Carla estava acompanhada de Inis na varanda, observando todos os convidados partirem. Não que o baile estivesse entediante, mas ambas as mulheres tinham a mente em outro lugar agora. Quando avistaram uma carruagem aproximar-se da curva de uma estrada não conseguiram segurar um suspiro de alívio.

–Não fizeram nada imprudente. -murmurou Carla, sabendo os motivos pelos quais Ikki havia ido à cidadezinha. -Graças a Deus.

–Não acredito que perdi essa aventura. -murmurou Inis.

–Aquele é o nosso jardineiro?-Carla indagou, estreitando o olhar e depois olhou para a irmã após ouvir o que ela havia dito. -Inis Dawes, o que exatamente sabe sobre o senhor Ikki? E por que nosso jardineiro o acompanha?

–Eu ia perguntar por que o cocheiro do senhor Petronades acompanha o Dohko?

–Inis!

–Ah, se eu te contasse iria se preocupar a toa. E também iria preocupar a Julie e as outras!

Carla olhou severamente para irmã, que se encolheu. Conhecia esse olhar e sabia que não podia escapar de responder essa pergunta, por mais que adoraria fazê-lo.

–Contarei tudo, prometo e. olhe, não é o nosso mordomo?-Inis apontou na direção da carruagem. -Agora sou eu que quero saber tudo!

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Thatiane estava ficando entediada em ver Melissa e Aiolos discutindo, mesmo depois do baile findar ainda discutiam. Notou que Aiolia mantinha o mesmo ar de tédio com a discussão do irmão.

Levantou-se da poltrona em que estava sentada e caminhou até uma das varandas querendo ar fresco, não tinha sono e não queria se recolher agora. Não antes de conversar com Julie sobre como havia se divertido no baile, mas não a viu em lugar algum a noite inteira, praticamente.

Aiolia a seguiu com o olhar e depois de analisar que aquela discussão entre o irmão e a caçula das Dawes não teria fim tão breve, resolveu seguir Thatiane. Ao menos sabia que ela era uma menina culta e inteligente, certamente teria algo agradável para conversarem que não envolvessem conversas enfadonhas femininas.

Percebeu que ela avistou algo nos jardins e saiu correndo. Imaginando que pudesse precisar de um cavalheiro apressou os passos para segui-la. A encontrou ajoelhada nos jardins, falando baixinho. Ao se aproximar viu o que ela fazia.

Thatiane Dawes havia encontrado algum cachorro sem dono. O animal estava em estado lastimável e parecia assustado e faminto, mostrando os dentes.

–Senhorita! Ele pode lhe atacar. - advertiu.

Thatiane olhou sobre o ombro para ele e sorriu.

–Tolice, ela é só uma menininha assustada. –voltou à atenção para a cadelinha, estendendo a mão. -Vem, menina... vem aqui.

Mesmo apreensivo sobre o animal, se poderia atacar a jovem ou não, Aiolia não conseguiu persuadi-la, mas ficou ajoelhado ao lado dela, pronto para tirá-la do perigo se fosse necessário. A cachorrinha branca e magra aceita o carinho da dama, abanando o rabo mostrando que havia gostado do contato.

–Me ajuda senhor Aiolia?

–Hã?

–Ela não pode dormir aqui fora. Está frio!-Thatiane virou-se e mesmo ajoelhada segurou nas mãos do rapaz. -Ela está faminta e com frio!

–E... e o que quer que eu faça?

–Poderia em ajudar a escondê-la dentro da casa?-perguntou como se fosse a coisa mais simples do mundo.

–O que? Não!

–Por favor! Não podemos deixa-la aqui! –parecia que iria chorar.

–O que sua madrasta, a baronesa, diria se a visse querendo levar esse animal infeliz para dentro da casa, milady?

–Diria: “Mais um, Thatiane?” - ela respondeu com um sorriso. –Eu não consigo virar o rosto quando vejo um animal abandonado. Por favor?

Chorinhos e ganidos chamaram a atenção deles, junto à cadela maltratada estavam três filhotes.

–Filhotinhos! Está vendo? Ela é mãe ainda!

Thatiane soltou as mãos dele e pegou os filhotes, aninhando-os nos tecidos de seu vestido, sujando-os. Outra dama ficaria horrorizada em ver um vestido fino e caro como aquele arruinado pela lama que os filhotes haviam deixado, mas ela não parecia se importar. Parecia mais feliz em brincar com aquelas criaturinhas.

–Não podemos deixar eles aqui. Podem morrer de frio! –ela o olhou com tanto pesar que Aiolia sentisse um nó na garganta.

–Está bem. –ele suspirou.

–Oh, obrigada senhor Aiolia! –ela o abraçou agradecida, mas imediatamente notou que estava ultrapassando o limite de um comportamento digno de uma dama com um cavalheiro e se afastou constrangida. -Desculpe... desculpe...

–T-tudo bem. –Ele se levanta, não querendo admitir que o abraço de Thatiane havia lhe perturbado mais do que imaginara. Com dois dos filhotes seguros em uma única mão e com a outra a ajuda a se levantar. - Mas se formos pegos a culpa é toda sua, milady!

–Eu assumirei solenemente toda a culpa. -ela disse com um sorriso, segurando o outro filhote nos braços. -Ah...posso pedir mais um favor?

–Qual? –perguntou, mesmo achando que se arrependeria da resposta.

–Me ajudaria a pegar algo para eles comerem na cozinha também? Sem chamar muita a atenção?

Aiolia fitou o rosto de Thatiane um pouco surpreso, depois sorri e estende a mão para tocar em seu rosto. Ela fica corada com o gesto do rapaz, e sente o coração disparar, achando que ele se atreveria a algo, mas tudo o que fez foi tirar uma mecha de seus cabelos que grudara em seu rosto.

