Fetish - Selena Gomez

If I Get My Way - Little Mix

Irresistible - Fall Out Boy e Demi Lovato

Mutual - Shawn Mendes

Drugs & Candy - All Time Low

Madness - Muse

Back To You - Louis Tomlinson e Bebe Rexha

Make You Believe - Little Mix

Um movimento na cama. O barulho do colchão afundando abaixo de mim. O pequeno feixe de luz que atravessa suavemente as persianas. Meus olhos pinicam antes de se acostumarem com a claridade do quarto e uma dor lancinante se instala em minha cabeça no momento em que eu a levanto bruscamente, tentando entender — ou até mesmo me lembrar — o que aconteceu na noite passada e como eu vim parar no quarto de outra pessoa quando me lembro claramente de estar em uma das inúmeras festas da fraternidade, comemorando meu aniversário deprimido de vinte e um ano com a minha melhor amiga e o seu namorado.

Então, eu vejo a poltrona de cor creme próxima à cama e o paletó negro pendurado sobre o encosto e rapidamente me recordo do local. Mesmo que eu nunca tenha entrado em seu quarto e muito menos deitado em sua cama nas outras vezes em que estive em sua casa. Afinal, como eu poderia, sabendo que esse é o mesmo quarto em que ele divide com sua esposa todas as noites?

Por mais que fosse um pensamento imaturo de uma garota que se deprime com o seu próprio aniversário a ponto de ficar bêbada o suficiente para não se lembrar do que fez, era impossível para mim, não imaginar como seria dividir a cama com ele. Eu mentiria se dissesse que não o queria deitado ao meu lado agora mesmo, expondo seu tronco tão bem esculpido, os contornos de seus braços fortes, tórax e abdômen tão perfeitamente delineados com tatuagens aqui e ali, deixando-o ainda mais gostoso... Um suspiro escapa por entre os meus lábios. Ao meu lado, está apenas o lençol suave levemente bagunçado junto a um travesseiro próximo as minhas costas.

Levanto-me do colchão macio e caminho até a poltrona, sem me preocupar com o vestido amassado em meu corpo. Agarro o tecido suave do paletó, apertando-o entre os meus dedos. O perfume amadeirado impregna em minhas narinas involuntariamente e me desfaço da peça rapidamente, deixando a de qualquer jeito sobre a poltrona. Forço-me a caminhar para o banheiro da suíte antes que qualquer outro pensamento impuro chegue a minha mente, e me tranco no recinto, apenas para me deparar com o meu terrível reflexo no espelho.

O cabelo escuro, completamente desgrenhado em cachos embolados. Os olhos manchados pelo rímel e a cara amassada pela maneira descuidada e desajeitada com a qual dormi.

Deus.

Minhas bochechas coram imediatamente.

Imaginar que em algum momento ele me viu com essa aparência fragilizada e apagada só comprovou minhas teorias sobre a maneira como ele me vê. E, francamente, não tenho muita defesa contra esse argumento se considerar o fato de eu ter, constantemente, uma paixão platônica e sem fundamentos, pelo melhor amigo do meu irmão — também próximo dos meus pais —, que é um homem muito bem casado com uma mulher perfeita. E, principalmente, que ele ama.

É claro que eu também não deveria me incomodar com Clove. Ela é uma mulher bonita e bem-sucedida e, infelizmente, nunca demonstrou ser arrogante comigo ou com Finnick para que eu pudesse dizer que a mesma não merece o homem com quem dorme. No entanto, a realidade está presente na vida do ser humano por natureza e, é claro, que eu me incomodo com ela. Mas nunca foi algo pessoal, e, de qualquer forma, não é como se eu estivesse tentando roubar o seu marido ou cogitando a possibilidade de conseguir estar em um relacionamento com o próprio.

Claro que não. Isso jamais aconteceria.

Não precisava ser um gênio para perceber que a minha fantasia platônica me via apenas como uma irmã mais nova, que precisava ser resgatada de sua própria festa de aniversário arranjada depois de tomar um porre e ficar com alguns garotos bêbados, para, no fim da noite, acabar solitária com apenas a ressaca como melhor amiga. De qualquer forma, para mim, ainda era um mistério estar em sua casa, principalmente quando sua esposa deveria estar no meu lugar. Será que ela estaria na casa se eu deixasse esse quarto? Mas não é possível que ela esteja na casa e não esteja em seu quarto. Será que ele está em casa?

Sou tomada por milhões de perguntas, e, sem qualquer utilidade no enorme banheiro em que eu me encontrava, o deixei para trás.

Ao descer as escadas, ouço passos inquietos e incessantes sobre o piso. Apenas quando os meus pés tocam o último degrau que eu o vejo, andando de um lado para o outro com impaciência, bagunçando seus cabelos loiros em um claro sinal de nervosismo. Usava sapatos sociais, calças largas e escuras e uma camisa social branca. Roupas de trabalho. O que significa, que a probabilidade de que ele tenha ido dormir durante a noite seja quase nula.

Aproximo-me de seu corpo e o meu acaba se sobressaltando com o susto quando ele se vira em minha direção. Seus olhos azuis cansados me analisam minuciosamente, e, por um lapso momentâneo, eu podia jurar que suas bochechas coraram. Mas rapidamente desconsiderei essa possibilidade. Ele não é o tipo de homem que se envergonha, muito menos em frente a uma universitária desolada.

Pode parecer que não, mas eu conheço perfeitamente bem o homem em minha frente, e antes que pensem que sou uma stalker obsessiva e maluca por um homem casado, tentem entender o meu lado da história. Porque, o desejo que eu nutria por ele nesse momento, não nasceu da noite para o dia e eu demorei o suficiente para me entregar a esse sentimento, mesmo sabendo que jamais seria recíproco.

Peeta Mellark era quase um membro da minha família. Nossas famílias sempre foram próximas, antes mesmo de eu ter qualquer contato com o próprio. Meu pai era um aviador, assim como o pai de Peeta e minha mãe e a dele estudaram juntas, criando assim, um vínculo familiar ainda maior entre todos nós. Para completar, Peeta Mellark e o meu irmão se tornaram melhores amigos, desde que tinham o mesmo sonho de carreira: se tornarem advogados. Com isso, Peeta Mellark também se aproximou de mim. Mesmo sendo sete anos mais velho do que eu, desde o meu último ano de escola, nós conseguimos estabelecer uma amizade tranquila, visto que ele sabotava os meus encontros propositalmente para me ver irritada e me tratava como sua irmã mais nova, mesmo que eu soubesse que ele não valia nada quando se tratava de mulheres. Não era muito diferente de Finnick, que só aquietou depois de conhecer Annie — sua atual esposa.

