Um pequeno problema
De volta às aulas.
Maysa o acompanhou até a fila, entregando-o aos cuidados da jovem professora dona Odete, morena clara de longos cabelos negros amarrados, que o conduziria à sala do segundo ano de ensino fundamental.
Depois que todos os coleguinhas se sentaram em seus devidos lugares, a mestra abraçada ao pequeno anunciou:
— Crianças, a partir de hoje nossa sala contará com a participação de um novo coleguinha. O nome dele é Regis e ele estudava em outra escola, em nossa mesma cidade. Ele está vindo estudar conosco porque aqui é mais próximo de sua residência e também porque já tem uma irmãzinha que estuda no quinto ano. Vocês prometem que irão recebê-lo com bastante carinho?
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!— Sim professora! — Responderam todos em coro.
— Diga boa tarde para seus novos amigos, Regis — pediu a mestra.
— Boa tarde! — Cumprimentou ele timidamente.
— O que a classe vai responder? — Cobrou a mestra.
— Boa tarde, Regis! — Responderam em coro.
— Pode sentar-se agora, Regis. Você vai gostar muito de estudar conosco. E vai gostar bastante de seus novos amiguinhos.
Ele seguiu timidamente pela terceira fila de carteiras do lado da enorme janela de vidros transparente e sentou-se na quinta carteira, sendo esta a primeira cadeira vaga.
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Às dezessete horas, enquanto Regis e Maysa entravam no carro de Luciana para retornarem ao lar, esta, procurando incentivá-lo, especulou:
— Como foi o dia de aulas hoje, meus filhos?
— Foi legal! — Confirmou a menina. — Teve um simulado para a prova Brasil que só vai ser em novembro.
— E a sua, Regis? Como está a nova escola… novos coleguinhas…
O carro já estava em movimento em sentido à via marginal do rio Maria Chica que os levariam para a rodovia e cem metros depois, à rua de casa.
— Eu adorei! — Entusiasmou-se ele. — As crianças gostaram de eu! A professora é muito legal… nem bate nas crianças.
— Claro que não, tolinho! — Riu a menina. — Qual professora bateria nas crianças?
— A minha bate!
— Nenhuma professora bate em crianças, mentiroso — insistiu a menina.
— Fico feliz que tenha gostado — interferiu a mãe. — Do que você gostou mais?
— Da aula de computador. Estamos aprendendo a desenhar e pintar — pensou um pouco. — E gostei também da merenda. Na outra escola não tinha merenda!
— O que tinha de merenda?
— Arroz com cenoura picada, ervilhas e milho, tudo misturado. E tinha frango também!
— Você foi pra merenda junto com Maysa?
— Não! Fui com meus colegas.
— E o que você fez no recreio, depois da merenda? Ficou com Maysa?
— Eu nem vi ele no recreio, mamãe — interferiu a menina.
— Pra onde você sumiu no pátio da escola, menino?
— Joguei bola com outros meninos. Mas sem correr! A professora falou pra não correr no recreio, pra não suar e ficar fedido dentro da classe.
— Ela tem razão — riu Maysa. — Os meninos de minha classe voltam do recreio todos fedendo de tanto suor.
— Exagero filha! — Negou Luciana. — Suor de crianças não fede assim!
— Não! É insuportável! Só isso!
— Suor de adultos fede! De criança cheira! — Negou a mulher.
— A senhora que não está lá pra saber!
— E o resto do dia, Regis, como foi? — Insistiu Luciana.
— Nossa, foi muito rápido! A gente entrou na escola, nem demorou nada já era hora do recreio, depois que voltamos daí a pouquinho já bateu o sinal pra irmos embora.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!— Se passou rápido assim, é sinal que você está gostando. Isso é bom! Novas amizades… A escola é muito diferente daquela que você estudava?
— Não muito — deu de ombros. — Diferente é o uniforme… lá também não tinha merenda… as aulas de computador… acho que só!
— Como era o uniforme da outra escola, Regis? — Especulou Maysa, enquanto o carro já adentrava a garagem da casa.
— Um short azul e uma camisa, não camiseta! Uma camisa mesmo! Com botão e bolso com as letras g e m t, bordadas com linha azul.
— O que significa g e m t?
— Grupo Escolar Marcos Trench, ué! É o nome da escola!
Entrou com o carro pelo grande portão branco da residência, todos desceram e então chegando à sala de estar, Luciana, abaixando-se diante do menino voltou a um assunto que a deixara preocupada:
— Você disse que sua professora bate nas crianças. Era brincadeira, não era?
— Não!
— Como assim, Regis? Se uma professora bater em crianças ela será presa, vai pra cadeia.
— Vai nada! Se fosse, a minha já estaria presa faz tempo.
— O que ela faz? O que acontece em sua escola?
— Quando minha professora vai sair da sala, ela chama a puxa-saco da Marlene na frente; se uma criança conversar, ela anota o nome na lousa, quando a professora volta, vai lendo os nomes e bate em cada um com a varinha do tramelógrado.
— O que é… tramelógrado?
— Aquele negócio que cola figuras pra gente fazer composição.
— Flanelógrafo — riu a mulher. Mas ela sabia que o causo era sério. — Ela bate com a varinha na bunda das crianças?
— Na bunda, nas pernas, costas, braços…
A mulher, confusa, não acreditou muito. Mas será que criança inventaria tal história?