–Está bem. Vamos antes que nos vejam com seus protegidos. –disse caminhando para os fundos da casa, onde entrariam pela cozinha.

Thatiane sentiu o coração disparado. Nunca antes isso ocorreu com ela, e não compreendia o que poderia ser.

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Querendo ficar longe dos hóspedes de sua casa e principalmente de sua avó, Kamus guiou a relutante Annely por uma escadaria que se erguia em espiral, dividindo-se elegantemente em duas pelo resto do trajeto até o andar superior.

Até entrar no escritório reservado do Visconde Annely manteve-se forte. Depois sentiu seus joelhos bambearem. Era uma situação muito tensa a que estava vivenciando, e para não dizer o quanto estava furiosa com a falta de sensibilidade dele. Inspirou profundamente e o fitou.

Kamus fechou a porta. Parecia mais alto, frio e duro. Certamente por ter sido rejeitado por Annely na frente de outras pessoas. Os olhos tinham uma cor estranha e escura, de um tom entre o verde de uma piscina profunda, sempre ficavam assim quando estava nervoso com alguma coisa. Eles a penetravam agora, gélidos e agudos. Annely sentiu a boca seca.

–Podemos conversar civilizadamente, Annely?

–Estou ouvindo. -respondeu cruzando os braços e dando alguns passos pelo cômodo, tanto para disfarçar seu nervosismo quanto para manter certa distância dele.

–Por que recusou meu pedido de casamento?

–Oh, desculpe. Era um pedido? –falou em tom dramático, colocando a mão no peito, sabia que isso sempre o irritava. -Parecia mais uma ordem!

–Eu só quis proteger seu bom nome.

–Devia ter pensado nisso quando me abandonou anos atrás!

Houve um momento de silêncio atordoado. Visconde fitava Annely, sem saber o que responder. Finalmente, suspirou e perguntou:

–O que devo fazer para que perceba que estou profundamente arrependido do que lhe fiz? Que quero reparar a injustiça que cometi?

–Pode começar parando de agir como se fosse um... um... idiota pomposo! Cheio de si que acha que tudo se resolve da maneira que lhe aprouver. Age como se as pessoas ao seu redor não tivessem outras vontades ou anseios e que devem abandona-los para agraciar suas decisões. - As sobrancelhas de Kamus se ergueram devagar. Por maior que fosse sua surpresa, seu rosto frio e composto não a demonstrou. –Pois eu lhe digo, sua Graça, o mundo e as pessoas não são movidas por sua vontade quando lhe convém, por causa do seu título. Sim, eu teria aceitado seu pedido de casamento...PEDIDO e não uma ordem!

Annely parou para recuperar o fôlego, enrubescendo ao notar quão rudes suas palavras haviam saído.

– Perdão...eu... Milorde consegue me fazer perder a paciência! Há momentos que desejo esganá-lo com minhas próprias mãos se tivesse força para tal, mas em outras eu... Eu... -E o silêncio volta a reinar por um breve momento, depois confessou. – Eu o amo... Mas não posso me casar sendo uma obrigação para Vossa Graça ou para aliviar sua consciência!

E em seguida, a dama sai do escritório, deixando o Visconde sem ação e sozinho, desejando se socar por sua hesitação. Virou-se rapidamente, precisava continuar sua conversa com Annely, foi quando a viu parada em frente à Biblioteca e ouviu a voz alterada de sua avó.

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Biblioteca.

–Um escândalo!!! –A Viscondessa se abanava com o leque sentada em uma poltrona, recusando o copo de água que o reverendo lhe oferecia. Ela fita Saga e a baronesa do lado oposto da sala, sentados em outras poltronas, ambos evitando encará-los. -E em minha casa!

–Senhora... Cuidado com seu coração. - o Dr. Hopkins tentava acalmar a idosa.

–Milady, creio que devemos deixar para falar sobre isso pela manhã... - sugeriu Malloren. –Eu preciso lhe dizer que a situação não é...

–De jeito nenhum!-A viscondessa se levantou em um movimento rápido demais para a sua idade, impedindo que o reverendo continuasse a falar. –Eu não devia ter lhe dado ouvidos, reverendo. A respeito de nossa amizade, deveria ter recusado seu pedido de convidar essa... Essas... Messalinas à minha casa e... como se fossem dignas de meu neto e...

–Morda sua língua ao falar das minhas meninas!- Julie se ergue lívida. Em respeito à idade da Viscondessa havia ficado calada, mas agora não iria mais tolerar ofensas. –Não ouse desferir seu veneno sobre as reputações das filhas do nobre Barão!

A viscondessa pareceu engasgar surpresa e desacostumada que lhe dirigissem a palavra daquela maneira, mas Julie estava disposta a falar tudo o que pensava da sociedade inglesa hipócrita, ainda mais estimulada pelas doses de álcool que ingeriu quase a noite toda.

–C-como ousa? Não tem moral para...

–Que moral tem a senhora para dizer algo? Cobrar algo? Por seus preconceitos deixou seu próprio neto amargar anos de ressentimentos ao inventar injúrias sobre a reputação de uma jovem que ele gostava. –a viscondessa ficou vermelha. –Sim, eu sei a história. Quase toda Londres sabe o quão vil foi a Viscondessa de Chanttèl com uma menina por ser de família sem posses! Que moral carrega para apontar seu dedo para as minhas filhas e dizer qualquer coisa sobre elas?

– Que descarada! Estava aos beijos e agarramentos com esse... -apontava para Saga que em silêncio, espanto pela conduta da Baronesa, acompanhava a discussão.

