Valeran - A Ascensão dos Reis

A Ruína de Ggtole


Haviam chegado em seu destino. Após semanas, finalmente Illuminis. Aquela era a hora de descobrirem tudo. Ou talvez morrerem naquela terra desolada por culpa de um rei tirano.
A cada metro avançado a sensação de desconforto crescia. O próprio ar parecia uma sombra em suas almas, mergulhando-os em medo. Cada passo parecia difícil de ser dado. Até mesmo Sid, um veterano de guerra, parecia trêmulo com o mapa em uma mão e o kopesh em outra.
Ele não parava de girar o kopesh, fazendo todos afastarem-se.

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— Dá para parar com isso?! — reclamou Lira.

— Não. Me deixa mais calmo. Hábitos não podem ser mudados tão facilmente.

Não comentaram mais sobre aquilo. Duvidavam que o velho fosse parar.

*

Fazia dois dias que estavam em Illuminis. Tentavam conversar sobre diversos assuntos para descontrair. Em um momento, começaram a discutir que nome dar ao filhote de wyvern quando nascesse.

— Zuzu — sugeriu Lira, animada.

— Jamais! Tem que ser um nome de respeito! — opinou Herys. — Que tal… Hum… Kierantrak? Em homenagem ao…

— Não! — disse Killian. — Que falta de criatividade! Kierantrak era o Arquidragão Verde. Usar o nome dele para um wyvern verde é óbvio demais!

— Então que tal Avalot? — sugeriu Artariel, corando levemente.

— Eu voto para Tio Sid Segundo — votou Tio Sid.

Continuaram discutindo. Soren era o único que permanecia calado. O garoto ocupava a mente com outra coisa (o que despertava leve preocupação nos demais; Soren geralmente era mais animado, e tentava elevar o moral).
O pensamento de Soren estava no passado. Em seu pai, em sua mãe, em Vyrion e Helos. Em seu tio, o marquês de Astar, que lutou contra o exército de Valeran antes de todos os outros. Pensava em como aqueles soldados invadiram e mataram sem piedade ou hesitação. Como estavam dispostos a matar crianças…
Aquilo era horrível para o jovem mago das trevas.
E ainda havia Röst. Sim. O Necromante, que enfrentou Sor Igon Ryterious, o Cavaleiro de Platina, para tentar proteger a cidade. Pelos rumores que Soren ouvira, a luta entre o mais poderoso mago das trevas de Illuminis e o mais formidável Cavaleiro Santo durou quase uma hora e destruiu metade da cidade de Astar.
“E, no fim, Igon saiu vivo, e Röst, aquele que deveria ser meu professor, era um cadáver decapitado…”
Sentiu uma mão em seu ombro. Quando olhou, viu o Tio Sid olhando para ele com simpatia.

— Ei, garoto, não fique emburrado. Seja lá o que está pensando, esqueça um pouco. Relaxe, entende? Ficar nervoso antes da batalha é normal, mas tente não se sobrecarregar.

Soren não respondeu. Olhou de maneira vazia para Sid e apressou o passo até estar a um metro na frente dos demais. Herys olhou preocupada para ele. Nunca vira o garoto daquele jeito.
Entretanto, tinha de admitir que já esperava vê-lo assim alguma vez. Embora muitas vezes os sorrisos de Soren fossem sinceros e belos, desconcertantes, várias vezes Herys notara uma sombra de tristeza no rosto do garoto. Aguardava o momento em que ele finalmente deixaria aquela tristeza escapar do meio interno para o externo.
Aparentemente, a hora havia chegado.
Herys correu até Soren até estarem lado a lado.

— O que foi? — perguntou o garoto, sem olhá-la.

— Eu sou quem deveria perguntar isso — respondeu Herys, sorrindo. — Você parece deprimido. Posso saber o motivo?

— Não, não pode — disse o mago das trevas, seco, para a surpresa de Herys.

Antes que ele voltasse a apressar o passo, a garota segurou sua mão.

