achei que fosse para me agradar — disse, sentando-se no colo dele e descendo uma mão por seu peito enquanto a outra acariciava sua nuca.

Mark puxou-a, colando ainda mais seu corpo no dele, e a beijou. Só se separaram quando faltou ar, mas ainda permaneceram com as testas encostadas.

— O que está acontecendo? — insistiu.

Skye deu um suspiro descontente, saindo do colo dele e sentando-se de pernas cruzadas ao seu lado. Contar a ele sobre a discussão com Amy seria a última coisa do mundo que faria.

O problema não era a briga em si, mas os motivos. Mark era curioso e preocupado demais para ouvir tudo pleno e quieto sem fazer perguntas. Perguntas essas que não queria e nem estava pronta para responder. E provavelmente nunca estaria.

— Você sabe que às vezes eu escrevo alguns artigos para a Gaille, não sabe? — Ele assentiu. — Então... Na última vez que estive lá me ofereceram um emprego fixo na Unmasked.

Não era mentira. Realmente havia recebido a oferta e andava pensando bastante a respeito, mas não a ponto de lhe incomodar como a discussão com Amy.

Unsmasked era uma famosa revista da editora Gaille, de publicação bimestral, que tratava de assuntos controversos, principalmente envolvendo política e problemas sociais e econômicos.

Mark arregalou os olhos cor de mel.

— Sério?! — exclamou, mal contendo a empolgação. — Meu Deus, Skye, isso é incrível! Por que não me contou antes?

— Porque ainda não sei se vou aceitar.

Unmasked, meu amor, Unmasked. É praticamente um dos sete céus do jornalismo investigativo. Essa é uma oportunidade de ouro! Conheço muita gente que daria tudo para trabalhar lá.

— Você não é uma delas.

— Não fui feito para a área investigativa.

— Você não aguentou o tranco, isso sim — alfinetou em tom de brincadeira.

— Não mesmo — devolveu a brincadeira. — Diferente de você, gosto de manter distância de encrencas em potencial.

— Tá me chamando de encrenqueira, Mark Benjamin? — perguntou em um tom que misturava diversão com malícia.

— O número do seu advogado não tá no “favoritos” do meu celular à toa, Skylar Rose.

Alargando o sorriso, disse:

— Nas palavras de Michael O’Flahertie, a melhor parte de ser um jornalista é publicar coisas que ninguém quer que sejam publicadas. Gosto dessa filosofia.

O toque alto do telefone fixo assustou ambos. Skye foi atender amaldiçoando o desocupado que tinha a cara de pau de ligar para a casa dos outros às duas da manhã.

Era do hospital.

(...)

Que palhaçada é essa?!”, pensou Esther ao ver Nate e Juliet conversando perto da grade nos fundos da área de fumantes.

Perto demais.

Sorridentes demais.

Qualquer um que os visse lá, tão concentrados um no outro, com bebidas em mãos e rindo de minuto em minuto, pensaria imediatamente que eram um casal.

Já não achava uma boa ideia trazer a prima para a festa, sabia que ela seria um incômodo, só o fez porque sua mãe havia enchido seu saco. Segurando-se para não arrastá-la pelos cabelos para longe do provável futuro namorado, foi pisando duro até eles.

Teve que pigarrear para perceberem sua presença.

— Tesy! — Nate puxou-a em um abraço que a fez se sentir tão bem a ponto de sua irritação quase a abandonar. — Não conseguimos te achar! Que bom que você tá aqui!

— Vocês não pareciam tão preocupados em me achar. — Amaldiçoou-se por seu comentário ter saído mais parecido com um comentário brincalhão do que uma demonstração de descontentamento.

— Desculpa, linda. Acabamos presos na conversa aqui. Sua prima é demais, por que não me apresentou ela antes? — disse, voltando o olhar para Juliet, que por sua vez sorriu docilmente.

Esther preferiu acreditar que a vermelhidão repentina no rosto da prima era por causa da bebida.

— Isso nem me passou pela cabeça...

Como nada podia ser ruim o suficiente, Ethan apareceu, exalando nervosismo.

— Puta merda, Nathaniel. Onde você se meteu, caralho?!

Ele estava ofegante, com os cabelos colados de suor. Parte de Esther queria vomitar enquanto outra se repreendia por pensar no quão bonito ele era mesmo quando estava acabado.

— Eu que te pergunto!

— Você tem que vir comigo, aconteceu uma coisa.

Novamente, Nate foi arrastado feito um boneco.

Esther adorava-o, só um maluco não gostaria dele, era uma das pessoas mais gentis que conhecia. Entretanto, o modo como ele agia feito um cachorrinho adestrado com Ethan e Sheila a irritava em vários níveis, fazendo-a ter vontade de dar-lhe um tapa na cara e dizer para parar. Ele era bom demais para eles.

Sem dirigir sequer um olhar a Juliet, saiu em direção a um lugar onde sabia que encontraria Britt. Conseguiu sentir no ar a irritação da prima por deixá-la para trás de tal maneira.

Não via a hora de ela sair de sua casa.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.