Unfinished Business

Aquele que partiu antes do combinado


"Sabe aquele velho ditado que diz que a gente destrói quem mais ama? Bom, o inverso também é verdadeiro."

Chuck Palahniuk

“Desde crianças, somos ensinados a acreditar em heróis e vilões. Um mundo em preto e branco. Mas a realidade em si possui tantas tonalidades entre essas duas cores que chega a ser perturbador. Você se perde e, subitamente, aquele antigo panorama tão bem definido começa a ser esvair. ‘Nada é inteiramente bom ou mau, depende dos olhos de quem vê.’ Isso era o que Hamlet dizia. Esse é um ditado aplicado invariavelmente para seres humanos. Não somos heróis ou vilões. Somos ambos.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Em todos os anos da minha vida, nunca conheci alguém que se assemelhasse tanto aos príncipes das histórias antigas como Derek Morgan. Apesar de ser muito mais do que somente meu colega de trabalho, graças ao cargo na BAU passávamos mais tempo juntos do que com a nossa própria família e lidávamos com o lado mais obscuro da face humana. Víamos pessoas boas fazendo coisas que nem em nossos pensamentos mais sombrios imaginaríamos. O que nos volta ao prefácio. A tênue linha que separa uma pessoa boa da maldade é um dia ruim. Um dia ruim, só isso. Um dia ruim que culmina com um fatídico desfecho. Ouvimos histórias como essas todos os dias; assassinos escondidos atrás de uma infância ruim. Entretanto, Derek não teve somente um, mas vários dias ruins. Mesmo assim, contra tudo que o ocaso lhe jogou, escolheu não ceder. E lá estava a maior prova da vontade humana.

Derek Morgan poderia ter passado a vida buscando vingança ou retribuindo o mal que lhe fizeram, mas ele optou por equilibrar a balança salvando vidas. Hoje, inúmeras vítimas estão com suas famílias graças a ele.

Em contos de fadas, nenhum herói morre antes de seu final feliz. Mas, infelizmente, Derek Morgan partiu antes do combinado.”

Andei alguns passos e depositei a coroa de flores no caixão.

Ou, pelo menos, isso era o que eu teria dito e feito se estivesse presente no velório. Mas eu não estava.

Parecia desrespeitoso com a família a assassina estar presente no funeral de sua vítima. Portanto, eu não estive na cerimônia de adeus do melhor amigo que já tivera nessa vida.

Aaron Hotchner providenciou minha soltura conseguindo evitar até mesmo um julgamento. A verdade é que ele não queria que a família de Morgan soubesse que eu o matara. Nos documentos oficiais, ele morrera em serviço. Sei que deveria me sentir grata, mas minha reação fora completamente oposta.

–Como você pode ter coragem de passar por cima da lei em uma situação como essa? Não foi legítima defesa. Eu preciso perder meu distintivo e apodrecer na cadeia. Será que você não percebe? Foram as segundas chances que nos trouxeram para cá. Você nuca deveria ter confiado em mim - esbravejei, sentindo o gosto salgado das lágrimas na minha boca.

–Não estou fazendo isso por você e sim, por respeito aos familiares de Derek. Se serve de consolo, você já perdeu seu distintivo. E, dessa vez, você nunca mais voltará para assombrar a BAU. E sim, eu sei. Nunca deveria ter confiado em você.

Aguardei no cemitério, distante do local onde ele seria enterrado, sendo escondida pelas sombras com o auxílio de um guarda-chuva preto que ocultava meu rosto. Fingia estar visitando outro túmulo. De soslaio, avistei Reid, Hotch, Rossi e Gideon carregando o caixão. As irmãs, Sarah e Desiree postavam-se cada uma ao lado da mãe, Fran. Cindi Burns também estava presente, assim como outros familiares e amigos de épocas anteriores. A namorada de Morgan estava próxima das irmãs e chorava copiosamente da mesma forma, acompanhando o avanço do caixão pela lateral.

Do outro lado, pude ver J.J, Emily Prentiss e Alex Blake, que eu nunca conhecera. Elle não estava lá.

Ajoelhei-me sobre a cova de um desconhecido e cravei os dedos na terra, cerrei o punho até que doesse. Não consegui olhar para o lado novamente.

Sinto muito, Morgan. Deveria ter sido eu.

–x-

–Como foi o enterro?

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

–Eu não estava lá - menti.

