Vergo

Decepções Festivas


— Não sei se vai ser uma boa ideia ir nessa festa — eu disse para Kate, sentado na cama abraçando uma das almofadas da Less.

— Vai ser muito legal! As festas que eles costumam fazer são muito boas! Eles contratam DJs e tudo!

— Não sou muito de sair, Kate.

— Mentira! — Leslie gritou, enquanto chegava ao quarto trazendo um balde de pipocas. — Ele adora sair. Ele sempre vai comigo quando eu o chamo.

— Pra te fazer companhia! Só por isso!

—Mas, Gordon! Você precisa sair um pouco! —disse Leslie —Não pode ficar todo depressivo!

— Eu não estou depressivo…

— Mesmo assim, não dá pra ficar trancado em casa num sábado assistindo comédia romântica no Netflix, enquanto devora um pote de sorvete, como estamos fazendo hoje, seu anti-social! — Less gritou comigo

— Mas hoje estamos comendo pipoca.

— Gordon! Você entendeu!

Kate mexeu no cabelo e abraçou um travesseiro também.

―Mas, e aí, vocês vão ou não? Não quero ir sozinha. — ela disse fazendo beicinho.

Estávamos no quarto da Less. Kate tinha nos convidado para a festa que os alunos iam fazer, ou melhor, elas queriam me convencer a ir à festa. Achavam que eu tinha que sair e conhecer gente nova, apesar de eu estar ótimo.

Por fora, porque por dentro...

Bem... Elas não precisavam saber como eu estava por dentro, mesmo porque nem eu mesmo sabia direito. Era uma mistura de vergonha, raiva, tristeza. Porém no meio disso tudo eu tinha uma certeza: de que eu era/sou/serei lastimável quando o assunto é relacionamento. Não sei se é possível ficar com o coração partido, sentir a dor do término sem nem ter começado uma relação, mas infelizmente era assim que eu me sentia.

Eu era um idiota, babaca e iludido. E era uma bela merda.

A verdade é que eu me apaixonei por ele! E não, eu não conseguia tirá-lo da cabeça.

Depois da minha primeira e última decepção amorosa (num passado que eu não gostaria de me lembrar), eu nunca tinha pensado em mais ninguém, ele foi o primeiro.

Nunca mais nos falamos, e a Kate também não falava nada a respeito dele. Esse era meu medo de ir à festa: encontrá-lo. Se eu o visse, não saberia o que fazer.

— Então vamos fazer uma aposta! — disse Less, me encarando com seus olhos azuis em tom desafiador

— E qual é a aposta?

— Se você chorar vendo o filme que a Kate escolheu, vai ter que ir na festa.

— Mas é comédia romântica! Quem chora vendo comédia romântica?

— Do jeito que você é sentimental, é capaz de chorar até vendo Frozen.

— Eu não vou chorar, e não vou ir na festa.

— É o que veremos. —Less completou, esfregando as mãos e sorrindo pra Kate

E eu ia ganhar a aposta mesmo.

Isso se o filme não tivesse sido Cidades de Papel.

— Você chorou, Gordo! Não adianta mentir! —gritou Less ao fim do filme

— Eu não chorei! Foi só uma lágrima!

—Mesmo assim. Saiu água dos seus lindos olhos não é? Então... E não adianta dizer que é suor! — disse Less.

— Mas, Gordon, por que você chorou? —disse Kate, com a mão em meu ombro, tentando conter o riso.

— Ele gostava dela, e ela simplesmente foi embora. Aquela vaca imbecil.

Não queria mais comentar aquele filme, ele me lembrava muito da minha vida.

— Mas, ainda assim, eu não vou. —retruquei

— Mas você perdeu a aposta! — Kate se revoltou

— Me dê um bom motivo, então! —Less falou, me olhando nos olhos e levantando uma sobrancelha.

E eu sabia que se não falasse a verdade elas iam arrancá-la de mim de qualquer jeito, principalmente a Less. Então eu soltei a almofada e falei:

— Porque... Porque... Ah, vocês sabem! Eu não quero encontrar o Verne, é isso!

— Mas ele não vai! Ele nem conhece o cara que ‘tá organizando tudo. — disse Kate

— Não sei... Tem certeza?

— Tenho. — ela falou —Vamos! Vai ser legal!

E eu nem tinha acabado de pensar na possibilidade de ir mesmo e curtir um pouco, sei lá, e a Less já gritou:

— Gordo, você vai sim! Já decidi por você! — e, virando-se para Kate, Leslie completou — Nós vamos.

— Vai ser muito bom! — falou Kate se jogando na cama.

Eu não tinha tanta certeza quanto a isso. Esperava que fosse isso mesmo.

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As luzes neon que piscavam combinavam com os tons degradê de azul nas pontas dos cabelos da Less, que agitava ao som de Titanium.

Elas estavam muito bonitas e eu ainda não conseguia imaginar como elas foram capazes de sair e me levar. Elas, lindas e perfeitas, usavam vestidos curtos e colados, mostrando melhor suas silhuetas.

