Two Shades Of Blue

Últimos atritos


Antes da chegada de Yuuri, Otabek Altin era a criança com quem Yuri passava mais tempo.

Era uma combinação peculiar. Yuri era muito mais ativo e falante do que seu amigo alguns meses mais velho. Otabek, na maior parte das vezes, apenas assentia e concordava com as ideias de Yuri. Se eram muito ruins, de vez em quando ele conseguia impedir. Mas só de vez em quando.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Um problema que eles tiveram com a chegada de Yuuri foi que o mais novo gostou imediatamente de Otabek. Já era de se esperar, pois tudo de que Yuri gostava, Yuuri amava. E o cazaque não oferecia muito obstáculo. O pior foram os Altin, que gostaram de Yuuri e decidiram que não seria ruim trazê-lo para as brincadeiras.

E isso era um saco.

— Ok, Yuuri, você fica com os carrinhos bem aqui. - Yuri empurrou os automóveis de borracha e plástico para o irmão. - Não pode sair.

Yuuri ainda olhou pra ele com a desconfiança de quem estava sendo passado para trás. Todos aqueles carrinhos só pra ele? Tinha algo de errado.

Ele ainda confiou no maior e ficou ali, com os carrinhos. Por enquanto, estava tudo bem.

Os irmãos vieram visitar Otabek em sua casa enorme. Os brinquedos estavam espalhados pelo chão do quarto do anfitrião e sua irmã mais velha, Aiza, estava de babá (Leia-se, uma garota de 17 estava esparramada na cama do irmão assistindo séries no celular e prestando atenção em nada do que acontecia ao redor.). Tinha tudo para ser uma tarde muito legal, mas eles precisavam ser rápidos na preparação.

— Yuuri não vai brincar? - Otabek perguntou assim que Yuri voltou ao ponto em que eles elegeram como base militar, deixando o mais novo dos três isolado com os carrinhos.

— Ele brinca sozinho. - foi tudo que Yuri disse antes de começar a construir sua parte do muro de legos.

Otabek apenas disse um "Hum" desinteressado enquanto montava os blocos. Algo o dizia que aquela paz não duraria muito tempo.

Dito e feito. Yuuri demorou dez minutos para perceber que brincar sozinho era muito chato e que os outros dois estavam se divertindo mais. Além disso, ele não tinha nenhum boneco.

Foi assim que ele decidiu se aproximar da pequena Gotham City de legos e quase destruiu um prédio.

— Hey, eu disse pra você ficar lá! - Yuri reclamou segurando seu braço e impedindo uma catástrofe à sua maquete.

— Ma'ilha. - Yuuri apontou a boneca na mão do irmão, era uma de suas favoritas.

— Não, a Mulher Maravilha é minha. Os carros são seus. E você vai estragar tudo, sai. - Yuri disse já cansado daquela conversa. Estavam bem no meio da derrota do Coringa Sem-Cabeça!

— Eu tenho outra Mulher Maravilha, se você quiser. - Otabek ofereceu. Sabia como era ter que dividir tudo, numa casa com três irmãs.

— Não. Ele tem que aprender a ficar longe quando a gente pede. - o loiro resmungou. Já abrira mão de muita coisa por Yuuri, as brincadeiras com Otabek não sofreriam com isso também!

E foi justo nessa hora que Yuuri decidiu ignorar a mão que o segurara para simplesmente passar por cima da cidade de Legos e alcançar algum bloco colorido do outro lado. É claro que ele destruiu dois prédios no caminho. E é claro que Yuri ficou bravo.

Yuuri! - o mais velho ralhou furioso ficando de pé e, consequentemente, mais alto que o culpado. - Eu falei pra você ficar longe! Você sempre estraga tudo!

— Yuri, tá tudo bem... - Otabek disse tentando acalmar o amigo.

— Não tá! É sempre assim. Yuuri faz alguma coisa errada e todo mundo acha bonitinho. Mas quando eu faço, eu fico de castigo! - ele reclamou gesticulando ativamente com as mãos. Até Aiza pausou seu episódio de Riverdale para ver a cena. - É muito chato. Ele é muito chato.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Yu-ah? - Yuuri perguntou confuso. Yuri ficava bravo às vezes, mas nem tanto.