–Suas unhas estão sujas de terra, há marcas de poeira nos joelhos da sua calça e... Eu simplesmente sei que você não deixaria de ir - contrapôs com a voz que desfalecia gradativamente. Elle ainda não havia retirado os pontos da testa, marcas arroxeadas ainda eram visíveis abaixo dos olhos e, provavelmente, no corpo inteiro, porém estavam ocultas pelas roupas.

–Ninguém sabe que eu estive lá... - parei de falar antes que minha voz me traísse. Toda a beligerância havia sumido do meu ser, eu simplesmente não via mais sentido em lutar contra qualquer coisa. Toda aquela história de "seguir em frente", que ao longo dos anos confundiu-se com petulância, me abandonara. Não existia mais nada que eu quisesse. - Eu preciso saber - pronuncie cada sílaba com cautela, contudo não por Elle, mas por não saber se eu queria realmente saber.

–Não deveríamos nos encontrar aqui - esquivou-se da última solicitação.

–Eu preciso saber - repeti, enfatizando o pedido. - Que bem isso traria? Que tipo de conforto? - perguntou Elle com o semblante franzido em uma expressão preocupada.

–Não faz sentido, Elle. Eu repenso aquela noite a cada segundo que passo acordada e as peças não se encaixam. Quanto tempo Morgan passou procurando por você? Não pode ter sido mais que 5 minutos. Como te encontraram? Por quando tempo eu fiquei inconsciente? Essas perguntas não conseguem se responder sozinha. Não lembro de quase nada e eu preciso saber. Elle, eu preciso saber. - supliquei. - O tempo não se encaixa, Elle. Simplesmente não se encaixa!

–Peça respostas ao Aaron.

–Não consigo imaginar alguém da BAU tendo estômago para olhar para mim, muito menos conversar e me esclarecer como eu matei um dos membros da equipe - retruquei sarcástica e acidamente, sem ponderar como minhas palavras assumiam o papel de navalhas.

–Sinto muito, Agnes. É tudo minha culpa. Nada disso teria acontecido se eu tivesse permanecido longe. Sinto muito mesmo - disse enquanto abaixava a cabeça para fitar as mãos apoiadas na mesa e, para minha surpresa, começava a chorar.

Sei que não deveria estar surpresa, entretanto talvez nunca tenha parado para considerar que eu não era a única a ser corroída pela culpa.

–Não, Elle… - comecei a protestar, mas ela logo sobrepujou minha voz.

–Da mesma forma que você não consegue encarar a equipe da BAU, eu não consigo encarar você. É muito cedo e eu não posso fazer nada além de pedir desculpas, mas isso nunca vai ser o suficiente. Eu consegui a incrível realização de cair e levar você mais ao fundo. Que bela dupla nós somos, hein? - sorriu sem humor. Fez menção de continuar falando, mas qualquer palavra formulada transformou-se em soluço.

Naquele instante, nenhuma de nós olhava nos olhos da outra; Elle encarava as mãos cruzadas sobre a mesa da cafeteria e eu desviava o olhar para qualquer outra direção, tentando ludibriar as lágrimas.

–Sinto muito mesmo. Espero que possa me perdoar um dia.

–Eu não culpo você - falei, finalmente erguendo a cabeça e fitando-a.

–Não estava falando de você, Agnes. - E, dizendo isso, levantou-se e foi embora. E eu sabia. No fundo, eu sabia. Aquela era a última vez que estava vendo Ellen Greenaway, ex-agente da BAU, uma amiga de longas datas, alguém com erros similares aos meus e que, assim como eu, pertencia ao passado, sem nenhuma forma de encaixe no futuro.

Não pude contestar nenhuma de suas palavras e também sabia , em meu âmago, que Elle nunca conseguiria se perdoar.

Sim, Elle, que bela dupla nós formamos...

Sem escolha ou qualquer outro lugar para ir, peguei um táxi até meu apartamento. Meu lar assombrando por demônios reais.

Todo aquele lugar me parecia indiferente, impessoal. A casa de qualquer pessoa que não fosse eu. Despenquei no sofá e disquei um número familiar. Previsivelmente, a ligação caiu na caixa-postal.

–Ei, Rossi, sou eu. Sei que você não quer falar comigo agora e, de certa forma, estou feliz por não ter atendido… Eu não saberia o que dizer. De todos, você foi o primeiro a me dar uma segunda chance e eu lamento ter estragado tudo. Agradeço toda a confiança depositada em mim e sei que agora você deve estar pensando que tudo seria diferente se simplesmente tivesse me mandado ir para o inferno naquele dia. Sinto muito mesmo. Prometo que a BAU não terá mais notícias de mim.

