Antes de partirem aquela manhã, Dam caminhou na ponta dos pés até a bolsa que trouxera para Loki e escorregou uma carta para dentro dela, furtivamente.

–O que está fazendo, Dam?- perguntou Loki, em um tom desperto, enquanto observava a esposa da cama, com a cabeça apoiada em um dos braços.

Dam gritou, dando um pulo nada graciosos para trás e derrubando o envelope no chão.

–AIAIAI, LOKI!!!!

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Ele gargalhou, e ela agarrou um travesseiro e começou a bater nele, irritada.

–Ai, ai!- ele continuou a rir.

Arremessando o travesseiro uma última vez, com força, Dam abaixou-se para pegar o envelope.

–O que é isso?- perguntou ele.

–Um envelope.

–Um envelope pra quê?

–Para uma carta.

–Eu vou acertar o meu pé na sua cara, Dam.- ameaçou ele, fazendo com que ela risse.

–Uma carta. Pra você. De mim.

–Posso...?- ele apontou para o envelope.

–Não. É pra quando você voltar.

–O quê?! Por quê?!

Ela deu de ombros.

–É mais romântico assim.

Ele estreitou os olhos.

–O que você está tramando, Dam?

Ela deu um sorriso infantil e maroto e colocou o indicador sobre os lábios.

–Dam...

Ela riu.

–Não temos tempo para isso agora. Estamos quase dentro dos limites do castelo. – disse, sentando-se sobre a cama, atrás dele, e começando a trançar o longo cabelo do marido, que já lhe chegava a cintura.

Ele deu um suspiro longo e demorado.

–Tudo bem, vamos lá.

Não havia muito o que se pudesse fazer.

Odin sorriu de orelha à orelha quando soube que seus mercenários haviam retornado com o prêmio. Seu semblante castigado pelo tempo e pelos vícios já se anunciava cada vez mais cruel, reluzindo com sua sede de sangue. Pensar que tiraria a vida daquele que um dia lhe chamara de pai, ao contrário de lhe provocar repulsa, o excitava. Ordenou que os mandassem entrar imediatamente, instruindo todos os guardas à deixarem a sala do trono para poder tratar seus assuntos sórdidos como assuntos sórdidos mereciam ser tratados: Na surdina, à sós e sem muitas testemunhas.

Se deuses tivessem um conceito para diabo, Odin teria vendido sua alma a ele.

Foi com radiante alegria que presenciou a marcha dos saqueadores e de seu filho sala à dentro.

Loki não estava amarrado, machucado, nem nada do gênero, o que foi um pouco decepcionante. Ele sentiu que a cena precisava de um pouco mais de dramaticidade para apaziguar seus demônios velhos.

–Até que enfim, Loki. Desperdicei muito de meu tempo indo atrás de você. E não acho que serei recompensado por isso.

Loki ergueu os olhos com firmeza, fazendo-se senhor de si, recusando-se deixar dominar pelas fortes emoções que o acometiam. Tinha medo, e raiva, e sentia uma tristeza desigual, ímpar, que não estava preparado para sentir. No começo não entendera porquê Dam insistira para que fossem até ali, mas naquele instante o motivo afigurou-se demasiadamente claro. Precisava estar ali. Precisava acertar contas com aquele que assolava seus pensamento para que pudesse viver uma vida digna, para que pudesse libertar-se deste fardo terrível que era conviver com a própria consciência. Não que precisasse da aprovação dele, mas precisava sentir-se em paz, precisava fazer as pazes com sua própria consciência. E ali o faria. Ou morreria tentando. Pela primeira vez Loki pensou em si mesmo como um herói. Não temia mais as consequências de suas ações, e mais até, estava disposto a pagar por elas. Se era para ser um herói, o seria perfeitamente. Encarou o pai como se seu corpo fosse uma fina concha que separava o mundo de fora da enchente que o devastava por dentro, tendo misericórdia das pobres almas que seriam consumidas por sua fúria cega e gelada. Porque ele não era nada além daquilo. Um gigante de gelo. E jamais seria nada diferente diante de Odin.

–Eu duvido que você tenha pessoalmente procurado a mim, ou gastado seu precioso tempo em assuntos que concerniam à minha pessoa.- respondeu ele.