Eu deveria dizer que quando Peeta conheceu Clove o mesmo se entregou loucamente de amor por ela e eles se casaram. Mas a história não era bem essa. Se Peeta Mellark não é o tipo de homem que se envergonha diante de uma mulher, vocês deveriam saber que ele também não é o tipo de homem que se entrega ao amor assim tão facilmente. Se ele podia ter qualquer mulher que ele desejasse, ele não se preocuparia em se manter fixo com uma só. Clove o ganhou. Porque ela montou suas próprias regras do jogo. Ela se entregou para Peeta Mellark todas as vezes que ele insistiu para que ela ficasse, até que em um dia qualquer, ela simplesmente desapareceu de sua vida sem colocar um ponto final na história em que tiveram.

Eu era apenas a confidente, a amiga que ouvia e tentava aconselhar sobre o que ele deveria fazer e as decisões certas que deveria tomar.

Peeta Mellark não deixou de dormir com outras mulheres e muito menos de viver a sua vida. Para ele, que mascarava seus sentimentos, à vista de qualquer outra pessoa, era como se nada tivesse acontecido.

Quando Clove retornou, fora ela quem agiu como se eles nunca tivessem se relacionado, e Peeta a empurrou para sua vida novamente e depois de um ano enrolados em uma relação física, por algum motivo — que Peeta nunca chegou a me contar —, ele a pediu em casamento e os dois estão juntos desde então.

A minha única resposta para esse evento foi que ele a amou desde o primeiro momento, o que me sobrava apenas o espaço de melhor amiga. O que mais eu poderia ser, se essa foi a minha única função desde que eu entendo o que significa uma amizade?

Por mais que Peeta Mellark bancasse o irmão mais velho comigo, houve um momento em que eu parei de vê-lo dessa maneira. Lembro-me perfeitamente desse dia. Foi no meu aniversário de dezoito anos. Ele e Finnick planejaram uma festa de aniversário para mim enquanto Gale e Johanna me arrastaram para um dia inteiro de distração.

Quando chegou ao fim da tarde, eles me levaram para casa, onde as pessoas esperavam para me surpreenderem. Durante todo o período da festa eu não encontrei com Peeta, mesmo que todos dissessem que a ideia inicial havia sido dele e que eu soubesse que ele gostava de beber sempre que surgia uma oportunidade, ele parecia não estar em lugar nenhum. Apenas no fim da noite, quando todos os convidados tinham ido embora, eu o encontrei com uma garrafa de uísque em meu quarto, sentado sobre o chão, completamente bêbado.

Ele não me contou sobre os seus motivos e eu também não insisti em saber.

Tudo o que eu fiz naquela noite, foi cuidar dele.

E em um momento, com seus cabelos loiros levemente molhados e seus olhos azuis beirando a sobriedade, fixos nos meus, que pareciam vidrados, presos ao seu olhar por algum tipo de força sobrenatural; seu rosto estava próximo do meu, de uma maneira que sua respiração atingia o meu queixo levemente e eu pudesse sentir o cheiro do álcool emanando de sua boca, que, naquele momento, me pareceu extremamente convidativa, enquanto a minha, estava completamente seca.

— Feliz aniversário, morena. — ele sussurrou, desviando seus belos olhos para os meus lábios, descaradamente.

Minhas bochechas coraram, mas, me atrevi a usar a ponta da minha língua para umedecer os meus lábios propositalmente, buscando provocá-lo.

Quando Peeta roçou nossos narizes, eu me afastei com um sorriso esperto.

— Boa noite, Mellark.

Ele riu, balançando a cabeça negativamente.

— Você não é como as outras, Katniss.

— Você pode me garantir isso? — perguntei, com um sorriso de escárnio. — Porque eu acho que você está bêbado demais para tomar esse tipo de decisão súbita.

— Nós somos amigos.

— E é por isso mesmo que não vamos fazer nada do que você tem em mente. — sorri, esperta. — Como você mesmo disse: eu não sou como as outras.

— Você tem razão. — sussurrou, sua boca próxima da minha. Meu coração acelerou rapidamente dentro da minha caixa torácica e sua proximidade natural me proporcionou duas coisas: medo e desejo. — Não faria nada do que você não quisesse. — enrolou seu indicador em uma das minhas madeixas escuras para em seguida empurrá-la delicadamente para trás da minha orelha.

— Peeta...

— Deixe-me lhe dar seu presente de aniversário. — afastou-se do meu corpo rapidamente, deixando-me desnorteada sem o seu toque. Ao sentar-se em minha cama ao meu lado novamente, me entregou um embrulho azul. — Sei que ganhou presentes melhores, mas, eu realmente quis lhe dar algo que, além de gostar, você iria precisar. Vamos, abra!

Desviei o meu olhar do seu para o embrulho em minhas mãos, curiosa demais para contrariá-lo.

Assim que o abri, meus olhos se arregalaram imediatamente.

— Então, você me deu um estetoscópio?

— Eu sei. — riu sem som, parecendo constrangido pela primeira vez desde que nos aproximamos. — É que, como você gostaria de cursar medicina na faculdade, achei que iria gostar de algo relacionado. Um incentivo pra seguir seus sonhos.

Pulei em seus braços, apertando-o em um abraço, que o fez rir.

— Esse foi o melhor presente da noite! — disse a verdade, exibindo um sorriso sincero assim que nos separamos. — Obrigada, Peeta. Eu nem sabia que você tinha alguma ideia do que eu queria fazer na faculdade.

— Eu sei muita coisa a seu respeito, morena. É que você nunca prestou atenção. — voltou a mexer em meu cabelo, fixando sua atenção no movimento de seu indicador.

Minhas bochechas coraram imediatamente.

Eu nunca havia me dado conta do quanto eu significava para Peeta até ele me dizer.

— Começarei a prestar agora.

A partir desse momento, nossa amizade se fortaleceu. E dentre todos os seus casos e nossas conversas, o meu sentimento — antes apenas uma simples amizade — se tornou algo mais forte e quando eu fui me dar conta, ele estava me mostrando o belo anel caríssimo com o qual planejava pedir Clove em casamento.

Eu não poderia mais intervir quando ele finalmente havia encontrado o amor, a minha chance tinha passado.

Afogar o sentimento dentro de mim e me envolver com outros caras foi a minha saída estratégica. Porém, nenhum deles realmente me fez sentir algo tão forte quanto Peeta. Então, acabou que a minha saída, era apenas mais uma maneira de fugir, porque me entregar, sabendo que nunca seria recíproco doía até mesmo em pensamento.

Algo que definitivamente não me impediu.

E aqui estava eu, completamente entregue a esse sentimento e ao homem que eu desejei tanto e por tanto tempo, que o perdi, tamanha a minha espera.

Peeta Mellark está com seus olhos insanamente azuis pousados em mim. Sua camisa está com as mangas arregaçadas e os primeiros botões estão abertos, relevando seu tórax forte e as tatuagens ali expostas.

Minhas pernas bambearam sob o seu olhar penetrante, me invadindo sem qualquer permissão. Precisei me apoiar no encosto de seu sofá para garantir que minhas pernas se manteriam firmes e pude perceber que esse detalhe não passou despercebido por Peeta, que permanecia atenciosamente me analisando. Com o olhar atento em sua expressão um tanto carinhosa, percebi os círculos arroxeados abaixo de seus olhos e identifiquei o cansaço em seu semblante, constatando que ele realmente passou a noite de sexta-feira em claro.

