Vingue-se Ou Morra.

Sardinhas são as melhores soluções.


Acordei mais precisamente ás sete e quarenta e oito da manhã com olheiras grotescas e com os ossos remoídos.

Não precisa ser um gênio da matemática para concluir que eu estava atrasada. As aulas começavam às sete e meia, e meio que estava fudida nesse bimestre. Dezoito minutos não estragariam minha vida, mas contando que minha lata velha demora cinco minutos para funcionar e o colégio seja do outro lado da cidade, ganhava mais meia hora fudida de atraso.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Pulei em um salto, bati o mindinho na quina da cama e quase caí de cabeça na estante. Murmurei um palavrão atrás do outro, enquanto tentava escovar os dentes me trocando ao mesmo momento.

Coloquei uma jaqueta de couro, um tênis qualquer e o uniforme de cores mortas da escola, meu cabelo estava um cocozinho (você não leu isso) estão achei melhor prende-lo em um coque alto e firme.

Joguei as mochilas nas costas e desci as escadas, quase tropicando em cada degrau. Corri até a cozinha onde todos estavam aglomerados, se empanturrando de panquecas com calda e suco de laranja.

– Bom dia.- me apressei em dizer, enquanto enchia um copo e enfiava várias torradas na boca de uma vez só. Digerindo tudo com o suco.

– Bom dia.- mamãe e papai me cumprimentaram em uníssono. Meu irmão mais novo balançava uma colher com toddy dentro do leite quase que dormindo.

Não o culpo.

Terminei de esgoelar as torradas, e saí apressadamente até meu caro lixoso-barato-acabado e tentei trigésimas vezes ligá-lo. Ele pegou depois de, como disse antes, exatos cinco minutos.

Durante o caminho ele fazia barulhos estranhos com o motor, algumas pessoas ficavam olhando enquanto eu me continha para não mostrar meu dedo médio. Não preciso nem dizer que peguei todos os sinais vermelhos e xinguei até as unhas dos cabelos do pé caírem, contudo, consegui chegar na escola.

Frita. Mas cheguei.

Entrei e passei despercebidamente sobre os alunos do terceiro ano. Bati na porta da minha sala (segundo ano, blé) e escutei um “Entre logo, Elisa” da professora Cameron, uma mulher de sessenta e oito anos que tinha bigode.

– Já sabe né?- perguntou enquanto eu entrava e caminhava até a última carteira.

– Sim, sim, assinar o livro de detenções depois que o sinal bater.- murmurei entediada enquanto me jogava sobre a carteira.

Ela deu de ombros e voltou a anotar a matéria na lousa. Bufei e rolei os olhos enquanto percebi que Geny digitava algo insistentemente em seu celular. O meu vibrou no momento seguinte, o coloquei debaixo da mesa na altura de meus olhos.

“Quem vai ser hoje?”– G.

Ri baixinho enquanto digitava.

“Josh Middletton. O típico valentão que espanca nerds. Agora vê se presta atenção na aula”– E.

Desliguei o aparelho móvel e tentei me concentrar nas fórmulas de Rutherford e Bohr. Mas por que diabos eu deveria? Esses matemáticos e químicos só servem para acabar com a vida dos alunos. É... Lá na frente isso vai servir no meu futuro. Ah não ser que eu queira ser atendente no Mcdonalds, o que pra mim parece ser bem legal, porém todos discordam disso.

Bufei enquanto olhava a enorme janela ao meu lado e mordiscava a tampa da caneta despreocupadamente. O sinal do intervalo tocou, e em seguida, tivemos aula de geografia. As últimas foram de educação física.

Uma aula perfeita para uma vingançinha.

Caso você esteja meio perdido, lhe dou explicações tardias. Meu nome é Elisa Borns Wel (exótico, não?), tenho exatos dezesseis anos e estou no segundo ano do colegial. Herdei os cabelos e olhos castanhos de minha mãe, e estou seriamente precisando pegar uma corzinha.

Mas isso não importa.

Sou dona do blog “Vingue-se ou morra.”

Tá, nomes nunca foram o forte da minha família.

Enfim, nesse blog me comunico (anonimamente) com pessoas dessa escola que estejam seriamente incomodadas com outras. Criei o blog durante um trabalho de filosofia cujo, o tema era “Qual seria sua solução mais apropriada para mudar o mundo?”

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Achei minha ideia tão brilhante que decidi deixá-la em segredo. De última hora, improvisei um escorredor de mijo e garanti um belo sete e meio na média final.

Muitas pessoas conhecem o blog, contudo, apenas Geny e William sabem o verdadeiro dono dele. Ou seja, eu.

Não sou nenhuma justiceira ou mulher maravilha (longe disso), não uso cueca em cima da calça e nem faço parte da liga da justiça.

Estou mais para o primeiro lugar de “A garota que consegue soltar mais puns depois de comer lasanha.”