–Sou viúva, jovem e modéstia a parte... muito bonita! Não vou ser uma velha amarga que não conhece o calor de um homem e por isso vive a achar que todos devem ser amargos também. - ergueu o queixo em desafio. –Tenho o direito de me relacionar com quem quiser e se quiser. Agora se me dá licença.

Ela se vira, para um pouco tonta pela bebida, mas ergue o dedo afastando o reverendo que tencionava ajuda-la.

–Estou bem. Só... um pouco embriagada...

–Acho que estou apaixonado. - Saga murmurou, sorrindo de lado

Segurando a saia com as mãos, Julie caminhou para a porta e parou alguns passos ao ver Kamus e Annely parados ali, haviam presenciado a cena.

–Visconde... com licença... Irei dizer aos meus criados que me ajudem a arrumar nossas malas e iremos partir o mais breve possível para Londres!-olha para os lados. –Assim que tudo parar de girar...

–Peço perdão pela indelicadeza de minha avó. –Kamus coloca a mão sobre o peito e se curva. -Mas não precisa partir. É minha convidada, assim como suas enteadas.

–Não ... Não depois do que houve.

–E o que houve milady?- Saga perguntou, com o sorriso mais cínico possível em seu rosto, caminhando elegantemente até ela. –Não deveria ter permitido que bebesse daquele uísque. Começou a falar coisas sem sentido.

–O que? –Julie virou-se, quase perdendo o equilíbrio, amparada por Saga.

–Não disse? Perdoe a minha lady, Vossa Graça. Foi a emoção e a bebida que falou mais alto. –Saga faz um gesto com a mão, indicando que a Baronesa estava embriagada demais, e a segura firme pela cintura e olha a todos ao redor, ignorando o olhar fuzilante da Baronesa.- Não precisamos esconder de ninguém mais, milady. O que sentimos um pelo outro.

–Que?

–Nosso compromisso, querida. Ela ficou tão feliz que exagerou nos drinks. E bem... perdoe-nos.

–Que... que compromisso? Está bêbado?

–Não. A senhora sim.

–Mas... –tentando se livrar dele. –Não fale coisas sem sentido!

–Que compromisso?-perguntou a Viscondessa.

–Eu a pedi em casamento e ela aceitou.

–O QUE?????-a Baronesa o encarou estupefata.

–O QUE????? –as vozes de Amanda e Igor os assustam.

–A-Amanda?

–Se... Você vai se casar? E com ele? Mas é contra meu compromisso com o senhor Kanon? Como pode ser tão egoísta? -Amanda fita Julie quase chorando, e lhe dás as costas e sai correndo.

Igor está em choque pela revelação, que nem nota quando a baronesa se solta do abraço de Saga e corre atrás da enteada, parecendo que os efeitos do bourboun haviam cessado.

–Peço novamente perdão e a discrição de todos. A Baronesa deverá acordar extremamente envergonhada do que fez. –Saga pede, colocando as mãos nos bolsos e fita o mordomo, sorrindo, antes de sair da sala diante dos olhares surpresos de todos.

–Boa noite a todos. - diz o mordomo após se recuperar do choque, se retirando em seguida.

–Que pesadelo de noite... –Kamus suspirou.

Annely fitava a Viscondessa, não conseguia imaginar que mal havia feito a ela para ter destruído seus sonhos de adolescente apenas por ser da família de um médico. Nesse momento, o seu pai parecia se recuperar do choque e pede licença a todos, saindo e conduzindo a filha para fora pelo braço.

–Vamos minha querida.

–Annely... –Kamus a chamou, mas o pai dela fez um gesto pedindo que não.

–Lamento senhor Visconde, mas se não consideram minha filha e família dignas, não devemos ficar aqui.

E em silêncio, pai e filha saem da biblioteca.

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Em Southampton.

Sutcliffe estava em frente à pensão na qual estava hospedado, oculto pela noite, observando a rua quase deserta, com exceção de algumas carruagens que voltavam do baile na fazenda da família mais poderosa da região.

–Como vou entrar lá? –resmungou pegando um cigarro de uma caixinha de prata e acendendo com a ajuda de um fósforo ao riscá-lo num dos pilares de madeira da varanda da pensão. –E como pego a chave? Maldito Dawes e sua paixão por segredos!

Observou quando seus comparsas Harry e Edgard chegaram acompanhados por mais três homens de aparência ameaçadora.

–Finalmente chegaram! –Sutcliffe exclamou, jogando fora o cigarro.

–Desculpe chefe. -Harry dizia, tirando o chapéu puído da cabeça. –Lembra-se dos meus primos? Clive, Peter e John?

–Sim, sim. Querem ganhar o dobro do que já ganharam até hoje em suas vidas?

Os homens sorriram, exibindo dentes maltratados e amarelados, balançando a cabeça afirmativamente.

–Sem dúvidas, senhor.

–Ótimo! Vou explicar a vocês o que quero. E quero que fiquem por perto, mas não na cidade. Procurem por alguma casa, fazenda abandonada, igreja bem longe daqui, que ninguém use mais. -ele explicava, entregando algum dinheiro ao Edgard. –Fiquem acampados ali e esperem quando eu mandar Edgard chama-los. Comprem mantimentos e esperem!

–Vai nos dizer o que fazer?

–Sim, mas aqui não. Só tenham em mente que ficarão muito ricos! Harry ficará com vocês e Edgard comigo. –sorri, dispensando os homens, depois vira para o outro. –Amanhã quero que se ofereça para trabalhar na fazenda, compreende? Soube que precisam contratar alguém. Será meus olhos e ouvidos.

–Sim, senhor.

Sutcliffe entra novamente na pousada, com um sorriso satisfeito no rosto.

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Na Mansão.