— Desculpe, não queria te assustar. — sua voz grave me acorda dos devaneios e desvio o olhar para o balcão que separa a sala da cozinha, ignorando os seus movimentos. — Eu preparei um café da manhã pra você, não queria que ficasse com o estômago vazio.

— Obrigada. — é tudo o que eu digo, ainda desnorteada com sua presença.

— Você está bem, morena? — ele pergunta, usando o carinhoso apelido que me deu na primeira vez em que conversamos.

Pela minha visão periférica posso vê-lo desligar o celular e jogá-lo sobre o sofá, ainda impaciente, e logo em seguida, me surpreendo com sua mão envolvendo minha cintura levemente e o seu corpo me conduzindo até sua cozinha.

— Só uma leve dor de cabeça. — menti, observando-o consentir minimamente ao me ajudar a sentar. — E você? Parece estar cansado. Tem certeza de que não quer que eu vá embora? Posso ligar pro Finnick me buscar.

Peeta me oferece uma caneca fumegante de chocolate quente e um analgésico. Mesmo preocupada com o seu estado nesse momento, não consigo reprimir um sorriso. Ele ainda se lembra.

— O que foi? — questiona, parecendo interessado.

— É só que... É a minha bebida favorita. — levo o copo à boca, encabulada por minhas bochechas esquentarem com minhas próprias palavras.

Pela primeira vez naquela manhã, Peeta Mellark sorri.

Um sorriso largo e branco, delineando sua covinha.

— Achei que estivesse prestando atenção. — provoca, levemente divertido.

— Não achei que isso ainda valeria com uma Sra. Mellark.

— Com ou sem Sra. Mellark, você ainda é a minha melhor amiga. — declara, aproximando seu polegar da minha boca, para em seguida, esfregar suavemente sobre o canto, limpando um provável resquício da minha bebida quente.

Depois de alguns minutos em silêncio, minha caneca quase vazia e uma fornada caseira de pães de queijo, percebo que Peeta evitou responder qualquer pergunta minha a respeito de si próprio. Seu jeito reservado sempre fora comum para mim, era difícil fazê-lo admitir algo quando sentimentalismo não fazia parte de sua vida e ainda me surpreende tamanha a afeição por mim. De todas as mulheres com a qual ele poderia criar um vínculo de amizade não alarmante, ele escolheu a mim. Sua irmãzinha sete anos mais nova. Nem mesmo com Delly ele agia dessa maneira e eu nem cogito pensar em como deve ser sua relação com Clove. O amor que ela deve receber e o corpo gostoso de Peeta contra o seu sempre que quiser... É muita tortura.

— Então, Mellark, como é que eu vim parar na sua cama?

Um segundo depois de perceber o que eu havia perguntado, minhas bochechas coraram e Peeta soltou uma risada gostosa.

Cama não. Casa, idiota.

— Com cama você quer dizer...

— Cala a boca. — por reflexo e vergonha, jogo um pão de queijo em sua direção e acerto o seu queixo. — Quero saber como vim parar aqui, me lembro claramente de estar em uma das fraternidades ontem.

— Primeiro, não desperdice comida, Everdeen. — até a maneira rouca como cantava o meu sobrenome era gostosa. — Segundo... Foi você quem me ligou. Imagino que não se lembre de nada.

— Eu me lembro de muita bebida, apenas.

— Isso explica a ligação, mas não entendo por que tanta bebida em um dia de comemoração. Era o seu aniversário, morena.

— Exatamente. Vinte e um ano e sozinha. Parabéns pra mim. — digo sem humor, arrancando uma risada de Peeta.

— Você não estava sozinha quando eu cheguei, Katniss. — seu tom de voz está sério agora, quase ácido. — Você estava beijando alguém, que parecia estar curtindo muito de onde eu estava vendo.

— Não faça isso parecer mais constrangedor do que já é, por favor. — peço dentre um sorriso e uma careta.

— Tudo bem.

— Então, eu te liguei. E o que mais?

— Eu ia te levar para a casa do seus pais, mas eles não estavam. Então, trouxe você pra minha casa. Sobre você estar na minha cama... — o sorriso torto voltou para os seus lábios e o divertimento em sua voz era claro. — Ofereci o banheiro do meu quarto e logo após o banho você simplesmente se jogou na minha cama.

Ai, meu Deus.

— Você m-me viu... — a sensação quente consome o meu rosto e eu me pergunto se toda a minha circulação sanguínea se concentra neste local. — Não acredito nisso. Meu Deus, que vergonha!

Levo as mãos ao rosto, tentando escondê-lo dos furtivos olhos azuis de Peeta Mellark.

— Tecnicamente você estava seminua. — provoca com um sorriso, recebendo o meu olhar mortal como resposta. — Eu apenas peguei um vestido antigo de Clove e coloquei em você antes de lhe cobrir e deixá-la dormir.

De repente, foi como se eu pudesse sentir os seus dedos passando pelo meu corpo. Até que eu me dei conta de que nada disso aconteceria se eu não tivesse feito a ligação para Peeta ontem à noite. Ele não me traria para a sua casa e me deixaria ficar em sua cama sem um motivo.

— Acho que eu vou pra casa. — aviso, levantando-me e arrumando o vestido enquanto caminhava até a saída da casa.

— Clove sumiu outra vez. — sua voz me faz parar de andar. — Eu não queria me preocupar ou preocupar você com isso, por isso insisti que não era nada. Mas eu estou cansado, Katniss. Cansado de me preocupar se vou perdê-la, se ela irá mentir e dizer o que eu espero e quero ouvir para eu acreditar que tudo ficará bem. Eu estou cansado de estar em um relacionamento, principalmente um que não me leva a lugar algum. Eu nunca deveria tê-la deixado entrar, eu nunca deveria ter me submetido a um casamento.

Viro-me em sua direção.

— É por isso que está tão cansado? — pergunto. — Você tentou se comunicar com ela a noite toda?

Ele balança a cabeça.

— Ela não atende o celular e eu também não consegui me comunicar com sua família. — Peeta ameaça ir até o celular novamente, mas eu o capturo rapidamente, antes que ele o faça. — Eu não sei mais o que fazer, Katniss! Diga-me o que eu deveria fazer! — solto um suspiro cansado, diante de seu semblante entristecido.

— Ela vai voltar, Peeta. — afirmo, sem olhá-lo nos olhos. — Eu prometo.

Meu corpo se aproxima do seu e os meus braços envolvem o seu corpo em um abraço apertado, enquanto aperto os lábios segurando o choro.

No primeiro momento, seu abraço é carinhoso e me aquece. Então, logo em seguida, seus dedos apertam minha cintura com firmeza. Peeta afunda sua cabeça na curvatura do meu pescoço e eu estremeço ao sentir seus lábios frios em minha pele sensível.