— Nem pense em tentar fugir de novo. Você não é assim.

— Tome cuidado, Herys von Farandar, para que suas tentativas de me entender e alegrar não te desviem da verdade. Você não sabe quem eu sou.

— Ora, claro que sei. Você é…

— Tsc — interrompeu Soren. — Se você soubesse metade do que eu sou, quebraria no meio.

Dizendo isso, o garoto desvencilhou-se dela e voltou a andar na frente. Lira aproximou-se de Herys e pôs a mão em seu ombro. A maga elemental percebera que todos olharam a breve discussão.

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— Dê um tempo a ele — pediu Lira.

— O que deu nele? — perguntou Killian. — Está estranho desde que saímos daquele beco, mas agora está ainda pior que o normal…

— Por favor, deem um tempo a ele — repetiu Lira. — Digamos que existem algumas coisas agora que estão deixando ele irritado. Mas não se preocupem, ele logo estará melhor.

“Eu espero”, pensou a nobre.
Após cerca de quinze minutos, chegaram a uma superfície elevada. Abaixo deles, em um ponto levemente distante, estava uma enorme fenda em um monte. Parecia uma caverna, porém com uma entrada muito maior que o normal. O buraco negro no monte tinha no mínimo dez metros de altura.
Na frente do buraco, havia dois pares de guardas. Mas não eram como os mercenários de Adrian. Trajavam armaduras de couro como aquelas usadas pela infantaria leve do exército de Valeran.

— O que está acontecendo? — perguntou Killian, confuso.

— Provavelmente tratam-se de renegados — informou Tio Sid. — Embora Casymir raramente deixe desertores vivos, alguns conseguiram escapar de suas garras e esconderem-se.

Entreolharam-se e começaram a descer a elevação em que estavam. Tomaram o cuidado de nunca ficarem muito à vista. Em minutos, estavam a menos de cinco metros dos quatro guardas.

— E pensar que teríamos que servir de sentinelas em uma terra sem habitantes por causa do erro de um mercenariozinho qualquer.

— Bem, precisamos seguir as ordens de Lorde Alastair. Ele sempre sabe o que faz. Ele já nos comanda há anos e até agora nunca errou.

— Ei — comentou outro soldado, amedrontado. — Vocês acham que pode haver demônios andando por aqui?

— Rá! Duvido. A Fenda do Abismo fica a várias milhas daqui.

Lira olhou para Killian e para Sid.

— Acham que podem cuidar deles? Quer dizer, para economizarmos Mana.

Os dois guerreiros assentiram.
O primeiro a avançar foi Killian. Ele pulou da proteção em que estavam — um tronco podre — e avançou contra os inimigos. O velho soldado foi logo atrás.
Os quatro sentinelas mal puderam se defender. Killian esgrimiu com velocidade e logo atingira violentamente a têmpora do soldado. Outro tentou atacá-lo, mas Tio Sid interceptou a espada do inimigo, desarmou-o e perfurou sua boca com o kopesh.
Outro soldado, um com uma lança, investiu contra Tio Sid, mas este desviou agilmente da estocada e rebateu a lança, logo em seguida atingindo o rosto do inimigo com o punho fechado. Assim que o soldado renegado caiu no chão, Sid empalou-o.
O último soldado saiu correndo, mas Killian perfurou-o por trás.

— Perdoe-me, mas sem testemunhas. Não sabemos se você poderia ou não chamar reforços.

Os quatro magos saíram da proteção do tronco caído e apodrecido e aproximaram-se.
Soren suspirou.

— E onde raios está o mestre Luk?

— Ele já deve estar chegando — murmurou Lira, esperançosa.

— Não ligo — rosnou seu irmão. — Não temos tempo para esperá-lo.

— Soren!

— É a verdade. A qualquer segundo, todo este reino pode explodir, levando um pedaço de Barun e Elderin com ele!

Todos trocaram olhares apreensivos. Tio Sid estalou o dedo.