Julie estava parada em frente ao quarto que Amanda dividia com algumas das irmãs e batia na porta insistentemente.

–Amanda, abra, por favor.

O silêncio insuportável foi o que recebera em resposta por alguns minutos, até que a jovem abre a porta, olhando por uma fresta.

–Vai me deixar entrar para conversarmos? –insistiu a baronesa.

Amanda se afasta, dando-lhe passagem e se joga na cama em seguida, abraçando o travesseiro. Julie entra e fecha a porta, caminhando calmamente até a cama, sentando ao seu lado.

–Foi um mal entendido o que houve na biblioteca.

–Ele disse que estavam noivos! –Amanda sentou-se, olhando-a severamente.

–O senhor Tassouli disse aquilo para me tirar de uma situação constrangedora com a Viscondessa. Não vamos nos casar. Não temos nada!

–Por quê?

–Por que, o que? –estranhou a pergunta da enteada.

–Por que não quer ter um relacionamento com o senhor Saga? Visto que ele a admira.

Aquela afirmação causou-lhe espanto. Julie levantou-se nervosa e indignada.

–Me admira? Não diga tolices! Ele é apenas um fanfarrão que adora causar-me dores de cabeça desde que nos conhecemos!

–Só a senhora não consegue ver isso? –Amanda fitou o rosto nervoso da madrasta. –Todas já reparamos que muda completamente quando estão juntos. Fica ansiosa, nervosa.

–Absurdo! Ele apenas me irrita com sua arrogância!

–Ele defendeu sua honra no clube outro dia não foi? Com os duelos de esgrima!

–Eu não o obriguei a nada. –ficando corada.

–E se beijaram... a Carla me contou. -mexendo nas próprias unhas.

Julie fica mais vermelha ainda.

–E mesmo que eu case com o irmão dele, não haveria impedimentos legais para que fiquem juntos já que seu casamento com o papai...

Julie coloca a mão nos lábios de Amanda, pedindo que silencie e volta a sentar ao seu lado.

–Amanda, combinamos que ninguém pode saber sobre isso. Para o bem da família. –ela suspirou, sentando melhor e pousando as mãos no colo. –Amanda, sabe por que eu não quero que se envolva com o senhor Kanon?

–Por ser estrangeiro? Mas ele é um cavalheiro!

–Amanda! Acha mesmo que isso seria algo que me faria ser contra um casamento?

–Não... – envergonhada. -Por que então?

Julie a olhou, não queria magoar os sentimentos da garota. Havia percebido que ela realmente estava vivenciando a alegria e a magia do primeiro amor, coisa que lhe havia sido negada na mesma idade que a dela.

–É que... ele e o irmão... –fitando o rosto ansioso da menina. –Não sabemos nada da família deles! Ou da vida deles na Grécia! E se não forem bons filhos? E se tiverem alguma pretendente esperando? E se estiverem falidos? Não pode se casar com o primeiro homem que acabou de conhecer! Não é coerente! Eu não quero carregar a culpa de permitir um casamento e te entregar a um completo estranho! Entenda que não faço isso por egoísmo, mas por preocupação?

Amanda olhou para a madrasta e suspirou, concordando.

–Tem razão. Eu posso entender... mas o senhor Kanon é tão gentil comigo. –suspirou sonhadora. –Por que não pedimos algumas informações com os irmãos Petronades? Eles parecem que se conhecem.

–Talvez. –Não queria dizer que também não confiava nos outros gregos que os acompanhavam, apesar de parecerem mais respeitáveis que os irmãos Tassoulis. –Posso perguntar sobre isso.

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Dohko e Ikki observavam os últimos convidados da Viscondessa partirem, encostados na charrete com a qual haviam retornado da cidade. Ikki estava estranhando os Petronades estarem demorando, mas como na mansão tudo aparentava estar tranquilo, decidiu que era melhor ficar onde estava.

Depois se lembrou da intenção dos gregos por quem havia uma dívida por sua vida, e o que desejavam fazer com a família a quem Dohko servia. A família de Carla. Dohko era um homem honrado e Carla não merecia ver uma irmã ser enganada daquele jeito. Sentiu-se dividido em contar o que sabia ou ficar quieto.

–Desde que nos conhecemos você parece querer me dizer algo, Amamiya san. –falava de braços cruzados, olhando Ikki com um sorriso amigável. -E não acho que seja por causa de sua missão ou sobre o que conversamos a respeito daquelas jovens.

Ikki imaginou mesmo que um homem perspicaz como Dohko logo iria perceber sua inquietação.

–Há algo que preciso contar ao senhor.

–Então diga.

Quando ia lhe contar sobre os planos dos jovens gregos que acompanhava, percebeu as presenças de Carla e Inis, ainda com os belos vestidos de baile e parecendo ansiosas para conversarem, fazendo o rapaz mudar de ideia e esperar uma oportunidade melhor para confidenciar a Dohko o que acontecia.

Pelas expressões das jovens damas, eles teriam uma longa conversa agora.

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Luna conversava com Milo próximo aos outros convidados quando avistou o pai aproximar-se. Ele parecia transtornado, e imaginou o que Annely deveria ter feito.

–Algo está errado. –comentou Milo percebendo o semblante pesado no rosto da irmã de Luna.

–Parece que sim. –Luna toca o braço de Milo. –Acho melhor irmos, senhor Alessandros. Temo que o papai passe mal novamente por causa dos seus nervos.

–Decerto deve ir. –Milo beijava a mão de Luna, se despedindo. –Mas amanhã irei ver seu pai e pedirei sua permissão, milady.

–Permissão? –corada.

–Para cortejá-la. –sorri de um modo que faz o coração da jovem disparar. –Nenhuma promessa feita por seu pai irá me manter longe da senhorita.

