[Caleb]

Não consegui pregar os olhos o resto da noite, minha cabeça martelava e minha boca estava seca, o desejo de ingerir álcool era intenso e me deixava um tanto agitado. Se fosse em um outro momento, ou em outra época, eu não teria hesitado em correr até a loja mais próxima e voltar com uma grade das minhas bebidas favoritas. Essa era minha forma de lidar nessas situações.

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Antes de conhecê-la.

Hanna, ela era a razão por não ter cometido ainda essa idiotice. Definitivamente ela era meu anjo. A parte sensata da minha vida.

Infelizmente a única coisa que ela não podia fazer era afugentar os fantasmas do passado e os sentimentos desgastantes que vinham juntos. Eu ficava exausto depois de me “recuperar” do surto, como se fosse uma luta física e não interna. Até certo ponto, as seções de terapia ajudavam.

Amassei mais ainda em minha mão direita a fotografia que sempre carregava, ao mesmo tempo em que a comprimia, eu apertava os olhos molhados com força. Durante muito tempo eu consegui conviver com a dor da saudade, era fácil ignorar a falta que eles faziam quando minha cabeça era esgotada pelos diversos compromissos... Porém o fato de que eu estava tão próximo da minha família era torturante. E ainda pior, que eu não conseguia ser capaz de dar o braço a torcer. Eles sabiam da minha estadia ali. Afinal toda a cidade sabia disso.

Será que ainda me amavam? Será que minha mãe jogou fora minhas coisas e queimou minhas roupas? Destruíram todas as lembranças de mim? Será ainda que meu pai guardava rancor por tê-lo desafiado e dito coisas que o machucaram?

As palavras que ele rebateu no momento de fúria ainda doíam quando eu pensava nisso, como uma ferida não cicatrizada. Ele não foi o único que saiu despedaçado da história, eu também.

De qualquer forma não era justo com minha mãe, me afastar daquele jeito, mas eu estava transtornado e não queria mais saber do meu pai ou dos negócios da família. No meio disso tudo eu a perdi para sempre. Agora mais do que nunca eu me sentia um idiota, a sensação era enlouquecedora, doía tanto, meu coração estava apertado e eu percebi que me faltava oxigênio, respirava com dificuldade. O remorso era tanto, eu nunca havia notado que me arrependia amargamente por ter ido embora e não ter olhado para trás. É claro, meu orgulho impedia que eu me sentisse dessa forma.

Diante das minhas pálpebras fechadas, eu me recordava dos momentos felizes da infância, dos passeios em família, costumava pescar com meu pai aos finais de semanas ou em feriados quando ele estava em casa, dos natais, em como era cuidado por minha mãe quando adoecia, sempre atenciosa e carinhosa. Nas comemorações de aniversários. Em como costumávamos ser uma família alegre e unida... Até o dia em que sai de casa após a discussão com meu pai.

Eu não conseguia me lembrar nitidamente de como tudo aconteceu, mas o que não sai da memória são todas as farpas trocadas. Jaime, meu pai, queria que eu seguisse seus passos na empresa da família, o sobrenome Rivers não era tão reconhecido além dos limites de Rosewood, porém a família tinha algumas posses.

Meu punho latejava com o recente soco na parede, afinal foi a primeira coisa que estava na minha frente além da carranca do meu pai. Jaime jamais me perdoaria se avançasse e fosse o rosto dele que estivesse ardendo ao invés da minha mão e, eu tampouco me perdoaria se o fizesse. Embora meu corpo queimasse de raiva por dentro.

Eu estava esgotado daquilo. A mesma conversa de sempre. As mesmas exigências de sempre.

— Eu sempre fui claro que não quero ser um mauricinho engomado com o cabelo cheio de gel sentado atrás de um computador o dia todo! Além disso, eu odeio matemática.

— E eu sempre deixei claro que não aprovo e nunca irei aprovar que um filho meu se torne um cantorzinho de bar.

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— Cantorzinho de bar? O senhor perfeito não acha que eu posso ser mais que isso? Mas ganhar a vida cantando em bares não é um trabalho vergonhoso se quer saber.

— Um Rivers jamais terá esse futuro, eu sou o seu pai e você me deve respeito, Caleb!

— E o senhor o tem, mas eu não vou seguir seus passos. Não posso nem mesmo terminar a escola em paz sem escutar esse papinho todo dia?

— Você logo se tornará um homem, e deverá assumir suas responsabilidades. Pensar no futuro.

Esfreguei o rosto impaciente e soltei um grunhido.

E é claro que eu pensava no meu futuro embora fossem sonhos contrários aos do meu pai.