— O pirralho está certo. Se viemos aqui impedir uma possível catástrofe, aceito o fato de que não podemos perder tempo.

Com a palavra de Soren apoiada pelo membro mais experiente da estranha companhia, todos concordaram.
Assim que entraram na — aparentemente — caverna, depois que seus olhos acostumaram-se com a escuridão, perceberam que não se tratava de uma caverna verdadeira (pelo menos, não ainda).
Estavam na entrada para a Ruína de Ggtole.
No centro do espaço oco dentro do monte, havia um buraco. Quando aproximaram-se e olharam para o tal buraco, viram que tratava-se de uma queda de no mínimo uns dez metros.

— Mas tem essa corda aqui — comentou Artariel, apontando.

Realmente havia uma corda ali. Uma que chegava até o solo do buraco.

— Por que teriam deixado uma corda? — questionou Herys. — Tem algo errado com isso…

— E quem se importa? Aproveitemos a oportunidade.

Tio Sid foi o primeiro a descer. Escorregou pela corda com enorme facilidade. Ao olhar ao redor, constatou, com um misto de espanto e decepção, que nenhum sentinela havia sido posto para vigiar a corda.

— Podem vir — gritou ele.

Assim que todos haviam descido pela corda, o Tio Sid espreguiçou-se.

— E eu pensando que eles possuíam cérebro — brincou o velho. — Sério? Aquilo que impede a vinda de intrusos é um quarteto de soldados renegados entediados?

“Tem alguma coisa errada”, pensou Herys.
Olharam ao redor, mas Tio Sid já havia achado o caminho no momento em que desceu pela corda.
Embora as paredes fossem feitas de pedra, o piso era branco e decorado, feito com algum outro material que ninguém ali parecia reconhecer. Nele, haviam desenhos de losangos.
Seguiram por um corredor iluminado com tochas até chegarem em uma porta de madeira.

— Ela não combina muito com o resto do lugar — comentou Lira.

Os demais tiveram de concordar.
Tio Sid aproximou-se da porta.

— Preparem-se. Obviamente haverá inimigos depois da porta.

— O quê? — perguntou Killian. — Como pode ter certeza?

— Eu sinto isso. Bem aqui. Na minha barriga.

Killian não entendeu.
Tio Sid chutou a porta de madeira e ela saiu voando. Parou aos pés de um soldado com cota de malha que olhou para eles, incrédulo.

— INTRUSOS! — bradou ele.

Logo, mais de uma dúzia de soldados renegados remexeram-se e levantaram-se às pressas, correndo para suas armas. Estavam em um acampamento temporário, o que indicava que estavam ali há algum tempo.
“Então por que o tal ritual ainda não aconteceu?”, perguntou-se Soren. Afinal, havia soldados, então algo iria acontecer.
Os soldados, aparentemente, estavam lá para proteger a entrada para uma fina ponte de madeira que ligava os dois lados de um abismo.

— Hehe, o que eu falei? Inimigos.

Por mais que estivessem em maior número, os soldados não tinham chance. Naquele momento, Soren entendeu para que os Cavaleiros Santos existiam. Se eles eram apenas aprendizes e podiam fazer tanto, o garoto não queria imaginar o que magos de alto nível podiam fazer mesmo com um batalhão de soldados.
Tio Sid e Killian golpeavam com tanta velocidade que poucos soldados conseguiram reagir. Artariel invocara seu lobo, este que começara a atacar os inimigos. Herys e Soren, entretanto, utilizavam apenas feitiços de 1° círculo, geralmente para defender um dos dois guerreiros de um ataque pelas costas.
Assim que restava apenas um soldado vivo, Soren antecipou-se e criou uma [Barreira Arcana] que anulou o raio de Herys. A garota olhou ele com um ar interrogativo, mas ele ignorou e aproximou-se do soldado. Logo, os demais acompanharam-no.

