Um Segredo Entre Nós

Quando o mundo caiu ao meu redor


São Paulo, 6 anos atrás...

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Regina acordou aquela manhã sentindo a cabeça de Robin descansando em sua barriga e os braços envoltos desajeitadamente em sua cintura, ainda entregue ao sono, despreocupado com o mundo ao seu redor como só alguém com a conta bancária dele poderia ser. Ela passou a acariciar seus belos traços com a ponta dos dedos, iniciando pelas sobrancelhas claras, desenhando a linha do nariz em seguida, os lábios finos que ela tanto tinha beijado noite passada, contornando a linha do queixo másculo suspirando, ele era perfeito. Sorrindo, pensou no quanto ele a fazia tão bem, tão feliz, tão completa.

Passou alguns longos minutos admirando-o, se apaixonando outra vez e apreciando tê-lo tão perto, era bom tocá-lo, senti-lo, aproveitar a calmaria de momentos como aquele. Robin significava exatamente aquilo para ela, calmaria, tranquilidade, lar. Mills era jovem, não queria ter caído de cabeça e se apaixonado assim tão profundamente pelo primeiro cara que conheceu na faculdade, mas como não poderia? Locksley parecia se encaixar com tanta perfeição em sua vida, como se estivesse destinado a estar ali, ao lado dela, com ela.

Regina era muito cética, todavia, estava começando a crer em destino e toda essa baboseira de almas gêmeas. Era a única explicação para o que sentia. Era tudo muito forte, muito intenso, nada que ela já tivesse experimentado antes com qualquer outro cara que tinha se relacionado. Puxando a respiração, sentiu o peito se encher desse sentimento, apoderando-se dela com força e intensidade imensuráveis.

Deslizando os dedos entre os cabelos dourados, um sorriso emocionado lhe escapou, seu namorado era muito preguiçoso, porém, ela lhe daria um desconto, eles tinham curtido a noite da melhor maneira possível e só tinham ido dormir quando já era dia. Ainda estava difícil de acreditar que eles estavam ali, curtindo uma manhã preguiçosa em um hotel chique em uma das maiores metrópoles do Brasil.

Robin era louco e muito possivelmente ela também, eles estavam em semana de aulas quando ele perguntou se ela não queria ir a nova turnê de Coldplay na capital paulista. Regina o olhou desacreditada, entretanto, quando ele permaneceu a encarando com uma sobrancelha hasteada e um sorriso cínico a morena percebeu que ele falava sério. Ela concordou e ali estavam eles.

Regina ainda estava inebriada em como tudo tinha sido mágico, a energia daquelas pessoas era única. O estádio estava lotado, eles pegaram lugares privilegiados na frente e quando Chris Martin entrou cantando A head full ofdreams o público foi à loucura, incluindo ela e Robin.

Conforme as músicas iam mudando, a atmosfera ao redor deles ia se tornando particular e íntima, o mar de gente pareceu desaparecer quando Fixyou começou, a certeza de que era possível amar alguém apenas olhando nos olhos dela e desvendar sua alma nasceu dentro de ambos. Robin envolveu os braços ao redor dela e com os olhos fechados balançou-os, uma vibe tão boa que eles desejaram que aquele momento durasse para sempre.

- É o nosso primeiro show de Coldplay juntos – sussurrou depois de cruzar suas mãos às dele que descansavam em sua barriga.

— O primeiro de muitos meu amor, eu vou te levar para conhecer o mundo comigo – ela se virou o suficiente para selar o lábios aos dele, sorrindo satisfeita.

— Eu não poderia desejar um parceiro de viagem e vida melhor – ele a beijou mais uma vez, voltando a encarar o palco.

Algum tempo depois A sky full of stars começou, o loiro a virou, pois queria cantar olhando nos olhos da namorada, era canção deles e provavelmente seria a última da noite. Quando ainda soava o primeiro refrão Chris pediu para sua banda parar de tocar e chamou dois casais ao palco. Eles se olharam sem entender bem o que acontecia e então Regina conseguiu ler a palavra engaged em um cartaz, em seguida os dois homens de cada par se ajoelharam e com um anel em mãos fizeram a proposta.

Não conseguiram entender o que foi falado porque era em português, mas tudo parecia lindo e perfeito demais, apenas assistiram sorrindo, felizes em compartilhar aquele momento com aquelas pessoas. Quando o vocalista voltou a cantar, Robin pegou nas mãos da amada, a trazendo o mais perto que conseguiu, dando-lhe um beijo apaixonado e sussurrando baixo os versos da música junto a Chris Martin e fazendo as alterações que achou justa:

— “Porque você é um céu cheio de estrelas, você é meu céu cheio de estrelas e eu vou lhe dar meu coração, porque você é um céu cheio de estrelas, você é meu céu cheio de estrelas, porque você ilumina meu caminho...