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–Acontece que você está engando.- Odin deu um sorriso satisfeito – Eu empreguei muito de meu tempo para encontrar você. Empreguei muito de meu dinheiro. Até mesmo cheguei ao ponto de associar-me com marginais desta laia para por minhas mãos em você, porque sabia que só gente como eles poderia encontrar gente como você, seu diabinho esperto. Eu só poderia estar mais orgulhoso se estivesse menos enojado.

Loki projetou a língua contra a bochecha direita, assentindo, e respirou fundo.

–Espero que você já saiba o que fazer comigo.

–Ah, eu sei o que fazer com você. Vou mata-lo. – respondeu simplesmente, sorrindo.

–Muito bem.- Loki assentiu, muito calmo –Temo que terei de impedi-lo, então.

–Adoraria ver isso.- disse o velho rei.

–Imagino que sim. Mas não será tão divertido quanto você pensa.

Empurrando a porta do salão e marchando para dentro, seguido por seus fieis escudeiros, os Perfeitos Idiotas, e sua mãe, a rainha de Asgard, Thor fez uma grande entrada.

–NÃO POSSO PERMITIR QUE ISSO ACONTEÇA, PAI!- gritou o herdeiro do trono.

Loki revirou os olhos.

–Ele sempre foi chegado em um drama.

Enquanto os demais dirigiam-se para Odin, Frigga e Dam correram em direção ao futuro defunto, que recebeu à ambas em um profundo abraço apertado. Frigga segurou o rosto do filho e encheu-o de beijos. Dam enterrou o rosto no pescoço do marido e sentiu aquela reconfortante sensação pelo que seria a última vez.

Loki sorriu.

–THOR! O QUE SIGNIFICA ISSO?!- Esbravejou Odin, erguendo-se furioso. Parecia ainda mais insignificante em toda sua magnificência irada.

–Significa exatamente o que significa. Não posso permitir que isso aconteça. Não vou presenciar o assassinato de Loki sem me rebelar contra isso. Não vou, sob hipótese alguma, carregar sobre meus ombros um reino fundado sobre homicídio e sangue de violência. Não estou dizendo que Loki jamais cometeu erros pelos quais devesse ser punido, mas ele pagou por seus atos, e provou-se capaz de ser pacífico e justo. Talvez você devesse fazer o mesmo.

–NÃO ME DIGA O QUE FAZER SEU PIRRALHO INSOLENTE, NÃO SE ATREVA NEM POR UM SEGUNDO A PENSAR QUE PODE ME DIZER O QUE FAZER! RETIRE-SE DAQUI IMEDIATAMENTE E POSSO PENSAR EM ESCOLHER UMA PUNIÇÃO RAZOÁVEL PARA VOCÊ E PARA OS DE SEUS!

–É PRECISO SER MISERICORDIOSO, MEU PAI!

–É PRECISO QUE VOCÊ CALE A BOCA E ARRASTE ESSA SUA BUNDA INSOLENTE PARA FORA DAQUI!

–ASGARD PRECISA DE UM REI JUSTO!

–ASGARD PRECISA DE UM REI FORTE!

–NÃO!

–VOCÊ ME DECEPCIONA! VIVE DE SENTIMENTALISMO BARATO, COMO UMA MULHERZINHA! NÃO POSSO PERMITIR QUE UM GAROTO FRACO COMO VOCÊ ASSUMA MEU REINO!

–QUE MEUS OSSOS APODREÇAM SE ALGUM DIA EU REINAR SOBRE ASGARD!

–CALADO! LOKI DEVE MORRER, CUSTE O QUE CUSTAR! QUE ME CUSTE O REINO, QUE ME CUSTE A VIDA, EU QUERO ESSE DEMÔNIO MORTO!

–CHEGA, PAI! NÃO PERMITIREI QUE ISSO ACONTEÇA!- Thor repetiu.

–Eu não preciso de sua permissão.- declarou Odin –GUARDAS!

–Se foram todos.- explicou Thor, enquanto os vingadores assistiam a tudo em estado de alerta – Estamos apenas nós aqui. Porque isso se resolve entre nós. Sem derramamento de sangue.