–Eu...

–Luna, vamos! –ordenou o médico e imediatamente a menina o obedeceu, seguindo a família, mas acenando discretamente uma despedida.

Milo a observou partir com um sorriso bobo nos lábios e depois se deu conta do que estava fazendo. Havia prometido cortejar uma dama linda e inocente como Luna.

–Deus... Preciso de uma bebida!

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Aos poucos, quase todos começaram a se recolher aos quartos. Saga entrava nos aposentos que dividia com o irmão e os Petronades. Encontrou Kanon deitado em seu leito, olhando para o teto, à sua espera. Assim que viu seu irmão mais velho, deu um salto da cama e foi até ele.

–Onde esteve, Saga? Saiba que eu tenho novidades para você. –dizia Kanon em visível animação. –Beijei a senhorita Amanda e certamente irei pedir a mão dela ao primo e...

–Acabei de dizer ao Visconde e sua avó que vou me casar com a baronesa. -disse Saga passando pelo irmão e indo até a janela para respirar, retirando a casaca e afrouxando a gravata.

Mantivera a postura até o momento, para não transparecer na frente de todos o quanto estava nervoso com as consequências de seu ato, e como isso poderia atrapalhar seus planos originais. Kanon parecia em choque com suas palavras.

–O que disse? –perguntou enfim, refeito.

–Eu estava trancado na biblioteca com a baronesa. Algum infeliz nos trancou lá. –começava a explicar. –E bebemos quase duas garrafas de Boubon... ela bebe bem para uma dama, sabia?

–Mesmo? Continua! –já ficando nervoso.

–Eu a beijei... de novo. –passando a mão pelos cabelos. –E fomos um pouco além dos beijos...

–Vocês dois?!

–Não! Não fomos tão além! Talvez tivéssemos... - dando os ombros e começa a andar nervoso de um lado para o outro do quarto. –Isso não é bom... não é bom!

–Como não?

–Eu não posso me envolver com a baronesa, mas... droga! Ela me tira a razão!

–O-oh! –Kanon balança a cabeça negativamente, fazendo uma expressão de pesar.

–O que quer dizer com esse “o-oh”? Eu conheço seu “o-oh”! Não é um “o-oh” bom! Fala!

– Saga... –Kanon vai até o irmão e coloca as mãos em seus ombros em solidariedade. –Você está apaixonado pela baronesa.

–Eu... não estou não! –se desvencilha do irmão. –Não estou apaixonado só porque ela tem uma mente aguçada, uma língua ferina. Só porque eu... beijei aquela boca vermelha aveludada... só porque ela tem uma pele sedosa e perfumada... NÃO QUER DIZER QUE ESTOU APAIXONADO!

–Não mesmo.

–Eu não estou morto! Qualquer um teria fantasias com aquela mulher!

–Até eu teria.

–Que quer dizer com isso? –olhar furioso para o irmão.

–Acabou de mostrar que tem ciúmes dela, irmão.

–NÃO ESTOU APAIXONADO!-dizia aflito, mas a quem queria enganar? Estava mesmo apaixonado.

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Giovanni acompanhava Vanessa até a porta de seus aposentos. Não brigavam como antes, e o italiano estava achando a companhia da jovem muito prazerosa.

Vanessa Dawes não era como as damas que conheceu em sua estadia na alta temporada de bailes em Londres. Não tinha a mente vazia e sem essência como muitas moças que só pensavam em casar com algum homem de posses e títulos. Confessou a si mesmo que estava fascinado com sua inteligência e beleza.

Já Vanessa, estava se acostumando com o jeito do lorde italiano. Um homem que falava o que pensava, não se escondendo em aparências como a maioria dos lordes faria. Começava a achar essa espontaneidade dele até cativante, além de traços fortes, belos e masculinos. Percebeu que estava falando sem parar sobre seus sonhos para o futuro, como havia se formado para ser professora pensava em ter uma creche, cuidar de filhos de operários em um ambiente seguro e educativo, para que os pais pudessem trabalhar sossegados e como pretendia usar seu dote para isso. Uma ideia revolucionária aos olhos do italiano.

–Desculpe, estou falando demais. –por fim falou, constrangida.

–Não precisa se desculpar. Achei sua ideia de uma creche muito oportuna!

–Sério?!

–Sim. Como não pensei nisso antes? –refletiu. –Tenho uma fábrica que adquiri de um credor recentemente na Itália. Não a visitei ainda, mas meus advogados me escreveram relatando o estado dela. Muitas funcionárias levam os filhos consigo por não terem com quem deixar para trabalhar. Não é um local seguro para crianças!

–Decerto que não. –dizia pesarosa com a situação dessas pessoas.

–Ora, se a senhorita quiser, pode me falar em como eu poderia criar uma creche em minha fábrica.

Vanessa o fitou surpresa. Não imaginava que alguém mais, além de suas irmãs e da baronesa, se interessasse por suas ideias. Ainda mais um homem. Eles sempre achavam que suas ideias eram sonhos, devaneios sem importância.

–Amanhã conversaremos mais sobre isso, senhorita Vanessa. –dizia sorrindo, fazendo um leve movimento com a cabeça, pegando sua mão e a beijando.

–S-sim. Até amanhã, senhor Giovanni.

Ele a fita por alguns instantes, ela pareceu nervosa com o modo que a olhava. Quando deu por si, ele tocava em seu rosto com as pontas dos dedos e aproximava seu rosto do dela, apossando de seus lábios em um beijo cálido.

Vanessa não conseguia se mover, nem forças para empurrá-lo possuía naquele instante. Quando conseguiu pensar em uma reação, ele já havia se afastado e sorrindo se afastava, deixando-a desnorteada na porta de seu quarto.

