Eu nunca fui alguém bom. Nunca me esforcei em ser por que eu sabia que fracassaria e fracassos não fazem parte do meu vocabulário, o que está escrito nele todo é: Glória. Vitórias e dor aos inimigos é no que aprendi a me apegar, principalmente a essa altura.

Vê-los sangrar e sofrer, vê-los morrer lentamente enquanto seus conjugês, filhos ou irmãos eram torturados. Tudo sempre foi muito objetivo, sangue e poder. Poder ao custo de sangue, de inocentes ou não. De soldados ou civis, de qualquer um que fosse necessário. Não é algo que necessariamente me orgulho, no entanto.

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Impérios construídos com medo são duráveis porém acabam, por isso tentei fazer disso algo com algum vislumbre de saída ou de limites. Obviamente que ser contrariado por um conselho e ter um jogo de interesses para jogar, não é fácil de administrar. Em mil mundos ou em dez, só se mantem no poder quem sabe manipular e embora eu seja muito bom nisso, até mesmo conseguindo com que me dessem meu inimigo de bandeja, não significa que eu seja imune aos tratos que fiz.

Eu tinha um trono, eu tinha súditos, eu tinha uma ‘coroa’ em minha cabeça, ainda assim, tinha meu nome em um acordo com promessas a cumprir. No fim, eu também não tinha muito a reclamar. Eu era o que precisavam, a personificação do Tirano, e, eles, eram o que eu precisava, aqueles que manteriam meu lugar se eu os mantesse saciados de domínio.

Uma troca justa, afinal, não se intrometiam no meu conhecimento milenar em batalhas, e , eu, não interferia – exceto, quando me convinha – no teatro deles. Claro que eu tinha que lidar com boatos e gente querendo trocar o dominador, vez ou outra, contudo, no geral, as coisas iam muitíssimo bem.

Pelo menos era o que eu pensava.

Se eu sabia jogar, minha corte eram experts. Notadamente que me ofereciam o céu, ao trazer acorrentado meu maior inimigo, entretanto, não eram gentis. Queriam a criança. Como eles sabiam da existência de Rose Tyler ou do feto em seu ventre, eu não sabia, mas o queriam. Uma troca justa, eles disseram. Mas, eu sabia as verdadeiras intenções por trás daquele ato, principalmente por que conhecia mais da história do que eles supunham.

Eu sabia de Bad Wolf e eu sabia de como ele surgiu. Eu sabia antes mesmo do envolvimento da humana com meu maior inimigo que a história da Entidade não teria um fim ali. Aquilo, era o prólogo de algo maior. Só a época, não me vi muito interessado em interferir. As coisas tinham que acontecer como tinham, era o ensinamento básico a um Lorde do tempo como eu.

Eles queriam a criança como arma. Queriam uma criatura poderosa, criada por eles, dominada por eles desde o ventre de sua mãe. Alguém que não teriam que lidar, mas sim, que teria tanto da mentalidade da Corte, que seria o fantoche perfeito. Era uma substituição a longo prazo, um primeiro passo para destronarem a mim.

Se surpreenderam quando eu concordei. Fácil demais. Os convenci com minha animação desmedida em relação a minha vingança, se iludiram acreditando que por trás do que eu falava tinha somente rancor, tão exarcebado, que eu não estava enxergando o obvio. Os convenci que queria a mulher como um dos métodos de tortura ao meu prisioneiro.

E de fato, me traria bastante prazer vê-lo desviar o olhar. Seria um prêmio cada expressão de nojo que ele teria e cada expressão de desolação. Mas, não somente para isso. Não tão simples assim. A verdade é que Rose Tyler não me atraia. Era mimada e frustrada, criança demais para quem já havia tido muito tempo. Eu não era imbecil como essa regeneração do Doutor.

Eu queria algo dela que não era ela.