— Tão mentirosa... — sussurra deliciosamente, após raspar os seus lábios suavemente em uma trilha até a minha orelha. — Acha que eu acredito nisso quando nem me olhou nos olhos? Você realmente acredita que está prestando atenção nos detalhes? — ele pergunta, ainda sussurrando.

— O que quer de mim, Peeta?

Quase posso ouvir o seu sorriso.

— Quero que me diga por que me ligou.

— O quê? — paraliso diante de suas palavras. — Eu... E-eu estava bêbada, eu não...

— Tem certeza de que era só isso? — sua voz está provocante, instigante, apontando apenas uma única coisa para mim.

— Você sabe. — afirmo, tentando esconder o pânico em minha voz, mas sem sucesso.

— O que eu sei, Katniss? — questiona com um sorriso pretensioso, suas mãos apertando minha cintura e o toque de seus dedos pressionando minha pele por cima do vestido quase me faz suspirar. — Estou esperando você dizer.

— Você é um babaca. — respondo, com a voz falha.

Ele sorri.

— E o que mais? — suas mãos grandes me puxam para perto novamente e logo nossas testas estão juntas, seu nariz quase amassando o meu.

— Eu... Quero você agora. — consigo dizer em um sussurro, a voz emanando desejo. — Bem aqui.

— Eu estou aqui, Katniss. Sou todo seu. O que quer que eu faça? — sua voz rouca parecia estar me acariciando, tamanha era a vontade de ter esse homem dentro de mim. — É só me dizer, que eu faço.

Minha boca está seca demais e os meus pensamentos enevoados. Por tantas vezes que desejei Peeta Mellark e todos os pensamentos impróprios que me invadiram antes de me encontrar nesse momento, nada se comparava com o surrealismo de sua voz sensual me instigando a dizer o que eu quero que ele faça comigo. E eu sei que o deixaria fazer qualquer coisa comigo e em qualquer cômodo desta enorme casa, mas ele quer que eu diga com todas as letras. Mesmo que ele saiba exatamente o que eu quero.

De repente, os meus pensamentos são tomados pelo insano e intenso desejo de que Peeta me toque.

Então, com a voz firme, eu digo:

— Eu quero você dentro de mim, mas antes disso, me toque e me beije...— levo minhas mãos até o colarinho de sua camisa e em um movimento ágil, trago seu corpo para mais perto do meu para aproximar minha boca de seu ouvido e sussurrar deliciosamente: — Em todos os lugares possíveis e impossíveis.

Então, eu me afasto de seu corpo, um sorriso malicioso se forma em seus lábios e minhas pernas tremem sob seu olhar. O azul magnífico de seus olhos são intensos e penetram minha pele toda vez que eu me perco em sua imensidão, transbordando pelo meu corpo, como se me tomasse em uma abraço, pintando minha pele e me queimando como fogo. O azul de seus olhos era o céu e as estrelas, oscilando entre a quentura do vermelho do inferno, inflamando o meu coração.

— Tem certeza de que é isso que deseja? — ergue a sobrancelha esquerda, sua voz está séria, mas o sorriso exala malícia, como se ele estivesse se divertindo com a minha confusão. Apenas balanço a cabeça. Peeta pressiona seus dedos em minha cintura com força, chocando nossos corpos. Sua respiração em meu ouvido me faz fechar os olhos, arfando contra os seus cabelos macios. — Se você deseja algo, você diz, certo?

— O quê? — questiono, sem entender.

Peeta afasta o seu rosto do meu, mas permanece com os nossos corpos colados.

— Antes de me responder se quer ou não adentrar terras inimigas preciso lhe dizer algumas regras.

— Regras pra quê?

— Katniss, eu não quero que arrume problemas por minha causa. — sua voz é dura, mal dando a entender que ele realmente se importa comigo. — Essas regras são para sua proteção, mas se não quiser absolutamente nada de mim, não sou eu quem lhe fará mudar de ideia.

Mordo minha língua com força, fitando seus intensos e marcantes olhos azuis.

— Quais são as regras?

— Primeiramente, quando eu lhe perguntar algo, me dê uma resposta clara. Certo? — seu jeito mandão combina com sua postura firme e sensual e quase me perco e balanço a cabeça em resposta a sua ordem, mas consigo me safar e lhe responder corretamente, fazendo um sorriso se formar em seus lábios. — Você é e sempre foi minha melhor amiga, Katniss e eu não quero perdê-la. Então, quando eu estiver lhe dando prazer, não quero conversas. Apenas entre os corpos.

— Então, você me dá prazer. E o que eu faço com você? — inocentemente, eu questiono, posicionando os meus dedos na fivela de seu cinto. — Você não espera que eu retribua todo o seu trabalho comigo?

Peeta sorri.

— Cumpra com as regras, Everdeen. — seu tom de voz naturalmente rouco possui uma pontinha de divertimento e apenas Deus sabe o que se passou pela sua cabeça quando lhe fiz aquela pergunta. — Discutimos sobre isso depois.

— Então são essas as regras, Mellark? Não será tão difícil assim.

— Ótimo. — sorri, esperto. — Mas ainda tem mais uma regra importante e se você quiser realmente entrar nessa comigo, você não pode violá-la sob quaisquer circunstâncias.

— E o que é, Dr. Mellark?

— Os sentimentos são transparentes como água e eu os identifico antes mesmo de se manifestarem. — sua voz está dura novamente, assim como seu semblante, antes tão suave, e isso faz o meu corpo estremecer. — Eu senti o desejo e o medo em você hoje, Katniss. Por isso perguntei o que você queria que eu fizesse.

— Onde está querendo chegar? — minha voz falhou ao perguntar.

— Você não pode se apaixonar por mim, Katniss.

— O quê?

— Exatamente o que você ouviu. — reforça a frase em seu tom de voz duro. — Eu me sujeitei a uma droga de um casamento com uma mulher que simplesmente foge de mim e eu não vou cometer o mesmo erro novamente, Katniss. Estou te deixando ciente de que se você se apaixonar, eu vou quebrar o seu coração. Então, por favor, não faça isso. Eu não suportaria machucar minha melhor amiga.

Permaneço impassível diante do azul frio de seus olhos misteriosos, mas, dentro de mim, o meu coração sangra, dilacerado. Eu poderia tê-lo em sua cama se eu realmente quisesse isso, mas ele jamais me teria em seu coração como eu queria. É como se eu pudesse tê-lo apenas pela metade. Eu calaria os desejos que consomem o meu corpo quando nos conectaríamos em sua cama, mas quebraria o meu próprio coração indo contra sua regra mais valiosa de não amá-lo.

Se você se apaixonar, eu vou quebrar o seu coração.

Era aceitar adentrar terras inimigas e tê-lo próximo a mim me proporcionando parte do que eu desejava ou permanecer sendo a melhor amiga que o ouvia reclamar de seu relacionamento ridículo com uma mulher sem noção e permanecer sem nada, desejosa de seu toque.

O preço é o meu coração, mas se eu consegui lidar com os meus sentimentos por tanto tempo, eu podia lidar com isso.