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— Olá — cumprimentou ele, sorrindo animado. — Meu nome é Soren von Dartã, e eu notei algumas coisas estranhas. Eu queria saber por que vocês tinham um mapa e uma carta explicando literalmente tudo com um único mercenário, por que havia tão poucos sentinelas lá fora, por que não removeram a corda após usarem, e por aí vai. Isso tem me parecido irritantemente suspeito. E então, amigo, pode me ajudar?

— Cale-se, cão de Casymir! — rosnou o soldado renegado.

O olhar de Soren perdeu o brilho. Em milésimos de segundo, a faca que o soldado possuía guardada fora tirada por Soren e agora estava apontada para o olho do soldado.

— Faça o que quiser, mas não me relacione com Casymir Loernvel novamente. Senão, talvez não saia vivo desta caverna. Qual o seu nome?

— A-Alfrit.

— Muito bem… Kabot. Responda as minhas perguntas.

— F-foram ordens de Alastair! N-nós não recebemos os detalhes! Nunca recebemos! Alastair sabe o que faz!

— Há quanto tempo estão aqui na Ruína de Ggtole?

— U-um dia e meio.

— E por que o ritual ainda não aconteceu?

— Não importa! Vocês não podem impedi-los. O ritual acontecerá. Os reinos humanos virarão pó!

Soren agarrou o soldado pelo pescoço. Antes que alguém parasse-o, aproximou o soldado da beira do precipício.

— Soren, pare!

— Como impedimos o ritual?

— M-matando Alastair! Matando Alastair!

— Que armadilhas vocês prepararam?!

— Nenhuma! L-Lorde Alastair parece desdenhar de seus esforços! Ele sabia que viriam! Ele não ligou!

Soren assentiu e jogou o soldado novamente no chão. Agora que pensava, Killian ficara surpreso com a força física do rapaz. Soren sempre lhe parecera um garoto não muito forte.

— Além de Alastair, Adrian e Isnar, quem mais nos espera no caminho?!

— U-uma estátua — informou Alfrit.

— Estátua?

— Uma estátua viva! Não tem mais nenhum soldado! V-vocês nos exterminaram. Há apenas uma estátua viva, Lorde Alastair, Sor Isnar e aquele mercenário maldito.

— Há quanto tempo Adrian chegou?

— Menos de um dia.

— E Isnar — interferiu Killian. — Quem é ele?

— Um draconato. Vocês sabem. Daqueles homens lagartos enormes com caudas que soltam sopros.

— Não pode ser só coincidência — murmurou Killian. — É ele mesmo.

Soren olhou com frieza para Alfrit.

— Saia daqui. Já.

O soldado não aguardou o mago das trevas mudar de ideia. Saiu correndo desesperadamente, tropeçando no próprio pé.
Soren suspirou. Herys olhou para ele.

— Você foi bem… convincente.

— Não foi nenhuma performance. Se ele não falasse, era só acabar com ele como fizemos com todos os outros. Herys, por favor, não me olhe desse jeito. Quantas pessoas nós matamos desde que entramos naquele beco?

Herys não respondeu. Ninguém respondeu.
Soren voltou-se para a longa e estreita ponte que cortava o abismo. Olhou para o buraco abaixo, negro e sem fim.
Tio Sid afastou Soren.

— Os mais velhos primeiro.

— Tenho vinte e sete anos — comentou Artariel.

Olharam para ele. O elfo corou. Já Tio Sid gargalhou.

— Ainda sou o mais velho. Mas, se faz tanta questão, pode vir logo atrás.

Tio Sid deu o primeiro passo. A madeira rangeu desagradavelmente. “Por que estamos em tantos?”, lamentou ele.
A cada passo, a ponte parecia cada vez mais frágil. Artariel e Lira estavam logo atrás do velho guerreiro. O elfo pisava com tanta leveza que a madeira que construía a ponte parecia recém trabalhada. Já Lira estava com uma sensação horrível. Sentia que a ponte poderia simplesmente soltar-se e cair no abismo a qualquer momento.
Mas não fora isso o que ocorreu. Tio Sid fora o primeiro a chegar ao espaço vazio de mármore que havia depois da ponte. À frente deles, havia um arco dourado que provavelmente levava a outro corredor que todas as raças pareciam amar desde os tempos antigos.