— Você já apanhou dela? — Insistiu Luciana.
— Não! — Deu de ombros. — Eu fico quieto.
— Seu nome nunca foi anotado no quadro negro?
— O que é quadro negro?
— A lousa. A menina nunca anotou seu nome?
— Não! Quer dizer… já! Uma vez! O Fernando mexeu comigo, então eu virei para trás, Marlene gritou comigo e anotou meu nome e do irmão dela na lousa. Fiquei maluco de raiva e deu vontade de chorar. Não gosto de apanhar.
— Por que ela anotou o nome do irmão dela?
— Porque foi ele quem mexeu comigo, uai!
— Entendi. O Fernando é irmão dela!
— Claro que sim! — Balançou os ombros como quem julga que a mulher já deveria saber disso.
— E então? Vocês dois apanharam na bunda?
— Não! O Fernando gritou pra Marlene tirar meu nome de lá, porque eu estava quieto e foi ele quem mexeu comigo. Que ela poderia deixar o nome dele, porque lá fora ele iria quebrar a cara dela.
— Nossa! Que violento!
— Ele nem é briguento! Ela apagou o nome de nós dois.
Luciana pensou um pouco e explicou:
— Menino, isso não existe. Professores não batem em crianças. Se isso está acontecendo em sua escola, você, ao voltar para seu tempo terá que contar a seus pais e eles terão que tomar providência.
— A tá!
— Você promete que fará isso?
— Sim!
A mulher parece não ter se convencido muito de tal sim, mas, talvez não pudesse fazer muito, pois estava fora de seu alcance, de seu tempo.
No mais, durante aqueles dias, o pequeno Regis se tornara mais alegre, com os olhos vivos e sempre ansioso para a chegada da hora de ir para a escola, onde conquistara praticamente todos os seus coleguinhas de sala, meninos e meninas, formando assim um grande grupo de amigos de sua faixa etária, já que em casa tinha apenas Maysa, pois o “irmão” Arthur acordava quase no horário dele ir para sua escola e quando retornava, tal adolescente já se encontrava pronto para a escola dele, em outra cidade.
Na sexta feira, chegando da escola, trocou de roupas e correu a sentar-se na calçada em frente a grande residência, permanecendo, só não sozinho, pois tinha consigo a companhia dos quatro cachorros arteiros da chácara, que insistiam para que o menino atirasse discos de plástico para que eles buscassem, o que fazia o menino se divertir, rindo bastante com as peraltices de tais animais dóceis.
Pouco antes das seis horas, Arthur, com mochila nas costas saía pelo portão, gracejando:
— Tchau papai!
— Não é tchau que fala pro papai! — Riu o menino. — É benção!
O rapaz voltou-se a ele, tacou-lhe um beijo nas bochechas, dizendo:
— À benção, papaizinho querido!
— Tá! — Esfregou a mão no rosto. — Não precisa do beijo!
Em poucos segundos, o rapaz já desaparecia na curva da rua em direção à rodovia, em busca de seu transporte para a faculdade.
Regis continuou ali na calçada, se divertindo com os quatro belos animais da raça Boder Collie, inclusive um marrom, diferente da tradicional cor preto e branco.
— Você gosta dos cachorros? —Perguntou-lhe Maysa que saía para ir passear na casa da menina vizinha.
— Eles são muito bonitos! Se eu morasse numa casa grande dessas iria ter um monte de bichos. Onça, leão, veado… — abraçou ao cachorro marrou e praticamente deu-lhe um beijo na sua boca.
— Credo, Regis! Você deu um beijo na boca dele?
— Não! Foi no focinho. Não é, John Focinho?
— Você é maluco? Por que John Focinho?
— Olha o tamanho do focinho dele! — Mediu com a mão o focinho avantajado de tal cachorro marrom.
— Você tem cachorros?
— Eu tinha um branco. O Piloto. Mas ele morreu.
— Por quê?
— Alguém deu veneno pra ele.
— Acha! — Não acreditou a menina. — Quem faria isso?
— Não sei! Mas deu!
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— Tem o Bilú! Só que ele também vai morrer.
— Por quê? Não vai dizer que deram veneno pra ele também!
— Não! O Bilú era acostumado a buscar lata igual seus cachorros, aí eu e meu irmão ascendemos uma bomba e colocamos debaixo de uma lata vazia, o Bilú foi apanhar ela e a bomba explodiu machucando toda sua cara e patas.
— E ele ainda está machucado? — Especulou tristonha a menina.
— Está! E ele está ficando com raiva. Já mordeu eu, meu irmão e minha irmã. O farmacêutico disse que se ele morrer nós teremos que tomar treze injeções no umbigo.
— No umbigo?! — Estranhou a menina. — Por quê?
— Pra gente não ficar com raiva, ué!
— Vixi! E se ele já morreu!?
— Será!?
— Acho bom falarmos pra minha mãe e aí ela leva você pra tomar as injeções no umbigo.
— Eu não quero não!
— Precisa! Não quero ver você ficar louco de raiva!
— Graaaaau! — Rangeu os dentes o menino, ameaçando pegar a “irmã” que se afastou, continuando seu caminho para os lados da casa vizinha.
Antes de adentrar ao portão, percebendo que o pequeno ainda a observava, girou o dedo indicador sobre sua própria cabeça e alegou em tom alto:
— Acho que você já é meio louco por natureza.
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