— E então, morena?

Se Clove foi embora pela segunda vez, acredito que não planeja voltar. E se ela realmente quisesse ser encontrada, deixaria rastros ou pelo menos telefonaria.

Mas isso é um problema dela.

— Seguirei suas regras, Mellark.

°°°°°

— Não acho que isso é uma ideia muito inteligente, Katniss. — Johanna, minha melhor amiga, aponta, desviando a atenção do seu prato de comida para mim, que apenas desfrutava de um milk-shake de baunilha. — Será que você não percebe que isso vai acabar mal e que o maldito do Mellark não está nem aí para o modo como você vai se sentir caso algo dê errado depois?

— Aqui está sua coca, querida. — Gale entrega o copo para a morena assim que se aproxima da nossa mesa, e depois de beijar o topo de sua cabeça, se senta ao seu lado. — Do que estão falando? — finalmente pergunta, pousando os olhos em mim.

— Nada. — me apresso em responder.

A última coisa que eu quero é contar para o namorado da minha melhor amiga sobre os três meses de sexo que tive com o melhor amigo do meu irmão, que, além de ainda ser legalmente casado, é mais velho do que eu.

Gale e eu somos amigos desde o período de escola. Já Johanna é minha amiga desde que eu me entendo por gente. Fora graças a ela que conheci Gale, que na época era o novato na escola, e apesar de ser muito cobiçado logo no começo, ele escolheu Johanna para se comunicar.

Dentre farpas e inúmeros palavrões, nasceu uma relação confusa onde ambos não sabiam como revelar os seus verdadeiros sentimentos um para o outro. Eles começaram a levar o namoro à sério quando ingressaram na faculdade, quando Johanna começou a dar bola para outro garoto e Gale finalmente se tocou de que a amava e a pediu em namoro antes que ela se envolvesse com o outro.

Agora os dois estão em uma relação estável e dividem um apartamento no centro da cidade. Gale está no último ano do curso de arquitetura e Johanna — já formada em artes visuais — dá aulas em uma escola de artes do centro.

— Só estou tentando colocar alguma coisa na cabeça dessa desmiolada. — Johanna resmunga, virando-se para o namorado. — Katniss se colocou em uma confusão por pensar em nome do desejo.

— A Katniss vai deixar os dois pombinhos sozinhos porque tem um encontro. — pego minha bolsa e coloco sobre o ombro direito, capturando o celular que antes estava dentro da bolsa, para ver se não tinha nenhuma mensagem ou ligação. — Aproveitem o almoço.

— Ei, nada disso. — Gale segura meu pulso, me impedindo de levantar. — Me explique essa história.

— Não é nada, Gale. Estou me envolvendo com um cara, não é nada sério.

— Não é sério porque ele não quer, mas você o ama, Katniss. — Johanna diz, seriamente. — Ficar com um homem que não sente o mesmo que você só pelo prazer que ele lhe proporciona na cama não é saudável, e você sabe que eu estou certa.

— Se eu terminar com tudo agora, Peeta vai querer saber o porquê e você sabe que eu não posso dizer. — retruco, com impaciência. — Ele irá embora da minha vida se souber e eu prefiro tê-lo na cama a não tê-lo de modo algum.

— O cara é casado, Catnip. — Gale aponta, lançando-me um olhar compreensivo. — Não quero que se machuque por isso.

— A Catnip não liga pra esse empecilho, Gale.

— Não mesmo. Clove foi embora e não vai mais voltar. Agora se me dão licença. — desvencilho do aperto de Gale e me levanto rapidamente, arrumando minha bolsa em meu ombro antes de deixar meus amigos sozinhos no meio da praça de alimentação do shopping.

°°°°°

Surpreendo-me ao tocar a campainha da casa de Peeta e encontrar outra mulher, a mesma trajava uma das camisas informais de Peeta e tinha os cabelos loiros desgrenhados.

Nem preciso perguntar para saber o que ela está fazendo na casa porque eu costumo fazer a mesma coisa quase todas as noites.

— Você deve ser a Katniss, certo? — ela estende a mão com um sorriso amigável e eu franzo o cenho por ela saber o meu nome, mas aperto sua mão educadamente. — Eu sou a Glimmer. — que nome ridículo! — O Peeta chegou há pouco tempo, acho que está no banho. Ele logo aparece. Você quer entrar?

Balanço a cabeça, forçando um sorriso quando ela desliza para o lado da porta para que eu adentre a casa.

Sento-me sobre o sofá e Glimmer senta-se na poltrona confortável ao lado, agarrada a um livro de capa verde com o título em dourado: Entre o bem e o mal.

Reviro os olhos ao ver o nome do autor.

Friedrich Nietzsche.

Que exibida!

— Então... — começo e a loira cora, e então me interrompe.

— Desculpa, eu não vou ficar muito tempo por aqui. — ela diz, simpática. — É que Delly se atrasou no trabalho e Peeta precisou me buscar no aeroporto e acabou me trazendo pra cá, assim que ela chegar nós vamos embora.

Afirmo com a cabeça, sem entender sobre o que ela falava.

O que Delly tem a ver com as mulheres com quem Peeta se relaciona? Sei muito bem que a mesma reprova o comportamento do irmão.

— Ei, morena. Chegou cedo hoje. — ouço a voz de Peeta e giro meu pescoço em direção a escada, apenas para vê-lo em uma calça de moletom escura e o seu perfeito tronco a mostra. — Achei que estivesse com a Johanna. Vai passar o fim de semana?

— Não sei se sou bem-vinda. — resmungo, deixando claro meu incômodo com sua visita.

Peeta franze as sobrancelhas.

— Do que está falando, Katniss?

— Está confuso? Quer que eu pergunte para a sua nova garota? — cruzo os braços, irritada.

A expressão no rosto de Peeta é de divertimento, o que faz eu me lembrar da conversa que tive com Johanna há algumas semanas, sobre ele não ligar para os meus sentimentos e só me querer na cama.

Lágrimas se acumulam em meus olhos.

Antes que eu possa falar qualquer coisa, a campainha toca e Glimmer larga o seu livro ansiosamente para atender a porta. Ao abri-la, Delly surge com um sorriso doce e a beija, deixando-me estática em meu lugar e com as bochechas queimando em vergonha.

— Então, você está com ciúmes? — seu tom de voz é provocativo ao sussurrar em meu ouvido. — Devo me preocupar?

— Esquece isso, Peeta. — peço, encabulada. — Não foi nada.

— Tem certeza? — insiste.

— Se nós vamos para o quarto, não devemos conversar.

Peeta acena com a cabeça, inexpressivo.

Desvio o olhar para a porta, onde Delly e Glimmer conversam absortas. Ambas carregam um olhar apaixonado, a afeição que sentem uma pela outra é visível pela forma como se tocam carinhosamente e, por um breve momento, sinto-me enciumada ao observá-las, desejando poder ter o mesmo com Peeta.