— Foram feitos apenas para que precisemos andar duas vezes mais que o normal — reclamou Tio Sid.

Assim que Artariel e Lira juntaram-se a ele, o veterano pulou e balançou os braços.

— Vez de vocês! — gritou ele.

Killian embainhou a espada. Herys olhou para Soren, mas o garoto não devolveu o olhar. A maga elemental baixou a cabeça, meio deprimida. “Tem algo errado com você, Soren.”
O escudeiro foi o primeiro a entrar na ponte, seguido do mago das trevas. Herys fechava a fila.
Os três avançavam com evidente cautela, tementes de que a ponte fosse se soltar. Ela parecia a um passo disso.

— Por quanto tempo você vai ficar assim? — perguntou Herys, baixinho.

— Não leve para o lado pessoal — pediu Soren. — Isso não tem nada a ver com você. Estou apenas um pouco irritado, mas vai passar.

— Irritado com o quê?!

— Como eu já disse, não tem nada a ver com você. T-talvez um dia… Talvez um dia eu te conte. E talvez este seja o último dia em que você me veja como amigo.

Com aquelas palavras, Soren iniciou um longo silêncio até estarem chegando ao fim da ponte. Perceberam que a troca de palavras os distanciou levemente de Killian.
E foi aí que as coisas começaram a dar errado.
Assim que o escudeiro tocou a antepenúltima tábua da ponte, a construção se soltou. Killian pulou para a frente, agarrando-se à estaca de madeira que sustentava a ponte. Logo Lira e Tio Sid puxavam-no para cima.
Herys não teve tanta sorte. Quando a ponte se soltou, a garota perdeu apoio para os pés e caiu em direção ao abismo. Porém, antes que caísse, sentiu uma mão agarrar seu pulso. Quando olhou para cima, viu Soren segurando-a, enquanto sua outra mão estava agarrada a uma tábua da ponte caída que agora assemelhava-se a uma escada.

— Vocês estão bem?! — perguntou Lira, gritando.

— Você está bem? — perguntou Soren para Herys.

— Estou sendo segurada por um garoto emburrado que está agarrado a uma ponte caída que dá para um abismo que significa morte certa — resumiu a garota, sarcástica. — É o sonho de qualquer pessoa.

— Veja bem. Terá uma história para contar aos seus netos no futuro.

O garoto fez força no braço. Herys viu um círculo avermelhado contornar as íris do rapaz. “Está usando essa ‘irritação’ de que tanto falamos como fonte de energia”, percebera Herys. Sabia que os magos das trevas podiam utilizar emoções negativas como pequenas fontes de poder. Claramente, não tão poderosas quanto usar as emoções negativas dos outros.
Soren levantou Herys e a garota agarrou-se a uma tábua logo acima da que Soren segurava.

— Você vai na frente — disse ele. — Estou logo abaixo de você.

— Tome cuidado com onde olha — ameaçou a maga, fazendo o garoto corar.

— C-claro.

Herys ia subindo, e Soren seguia logo abaixo, evitando olhar para cima, focando a visão nas tábuas à sua frente.
Herys alcançou o topo da “pontescada” e foi puxada por Tio Sid e Artariel. Então olharam para Soren. O garoto ainda não olhava para cima.
Assim que chegou, Soren recusou ajuda, subindo sozinho.

— Rá! Parece que alguém teve uma má noite de sono!