Eu? Bem, eu usava a camisa que melhor tampava minha gordura.

— Gente! Isso está muito bom! —disse Kate, entregando a bebida da Less. — Aqui. — e, virando-se pra mim, completou — Não vai beber nada Gordon? Nem refrigerante com a gente?

— Hoje não.

— Eles servem água também sabia? — disse Less gritando no meu ouvido.

— Idiota — completei.

Less gritou loucamente quando a música trocou para Dessert.

Ela usava um vestido preto, com pedras verdes e azuis, que realçavam a cor de seus cabelos pintados completamente oposto do de Kate, que, para combinar com seu cabelo castanho-quase-ruivo, tinha escolhido um tubinho vinho com um salto alto preto que quase a fazia ficar mais alta do que eu ou o Verne.

Peraí, por que eu ‘to pensando nele? Sacudi a cabeça pra tentar esquecer aquilo.

— E você, Gordon, o que ‘tá achando? — Kate perguntou.

— Até que está legal. — eu disse sorrindo.

— Você ‘tá adorando que eu sei! — Less gritou mais uma vez no meu ouvido enquanto passava o braço pelos meus ombros. Eu ia acabar surdo com ela gritando a cada 5 segundos na minha orelha.

Ela parecia bêbada só com a Coca que ela estava tomando. Esse era o principal motivo dela não querer beber. Tínhamos medo do que iria acontecer depois que ela virasse dois copos.

Bom, dançamos, bebemos, observamos os garotos e fomos observados, mas aposto que todas as vezes eles olhavam para elas e não para o cara gordinho esquisito. Eu sabia que não ia conhecer ninguém lá, e quer saber? Eu nem queria, o Verne já tinha feito um estrago suficiente.

Então eu percebi que tinha dois caras que queriam falar com elas, e inventei a desculpa de que iria pegar uma bebida. Deu certo. Eles eram gatos e elas mereciam ter uma noite divertida depois de tantos dias aturando uma pessoa depressiva de coração partido e descrente no amor.

Mas eu estava errado em pensar que esta noite não ia me surpreender. Pois é. Eu estava muito errado.

De fato eu fui pegar uma bebida, porque depois de tanto tempo gritando a sede veio com tudo e de repente uma pessoa interessante apareceu.

— Vai beber refrigerante mesmo? — perguntou a pessoa em questão

Era um garoto meio baixinho e com cara de criança. Ele tinha um topete bem alto e seu cabelo castanho era descolorido bem nas pontas desse topete. Até que era estiloso.

— Ah, eu não ‘to muito querendo beber.

Ele, sem me perguntar, encheu o resto do meu copo (que já estava meio cheio de Coca Cola) de vodka, que ele deve ter achado em cima do balcão atrás da gente.

Eu sorri com o canto da boca. Mas eu realmente não estava querendo beber. Merda, Gordon.

— Bem melhor. — disse ele

E foi colocar a garrafa no balcão. Olhei para as mãos dele, não vou mentir. Eram magras, com as veias bem marcadas.

A música mudou. Agora, tocava Runaway, e isso parece ter deixado ele bem feliz.

— Olha, minha música preferida! — O garoto sorria. Agora, ele tinha um copo de Coca com vodka também.

— Eu também gosto muito dela. — Sorri de volta — Você não é muito novo pra beber não?

— E quem aqui não é? Ou melhor, quem liga? — e dizendo isso piscou e sorriu pra mim.

Ele usava um jeans preto e rasgado, uma camiseta laranja, que brilhava com as luzes neon, e uma camisa xadrez laranja com azul amarrada na cintura. Parecia um dançarino desses que fazem clipe para diva pop. E isso era, no mínimo, fofo e atraente.

— Sou Gordon. — falei, bem do nada mesmo

— Oliver. — e sorriu de novo. Ele gostava de sorrir, mas também, ele tinha covinhas e eu também estava gostando do fato dele sorrir toda hora.

Uma menina esbarrou em mim, fazendo meu copo cair no chão.

—Toma. — Oliver me ofereceu seu copo e, na hora de pegar, acabei encostando meus dedos nos seus.

Acabei desviando o olhar, meio envergonhado.

E eu vi o Verne.

“I wanna run away”

Ele estava beijando uma garota.

“I wanna run away”

E parecia que eles iam ter um filho no meio da pista de dança.

“Anywhere out this place”

E depois que acabou essa pornografia gratuita, Verne me olhou, bem no fundo dos meus olhos, como se soubesse que eu estivesse ali o tempo todo e …

“I wanna run away”

E eu entendi tudo.

“Just u and I, I, I, I, I”

Eu literalmente fugi dali, só que sozinho mesmo.

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O céu estava coberto de nuvens deixando a noite cinzenta. Parecia que nem os céus queriam ajudar com a minha depressão.