Mas suas palavras duras me acertam como uma flechada no coração e eu quase consigo ouvir a voz de Johanna dizendo “eu te avisei”.

Ela havia avisado inúmeras vezes o quanto eu poderia me machucar nessa situação e eu ignorei todas às vezes, acreditando que tê-lo de alguma forma sanaria os sentimentos mais insanos que habitavam meu corpo e inundavam minha mente.

Estive ciente das regras o tempo todo, sabendo que o meu coração estava em jogo nesse acordo, mas acreditei que conseguiria lidar com isso e ultrapassar os meus sentimentos por ele.

Mas não posso.

Eu o amo a tanto tempo, que posso sentir o meu coração sangrar, porque é difícil aceitar que ele jamais retribuirá esse amor.

Talvez o coração de Peeta Mellark seja frio demais para o meu calor. Minhas chamas ardentes não são o suficiente para derreter a pedra de gelo que o toma, tornando assim, o meu amor impenetrável e inalcançável ao seu coração.

Só percebo que estou chorando quando um soluço escapa por entre os meus lábios e o meu corpo se choca contra o tronco nu de Peeta, que me envolve em um abraço, que no momento, parece sufocante.

— Eu não posso mais, Peeta.

— Por que não, Katniss? — questiona, em confusão.

— Sua regra mais valiosa... Eu violei.

Peeta solta o aperto em meu corpo e se afasta, como se meu corpo estivesse em chamas e ele pudesse se queimar com o meu toque.

Olho-o, alarmada.

— Peeta...

— Eu avisei a você, Katniss. — a acidez em sua voz me fez estremecer como na primeira vez.

— Eu não escolhi isso, Peeta. Você deveria...

— Eu não deveria nada, Katniss. Eu não obriguei você a aceitar as regras, você as aceitou porque quis e se você está ou não apaixonada, isso não é problema meu. — retruca, com irritação.

Meus olhos se arregalam com suas palavras impassíveis, essas fazem o meu coração doer continuamente, tamanha a indiferença em seu semblante.

— Como você pode ser tão frio? — questiono, dentre as lágrimas, curiosa com o seu comportamento.

— Frio? É isso o que você acha de mim? — deixa escapar um riso fanho por entre seus belos lábios finos, o maxilar travado e os olhos azuis num tom escuro. — Que tal falarmos sobre você me ligar no meio da noite, difamar minha esposa e o meu casamento e ainda me induzir a traí-la só porque você se achava no direito de fazê-lo?

— O quê? — a confusão é clara em minha voz.

Os lábios de Peeta se curvam em um sorriso perverso.

— Disso você não se lembra, não é mesmo? Deixe-me refrescar a sua memória, morena. — engulo em seco, sentindo meu coração acelerar em questão de segundos diante da maneira provocante com a qual pronunciou o meu apelido.

Peeta

O odor de álcool exalava de todos os lugares possíveis e o meu desejo era ir embora do local o mais rápido possível, no entanto, apenas uma pessoa me prendia a essa fraternidade e eu não poderia estar cometendo um erro maior quanto aceitar o seu pedido choroso e vir buscá-la.

Além de estar emocionalmente destruído com os conflitos na firma, ainda precisava me preocupar com o sumiço da minha esposa — a qual eu andava discutindo nas últimas semanas — e agora com a ligação de Katniss, que apesar de ser como uma irmã mais nova para mim, a necessidade de tê-la próxima falava mais alto.

E isso me trouxe até aqui.

Avistei-a prensada contra uma parede de tijolos, com as pernas em volta do quadril de um garoto moreno, que parecia estar se aproveitando de sua embriaguez para alcançar outro patamar.

Então, foi quando Katniss me notou e largou o garoto, correndo em minha direção e pulando em meus braços, como uma criança. Ajudei-a a chegar até o meu carro e a entrar no banco de trás, onde ela se deitou, cobrindo-se com o meu paletó.

— Fico feliz que tenha vindo. — ela disse, com a língua enrolada, jogando seus braços em volta do meu pescoço, suas mãos acariciando meu tórax lentamente. — Eu esperava mesmo que ficássemos sozinhos, sabe? — seus lábios foram para os meus ouvidos, dificultando minha concentração na estrada.

— O que está fazendo, Katniss? — questionei, levemente irritado. — Sente-se direito no banco, por favor.

— Adoro esse seu jeito mandão. — sussurrou dentre um grunhido, voltando a se sentar corretamente.

O caminho até sua casa era um pouco mais longo e eu imaginava o que seus pais iriam pensar se eu a deixasse em sua casa nesse estado.

Finnick reclamaria comigo por dar ouvidos a Katniss e seus pais se enfureceriam com ela por perder a cabeça e o controle em outra festa. Ela deveria estar com Johanna e Gale, mas era óbvio que os dois estavam aproveitando sozinhos.

Ainda assim, levá-la para casa era a ideia mais sensata. Porém, ao lembrar que seus pais estavam em uma viagem, mudei o destino para minha casa. Sabia que não era uma boa ideia porque Clove poderia aparecer a qualquer momento, mas eu não tinha outra opção, já que Annie e Finnick moravam do outro lado da cidade.

— Vamos para minha casa, Katniss. — avisei, mesmo sabendo que ela não daria muita importância a isso. — Amanhã de manhã eu aviso ao seu irmão que você está lá.

— Sua esposa vai estar lá?

— É a casa dela também, Katniss.

— Acho que você pode arrumar algo melhor, Peeta. Ela não vale absolutamente nada. — ela parecia incomodada com a minha esposa, seu tom de voz apático em meio à embriaguez ainda era claro o suficiente para eu identificar. — Ela é pirada! Sabe-se lá o que passa na cabeça dela pra ficar fugindo assim, ainda mais de você. Eu faria qualquer coisa para estar no lugar dela.

Com o carro estacionado em minha garagem, permaneci em silêncio por alguns minutos, tentando entender a situação em que eu havia entrado. Katniss era minha de alguma forma, mas quando decidi dar um passo a frente há alguns anos e tentar me aproximar dela de uma forma mais afetuosa, ela resolveu me rejeitar e esse era o ponto final. Eu estava casado, e por mais que estivesse com inúmeros problemas com minha esposa, eu queria manter isso por gostar dela. Se era amor, eu não ligava. Apenas não queria ser o homem que fora rejeitado e que acabara em um divórcio.

Não era assim que as coisas funcionavam para mim.

— Vamos para...

Quando me dei conta, Katniss já estava sentada sobre o meu corpo pressionando seus lábios bruscamente contra os meus. Sua língua invadiu minha boca rapidamente, e por um momento, me deixei levar por seus lábios macios e a maneira excitante com que sua bunda se esfregava entre as minhas pernas.

Fazia algum tempo que não conseguia nada assim tão ardente com Clove, mesmo que eu tentasse, nossas brigas nos impediam de nos envolver.

Katniss estava decidida, mas bêbeda demais para pensar nas consequências de seus atos. Eu também não daria o gostinho da vitória para a garota que me rejeitou no passado e que ainda tinha a pachorra de humilhar ainda mais a situação em que eu me encontrava.

