– Já que não vamos às quimeras... – Valery comentou. –... Elas vêm até nós.

– Pelo menos nos poupa o trabalho de encontrá-las. – Tavius assentiu.

– Para correrem atrás da gente, estamos cada vez mais perto do esconderijo daquele trio. – Samira deduziu. – Se não estivéssemos nos aproximando, não mandariam adversários cada vez mais difíceis para a gente enfrentar.

– Sim. – o espadachim disse. – Daqui pra frente, se as suas deduções estiverem certas, a coisa vai ficar ainda mais difícil. Mas, em compensação, ficaremos mais fortes.

– Isso é verdade.

– Bem, pessoal... – Valery disse. – Vamos parar de papo e acabar com isso!

Tavius desembainhou a espada. Samira já pegou mais uma flecha em sua aljava e a colocou no arco. Valery cerrou os punhos. Tavius posicionou-se diante da quimera meio leão, meio rinoceronte. Valery se pôs diante da quimera meio tigre, meio gavião. Samira apontou sua flecha para a quimera com corpo de lobo e cabeça de crocodilo.

A qualquer momento, começaria mais um round daquele combate. Desta vez, um round mais justo.



***



A cada dia, Tabita se sentia cada vez mais fraca. Estava mais magra, mais pálida, mais abatida e o seu outrora belo vestido agora estava em farrapos. Seus cabelos estavam desgrenhados e sua aparência era a mais trágica possível.

Sua mente não descansava nem um segundo, assim como seu corpo ferido e dolorido, com ferimentos já cicatrizados, outros em processo de cicatrização e outros ainda recentes. Seu corpo estava ferido, assim como sua alma.

Servia ainda não fora fazer sua sessão de tortura rotineira, o que não a deixava menos apavorada. E a angústia ainda se fazia presente dentro de si, mesmo em menor intensidade. Não sabia se Tavius estava bem, mas algo em seu interior lhe dizia que pelo menos ele estava vivo. Não sabia se ele ainda estava em perigo, mas ainda mantinha a esperança de que ele conseguisse sobreviver e aparecer ali para resgatá-la.

Sabia que de alguma forma isso iria acontecer, e que seu tormento ainda chegaria ao fim.

Sua esperança, mesmo diminuída, ainda tinha força suficiente para fazer com que se desenhasse um discreto sorriso em seu rosto em meio à expressão de dor e sofrimento.



***



Os três já partiram ao ataque, todos inteiros, graças à magia da cura que Valery aprendera. Agora eles tinham na maga um trunfo para seguirem em sua jornada para resgatar Tabita.

Tavius correu com toda a velocidade de encontro à quimera que corria para lhe acertar o chifre de rinoceronte. No entanto, o longo chifre nasal da criatura acabou encontrando com a lâmina da espada. O espadachim usava sua força física para empurrar a espada e retirá-la do chifre. A quimera empurrava seu chifre contra a espada, no intuito de desarmar e atingir o jovem.

O espadachim projetava todo o seu peso contra aquela criatura, e o atrito entre a espada e o chifre era tanto, que saíam até faíscas. E parecia que a magia de cura que recebera lhe proporcionava força física extra.

Samira retesou o seu arco, procurando mirar no ser com corpo de lobo e cabeça de crocodilo, que estava com suas presas prontas para inocular veneno em sua adversária quando surgisse alguma chance. No entanto, a arqueira se esquivava a cada tentativa de abocanhá-la. Acertou uma flecha em uma das patas traseiras da criatura, que não se intimidou e partiu novamente ao ataque.

A fera era ágil, o que prejudicava um pouco sua mira e, pra completar, não tinha a sorte de pegar as flechas mais letais pra acabar com aquilo. Não importava, dava pra ir matando aquela quimera pelo menos aos poucos e pelo menos tinha flechas o suficiente para uma boa batalha.

Valery se encarregara da quimera alada, que se lançava em um voo rasante contra a maga. Esta ergueu seus braços, apontando as palmas das mãos contra a criatura mista de tigre com gavião.

– Trancu!* – vociferou.