E desliguei.

Havia somente mais uma coisa que precisava fazer antes de ir embora e ela não poderia ser resolvida por telefone.

–x-

–Agnes? - a voz rouca e consternada estava carregada de hesitação.

–Spence. Tudo o que me sustentara até aquele momento após a morte de Morgan, finalmente rompera ao ver a desolação de Reid. A voz de Elle rodopiou em minha mente.

“Todos eles têm uma vida fora do trabalho, sabia? Essa é uma das coisas que também não se aplica ao seu caso.”

Eu estava sozinha, de fato. Mas não era a única a voltar para um apartamento vazio todos os dias após o trabalho.

–Eu sei que não muda nada...

Somente uma fresta da porta estava aberta, deixando visível a penumbra do apartamento, e ele parecia relutar em falar comigo. Seu típico cabelo desgrenhado caía sobre a testa acima os olhos fundos e avermelhados.

–Tem razão, Agnes. Não importa o que você tenha a dizer, não muda nada - a frieza em seu tom me atravessara de súbito, derrotando qualquer traço de esperança que insistia em permanecer. Mas o que eu estava esperando? Que ele me consolasse e dissesse que a culpa não era minha? Não. Eu não saberia lidar com a gentileza, sua raiva contida era tudo que eu merecia.

–Nada que eu possa dizer vai minimizar os danos, mas eu sinto muito, Spence. Eu sinto muito mesmo e não há nada que eu não faria para trocar de lugar com Morgan. Se eu pudesse abrir um veia para trazê-lo de volta, não hesitaria. Infelizmente, o melhor que eu posso fazer é ir embora e eu só achei que... Bom, dessa vez, eu achei que deveria me despedir apropriadamente.

As lágrimas escapavam furtivamente sem que eu conseguisse exercer algum controle sobre elas. Parecia hipócrita demonstrar minha dor, eu não tinha o direito de sofrer.

Um silêncio taciturno caiu entre nós, tão tangível que eu podia senti-lo em todos os meus poros.

–Era só isso que eu tinha a dizer - prossegui - garanto você não vai receber notícias minhas. Dessa vez eu vou deixar todo mundo em paz definitivamente. Algo que eu deveria ter feito há muito tempo.

Girei os calcanhares e já estava descendo as escadas quando Spencer falou novamente.

–Em qualquer outro momento, eu a convenceria a ficar. Em qualquer outro momento, pediria que ficasse, não pela BAU, mas por mim. Não foi sua culpa, eu sei, mas isso não significa que eu consiga perdoá-la - parecia ter mais a dizer, contudo limitou-se a um suspiro exausto - Adeus, Agnes.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

–Adeus, Spence. Cuide-se muito bem. E, sei que não tenho crédito para pedir nada, mas se você puder me fazer um favor, só um favor... Tenha uma vida fantástica. Seja absurdamente feliz. Por você, por mim e por Morgan.

Horas depois

Quantico - Virginia

6 a.m

–Alô?

–Agente Weston, é maravilhoso ouvir sua voz mais uma vez. Soube dos seus problemas em Nova York, fico feliz que esteja bem.

–O que você quer?

–Só dar um breve aviso, ouça com atenção, não irei repetir. Hoje o dia não será tranquilo, haverá uma bomba em uma área de construção, sem criminosos ou reféns, portanto a BAU não será chamada, somente o esquadrão antibomba. Você nem imagina o alcance da minha belezinha… Ah, se eles não a encontrarem a tempo… O shopping, as casas… Enfim, provavelmente não irão espalhar a notícia devido pânico desnecessário que ela causaria, porém esse não é seu maior problema, Agnes. Naquela adorável hora que eu tive a oportunidade de conhecer o escritório da Unidade de Análise Comportamental, deixei um presente para você e seus amigos. Tique-taque, tique-taque. Você tem até às 12h para me dizer qual das bombas vai explodir. E vou logo adiantar, não tente tirar os agentes da sede ou, sobretudo, sua equipe. Qualquer sinal que eu receber de que eles foram alertados, as duas bombas explodem, entendeu? Não tente ser esperta, você sabe que estou um passo a sua frente. Você tem seis horas, Agente Weston. Tique-taque, tique-taque, tique-taque.