— Katniss... — empurrei lenta e delicadamente o seu corpo para longe do meu, assistindo-a morder o seu lábio inferior de um modo provocante logo em seguida. — Pare com isso e vamos pra dentro.

— Podemos ir para a sua cama?

Ignorei sua pergunta, puxando seu corpo para fora do carro.

Katniss agarrou minha gravata e puxou o meu corpo antes que eu pudesse trancar o carro, nos empurrando para dentro da minha casa. Clove não estava lá — como o esperado — e eu agradeci por isso, a última coisa que eu queria era que minha esposa pensasse que eu estava a traindo.

— Por que está tão calado, Peeta? — questionou, sua voz arrastada. Ela afrouxou minha gravata, pronta para tirá-la, mas segurei os seus pulsos antes que fizesse. — Qual é, Peeta! Conte-me por que está envolvido com aquela sem noção? Lembro-me de querer isso no meu aniversário de dezoito anos, por que não me deixa amá-lo também?

— As coisas não funcionam assim, Katniss. — minha voz saiu um tanto ácida, mas a morena não pareceu notar e isso fazia eu me perguntar se ela achava que tudo era uma simples brincadeira estúpida. — Eu gosto dela e não quero terminar o meu casamento por uma noite.

— Uma noite? — soltou um riso fanho. — Eu te amo, seu idiota! Estou ao seu lado a mais tempo do que essa mentirosa. Eu ouvi todas as suas besteiras sobre todos os casos estúpidos que teve segurando essa droga de sentimento e agora você me diz que prefere um casamento desestruturado com uma garota da qual apenas gosta? Você não está sendo muito inteligente, Mellark.

— Tudo bem, chega! — elevei o meu tom de voz, sentindo minha irritação pulsar em meu corpo. — Você não está apenas me insultando, como ao meu casamento e a minha capacidade de escolha a respeito da mulher com quem escolhi me relacionar.

Ela revirou os olhos com irritação, o que me surpreendeu, já que há poucos segundos estava tentando destruir o meu casamento com sexo.

— Você não suporta ouvir a verdade, Peeta. — retrucou, usando o mesmo tom de voz que eu. — Você é infantil e eu sou apenas sua babá, que diz o que fazer sempre que você vem correndo para o meu colo!

— Não se faça de vítima comigo, Everdeen! — segurei seus pulsos com firmeza, fazendo-a me encarar. — Quando eu quis você, você me ignorou. Você nem mesmo quis saber o quê ou como eu me sentia a seu respeito. Agora que eu estou com alguém, devo ignorar isso só porque de repente você me quer? Um pouco egoísta da sua parte, não?

— Peeta...

— Essa conversa acabou, Katniss. — finalizei, soltando o seu corpo em um movimento brusco, que a fez cair sobre a cama. — Sinta-se à vontade com o quarto e o banheiro, mas não espere que eu apareça, porque isso não vai acontecer.

A deixei sozinha no cômodo, sentindo o ódio se concentrar em todo o meu corpo com afinco assim que voltei para a sala. Vasos e coisas sem utilidades para mim naquele momento foram de encontro ao chão e as paredes, mas o sentimento não havia dissolvido.

Um conflito entre ódio e humilhação diante das palavras de Katniss a meu respeito acontecia em minha mente. Eu conhecia a situação em que eu estava em meu casamento e o meu passado estava bem claro para mim, mas as palavras de Katniss destruíram a balança onde eu equilibrava os meus sentimentos.

Os reprimia quando necessário e deixava-os livre quando a situação me agradava.

Simples.

Eu conseguia manter o controle.

Escolhi o casamento para me manter em alguma coisa eterna com alguém que eu gostava, e saber que tanto no passado como agora isso não estava mais tão certo como eu idealizava antes de me envolver com alguém, me trazia esse sentimento de ódio mesclado a humilhação.

Era como se ao invés de progredir, eu estivesse regredindo na vida e isso não era algo que eu queria.

Terminar o meu casamento seria regredir.

Quando retornei ao meu quarto, Katniss estava deitada de barriga para baixo sobre a cama desorganizada, usando apenas suas roupas íntimas. Seus cabelos escuros estavam molhados e cobriam o seu rosto.

Revirei os olhos ao me lembrar de suas confissões e o desejo que a morena parecia nutrir por mim naquela noite em especial. O costume de ter as coisas no momento em que demandava era um mau-hábito de sua personalidade, algo que eu costumava odiar em si.

Capturei um antigo vestido vermelho de Clove no guarda-roupa e, com cuidado, coloquei em seu corpo, arrumando seu corpo sobre a cama devidamente para em seguida cobri-la com a coberta.

Observei seu rosto por um momento.

Dormindo parecia mais jovial, como se tivesse dezoito anos novamente.

Ela me levava à loucura desde essa época, fazendo eu me sentir de uma maneira completa e positivamente inexplicável. Por mais que tivesse inúmeros defeitos e trouxesse o sentimento de ódio para o meu ser em certos momentos, algo dentro de mim queria mantê-la por perto de alguma forma.

Agora era tarde demais para me entregar ao sentimento que pretendia anos atrás e Katniss teria que lidar com isso de alguma maneira, porque eu não cederia aos seus sentimentos por mim.

Ela tinha que aprender que as coisas não aconteciam na hora em que ela queria e muito menos como ela queria.

Sorri ao me lembrar de suas palavras desejosas.

— Boa noite, morena.

Dei as costas para Katniss, caminhando até a porta de entrada do quarto.

Desliguei o interruptor e deixei o cômodo, fechando a porta atrás de mim.

Depois de tantas ligações para Clove durante o dia e antes mesmo de Katniss interromper meu desespero por me aproximar cada vez mais do fracasso, eu me sentia esgotado o suficiente para não tentar mais nada.

Sabia que também não conseguiria dormir porque minha mente estaria acordada pensando na ridícula maneira de como fui abandonado mais uma vez.

Clove não voltaria, e no fundo, eu sabia disso. Mas preferi mascarar o abandono à esperança, forjando uma crença inútil de que ela voltaria em algum momento.

Enquanto isso não acontecia, ainda tinha alguma vantagem sobre Katniss e seus sentimentos por mim. Eu só esperava que ela não se lembrasse de nada amanhã, de forma que as regras estivessem ao meu favor.

Katniss

Meu coração está frenético dentro da minha caixa torácica e meus lábios estão trêmulos, tal como as minhas pernas. Preciso me agarrar ao encosto do sofá para conseguir mantê-las firmes no chão, mas esse movimento não me acalma.

Posso sentir o olhar de Peeta queimando em minha pele, quase posso ver as lágrimas se formando em seus olhos tão azuis. Mas não consigo encará-lo, não depois do que havia me contado. Do que havia omitido de mim para me prender nessa situação. Uma situação em que ele poderia estar no controle para poder me machucar...

Exatamente como eu fiz quando feri seu orgulho e o fiz sentir como se tivesse perdido tudo.