Eu queria o que habitava nela e estava adormecido. O que os membros da minha corte queriam fazer com a criança era me destronar. O que eu queria fazer com Rose Tyler era despertar. Uma ideia contradizia a outra, um plano a longo prazo atrapalharia o outro. Mas, eu teria sucesso porque não conhecia a derrota. Não no lugar que eu estava hoje.

Não seria fácil lidar com a mulher irritante, mas, eu estava acostumado a sacrifícios. A ser ardiloso e andar pelas sombras, caminhando na beira de penhascos. Mas eu precisava conseguir, não só para defender meu lugar, mas, para algo maior. Uma profecia que eu queria acompanhar de perto quando se concretizasse. E eu faria que fosse ao meu favor.

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*

O copo de conhaque já jazia sem gelo em cima da minha escrivaninha. As serviçais estavam do outro lado da casa e eu não estava disposto ao desprazer de ver seres tão inferiores na minha presença. Havia tido informado a pouco que movimentações estranhas nas regiões a leste tinham começado e eu sabia o que eram.

As notícias sobre o motim haviam chegado até mim algumas semanas atrás. O conselho manteu-se inerte quando um dos governadores provinciais tinha tomado medidas impensadas com a filha de algum homem influente. Verdadeiros neandertais, esses humanos. Logo, discussões estouraram e a confusão se instalou.

Após eu ter mandado um dos meus homens averiguar o que estava acontecendo, cobraram uma posição de sua majestade – no caso eu. Em nada me importava que um homem tivesse usado uma garota para satisfazer seus desejos, ainda mais em uma região basicamente rural. Mas, ao que parece, isso reavivou uma ferida no povo e queriam que houvesse uma condenação sem ao menos julgamento. Com o aval do supremo rei.

Massageei as têmporas. Estava há 25 anos nesse governo de medo e ainda me surgiam desavenças por besteira. O vice-rei da Região Leste afirmou que não interferiria, mas que não acreditava na versão da garota. Como era de se esperar, provavelmente um jogo de interesses que o patético governador cedeu.

Resolvi largar o pergaminho e tomar um banho. Meu prisioneiro estava curtindo sua comiseração em nível profundo e a humana irritante estava dopada em algum dos quartos de hospédes. Segundo minha agenda, ainda tinha um jantar importante mais a noite. Ainda não era hora da minha acompanhante aparecer.

Ela ainda teria que ser treinada –arduamente, pois parecia burra o suficiente para se fazer de idiota – cuidada e entender seu papel. Só a tentativa de jantar na noite anterior, me fez ter certeza que enquanto ela não tivesse o mínimo de civilidade, não conseguiria sequer ser manipulada adequadamente.

Por isso, ainda naquela noite designei os melhores para o treinamento dela. História, beleza, postura social, ela deveria ser uma extensão do reino, em glória e honra. Claro, que a primeira noticia que me chegou foi que ela não aceitou nenhum dos profissionais. Eu não a convenceria, a obrigaria, e, embora, o trato com a Corte tenha sido claro sobre o destino da criança, Rose Tyler ainda não precisava saber dele.

Ao menos ela aceitou se alimentar e vestir adequadamente. Em silêncio.

— Senhor, os membros da Corte estão a sua espera.

— Não precisa me lembrar das minhas funções, General.

Arrumei minhas vestes para o encontro monótono e longo que desaguaria no jantar. Eu esperava que ao menos dessa vez as vaidades tomassem um grande espaço nos monólogos dos presentes.

— Remova o Governador da Região Sudeste – O general já sabia a quem me referia - converse com o Vice-Rei para que designe um novo responsável. Quanto a garota lhe dê alguns anos em um internato para que se recupere.

Quando saísse de lá estaria tão desesperada por liberdade que faria qualquer coisa em nome dela, inclusive se casar com qualquer um que eu ordenasse. Seus pais perderiam o trunfo e eu conseguiria desestabilizar o nome daquela família que só tinham a menina como barganha. Carta fora do baralho.

— Sim, senhor.

Minha hora de reinar sozinho chegaria. E não estava tarde para isso.