Contudo, ajudar os oprimidos e a minoria é legal. Creio que estou dando passos milimétricos para o futuro.

*

É claro que a aula mais tediosa do dia é Educação física (e perigosa também). Não estou defendendo matemática, nem português... É só que:

1° Imagine um poço de preguiça e falta de habilidade em qualquer esporte.

2° Agora multiplique por um milhão.

3° Adicione mais um detalhe: As garotas musculosas do time de basquete simplesmente me odeiam. O motivo? Não passei a bola na quarta série para a capitã do time enquanto coçava a bunda, e acabamos perdendo o jogo mais importante do ano.

4° Sempre sou atingida pela bola no momento em que entro na quadra até quando o sinal finalmente bate.

5 ° E não menos importante, sempre me colocam na reserva toda vez que jogam queimada. FALA SÉRIO! Quem fica de reserva em queimada?

– E então Lisa? Qual seu planinho dessa vez?- Geny perguntou enquanto me ajudava a segurar a bolsa de gelo em minha testa.

Um novo galo para a coleção. Pepperoni (apelido de um dos membros do time de futebol da escola, e sim, caso você esteja se perguntando, a educação física é sempre mista) me acertou com uma bolinha de tênis enquanto fazíamos alongamento.

– Você vai ver.- sorri com o canto dos lábios e ergui o relógio de pulso na altura de meus olhos.- Daqui a exatos quinze minutos.

– Da última vez você quase foi pega.- Will opinou enquanto se esparramava nos bancos reservas.- Olhe o que vai fazer, mocinha.

Rolei os olhos enquanto sentia uma pitada de dor de cabeça.

– Relaxem, não vai acontecer nada.- tentei acalmá-los.- Pelo menos não comigo.

Apontei disfarçadamente para a porta de entrada da quadra. Havia colocado um fio de nylon transparente durante o intervalo e, de acordo com as minhas especulações, todos entram pela porta de saída (estranho não?) só o idiota do tal Josh que entra com os amigos retardados que se acham o máximo entram pela porta da frente.

– 5, 4, 3...- murmurei lentamente enquanto observava as sombras dos idiotas se aproximarem.- 2, um e meio, um e setenta e cinco e...

– Cara, você é o capeta.- as risadas estrondosas de meus amigos vieram logo depois.

O garoto desengonçado passou sobre a entrada e tropeçou no fio, enquanto o mesmo e seus amigos foram banhados por sardinhas que eu mesma me encarreguei de colocar sobre um balde em cima da porta. Todos da aula pararam de se alongar e quase rolaram no chão de tantas risadas.

– QUEM FOI??- perguntou o garoto exasperado enquanto tentava se livrar dos peixes fedorentos juntamente de seus colegas estúpidos.- DO QUE ESTÃO RINDO? Seus... Seus... Patifes!

Ah por favor, queridinho, quem ainda usa isso? Ri minimamente tentando não chamar atenção dos outros para o meu grupo e observei o professor caminhando até os “acidentados”.

– Por favor, venham comigo.- o homem ordenou tampando o nariz e se esforçando para não rir também. Logo mais, sumiram do meu ponto de vista.

– Cara, isso foi demais, já foram três essa semana.- Geny finalmente sussurrou depois de todos acalmarem os nervos e voltarem as atividades físicas.

– Os pedidos tem aumentado ultimamente.- respondi bem-humorada.

– Não tem medo que ninguém te descubra?- opinou Will.

– Sinceramente? Não! Eu sou um gênio, seu mero mortal.

Ficamos discutindo por mais alguns minutos até o sinal de ida tocar. Lembrei que tinha de assinar o livro de detenções na diretoria por ter chegado atrasada.

Dá pra acreditar?

Tudo bem se você matar as tiazinhas da limpeza com um escorredor de macarrão, mas não chegue atrasado.

E sim, há uma velha lenda dessas tiazinhas que rondam a escola.

Corri até a sala e guardei meu material correndo, até enfim, subir até a diretoria.

– Elisa, Elisa... Você de novo?- a senhora Manfred me recepcionou assim que entrei no local em um tom entediado.- O que fez dessa vez?

– Nada demais.- respondi enquanto mordiscava uma maçã.- Cheguei atrasada de novo.

– Ah claro, tome.- esticou um caderno com mais de vinte das minhas assinaturas.- Já sabe onde assinar.

Bufei enquanto pegava uma caneta azul e rabiscava rapidamente meu nome no maldito caderno.

Assim que terminei, mal me despedi da velha catarrenta (e, aliás, por que eu deveria?) saindo daquela sala com ares demoníacos logo em seguida. Puxei as chaves do meu carro e corri até o estacionamento recheado de automóveis luxuosos (sintam a leve brisa da minha inveja) parando de frente a minha lata velha.