— Você é meu céu estrelado também Rob, o dono do meu coração - sorriram apaixonados e como todos ao redor deles, começaram a pular quando a melodia mudou. A sintonia da banda com o público foi incrível e eles se sentiam abençoados por viverem essa experiência juntos.

O casal chegou ao hotel inebriado, sentindo uma eletricidade quase cósmica flutuando em suas peles, jamais conseguiriam explicar a conexão que tinham. Ainda no elevador eles iniciaram um beijo caloroso e Regina o repreendeu com medo de ser flagrada “aos pegas” pelos corredores, Robin continuou com as carícias alegando que aquele horário ninguém estaria acordado. Incapaz de resistir ao charme de seu namorado, apenas enfiou as mãos nos cabelos dele o deixando continuar. Afinal, eles eram jovens e ninguém os repreenderia por estarem apaixonados.

Se espreguiçando, Mills olhou ao redor do quarto tentando encontrar seu celular na bagunça de roupas espalhadas pelo espaço. A blusa dela estava pendurada no aparador da entrada, o sutiã jogado no chão um pouco mais a frente perto da camisa de Robin, as calças e sapatos dele perto da cama e sua calcinha... Bem, não fazia ideia. Mordendo os lábios, acariciou mais uma vez os cabelos loiros, retirando algumas mechas teimosas que insistiam em cair pela testa, o deixando ainda mais sexy – “como era possível?!” – porém, ele não acordou.

— Robin baby, acorde, estou com fome – Regina arranhou as unhas de leve pelas costas dele, ainda estavam vermelhas, talvez eles tivessem exagerado um pouco, pois tinha certeza que ela também possuía marcas de mordidas espalhas pelo corpo.

Locksley balbuciou qualquer som, fazendo um lindo biquinho, mas não tinha se mexido. Regina forçou o corpo o suficiente para vira-lo de costas e parar em cima dele. Agora ele parecia ter despertado, ainda que estivesse com os olhos fechados as mãos dele descansaram em suas nádegas provando que já estava bem acordado.

— Estou com fome – Regina insistiu.

Robin reforçou o aperto em sua bunda, subindo pelo quadril, mantendo um vai e vem gostoso pelas costas, sentindo o corpo dela pressionado contra o seu.

— Eu adoro acordar assim com você, é um pecado que isso não aconteça todos os dias – Regina sorriu compartilhando do mesmo pensamento. Ele abriu os olhos, amando a visão a sua frente – Aí está, o sorriso contido, mas completamente satisfatório que eu penso toda vez que fecho meus olhos – uma das mãos dele subiu, descansando na lateral do seu rosto, entrando pelos cabelos escuros e fazendo uma massagem suave ali, enquanto se inclinava para beijá-la.

— Você é um conversador barato, mas vou lhe dar os créditos porque me proporcionou a experiência maravilhosa de ontem que foi aquele show, esse país tem uma energia única! – Robin acenou enquanto descia beijos pelo pescoço dela – Queria ter tempo para conhecer mais – suspirou quando ele sugou um ponto sensível atrás da orelha – fiz algumas pesquisas e todas apontaram que as praias do nordeste são uma obra prima. Você está me ouvindo por acaso?

— Sim amor, eu estou – levantou a cabeça e a encarou com um sorriso malandro – é que você assim nua e com a carinha amassada de quem acabou de acordar me distrai. E não se preocupe, no próximo verão podemos marcar uma viagem pelo nordeste do Brasil – ao terminar de falar retornou ao que fazia.

— Seria perfeito! A propósito, será que você poderia tentar não me marcar mais do que devo estar? Eu vou morrer de vergonha se as pessoas me verem toda roxa.

— Eu não te marquei tanto assim, não se preocupe, juro que não faço de propósito, a questão é que você é irresistível demais.

— Você também é – estômago dela roncou e quando ia reclamar que estava com fome outra vez ele se adiantou:

— Ok, vamos ligar na recepção e pedir algo – Robin se levantou, andando pelo quarto até encontrar sua cueca e vesti-la, pegando o telefone e o cardápio que repousava ao lado deste. Regina também tinha se levantado e vestido a camisa dele, se aproximando, abraçando-o pela cintura enquanto escolhia o que queria junto com ele.

— Nós ainda temos dois dias aqui, o que você acha de uma viagem rápida até o Rio de Janeiro? – Robin sugeriu depois de finalizar a ligação – Eu vi que o hotel dispõe desse serviço de taxi aéreo, podemos ir e voltar no mesmo dia. Topa?

— Claro! – os olhos dela brilharam – Topo tudo com você e esse é o tipo de convite que não se recusa.