–Tenha bons sonhos, senhorita. –se afastou dando uma piscadela.

Ainda achando divertido a reação que ela teve com seu beijo, Giovanni “Máscara da Morte” entrou em seu quarto, com o qual dividia com Shura, Afrodite e Aldebaran. Os três estavam ali, bebendo uma última dose de brandy antes de se recolherem, ao menos dois deles, pois o espanhol estava imerso em seus próprios pensamentos olhando pela janela.

–Boa noite, cavalheiros! –retirando a casaca e se servindo do mesmo brandy. –Pelo visto tiveram uma noite tão divertida quanto a minha.

–Sim. –respondeu Aldebaran. –Estive na companhia da senhorita Agatha a noite toda. Não tem como ser melhor que isso.

–Que lástima. Está enamorado pela jovem! –Giovanni riu divertido. –E você, Afrodite? Finalmente se declarando para a minha prima? Lembra-se da sua promessa no leilão?

–Ela não deseja se casar comigo. –suspirou, bebericando. –E não desejo obrigar ninguém a isso.

–Cáspita! Aquela teimosa! É de família a teimosia. –riu. –Shura, por que está aí tão calado?

Shura olhou para a própria taça e sorveu todo o conteúdo em um único gole, suspirou e caminhou até os amigos depositando o copo na mesinha. Então os fitou longamente, observando as expressões curiosas e desconfiadas deles com sua reação.

–Eu sou casado com a senhorita Ludmila, e ela não sabe. O que eu devo fazer?

Um pesado silêncio seguiu-se com a confissão, até que Giovanni pegou a garrafa de brandy e bebeu diretamente da garrafa um longo gole, enquanto os outros ainda estavam assimilando a informação.

–O... o que disse? –perguntou Afrodite sem acreditar.

–Longa história. Mas eu a procurava para anular e me casar com a senhora ..., mas... eu não consigo dizer nada a ela. –pegando a garrafa da mão de Giovanni e bebendo dela.

A única reação de Aldebaran foi lhe dar um soco que o nocauteou, deixando os outros surpresos com esse gesto.

–Senti vontade de socá-lo. –respondeu o brasileiro, dando os ombros.

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Manhã seguinte. Southampton

A suave batida na porta do quarto acordou Annely e ela gemeu, cobrindo a cabeça com o cobertor e virou-se na cama, arrependida de ter ido ao baile na noite anterior, o que lhe custou uma noite inteira acordada, insone, pensando em tudo o que acontecera.

Somente pouco antes do amanhecer, vencida pelo cansaço, adormecera. Mas foi um sono perturbado por sonhos, aos quais terminavam sempre com Kamus a beijando. Sentiu as faces arderem à lembrança do beijo ardente que havia trocado na noite anterior e das sensações maravilhosas que somente ele conseguia lhe despertar.

Novamente bateram na porta, e com um suspiro, afastou as cobertas e levantou-se. Abriu a porta e deparou-se com sua irmã, ainda com o roupão.

–Está muito cedo, Luna. –disse-lhe esfregando um dos olhos.

–Melhor vestir-se e ir descer. Papai a chama. –Luna parecia muito séria, e tinha um olhar preocupado. –Ele não me parece feliz...

Annely já imaginava por que. Seu pai retornou da fazendo no mais absoluto silêncio e com uma expressão desolada. Até mesmo Luna, que sempre tinha comentários animados sobre qualquer assunto, ficou em silêncio ao perceber o ar pesado que havia se instaurado na carruagem.

Luna entrou no quarto e a ajudou a se vestir, em seguida foi à vez da irmã mais nova. Ambas desceram e viram o pai sentado na mesa preparada pela governanta para o desjejum, mas ele não havia tocado nem nas torradas quanto no mingau que parecia ter esfriado na sua frente. Assim que viu as filhas, fez sinal para que se sentasse.

A senhora Kemple ia se retirar, mas o pai pediu que ela os acompanhasse. A mulher, muito sem jeito, obedeceu sentando na cadeira do lado de Luna.

–Vamos comer minhas filhas... Sirva-se, senhora Kemple... Preciso conversar com vocês. –disse com ar mais entristecido. –Com todas vocês.

As duas se entreolharam e obedeceram. Annely se serviu de chá, e colocou um pouco para o pai. Luna não quis tocar em nada, apenas observando o pai.

–Devido aos últimos acontecimentos, resolvi tomar uma atitude. Fiquei pensando sobre a noite toda. –começou a falar, se ajeitando na cadeira. –E como a senhora me ajudou a criar minhas meninas, quando a mãe delas faleceu, creio que deve também ouvir o que irei dizer senhora Kemple.

–O senhor está me deixando aflita, Dr. Hopkins! –dizia a mulher, torcendo o avental.

–Não posso permitir que minhas meninas sejam mais humilhadas. Que fiquemos mais em Southampton. -disse o homem para a surpresa de todas as mulheres sentadas a mesa.

–Como assim, papai?

Luna perguntou um pouco aflita, afinal, havia conhecido o homem de seus sonhos e não queria ir embora. Olhou para a irmã que estranhamente não disse nada, parecia tão entristecida quando o pai.

–Simplesmente não posso tolerar o que aconteceu... o que fizeram sua irmã passar esses anos todos, por culpa de... –ele suspirou, exasperado. –Ficar aqui, vendo aquela gente. Não... não podemos mais.

–Senhor Hopkins... –a governanta estava quase às lágrimas.

–Vamos nos mudar para a minha terra natal. Vamos nos mudar para Hartlepool, onde moram suas tias. –decidiu. –Vocês farão suas malas e irão primeiro na frente. Vocês vão com os Lewis, eles vão para lá daqui uma semana, e como sei que o casal viajará sozinho, pedirei que as acompanhem.