–Não é assim que vai acontecer. – disse Odin, alcançando seu cetro que repousava ao lado de sua velha mão e preparando-se para o banho de sangue.

Loki sentiu um pequeno beliscão na base do pescoço.

Dam respirou fundo.

Ela já vira tudo aquilo. Sabia quais desfechos à esperavam, e como chegaria a cada um deles. Revisitara aquela visão várias e várias vezes, para que, quando a hora chegasse, estivesse pronta. Pelo menos soubesse o que fazer. Era uma escolha complexa, como todas as escolhas eram, e só cabia à ela fazê-la. Poderia deixar que o destino se traçasse naturalmente, que acontecesse como tivesse de acontecer, mas não acreditava em destino, e não poderia ser covarde a ponto de abster-se de fazer uma escolha sabendo as consequências da mesma, sacrificando aqueles que não mereciam ser sacrificados. Muito antes de arrumar suas malas na manhã em que Loki fora levado ela já sabia como aquilo iria acabar, e fizera sua escolha a cada segundo, escrevendo as ultimas linhas ao caminhar até ali aquela manhã nublada e fria, do jeito como ela gostava. Não voltaria atrás agora. Conhecia cada um dos movimentos, cada uma das variação. Sentiu que seu corpo estava pronto e deixou-o agir sozinho, sabendo o que a esperava.

Era sua hora de fazer escolhas agora, já que todos haviam feito as suas.

A primeira coisa a fazer era impedir Thor. Ela assoprou suavemente e o martelo pareceu mais pesado do que ele poderia suportar. Seu braço pendeu para o lado, e logo Thor viu-se preso ao chão. Dam soltou-se de Loki e correu.

Pode ouvi-lo gritar enquanto se mexia, mas ele não poderia fazer nada, porque ela dera um jeito de tirá-lo do caminho.

– DAM, NÃO!- exclamou ele, tentando correr atrás da esposa, mas Frigga, percebendo o encargo que tinha nas mãos, fez o que achou que deveria fazer e segurou seu garoto, puxando-o para trás, enquanto ele se contorcia, tentando deter a esposa.

Mas não era assim que deveria terminar.

Ela empurrou Tony para o lado, quando passou correndo por ele, que, desequilibrando-se, derrubou também Natasha e Steve. Clint atirou uma flecha para cima, parecendo meio desorientado, e foi agarrando esta que Dam soube que estava pronta para matar o Pai de Todos.

E morrer no processo.

Tony levantou-se depressa, mas Dam o espetara com um daqueles dardos tranquilizantes que pegara dos bandidos que prenderam Loki.

–Ah merda.- murmurou ele, colocando os olhos em seus companheiros e percebendo que a pontaria dela era boa.

Sua visão começou a nublar-se e ele caiu outra vez, enquanto Steve lutava para manter a consciência.

–DAM!- Loki continuou gritando, enquanto tentava rastejar e as pálpebras pesavam sobre seus olhos, com as lágrimas lhe escorrendo abundantemente pelo rosto e soluções desesperados lhe cortando a fala – DAM, NÃO!

Mas ela havia escolhido.

Se ele pudesse escutá-la, teria murmurado uma súplica por perdão. Mas ele não a escutaria, então ela apenas fechou os olhos e engoliu em seco. Ele a atravessou com a ponta afiada de seu cetro, rasgando-a ao meio, e ela lhe cortou a garganta usando a flecha atirada por Clint.

–DAM!- Loki continuou a gritar, mesmo quando não podia mais enxergar- DAM!

Mas ela já não estava mais lá. Não estava mais lá quando o sangue subiu por sua garganta e escorreu pela boca, nariz e ouvidos. Não estava mais lá quando seus membros tornaram-se flácidos, nem quando seu corpo inerte e ensanguentado despencou sobre o corpo inerte e ensanguentado de Odin, nem quando rolou para o lado, nem quando os olhos sem vida pareceram fixar-se na abóbada daquele lugar onde tudo começara.

Dam não estava mais lá.

Quando finalmente cedeu aos efeitos da droga, Loki sabia que, quando abrisse os olhos, a vida não seria mais a mesma.

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Ele não sabia, mas poderia ter sido muito pior.