E aquela confusão infantil só irritava o mais velho ainda mais. Argh, nem para Yuuri falar alguma coisa! Era um bebê muito bobo e Yuri sentia que nunca, nunca se acostumaria com aquela nova realidade.

Eu nunca pedi pra ter um irmão!! - ele acabou gritando em sua fúria, mal mensurando o quanto de raiva havia colocado nas palavras.

Raiva essa que Yuuri absorveu. Não entendeu, mas sentiu. E o medo que teve ao ver o irmão daquele jeito o fez chorar, como fazia toda vez que se sentia ameaçado.

Yuri apenas ficou parado ali, sem saber o que fazer.

— Yuri. - o tom de repreensão usado por Aiza o fez acordar por um momento. - Você tem ideia de que ele é só um bebê?

— ...Sei. - aquela resposta soou da boca pra fora, porque agora nem Yuri entendera o que fizera.

A garota revirou os olhos, levantando-se da cama e segurando a mão de Yuuri com gentileza:

— Yuranya, que tal a gente procurar uns biscoitos na cozinha?

Yuuri não exatamente concordou, mas acabou seguindo Aiza ainda chorando. As outras duas crianças ficaram no quarto, inseridas no silêncio pesado que se instalou sem o choro de Yuuri.

Yuri não era burro e percebeu que Otabek tinha aquela cara de "Eu avisei" enquanto remontava os blocos derrubados. Era a pior cara pra ele.

— Que foi? - ele perguntou mal-humorado, já prevendo mais uma briga dependendo da resposta.

— Eu falei que a gente tinha mais uma boneca. E Yuuri derrubou tudo sem querer. Você não tinha que ter gritado. - o cazaque disse calmamente. Às vezes, ele parecia muito adulto para um menino de cinco anos.

— Mas ele sempre estraga tudo. É muito chato! - ele disse se sentando de novo, mas não tocando nos brinquedos.

— Ele gosta de ficar com você. - o outro deu de ombros. - Bibi não sabe nem andar, mas ela sabe morder. Muito forte. É chato também. Só que a mamãe disse que é como ela mostra que ama a gente.

Sabina era a caçula dos Altin e nasceu antes de Yuri sequer sonhar em ter um irmão. Ele se lembra das caretas não muito felizes de Otabek que reclamava dos pais e das irmãs fazerem tudo pelo bebê. Yuri teve a impressão de que irmãos mais novos eram uma droga e agradeceu por ser filho único. Então Yuuri chegou e ele sentiu na pele o que era ter seu espaço roubado. Ao mesmo tempo, Beka parou de reclamar da irmãzinha.

— Antes dele chegar, eu não tinha que dividir nada. - Yuri continuou falando, abraçado aos joelhos. - Mas agora tudo que é meu, ele quer.

— Porque ele te acha legal e pensa que se você gosta de alguma coisa, é porque deve ser legal, também. - o mais velho comentou muito sabiamente. - Quando eu fiquei bravo com a Bibi, Aiman me mandou assistir Zathura.

— Que isso? - Yuri franziu o cenho.

— É um filme de dois irmãos que jogam num tabuleiro mágico que manda eles pro espaço. Tem uma hora que o mais velho tem direito a um desejo e acaba pedindo pro irmão desaparecer. Mas aí ele fica preso pra sempre no jogo, porque não pode jogar sozinho. - ele explicou com uma careta. - Eu não entendi muito bem, mas acho que quer dizer que a gente não pode pedir pros irmãos sumirem, porque a gente precisa deles.

Yuri pensou a respeito. Yuuri podia ser muito irritante, mas lá no fundo ele não queria que ele fosse embora. Talvez na primeira semana, mas agora as coisas eram diferentes. Se Yuuri sumisse, papai ficaria triste. Muito, muito triste. Ele ficaria um pouco, também. Yuuri podia ser um porquinho bobo, mas dia após dia, Yuri se via mais acostumado com ele.