Eu tinha fugido pra frente da casa. Não que essa tenha sido minha primeira opção. Eu queria me esconder no banheiro, e foi pra lá que eu fui. Ninguém iria me achar! Era só eu me trancar em uma das cabines e ficar lá chorando ou vomitando ou sofrendo ou todas as três opções. Mas o cheiro do banheiro não era um dos melhores (uma mistura de álcool, vomito e outra coisa que eu prefiro não comentar) então tive que passar pela sala inteira (torcendo pra não encontrar ninguém) para poder finalmente sair daquele lugar.

Na rua não tinha muitas pessoas. E se tinha, a maioria estava escondida nos carros fazendo sexo ou escondida fumando, se drogando ou sabe-se lá o que mais. Alguns carros passavam também e nada me fazia esquecer o que eu tinha acabado de ver.

Ele tinha me visto antes. Com certeza. E ele tinha feito aquilo propositalmente. Se ele não tivesse me olhado depois de tudo, depois de agarrar a menina daquele jeito, eu até entenderia, mas ele olhou pra mim! Na minha direção, como se não tivesse mais ninguém ao nosso redor! E não estávamos nem um pouco perto um do outro.

Eu não podia acreditar que ele era babaca a esse ponto. Não mesmo.

Mas ele era. E a “vingancinha” dele só estava começando pelo visto.

Por um instante, esqueci de Verne pra pensar em Oliver. Eu tinha deixado ele lá dentro, sozinho. E o copo também tinha ficado pra trás no meio da trajetória. Merda. Eu bem que precisava de um pouco de álcool aogra pra tentar esquecer ou fingir que tudo tinha sido um delírio de bêbado e....

— Gordon?

O filho da mãe me achou

— Oi, Verne. — eu disse me virando.

Ele usava uma regata do Ramones (que eu achei bem clichê e um pouco poser pro lado dele), uma calça preta (porque hoje parecia o dia de “vamos vestir jeans preto”) e um all star. E ele estava gato, o que fodia ainda mais com o minha cabeça e meu coração e... enfim, ele estava lindo.

— E aí tudo bem?

Não! Está tudo péssimo seu babaca não está vendo?

Era isso que e queria gritar na cara dele, mas eu me contive e respondi em tom formal e frio

— Estou sim.

— Está gostando da festa? — ele continuou, e eu não sabia mais onde ele pretendia chegar, ou talvez sabia e não queria acreditar

— Sim, muito maneira.

— É. Até que está legal. Mas eu já fui em melhores. A Abigail, principalmente. Ela é chamada pra muitas resenhas e sabe com é, né? Ela tem muitos contatos.

Não, eu não sabia como era e nem queria saber, pensei

— A propósito, você conhece a Abigail?

Balancei a cabeça negativamente enquanto guardava na cabeça o nome dela e o jeito nojento que Verne o pronunciava.

— Pois é. Ela é minha namorada — e dando um risinho completou — Bom, na verdade estamos nos conhecendo melhor. Mas ela é incrível. Você sabe como é, né? Ah não, esquece, você prefere outra coisa, né? —ele deu mais sorriso sarcástico e eu não aguentei mais.

— O que você está querendo Verne?

— Eu? Nada. Por que você ‘ta perguntando isso Gordon?

Não respondi, mas continuei olhando para ele seriamente. Eu queria que aquele joguinho acabasse logo, nem que fosse eu que acabaria com aquilo.

— Se toca, Verne!

— Gordon, eu não ‘to entendendo aonde você quer chegar com isso.

Caramba, qual o problema daquele menino?

— Não quero chegar a lugar nenhum.

— Pelo amor, eu não ‘to entendendo mais nada!

— Se esfregar em uma vadia não faz com que você vire hétero. É isso. Pronto. Falei.

— Eu não preciso virar algo que já sou.

Fiz uma anotação mental que ele não me corrigiu por ter chamado a menina de vadia. No momento essa era a única coisa na qual concordávamos.

—Nossa, Verne, que lindo. Você ‘tá querendo enganar a quem, além de você mesmo?

— Vai se foder, Gordon.

— Está irritadinho por quê? Porque eu estou falando a verdade?

— Quer saber? Eu não devo nada a você e nem preciso ficar aqui tendo que escutar essas coisas de um gay escroto. Acha que sabe mais da minha vida do que eu?

— Não estou falando isso.

— Ah não? Você simplesmente começa do nada a dizer que eu sou gay, que eu tenho que me assumir... Vá se foder. Aliás, deve ser desse tipo de coisa que você gosta mesmo, né?

Dizendo isso, ele se virou para voltar pra festa, e eu não podia deixar ele ficar com a última palavra depois de ofender e me magoar daquele jeito.

Então calmo e claramente falei:

— Os seus amigos estão te esperando? Os que sabem “tudo” sobre você? Então você deve ter contado para eles, né, do nosso beijo. Óbvio, já que eles sabem “tudo”. Mas você contou também que você é tão covarde que tem medo de assumir seus próprios sentimentos? Porque eu posso não saber nada sobre você, Verne, mas sei muito bem o que você sentiu naquela noite. E você também sabe, não é Verne?

Ele me deu um soco na boca.

E ela começou a sangrar.

Tínhamos mesmo um lindo relacionamento.