— Peleu! – me sento na grama com os olhos cheios d’água. – Lembra de mim, Peleu? Eu costumava vir aqui trazer maçãs pra você, e eu afagava seu queixo assim...

Ele ronrona e eu sorrio, jogando a mochila no chão ao meu lado. Fico um bom tempo ali, até ter certeza de que não vou começar chorar na frente de todo mundo quando descer a colina. Quero que minha entrada seja do tipo “sobrevivente de guerra”, mas não como aqueles semideuses que chegam quase mortos e acabados. Já vi muito disso acontecer. Quero uma entrada "sobrevivente de guerra fodastica".

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Afinal de contas, sou mesmo uma sobrevivente. Uma sobrevivente da minha própria guerra.

Pego minha bolsinha de maquiagem dentro da mochila e retoco lápis, rímel e batom, mas deixo o cabelo como está, por que esse visual um pouco bagunçado combina mais com a entrada que quero fazer.

— Vou voltar para te trazer maçãs. – prometo ao dragão, que está com a cabeça deitada na minha perna. – Tenho que ir agora. Preciso ver Quíron.

É claro que eu roubo a cena por onde passo, mas finjo não notar. E não posso evitar uma pontada de desespero ao perceber que não conheço ninguém dessa turma de campistas que esta jogando vôlei. Será que todos que eu conhecia morreram? É bem possível.

— Oi. – uma garota vem falar comigo. – Quem é você? Está perdida?

Ela me olha de cima a baixo, com um certo ar arrogante. Faço o mesmo. Cabelo ruivo e olhos castanhos, usa salto e não tem armas. Provavelmente é uma daquelas filhas de Afrodite que nunca participam de missões e só trazem vergonha pro seu chalé.

— Quíron ainda trabalha aqui?

— Trabalha sim, mas...

— Onde ele está?

— Na Casa Grande, mas...

— Ótimo, obrigada.

Me viro e marcho até a Casa Grande, que fica praticamente do lado da quadra de vôlei. Quíron está jogando aquele jogo de sempre com os sátiros. Ele me nota quando ainda estou a caminho e fica me encarando com a testa franzida, até que eu me aproximo e ele me reconhece.

Tracy?!

— Presente. – dou um sorriso irônico. – Só passei pra avisar que estou de volta. Acho que amanhã podemos ter uma conversa decente, mas agora eu gostaria de descansar.

Ele me fita incrédulo, a boca entreaberta e as sobrancelhas franzidas.

— Estou indo pro meu chalé, falou?

O pessoal até parou de jogar vôlei pra assistir. Bando de intrometidos!

Caminho até a área de chalés e reparo nos novos que foram construídos, mas vou direto para o meu, o 37. Alguns campistas que circulavam por ali pararam e ficaram olhando. Nunca viram ninguém entrar nesse chalé. E nunca me viram.

Por um momento penso em ir até os chalés dos meus antigos amigos e procurar por eles, mas desisto da ideia. Estou exausta. Suspiro assim que entro e fecho a porta atrás de mim. Entrar no chalé 37 é como entrar numa sala com ar-condicionado e droga, como eu senti falta disso.

Olho ao redor... Parece uma mistura do chalé que deixei dois anos atrás e o quarto que eu tenho na mansão do meu pai. As pareces azuis preenchidas com pôsteres de bandas e outros recortes, minhas prateleiras de livros, meu rádio, minha enorme coleção de CDs. Tem até as estrelinhas que brilham no escuro coladas no teto.

— Trouxe suas coisas pra cá.

Sentada na única cama do quarto está Despina. Ela usa calça de couro, botas de motoqueiro e uma camisa cheia de rasgos propositais. O cabelo branco está repicado e jogado para cima. Ela parece uma versão mais punk da cantora Pink, exceto pelos olhos cinzentos e a pele extremamente clara. Não aquele branco que fica vermelho fácil, apenas um branco que não pega bronzeado de jeito nenhum. A minha pele é igual. Apolo já tentou me fazer ficar bronzeada várias vezes, mas desistiu.

— Oi, mãe... - digo enquanto caminho até o banheiro.

— Comprei algumas coisas também. Desodorante, escova de dente, tinta de cabelo... esse tipo de coisa.

Despina foi abandonada pelos pais, Deméter e Poseidon, logo após seu nascimento, e os odeia por isso. Quando Perséfone voltava para Hades e Deméter ia curtir a bad, mamãe fazia as flores dormirem e congelava os lagos de Poseidon. Por isso ela é a deusa do Inverno. E ela não queria ter filhos, com medo de que eles sofressem o abandono que ela sofreu, mas não resistiu ao charme do papai (e quem poderia culpa-la?). Então ela se esforça para ser uma boa mãe e me visita constantemente, me dando presentinhos aqui e ali.

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— Obrigada, mãe.

Lavo o rosto e me olho no espelho. Eu tinha pintado o cabelo de roxo da última vez, mas já está ficando desbotado. Sou uma versão adolescente de minha mãe: a pele branca, os olhos cinza escuro, até mesmo o cabelo branco dela. A única coisa que puxei do meu pai são as covinhas das bochechas e as ondas no cabelo. O cabelo de Despina é liso e escorrido, por isso ela corta tão curto.

— Eu vou tomar um banho, falta uma hora pro jantar.

— Não se esqueça de avisar seu pai que está aqui. Ele fica preocupado.

— Até parece. – reviro os olhos. – Eu aposto que ele deve estar comendo uma fã no camarim nesse exato momento.

Tracy!

— Tá... Desculpe, sei que não devo falar assim na sua frente.

— Não é essa a questão! Você tem que respeitar o seu pai!

— Você tem razão. – minto. – Desculpe, mãe.

Ela suspira e some. Então eu suspiro também, satisfeita por ter um pouco de paz. Pego uma toalha e vou para o banheiro.

Wendy

A bunda de Wendy estava dormente de tanto ficar sentada, e ela já havia acabado com a garrafa de café que pedira no pavilhão do refeitório. Estava lendo fazia horas. Não podia parar.

— Wendy? – chamou uma voz ofegante.

Ela olhou para trás e viu Jonathan, um de seus irmãos. Assim como ela, ele tinha cabelo loiro e olhos cinzentos.

— O que é?

— Não sei se você tá sabendo, mas a Tracy Stone está aqui. O Danny me contou que viu ela perto da quadra de vôlei.

Os batimentos do coração de Wendy se aceleraram. Ela não sabia o que pensar.

— Tracy voltou?

— É, foi o que eu acabei de dizer.