A Rivers’ Finances era uma empresa de contabilidade conceituada de Rosewood, fundada inicialmente com muito esforço por meu avô John Rivers, a presidência da mesma foi deixada para Jaime após sua morte. Meu pai e meu tio Greg estavam considerando expandir a empresa abrindo uma filial na Filadélfia. Na qual ficaria sobre responsabilidade do meu tio e meu primo Noah, ele havia me confiado que a presidência da empresa não era sua primeira opção, nem a segunda. Assim como eu, ele queria seguir seu próprio rumo.

Não era justo nossos pais imporem isso a nós, mas diferente de Noah, eu não me venderia tão fácil.

— Por que o senhor não consegue entender que a musica é a minha paixão?

— Porque Isso é apenas uma fase, garoto. Você não está pensando direito. Precisa amadurecer e assim irá enxergar que esse sonho é um absurdo.

Bufei.

— Eu não vou me tornar o próximo Noah Rivers.

— Do que está falando? O que tem seu primo?

— Meu Deus! Sou apenas eu que vejo que ele está infeliz no meio disso tudo? Ele está sendo forçado pelo tio Greg assim como o senhor está fazendo comigo.

— Não tente esquivar o assunto para outra pessoa, Caleb. — em nenhum momento ele discordou da acusação sobre sua manipulação. Porque era nítido que ele estava fazendo exatamente isso. Ele continuou — Afinal qualquer pessoa daria tudo para um cargo como o “seu”.

Me enfureci.

— Ótimo, porque vocês não começam a checar os currículos daqueles que realmente querem estar lá?

— Chega de insolência, Caleb!

Suspirei fundo.

— Por que não pode me apoiar, pai? É tão infeliz assim ao ponto de estragar minha vida?

Foi rápido, tão imperceptível quanto um bater de asas de um inseto. Num picar de olhos senti minha bochecha direita arder com o tapa certeiro de Jaime. Virei a cara vagarosamente com mão sobre o lado atingido e o encarei com os olhos dilatados em surpresa.

— Você mora sob o meu teto e irá fazer o que eu mando! — ele gritou exasperado.

Eu ainda estava com a mão sobre a bochecha, meu corpo inteiro aos tremores, os olhos do meu pai faiscando de raiva, o sentimento era totalmente reciproco. Enquanto eu preferi me machucar ele não pensou duas vezes antes de bater em mim.

— É esse o problema? Então eu vou dar o fora! — rebati no mesmo tom.

Ele riu em meio a fúria.

— Você não conseguiria passar uma noite longe daqui criança ingênua! – ele fez uma pausa com expressão pensativa e elevou o dedo indicador após alguns segundos — Se você pedir desculpas agora eu estou disposto em perdoar sua desobediência e esquecer o que aconteceu...

— Espere sentado. — cruzei os braços rindo sarcasticamente.

— Você é inacreditável, garoto! Você nem parece meu filho. — cuspiu as palavras com a face vermelha.

— Essa ideia não é tão ruim... — eu disse entre dentes, ignorando a fisgada irritante no peito.

— Se você sair dessa casa jamais irei aceita-lo de volta, Caleb. Nem mesmo com a intercessão de sua mãe. — ao falar isso, ouvimos o barulho do portão da garagem e sabíamos que minha mãe havia chegado do mercado com Ruth. Ela frequentemente impedia que chegasse exatamente a esse extremo.

E sempre pedia num murmúrio doce enquanto tentava me acalmar “que tivesse paciência com meu pai e que ele acabaria cedendo e, aceitando minhas decisões.”, beijava minha testa e fazia carinho em meu cabelo.

Toda a paciência havia se esgotado e eu duvidava que esse dia chegasse.

— Pode ficar tranquilo, eu não tenho planos de voltar! — gritei me virando e subindo as escadas, passando pelos diversos vasos decorativos e flores perfumadas impecáveis de minha mãe, ela amava pintar e era formada em Floricultura, e até mesmo seu talento foi deixado de lado para atender aos caprichos de Jaime. Ela sempre negou, mas eu não tinha tanta certeza.

Embora eu estivesse um caos por dentro, ferido pela falta de compressão por parte dele e suas palavras, com raiva pelo tapa, eu não queria de fato ir embora, minha mente parecia que ia explodir com tantos pensamentos, mas a cólera dentro de mim era maior. Eu não conseguia raciocinar direito, ou no estado de minha mãe quando partisse, estava de cabeça quente. E quando dei por mim, já carregava minha mochila bege nas costas, minha toca cinza favorita na cabeça e meu violão surrado. O mínimo possível.