Olhavam de modo estranho para Soren. O mago das trevas percebera que o seu estado estava começando a realmente preocupar seus companheiros. “Mas isso não importa”, pensou ele. “Quanto pior eu estiver, mais energia poderei usar. Me perdoem, mas se eu começar a ficar mais calmo, meus feitiços serão ainda menos efetivos, e se quisermos parar o ritual, levando em conta os nossos três inimigos, eu precisarei fazer o máximo possível.”
Soren então avançou para o arco dourado que dava acesso a um corredor de dez metros de comprimento. Todos seguiam-no.
Chegaram a uma grande câmara. Era um espaço circular de dez metros de raio. No piso, havia o desenho de uma estrela de sete pontas. Soren emudeceu por um momento ao ver o antigo brasão de Astar, sua cidade natal.
Desta vez foi Artariel que foi para junto dele, sorrindo. O elfo não apenas sabia da origem do garoto, mas também conhecera seus pais.
O prieten elliror Soren Heirdarus então olhou para a frente. Do outro lado da sala, havia uma porta de uns trinta pés de altura. De ambos os lados da porta, deveriam haver estátuas de enormes guerreiros feitos de pedra, cada um do tamanho da porta que guardavam.
Deveriam, pois naquele momento uma das estátuas estava destruída, caída de um dos lados da sala. Era possível ver que ele estava sem cabeça.
Lira murmurou algo.

— O seu amigo renegado não disse algo sobre uma estátua viva? — perguntou Lira para o irmão adotivo.

Soren deu de ombros.

— Já sabemos o que vai acontecer agora. Estejam prontos.

Todos assentiram.

— Nobres guerreiros, fiquem à frente — pediu Herys, zombeteira. — E, Killian. Se aquela estátua atacar, seu escudo com certeza iria parar aquela alabarda de dez metros de altura.

— Obrigado, senhorita von Farandar. A sua amizade e preocupação é tudo para mim — agradeceu Killian, cínico.

Não tornaram a discutir, pois a estátua se mexeu. As fendas no elmo fechado de pedra do guerreiro colossal brilharam em um tom azul claro, e Artariel tinha de admitir que combinava com a coloração esbranquiçada da estátua.
O elfo tinha certeza que quem construiu aquele colosso era um Arquimago.
O guerreiro de pedra saiu de sua posição natural e colocou-se à frente da porta. Bateu a alabarda no chão, causando grande estrondo.
Tio Sid sorriu.

— Finalmente. Alguém do meu tamanho — disse o velho que devia ter um metro e noventa (menos de um quinto do tamanho do inimigo).

O colosso avançou. Todos viram que ele não era especialmente rápido. Sequer parecia capaz de correr. Mesmo assim, a visão de um enorme guerreiro de pedra investindo contra você era intimidadora.

— Lira, duvido que a sua magia vá funcionar nessa coisa — avisou Herys. — Ela não tem uma mente inteligente. É pura magia.

— O que quer que eu faça, então?

— Vamos distrair esse golem superior e tentar destruí-lo. Você vai até a porta e vê se há um modo de abri-la sem destruir a estátua.

— Por quê? — perguntou Killian. Soren entendeu.

— Podemos guiar a estátua até Alastair, Isnar e Adrian.

— Ela odeia eles tanto quanto nos odeia — confirmou Herys. — Se der certo, ele pode nos ajudar a impedir o ritual.

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Lira assentiu, determinada.
O colosso aproximava-se. Tio Sid, Artariel e Herys foram para um lado. Killian, Lira e Soren foram para o outro.
Herys disparou um raio de fogo que por pouco não atingiu o olho do colosso. Mas, embora o raio não tenha produzido nenhum dano, fora o suficiente para chamar a atenção dele.
O colosso investiu contra a maga elemental, o mago de invocação e o vetarano de guerra. Lira aproveitou para sair correndo para a porta gigante. Alcançou-a e começou a olhar para todos os lados, enquanto o gigante de pedra atacava seus amigos.
Lira localizou um pequeno pedestal de pedra em um dos lados da porta. Quando correu até ele, notou uma runa em uma língua que não era arcana, élfica, enânica, celestial ou sequer demoníaca. Tinha leve semelhança com a língua humana arcaica, porém a língua humana arcaica era mais parecida com a élfica. Esta runa era robusta e meio disforme.
“Que língua é essa?!”, perguntou-se Lira.
A garota também notou outra coisa: havia sangue banhando a runa. Sangue quase seco. Quando sentiu a Mana que emanava dela, percebera que não parecia com nenhuma Mana que já vira.
Foi então que todas as peças se encaixaram para a maga mental.