Quando ia destrancar a porta, em um momento de distração, uma mão bate de encontro à janela de vidro do automóvel fazendo minha cabeça se recostar violentamente ali.

– Mas o q...- iria mandar algum indivíduo cheirar cus de golfinhos, quando meu olhar se cruza com duas imensidões azuis.

Estava ali. À minha frente. O dono de qualquer sonho erótico de qualquer garota (me tirem dessa, por favor) parado com uma expressão que perfurava minha alma, quase colado ao meu rosto.

Carter Singleton.

Lembro-me de como se fosse ontem. Na oitava série, minha amiga Geny era absurdamente louca por esse otário. A garota havia lhe entregado uma cartinha com todos seus sentimentos escritos nela, no intervalo ainda por cima. Ele simplesmente leu e devolveu aquele maldito pedaço de papel para a loira. Sabem quantas noites eu tive de acalmar os choros desesperados dela? Quase a mandei ir se ferrar quando ela bateu ás quatro da manhã na porta da minha casa.

Ás. Quatro. Da. Manhã.

Em um domingo.

Mas ok, ele é pra tudo isso.

Carter é o líder do time de natação da escola e o cobiço de qualquer menina, e também de meninos que querem ser meninas.

É dono dos olhos mais gélidos e profundamente azuis da qual eu já conheci em toda minha vida. Seu bronzeado me da inveja, e seu cabelo loiro incrivelmente bagunçado (sério, o garoto pode lavá-lo o dia todo, e, mesmo sem pentear, aqueles fios desarrumados ficam incrivelmente sexy’s) me deixam com o queixo caído.

Para mais informações, observem meu ninho de rato.

Enfim, ele é musculoso na medida certa, e das raras vezes que o vi sorrindo com o grupinho de merda (ta, populares) pude notar o perfeito alinhamento de seus dentes juntamente da “brancura” exagerada dos mesmos. Os lábios rosados e carnudos são absurdamente beijáveis, e sim, aquelas covinhas são a minha perdição.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Acho que quando Deus me criou, me deu um troll danado quando foi dividir nossa beleza. Que, aliás, ficou toda para esse deus grego aqui.

Então, você pode imaginar como me sinto agora não é?

A idiota aqui nem tentou se defender. Minha boca ficou aberta no meio da frase (que eu nem terminei, por sinal) e posso ter certeza de que minha expressão orangotango não estava nas suas melhores condições no momento.

E nunca vai estar.

– Então eu te achei.- afirmou com aquela voz rouca e grave, atingindo-me com sua respiração de um aroma delicioso de menta. Seus lábios estavam em uma linha reta perfeita ao final da frase, e eu quase havia me esquecido de meu próprio nome.

– M-me achou?- acredite, minha voz saiu mais patética do que a própria expressão.

– Elisa não é?- assenti minimamente. Aliás, como se meche a cabeça mesmo?

Ai caralho, alguém me ajude.

– Ou eu deveria dizer... Nossa querida vingadora?

Um gelo percorreu minha espinha, e tive de engolir um seco.

– O-o que?- pare de gaguejar sua vadia.- Quer dizer... Quem é você? E o que quer comigo?- perguntei firmemente tentando me esquivar de seu braço.

Ele sorriu friamente com o canto dos lábios, deixando-me completamente perdida.

– Achou que ficaria anônima por muito tempo?- continuou.

– Como assim? Você é maluco cara?- ok, eu não sabia sair de situações desesperadas.

Porque eu sou uma perdedora.

– Francamente, eu esperava alguém mais inteligente.

Espere aí, esse banana está debochando de mim?

– NÃO TENHO TEMPO PARA AS SUAS CADUQUICES!- gritei e tentei empurrá-lo.

Uau, ele mal se moveu.

Esse garoto é feito do que? Ferro?

Carter bufou entediado enquanto agarrava meu pulso direito com força.

– O que é isso? Me larga seu estúpido! Seu... seu...

Parei de tentar agir como uma heroína, quando ele me colou ao seu abdômen parecendo me abraçar. É claro que eu não reclamaria de ter que permanecer naquela imensidão de músculos quente e macios, mas eu tinha minha dignidade e...

É, eu permaneci ali.

– Se você continuar gritando, terei que te desmascarar na frente de todos aqui.- sussurrou ao pé do meu ouvido.- E cá entre nós, você já aprontou com quase metade da escola. Acho que você não sairia muito... hã... Digamos... Inteira daqui.

– Seu imundo!- retruquei de forma zangada.

– É bom saber que está do meu lado, vamos.- e me arrastou para fora do colégio, para, sabe-se Deus pra onde.

É, eu poderia relutar, mas... Ser apedrejada/eletrocutada/enforcada por todos daqueles da qual me vinguei não parecia ser uma opção muito animadora.

E sim, eu estava completamente perdida.