— ...Eu não quero que Yuuri vai embora. - Yuri acabou confessando. - Ele é feio e burrinho e chora demais... Só que tem dia que ele é legal, sabe?

— Aham. - seu amigo assentiu como se entendesse perfeitamente. - Bibi às vezes faz umas caras engraçadas. E a mãozinha dela é legal de apertar.

— Yuuri tem bochechas bem macias. - o loiro acabou confessando. Eram bochechas terapêuticas, pois ele podia cutucar quando estava triste. Mas Yuuri não gostava muito.

— Viu? Os bebês são legais. E eles ficam grandes depois, então não são chatos pra sempre. - Otabek sorriu como a voz da razão. - Agora você tem que pedir desculpa.

— Ele nem vai entender. - Yuri tentou se livrar da obrigação, apesar do peso na consciência o estar corroendo aos pouquinhos.

— Vai sim, alguns bebês são bem inteligentes, só que fingem que não são. - ele deu de ombros. Bibi era a mesma coisa. - É tipo um agente secreto.

— Hum. - Yuri não sabia até onde aquilo era verdade, mas Beka era o mais inteligente dos dois, então deveria fazer algum sentido.

A dupla abandonou os brinquedos no quarto para ir até a cozinha do andar de baixo, onde provavelmente Yuuri estava. Eles o encontraram na sala de estar, porém, com a Sra. Altin e a pequena Sabina num mar de travesseiros e brinquedos de bebê espalhados pelo carpete.

A mãe de Otabek sorriu para eles de sua posição no sofá. Ela provavelmente já sabia sobre a pequena briga, mas não comentaria quando as pazes já estavam sendo feitas.

— Seu irmãozinho é um bebê muito educado, Yura. Ele e Bibi se deram bem.

Yuuri não estava mais chorando, mas suas bochechas ainda pareciam um pouco úmidas. Também havia uma garrafinha de suco tampada próxima a ele, que provavelmente foi a condição para ele se acalmar. Yuuri só funcionava com comida.

De qualquer forma, ele parecia confortável apertando os botões musicais do que parecia um polvo de brinquedo, Sabina o acompanhando com uma bola de plástico na mão e uma chupeta na boca. Ele era só um bebê, no final. Yuri agora se sentia verdadeiramente mal por ter gritado daquele jeito.

— Yuuri. - o maior se sentou ao lado do irmão, tomando cuidado para não amassar nenhum brinquedo. - Ei, Yuuri.

O mais novo olhou pra ele por um momento, mas depois voltou à sua brincadeira. Estaria Yuri recebendo um gelo de um bebê de um ano e sete meses?

— Desculpa. - ele ainda disse no final. - Eu não queria te deixar triste. Você derrubou tudo, mas eu sei que é porque você é bobinho a fez sem querer... Você pode ficar com a Mulher Maravilha se quiser, eu deixo.

Yuuri ainda o ignorava, provavelmente tratando aquela confissão como outra conversa normal. Ugh, ele não podia ser um pouco mais receptivo? Até um sorriso de "Tudo bem" daria certo!

— Acho que um abraço resolve tudo ainda melhor, Yura. - Sra. Altin disse com um sorriso gentil. Discretamente, ela já tirara o celular do bolso e preparava a câmera. Victor iria gostar daquela cena.

Yuri torceu o nariz, mas se virou para o bebê com determinação. Juntando os bracinhos ao redor do menor, Yuri o abraçou apertado e com um pouco mais de ímpeto que o necessário, o que levou os dois a tombarem pro lado sobre um Totoro de pelúcia. Yuuri riu e Sabina fez alguns sons de desagrado pela movimentação desnecessária.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Yu-ah! - Yuuri ofereceu seu perdão na forma de um puxão de cabelo. Até que Yuri merecia.

— Porquinho bobo. - o loiro murmurou com um sorriso pequeno enquanto massageava o escalpo atacado.

Ele não diria em voz alta, mas Yuuri era um irmãozinho legal.

Yuri nunca mais desejaria que ele fosse embora.