*

Enquanto Lira estava correndo para a porta, o cavaleiro artificialmente animado movia-se até Herys. O cavaleiro levantou a alabarda acima da cabeça.
A velocidade com que ergueu a arma de haste fora lenta, porém ele atingiu o chão com ela em assustadora rapidez. Todos tiveram que se jogar no chão para escapar da pesada arma de pedra que provavelmente esmagaria qualquer um que atingisse.
A estátua viva retirou a alabarda do chão e voltou-se novamente para os pequenos humanos. Então ergueu os pés e tentou pisar neles, mas Tio Sid desviou com grande velocidade.
Artariel invocou seu lobo, mas a estátua esmagou-o em segundos. Foi quando Herys conjurou um relâmpago que atingiu certeiro uma das fendas azuis e brilhantes do colosso, causando uma pequena explosão azulada e fazendo o gigante cambalear e bater na parede.

— Mirem nos olhos! — gritou Herys.

O guardião de pedra arrastou a alabarda em um arco à sua frente, levantando um pouco de fumaça. Então bateu a arma no chão e iniciou uma investida com a ponta da alabarda mirando Soren.
O mago das trevas criou uma barreira à frente da arma e correu para o lado. O colosso bateu na parede, mas logo retirou a alabarda de lá e voltou à posição de combate.
Neste momento, todos receberam um sinal mental de Lira. Ela contou seu plano e alertou que seria mais fácil destruir o colosso antes, pois ela precisava discutir uma coisa com seus companheiros sem que estivessem correndo risco de serem esmagados por um cavaleiro de pedra gigante.
Tio Sid e Killian juntaram-se diante do colosso, na outra extremidade da sala. O enorme golem avançou contra eles.
Lira, Artariel, Herys e Soren correram para as costas da estátua viva e prepararam-se, Artariel e Lira mirando com o cajado e Soren e Herys com as mãos que possuíam os anéis canalizadores.

— Agora! — anunciou Lira.

Os quatro magos começaram a disparar [Dardos Místicos] nas “panturrilhas” de pedra do guardião da porta. Inicialmente não parecia fazer efeito, mas aos poucos as pernas do inimigo começaram a rachar.
O colosso tentou virar para os magos, mas era lento para movimentar-se. Os magos corriam ao redor dele enquanto disparavam contra suas panturrilhas que já estavam realmente rachadas pelos inúmeros disparos arcanos.
Tio Sid e Killian ficavam sempre à frente da estátua.
Finalmente, as duas panturrilhas do cavaleiro de pedra colossal explodiram, fazendo o guardião cair de joelhos no chão, apoiando-se em sua alabarda.
Chegara a vez de Killian. O escudeiro saiu correndo até a alabarda do inimigo, jogou fora o escudo e começou a literalmente escalar a haste de pedra da arma gigante.
O guardião começou a mover-se novamente, fazendo Killian balançar. Por sorte, o garoto já estava agarrado à sua enorme mão. Herys efetuou uma tentativa de atingir novamente o olho do gigante, mas sem sucesso.
Killian correu pelo braço do oponente e agarrou-se em sua ombreira de pedra. O gigante já havia voltado a se mover, mas a fraqueza nas pernas fez com que seu corpo tombasse em direção à parede.
Killian saltou em direção ao pescoço do guardião logo antes dele atingir a parede, quebrando-a. O escudeiro então começou a escalar o elmo do gigante até alcançar a última fenda azul brilhante localizada onde ficaria o olho esquerdo de um cavaleiro de verdade.

— Até mais, estátua maldita — disse o Maklaw.