Com as duas mãos em perfeitas condições, a magia com o vento cortante dobrou seu poder destrutivo, repelindo com violência a quimera, que já estava com as garras e as presas de fora. Além de afastá-la, a maga conseguira causar-lhe danos consideráveis com cortes mais profundos. No entanto, a quimera não se dera por vencida e foi para cima mais uma vez, com a boca bem aberta para cravar as presas na maga.

Valery não queria repetir o mesmo ataque, para não se tornar previsível. Esperou que a criatura se aproximasse com mais um voo rasante e pegou sua espada, que logo se iluminou. A quimera já estava pronta para mais uma vez tentar cravar suas presas envenenadas na maga, que rapidamente se esquivou.

A criatura aterrissou, mas foi correndo de encontro a Valery, que fez um movimento rápido em diagonal com a espada enquanto invocava:

– Plejnovaj!**

Com o movimento, uma lâmina de vento foi gerada cortando, por fim, a quimera em duas partes e espirrando um pouco de sangue na maga.

– Ufa, uma a menos! – disse mais aliviada, enquanto observava a batalha dos amigos.

Samira continuava a enfrentar a quimera com cabeça de crocodilo, que investia contra ela, mas sem sucesso. A criatura tentava fincar suas presas na arqueira, mas ela sempre conseguia uma forma de escapar do ataque perigoso.

Lançou mais uma flecha, que acertara agora o pescoço da quimera. Esta ficou paralisada com o ataque recebido em um local inesperado e emitia guinchos guturais, como se estivesse sendo estrangulada. Por mais que tentasse tirar a flecha, não conseguia.

Samira conseguira tirar na sorte uma flecha letal de sua aljava. Uma flecha envenenada.Vendo que a quimera não caía de imediato, acertou-lhe um forte soco, que finalmente a derrubou já inerte. Para não ter surpresas desagradáveis, pegou mais uma flecha e a cravou no peito da criatura com a mão mesmo. Depois disso, pegou com muito cuidado uma das presas e a guardou em uma bolsa de couro.

– Valery, eu preciso te corrigir. – disse com um sorriso e fazendo um sinal de “v” com a mão. – Agora são duas a menos.

A espada de Tavius já se desenroscara do chifre da última quimera depois de muito custo. Mais uma vez, os dois correram para mais uma vez se encontrarem. A criatura com cabeça de leão e chifres de rinoceronte procurava vorazmente mordê-lo novamente, mas o espadachim se afastava das investidas.

– Vai sonhando, bicho feio...! – disse entre dentes. – Não caio duas vezes na mesma armadilha!

Novamente a espada e o chifre se enroscaram e um empurrava o outro. Tavius chegava a afundar os pés na terra, tamanha a força desprendida dos dois lados. O espadachim suava com o esforço feito, mas isso não o esgotava.

Cedeu alguns milímetros, flexionando os joelhos e ainda segurando firmemente a espada. Em seguida, deu um forte impulso, que lançou a quimera, que caiu a alguns metros dele. Tavius não perdeu tempo e avançou. A quimera se levantou, mas o espadachim deu um salto e cravou a espada nas costas da criatura, que começou a se contorcer de dor.

Retirou a espada e recuou alguns passos. Depois avançou de novo, mas com toda a velocidade que podia. Posicionou sua espada na horizontal e sua espada cortou o chifre da quimera. A quimera urrou de dor, mas Tavius não perdeu tempo e com mais um movimento rápido separou a cabeça do corpo da criatura.

Olhou para as duas amigas e disse, enquanto limpava o sangue que espirrara no rosto:

– Meninas, agora não sobrou nenhuma. Mas, sinceramente, eu não sabia que tinha ficado mais forte...



***



A angústia relacionada a Tavius acabou desaparecendo após algum tempo. Tabita se perguntava se ele estava a salvo. Pelo o que sentia quando ele vinha à sua mente, ele havia se salvado.

Mas acabou ainda mais aliviada quando ouviu as vozes das três bruxas:

– MALDIÇÃO! – Mabel berrou. – COMO ELES SOBREVIVERAM ÀS MINHAS QUIMERAS?

Involuntariamente, mais um sorriso se desenhou em seus lábios. Agora sabia que Tavius, Valery e Samira haviam conseguido reverter o quadro em que se encontravam. Agora sabia que, por enquanto, os três estavam bem. Porém...

– Por que esse sorriso tão patético, mimadinha?