Se eu ficasse eu sabia que de alguma forma, meu pai iria conseguir o que queria e eu seria arruinado. Eu não podia admitir não ter voz. Não decidir o que eu queria de fato ser. Meus sonhos acabariam.

— Eu vou indo nessa... — avisei ao descer o ultimo degrau. Havia alguns objetos espalhados pelo chão que eu não tinha notado antes. Visualizei minha mãe de costas pedindo explicações de Jaime sobre a bagunça que fizemos enquanto ele a encarava da forma mais suave que conseguia.

Quando escutou minha voz ela se virou, seu vestido florido e sua imagem serena se contrastavam com o caos da sala.

— Caleb? — ela indagou com expressão confusa e seus olhos correram pela minha bagagem — aonde está indo, querido?

— Ele está indo embora de casa. — foi meu pai quem respondeu com o tom raivoso — vamos, Caleb. Diga a sua mãe que você prefere ser um ninguém na vida e é ingrato pela sorte que tem por fazer parte dessa família.

— Eu não preciso dizer nada! — gritei sem paciência.

— Por favor, parem. Caleb, meu filho... — começou ela, porém eu sabia que se ela continuasse eu poderia mudar de ideia e eu não podia voltar atrás, então a interrompi.

— Eu já estou decidido. — eu disse firmemente e recuei dois passos quando ela deu um para mim.

— Esteja ciente, garoto, que essas portas não estarão mais abertas para você. Nunca mais!

— Ótimo. Como eu disse eu não vou voltar. Nunca!

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— Jaime, pare! Ele só tem 14 anos... — disse ela exasperada para ele e virou para mim caminhando em minha direção, mas eu não me afastei dessa vez — Caleb... — seus olhos estavam cheios de lágrimas e o nariz vermelho — por favor, querido, fique. Vai ficar tudo bem... Nós podemos...

— Ele não se importa com você, Claudia. Com os pais dele.

Mamãe o ignorou e deixei com que ela passasse os braços ao redor de mim, seu corpo menor que o meu tremia e ela fungava. Eu retribuí ao abraço. Senti-me um monstro por fazê-la sofrer daquele jeito, mas eu não podia ficar. Apertou-me um pouco mais e disse:

— Eu nunca, nunca daria as costas para você, querido. Mas por favor, não vá embora...

— Eu sinto muito, mãe... Mas eu preciso ir. Eu te amo — beijei sua cabeça e sem olhar para trás irrompi a porta.

Eu tentei ignorar a dor horrível que sentia em meu coração. Queimava, ardia, ignorei as gotículas molhando minhas bochechas. Embora eu soubesse que tinha o incentivo de minha mãe, a partir dali eu estava sozinho. Eu era minha própria companhia. Meu próprio lar.

Ele achou que eu não escutei, as palavras que foram o estopim para não voltar atrás, para não querer retornar:

— A partir de hoje eu não tenho mais filho, você morreu para mim.

Quando a dor era demasiada, peguei meu celular, com os dedos trêmulos apertei a tecla de atalho para pedir ajuda para a única pessoa capaz de fazer me sentir melhor e, quando percebi estava espremido em seus braços confortantes e me inebriando com seu aroma tão conhecido de morangos. Eu não havia percebido que já era dia e o sol brilhava lá fora enquanto eu tinha mais um surto. Meus olhos ardiam e os sentia inchados pela falta de descanso.

Como mágica, toda a confusão dentro de mim e toda a carga pesada sobre meus ombros relaxaram quando ela chegou.

Caleb? Você está melhor? — ela indagou numa voz baixa, porém preocupada próximo a minha orelha e em seguida tentou abafar um bocejo.

Senti-me culpado na mesma hora e quis ter sido forte em não a perturbar com meus problemas tão cedo. Ou simplesmente envolve-la no meu drama “familiar”. Não nos conhecíamos há tanto tempo para mostrar meu lado tão debilitado, porém com Han tudo era tão mais fácil.

Estar como ela era como se estivesse com alguém que conhecia a vida toda.

Responde, por favor. Você está bem? — pediu Hanna mais uma vez ao receber apenas silencio. Delicadamente eu ergui meu queixo para encará-la.

— ... Não, mas eu vou ficar... — respondi num sussurro.

— Tudo bem, tudo bem... Quando estiver pronto para falar tudo que está machucando esse coraçãozinho... eu estarei aqui, ok? — senti seu beijo quente em meu cabelo.

Assenti sem forças para dizer mais alguma coisa. Me sentia esgotado.

— Pode dormir, eu vou estar aqui quando acordar...

Finalmente consegui fechar os olhos e me livrar de todos os pensamentos e emoções que me afundavam e me fazia me perder em meu próprio corpo.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.