–Mas... mas... –Luna esperava que Annely fizesse algo, mas ela permanecia calada.

–Assim que organizar minhas coisas, irei depois. Senhora Kemple... sei que é viúva e não tem família aqui, mas...gostaria de ir conosco?

–Se o senhor vai se mudar com as minhas meninas... claro que irei junto. –a senhora levanta da mesa às lágrimas, correndo para a cozinha.

–O que? NÃO!- Luna estava aflita. –Não podemos ir assim! Não podem fazer isso comigo!

–Ora, Luna. É algo já decidido! Não vamos discutir! –declarou o pai, querendo colocar um ponto final na história.

–Papai. –Annely o interrompeu. –Luna está certa. Não é justo com ela, que conheceu um cavalheiro de boa família no baile.

Luna abriu a boca para falar algo, mas não sabia o que. A irmã havia percebido e não comentou nada?

–Que cavalheiro Luna?

–O senhor Alessandros. Amigo do Visconde. –disse a menina, corada e baixando o olhar.

–Amigo daquele... daquele miserável? –bateu a mão impaciente no braço da cadeira. –Não quero nada com aquelas pessoas, nem com seus amigos!

–Mas...

–Papai. –Annely tomou a palavra novamente. –Não é justo castigar a Luna novamente por minha causa.

–Annely...

–Por causa da sua promessa a mamãe, e do que houve comigo, Luna vai ser privada de ter um bom casamento? –dizia bebendo sem seguida o restante do chá e colocando a xícara na mesa. –Se ele vier pedir sua permissão para fazer a corte a Luna, permita. Permita que ela se case antes de mim, pois... –sentiu que iria chorar, mas se segurou.

–Irmã...

–Eu vou para Hartlepool, morar com as tias Agnes e Mabel. –disse sorrindo. –Elas estão velhinhas e acho que seria bom fazer companhia a elas, já que os filhos de tia Mabel se casaram e moram muito longe dela. E tia Agnes nunca se casou, somos bem parecidas. É divertido conversar com ela sobre política. E o senhor tem seus pacientes, que dependem do senhor. Não é justo.

–Annely, eu acho que... -o pai iria retrucar, mas viu no rosto da filha a aflição de querer partir e ficar longe do Visconde. –Está bem... vá arrumar seu baú, sua mudança. Luna avise à senhora Kemple que nós ficaremos, mas que ajude sua irmã depois.

A jovem não diz nada, apenas se levanta e vai até a cozinha como o pai pedira. Assim que ficaram a sós, o médico pega firme na mão da filha, que deixa finalmente uma lágrima escapar.

–Filha, tem certeza? Eu posso estar sendo um tolo por agir impulsivamente. No fundo achei que iria brigar comigo e não permitir a mudança. Mas agora...

–Eu tenho certeza, papai. –sorri. –E não é por causa da Viscondessa. Aquela mulher já deve estar sofrendo pelas decisões que tomou, pois Kamus não a perdoará tão facilmente. É por causa dele que estou querendo partir.

–Filha...

–Eu preciso sentir nele a certeza de que ele me ama. Que confia em mim, que... Não há mais dúvidas, que não dará ouvido a mexericos. –suspira.

–Ele vive a sombra da infelicidade dos pais. –o médico comentou e o olhar curioso da filha o fez perceber que havia falado demais, mas que agora não poderia recuar. –Os pais dele morreram há muitos anos, você sabe. A senhorita Lucy era tão pequena, não tinha nem dois anos quando isso aconteceu. Mas Kamus era um jovenzinho.

–Nunca perguntei sobre a morte dos pais dele. Era um assunto que ele nunca deu oportunidades para conversarmos.

–Imagino que tenha sido algo doloroso para ele. O pai desconfiava de que a esposa era adúltera. E o infeliz não queria uma filha, dá para acreditar? Desde que a senhorita Lucy nasceu, a vida deles foi um inferno. Eu sei por que ela deu a luz naquela fazenda e eu ajudei a menina a vir pra esse mundo. –o médico se serviu de outro chá. –Ele rejeitou a menina desde o momento em que a viu, mas o jovem Kamus... –sorri. –Amou a irmã no mesmo instante que a pegou no colo pela primeira vez.

Annely sorri ao imaginar a cena. Kamus ainda menino com a irmã recém-nascida nos braços.

–As brigas, as discussões, os ciúmes... virou rotina naquela família e Kamus presenciou tudo. Até que um dia, o filho da Viscondessa bebeu demais e cometeu um ato imperdoável. –a lembrança tornou o semblante do pai carregado. –Eles moravam em Paris, e estavam numa das propriedades da família lá... ele bebeu muito e pegou sua espingarda de caça, determinado a matar o bebê que achava não ser seu. Lógico que a mãe lutou para defender a filha, e houve um tiro acidental e fatal.

–Meu Deus...

–Ele matou a esposa na frente do filho. Imagine como deve ter sido para ele. Era uma criança. Sei que quando os criados correram para o andar superior da casa, por causa do tiro. O senhor duPont passou os últimos anos de sua vida numa instituição para loucos e a Viscondessa buscou os netos e os tomou sob sua guarda e proteção.

–Eu não sabia disso.

–Poucos sabem. Para todos, os duPonts foram vítimas de um acidente fatal. –fez uma careta. –Agora percebo que a Viscondessa sustenta aquela família unida por mentiras, atrás de mentiras.

–Por isso Lucy nunca se casou?

–Não. A Viscondessa não permitia que a cortejassem. Acho que no fundo, ela partilhava da desconfiança de que Lucy não seria sua neta legítima.