Killian puxou a espada e cravou-a na fenda azul. Uma pequena explosão azulada destruiu o restante do elmo do colosso e mandou Killian para o chão. Por sorte, Lira usou um feitiço para desacelerar o escudeiro antes que ele se quebrasse no chão.
Agora, sem o elmo, era possível ver uma grande esfera azul e brilhante no lugar da cabeça do guardião, que tombou no chão.
Tio Sid adiantou-se. Correu em direção à esfera azulada e estocou-a com o kopesh. Um pulso de Mana varreu a sala, derrubando todos. Cada um dos magos na sala sentiu a incrível sensação de suas reservas de Mana serem completamente regeneradas. Nenhum deles jamais havia sentido aquilo. Geralmente, a Mana regenerava-se lenta e quase imperceptivelmente, mas naquele momento a Mana deles regenerou-se toda de uma vez.
Tio Sid e Killian encararam os quatro magos, todos com os rostos corados e desconcertados.

— O que houve? — perguntou o escudeiro, confuso.

— N-nada — murmurou Herys, levantando-se rapidamente e tentando esquecer a agradável sensação que aquele pulso de Mana proporcionara.

Artariel e Soren também levantaram, igualmente desconcentrados. Lira fora a primeira a recuperar-se daquele sentimento.
A maga mental pigarreou.

— A-acordem! Já passou…

Os outros três assentiram. Soren e Herys entreolharam-se, e o mago das trevas percebeu, irritado, que suas emoções negativas haviam quase sumido.
Após todos recuperarem-se, Lira guiou-os até o tal pedestal.

— Eu já entendi o que esta runa é. Pelo menos — corrigiu-se ela —, entendi de que língua ela é.

— Idioma dracônico — murmurou Herys, fazendo com que todos olhassem para ela com surpresa.

— Exatamente — confirmou Lira, impressionada. — E veem este sangue? Emana a mesma energia que o ovo de wyvern. Isso é Mana dracônico. Isnar deve ter aberto esta porta usando seu sangue.

— Então, para entrarmos na tal Ruína de Ggtole, precisamos de alguém com sangue de dragão?!

Eles lamentaram. Irritaram-se. Como arranjariam sangue de dragão?!
Fora neste momento que a maga elemental Herys von Farandar perdeu qualquer expressão.

— Herys — chamou Soren, preocupado. — Você está bem?

— Algo está mudando — murmurou ela, aproximando-se do pedestal, com uma voz estranha.

A garota estendeu a mão para o kopesh de Tio Sid. O velho não entendeu, então ela arrancou o kopesh da mão dele.

— Ei!

— Algo está mudando — murmurou Herys, ainda com a voz estranha.

Soren arregalou os olhos.

— Ela está profetizando. Exatamente como fez depois de lutarmos contra aquele golem de pedra.

— Profetizando?!

Herys aproximou o kopesh do dedo em que estava seu misterioso anel, e fez um pequeno corte, derramando um pouco de sangue no pedestal.

— Algo está acabando — finalizou Herys.

A runa dracônica brilhou em um tom de dourado. A porta gigante diante deles foi revestida por uma energia dourada e finalmente se abriu, causando grande barulho.
Todos olhavam para Herys, sem entender nada. Como aquilo ocorrera? Como Herys usara algo que apenas o sangue de dragões poderia utilizar? Se ela possuísse qualquer resquício deste poderoso sangue, seria muito evidente.

— Seria possível…? — indagou-se Soren, pensando em todas as coisas que presenciara vindas da garota.

Deixaria para indagar-se sobre isso depois. Naquele momento, estavam a um passo do fim de seu caminho. Logo, estariam frente a frente com inimigos muito maiores do que eles.
Eles não sabiam, mas estavam a um passo de presenciarem uma enorme mudança na trajetória do mundo. Uma enorme mudança na trajetória dos reinos de todas as raças.
Naquela noite, na Ruína de Ggtole, estariam frente a frente com a morte.