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O relógio digital na mesa de Robin marcava poucos minutos depois do meio dia quando Zelena entrou em sua sala, a ruiva deixou duas sacolas de papel com o que ele acreditava ser uma refeição em cima da mesa – mais precisamente sobre os papéis de um processo que ele estava lendo – o obrigando a abandoná-lo e focar sua atenção nela.

Ela o encarava com a carinha feliz de uma criança que tinha conseguido roubar um brigadeiro antes dos parabéns e quando ele ia perguntar o motivo Zelena iniciou:

— Eu sei que você deve estar se perguntando porque motivo a ruiva mais bonita do Reino Unido apareceu assim do nada na sua sala, não é? - Robin acenou com um sorriso – Bem... Como sou uma grande amiga trouxe o almoço, já faz uma semana que não nos vemos e aproveitei para fazer uma surpresa.

— Eu adorei a surpresa, você adivinhou, pois estou faminto! O que é? - questionou já abrindo o saco e bisbilhotando.

Fish and Chips – Zelena deu de ombros.

— Mais britânico impossível! - os dois sorriram concordando.

— A surpresa não era apenas minha visita...

— O que seria então? - o loiro questionou enquanto apoiava a vasilha plástica com sua porção de comida sobre a mesa e a fitava em seguida.

— E se eu te disser que essa linda promoter aqui conseguiu ingressos para o show icônico de volta aos palcos da sua amada Coldplay no Hyde park no fim de agosto.

— Não brinca?! – perguntou eufórico levantando da mesa e indo em direção a amiga.

— Considere seu presente de aniversário antecipado – declarou quando ele a abraçou apertado saltando com ela em seus braços.

— Obrigado ruivinha, muito obrigado.

Will escolheu aquele momento para entrar na sala cuja porta estava aberta.

— Wow-ooh amigo – sorriu divertido – mil perdões, não sabia que estava ocupado, eu só queria dizer uma coisa mas deixa pra lá - ele deu meia volta com intenção de sair, porém pareceu se lembrar de algo e girou-se novamente – se vocês precisarem, na minha gaveta tem preservativos – piscou com um sorriso cafajeste e Robin alcançou uma revista jogando-a contra ele.

— Seu bastardo inconveniente – Zelena assistia tudo rindo da interação dos amigos – eu juro que qualquer dia quebro sua cara.

— Me desculpe por isso Zel, Will não conhece a palavra limites, mas é um bom amigo.

— Eu não sei como as pessoas levam vocês a sério no tribunal, só tem louco nesse escritório - Robin voltou ao seu lugar de início dando uma gargalhada e sendo obrigado a concordar com ela, que se sentou em uma das duas cadeiras vazias na frente da mesa – Agora vamos comer que a faminta aqui sou eu.

* * *

Já eram quase dez horas quando Regina chegou em casa aquela noite, precisou fazer algumas horas extras para terminar a defesa do caso que eles defenderiam na manhã seguinte. Belle estava sentada no sofá com alguns livros espalhados pela mesinha de centro e outro no colo. A universitária de literatura estrangeira de 19 anos era sua salvação, não saberia o que fazer sem ela. Sorrindo ela cumprimentou Regina.

— Belle, desculpa por estar chegando tão tarde essa semana, aquele escritório está uma loucura! - A sempre simpática moça apenas sorriu, iniciando a recolher seu material.

— Não se preocupe Regina, sei que você está atarefada nesse novo emprego, não tem problema, eu moro sozinha desde que vim para Paris alguns anos atrás para estudar, aluguei o apartamento aqui da frente, conheci você e Lou Lou e foi bom não me sentir mais tão sozinha. Sua filha é muito doce, ainda que saiba ser uma pestinha quando quer.

Mills sorriu concordando.

— E você foi minha salvadora quando mais precisei, não sei o que faria, não confiava em mais ninguém para deixar minha filha, muito obrigada – quando todos os livros de Belle estavam de volta na mochila ela falou:

— A pequena está dormindo, me pediu para lembrar você não esquecer o beijinho de boa noite dela. Eu já vou indo, porque amanhã tenho um compromisso cedo. Boa noite.

— Eu jamais esqueceria – elas sorriram uma para outra sabendo que era verdade. Regina jamais dormiria sem antes velar o sono da filha por alguns minutos – Obrigada novamente e boa noite.

Vagando pelo corredor, abriu a porta do quartinho de Louise, olhou ao redor, inspecionando o cantinho que ela tinha preparado com tanto carinho tempos atrás. A disposição e os móveis tinham sido trocados há um par de anos. Era um espaço pequeno, mas muito charmoso, cada aspecto, desde as paredes pintadas em azul celeste, o papel de parede colorido com notas musicais e outros elementos que ela gostava, a cama infantil branca com as barras de proteção, os bichinhos de pelúcia de todos os tipos e a girafa que ela adorava estampada perto da cômoda.