–Absurdo! E a pune por algo que não teve culpa alguma?! –suspirou exasperada. –Mais uma razão para ficar longe dos duPonts!

–Concordo. –suspirou. –Jamais irei perdoar a Viscondessa. Nunca imaginei que tivesse tanto... preconceito pela posição econômica da nossa família a ponto de criar aquela situação. Aquela família não seve para você, minha filha. Ainda há de encontrar alguém que a mereça e a faça feliz!

–Não quero ninguém papai. –disse levantando-se da mesa. –Só quero ficar sozinha agora. Para sempre.

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Sir Kamus duPont caminhava pelo jardim de rosas em frente ao casarão, mal sentindo o frio daquela manhã, ou o colorido das flores. Sua mente concentrava-se em tudo o que acontecera na noite anterior, e em Annely.

Não conseguira pensar em outra coisa, naquela manhã, bem como durante a maior parte da noite. Chegou à conclusão de que talvez a perdera em definitivo. Como pudera permitir que a magoassem tanto? Tal pergunta o perseguira a noite toda.

Sentiu uma pontada de desejo ao lembrar-se do sabor daqueles lábios generosos, da maciez da pele, do perfume de seus cabelos...

–Maldição! –praguejou, olhando ao redor, pensando no que faria.

Ele sabia exatamente qual era a única coisa que poderia fazer. Foi até o estábulo e acordou o garoto que cuidava dos cavalos, que dormia profundamente em um monte de fenos. Kamus desconfiou que o local escolhido pelo rapaz para pernoitar fosse motivado pela garrafa de vinho vazia que estava ao seu lado, mas naquele momento não estava preocupado em dar-lhe qualquer sermão pela conduta.

O garoto ao ver o Visconde levantou-se depressa e de modo desajeito. Qualquer traço de embriagues foi-se com o susto de estar diante do patrão, mas este o acalmou imediatamente.

–Sele meu cavalo, Benny.

–Sim, vossa Graça!

Imediatamente preparou o belo corcel para que o Visconde o usasse, trazendo-o para fora do estábulo. Kamus o montou sem dizer mais nada, a não ser ditar uma ordem ao rapaz para avisar à irmã que iria até Southampton.

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Annely retornara da mercearia com as linhas e agulhas que precisava para consertar sua capa de viagem. Queria fazer o conserto o mais breve possível para partir com casal Lewis, e não poderia fazer sem a capa para protegê-la das agruras da estrada. Ela era velha, mas era a única que possuía e não havia tempo de ir à outra cidade comprar ou fazer outra.

Andava pelas ruas, evitando as poucas pessoas que já caminhavam pela manhã na cidade em seus afazeres, apenas os cumprimentando por educação.

Sentiu fome, apesar da hora do almoço estar longe, culpou o fato de não ter feito um desjejum adequado, depois de ouvir o desabafo e a história de seu pai sobre Kamus e a infelicidade de sua família. Foi até a pensão da viúva Callen, sabia que ela sempre fazia belos cafés da manhã para seus poucos hóspedes e não perderia a chance de comer algum de seus deliciosos bolos.

Mas assim que pisou na calçada que levava a pensão, escutou seu nome ser chamado de longe. Virou-se na direção do som e viu surpresa Kamus aproximar-se montado a um belo corcel, a uma velocidade considerável. Ele parou o animal e desceu dele com enorme facilidade, soltando suas rédeas e ignorando o que ele faria solto. Caminhou até ela e parou a poucos passos da jovem que o fitava ainda surpresa.

Kamus parecia ansioso, a respiração tensa. Ele sempre fora muito alto e estar diante dela a fazia parecer muito menor que ele naquele instante.

— Que grosseria gritar meu nome assim na rua! –conseguiu falar finalmente, refeita. - Eu não sei o que deseja de mim, mas não quero ouvir nada de você agora. Por favor, me deixe em paz agora mesmo, milorde.

A maneira como ele a contemplava, a deixava sem forças para girar os calcanhares e sair de lá imediatamente, então se limitou a apenas sustentar seu olhar depois das palavras duras que dirigiu a ele. Até que por fim, ele quebrou o silêncio.

–Annely Hopkins, eu não vou embora sem uma resposta satisfatória. –ele venceu a distância entre eles e a agarrou pela cintura, fazendo-a arregalar os olhos diante de sua ousadia. –Quer se casar comigo?

– Recuso-me a casar com o senhor. –colocou as mãos em seu peito, para afastá-lo, mas foi em vão. -Não há nada que me faça mudar de ideia sobre isso. As pessoas estão olhando!

–Quero que esses inconvenientes vão ao diabo, que olhem! Nunca se importou com isso. E dane-se também minha família, o que a inconsequente da minha avó fez ou diz. Eu sou um idiota e você já deveria saber disso, pois se apaixonou por mim ciente desse fato. –sorriu de lado. - E dane-se sua teimosia, Annely Hopkins! Vou repetir a pergunta. Quer se casar comigo?

–Eu... –o rosto corado, trêmula. –Eu...

Ele fitava seu rosto, ansioso pela resposta. Ela sentia a boca seca, passou a língua pelos lábios, fitando a boca dele. Ora, a quem queria enganar? Ela não conseguia resistir aquele homem.

–Eu acei...

–Kamus? –a voz de uma dama faz com que ambos virem o rosto na direção dela e avistam uma bela mulher de cabelos negros presos no alto, e um sorriso cheio de malicia. –Que surpresa, meu querido!

–Pandora?!

Kamus parecia que tinha visto um fantasma, ficando pálido diante da estranha mulher de sotaque afetado. Annely, não sabia exatamente por que, mas quis matá-la.

Continua...