Identificou também a caixa de som ligada em um volume baixo, o Ipod conectado e não a surpreendeu que Coldplay estivesse tocando. Com os ouvidos bem treinados ela logo reconheceu a letra de Miracles soando pelo ambiente. Aquela música falava sobre ver a beleza do mundo através dos olhos de outra pessoa e que as vezes as estrelas resolviam refletir na terra em forma de pétalas. Um verso em especial lhe tocava bastante, cantava para Lou Lou desde que ela era um bebê, olhando dentro seus belos olhos azuis quando a colocava para dormir, ao passo que ela dava as últimas piscadas antes de cair no sono.

“Quando eu olho em seus olhos, esqueço tudo aquilo que me machuca...”

Louise era sua pequena estrela que tinha descido do céu e virado uma pétala de flor, uma joia rara que ela tinha que cuidar e amar, todavia havia negligenciado aquela semana. Diferente de como sempre acontecia, quando ela entrou no ambiente e fitou sua menina adormecida na cama, não foi paz que preencheu seu peito e sim um grande pesar. Ela se apressou e deitou ao lado dela, tomando-a delicadamente em seu abraço.

O tempo estava passando com uma rapidez que ela não podia mensurar, muito menos controlar e sentiu culpa. Culpa por estar trabalhando até tarde e não poder estar presente como antes, por estar negando sua filha de ter um pai. Sentiu cansaço, a rotina de profissional e mãe não era fácil, principalmente quando não se tinha ninguém para ajudar nas tarefas. Sentiu medo, medo de estar fazendo tudo errado, de Louise se sentir em segundo plano, de perdê-la quando decidisse contar sobre Robin.

Regina se sentiu tão perdida, um desespero incontrolável se apoderou dela e quando percebeu seu rosto estava banhado em lágrimas. Foi puxando a respiração profundamente para não hiperventilar, sentindo o cheiro de shampoo delicado dos cabelos de sua menina, procurando uma maneira de aquietar sua alma e não entrar em crise, porém, falhou e desmoronou bem ali.

— Me desculpa meu amorzinho, eu juro que estou tentando – soluçou beijando a testa de Lou Lou – mas não é fácil pequena, é uma árdua batalha onde eu ainda sou aprendiz – sussurrou, se aconchegando mais na filha.

Ela amava tanto aquele serzinho, não queria jamais machucá-la ou vê-la sofrer, a mínima possibilidade lhe despedaçava o coração. Passou a acariciar os cabelos de Louise, colocando algumas mechas atrás da orelha, observando que ainda que os traços mais marcantes fossem seus, ela tinha tanto dele. Além dos olhos azuis e das covinhas, o formato do queixo e boca, o modelo das mãos, o sorriso largo e cheio de vida e principalmente o sono pesado, Regina sorriu rapidamente com a constatação, mas logo sentiu o peito doer outra vez.

Robin tinha sido seu céu à medida que tinha sido seu inferno. Ela havia entregado seu coração e alma de bom grado a ele, confiado com todo seu ser e no fim, aquele que lhe tinha dado as mais lindas memórias, lhe concedeu as mais brutais também. Por outro lado, Daniel chegou com todo seu amor e paciência, conquistando não apenas a sua simpatia e afeto, como as de Louise, por que então ela simplesmente não conseguia esquecer Locksley de uma vez por todas e seguir em frente com ele?

Sua resposta estava ali, diante dela, dormindo tranquila e alheia ao caos que se passava dentro de sua mãe. O laço que eles tinham criado no pouco tempo que tiveram juntos era muito forte e Louise tinha elevado a intensidade disso para ela. Como ela poderia seguir sua vida e amar outra pessoa se era tão reincidente no que sentia, em procurar traços de Robin na pequena para manter qualquer migalha de memória como apenas tinha feito? Como?

“Céus, que terrível confusão!”

A jovem advogada se levantou com cuidado, dando mais um demorado beijo na filha e secando um pouco o rosto em seguida, pegou seu celular no criado ao lado da cama e procurou por um contato, já estava tarde ela sabia, todavia, necessitava urgentemente falar com alguém ou teria um colapso, o peso, a culpa e tudo o que estava sentindo se acumulou de tal forma que estava difícil demais suportar.

Não muitos toques depois a pessoa respondeu a chamada, a morena puxou um suspiro sôfrego e enfim falou:

— Oi, eu sei que já é tarde e que faz algum tempo... – estava receosa, mas precisava ir em frente – Será que podemos conversar?