Quando viramos pessoas tão destrutivas?

Entramos em um jogo de amor e ódio apenas para nos ferirmos no final. Um preço tão caro a pagar para termos os nossos corações despedaçados por nós mesmos, junto a uma confusão de sentimentos que eu mal conseguia discernir.

A mentira que vivemos durante todo esse tempo, o egoísmo preso em mim e o orgulho de Peeta. Nunca fomos melhores amigos. Esse era apenas um disfarce, uma máscara para cobrir o desejo, a dor e a rejeição que nos cercava. O único motivo para nos manter naquela relação conturbada.

Agora, o que realmente parece perfurar o meu coração já retalhado, não é a vingança de Peeta contra mim, seu casamento ou sua rejeição proposital, mas sim a maneira como ignorei qualquer possibilidade de sentimentos pelo lado de Peeta e levei em consideração apenas os meus. Como se fosse aceitável quebrar seu coração e o meu devesse ser preservado contra isso.

— Acho que conseguiu o que queria. — sou eu quem quebra o silêncio, minha voz embargada. — Está feliz, Peeta?

Seu riso sem humor preenche o cômodo e eu não consigo evitar não olhá-lo, o nervosismo em si é aparente pela maneira como os seus dedos correm pelos cachos despenteados.

Ele usa a ponta da língua para umedecer os lábios e finalmente dirige seu olhar para mim.

— Eu estou divorciado, Katniss. Mais uma vez o “sempre” me enganou e eu cheguei ao fracasso. — o sofrimento em sua voz é nítido e isso me faz querer chorar. — Acho que dinheiro não é o suficiente, porque, Clove me trocou por um homem que não possui nem um terço do meu salário. Então você vem e me destrói mais uma vez com a realidade. Acha que isso me deixa feliz? Acha que, só porque eu lhe propus esse acordo e brinquei com os seus sentimentos por mim, eu estou feliz em te ver chorar? Você não poderia estar mais enganada, morena. Esse é um erro pelo qual eu me arrependo profundamente. De todas as coisas, essa foi a que mais me quebrou.

— Eu não entendo... Por que não me contou tudo isso? — questiono, alarmada. — Eu nem sabia que Clove tinha voltado e...

— Eu realmente deveria? Por quê? — cruza os braços, pressionando os antebraços contra seu tórax forte. — Você disse que me ama, mas eu não consigo acreditar em suas palavras, Katniss.

De repente, sinto a raiva tomando o meu corpo.

— Você brincou com os meus sentimentos, mentiu pra mim e ainda me rejeitou quando eu disse que estava apaixonada por você...

— Deixe-me adivinhar... Você me ouviu reclamar de todas as minhas ficadas estúpidas? — revira os olhos, entediado. — Troca a fita, por favor, Katniss. Você nunca demonstrou porra nenhuma pra mim.

— E você por acaso fez isso? — devolvo a pergunta, elevando o meu tom de voz. — Ah, claro. Esqueci que você não tem um coração.

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Peeta descruza os braços, deixando-os cair ao lado do corpo. Seu semblante está impassível, mas posso enxergar seu peito subindo e descendo com uma rapidez impressionante.

Espero por uma resposta mal educada, um palavrão, um olhar raivoso, mas nada acontece. Apenas um suspiro escapa por entre os seus lábios antes de sua voz dura ecoar pelo cômodo uma última vez:

— Quando você conseguir enxergar além do seu nariz, quem sabe, nós possamos conversar. Por agora, só quero que vá embora.

E então, Peeta Mellark me dá as costas.

°°°°°

Ouvindo as conversas paralelas dos outros pacientes sem um pingo sequer de interesse, cutuco minha cutícula com a outra ponta do polegar, buscando me ocupar com alguma coisa que realmente me entretenha.

Nada do que os demais falam me afeta, mas sinto-me irritada por meus pais concordarem com a ideia de Finnick de me obrigar a comparecer em uma terapia grupal duas vezes por semana. Segundo ele, eu estava deprimida, de modo que andava com dificuldade de concentração, dores fortes de cabeça e no corpo em geral e mal comparecia em minhas aulas por perder o horário. Também faz semanas que eu não me comunico com Johanna e Gale, o que tem fortalecido o seu argumento para os nossos pais. Eles acreditam em tudo que Finnick diz, por isso os próprios me acompanham em todas as sessões, de modo que não posso fugir.

Sou obrigada a falar alguma coisa como todos os pacientes, então, quando a doutora Trinket se dirige a mim, apenas digo o meu nome e que está tudo bem. Seus olhos claros cravam em mim de uma maneira intensa, como se estivesse invadindo minha mente e descobrindo meus segredos. Ao menos é o que aparenta, já que seu olhar sempre demora mais em mim do que em qualquer outra pessoa e isso acaba me incomodando.

Eu não tenho problemas para estar no meio de todos esses pacientes, estou por obrigação e não gosto de alguém em quem não confio bisbilhotando a minha vida pessoal.

Eu confio em Johanna e Gale, mas não podia simplesmente dizer a um dos dois como minha relação com Peeta começou e acabou porque, por mais que ele tenha me magoado com sua vingança e tenha se mostrado impassível diante dos meus sentimentos, eu sinto que o magoei em algum momento. Talvez quando o forcei a contar sobre seu atual estado, ou talvez quando o deixei de lado no meu aniversário de dezoito anos, ou talvez na noite em que ele me buscou na fraternidade e eu aproveitei para obrigá-lo a trair sua esposa porque eu tinha meus sentimentos guardados há um tempo maior do que a mesma e me achei no direito de estragar algo sem cogitar refletir sobre os sentimentos de Peeta por ela.

Não era ele quem estava preocupado e passou a noite em claro tentando contatá-la?

Quando propôs as regras do nosso caso ele sabia que Clove não voltaria e mesmo que tivesse se vingando do meu mau comportamento diante do seu casamento, ele escolheu usá-lo contra mim por alguma razão. Ele poderia ter feito qualquer coisa, mas escolheu descontar o sumiço e a provável traição de sua esposa jogando o peso em mim, me usando apenas quando lhe era conveniente. Diferente de seu relacionamento com Clove.

— Srta. Everdeen, gostaria de falar alguma coisa a respeito do divórcio de Cressida? — a doutora Trinket se dirige a mim pela terceira vez, com sua voz calma e incrivelmente irritante.

Nego com a cabeça, recebendo um rápido sorriso seu em resposta, deixando-me levemente confusa. No entanto, quando a sessão termina e os pacientes podem se retirar, a doutora Effie Trinket, se aproxima de mim e me impede de deixar o local. Ela pede para que eu sente em uma cadeira e se senta em uma a qual ela mesma posiciona em minha frente.

— Posso chamar você de Katniss? — questiona em seu tom calmo, cruzando as mãos sobre suas pernas. — Ouvi seu irmão lhe chamando de “Kat”, mas não acredito que tenhamos esse nível de intimidade.

— Não acredito que um dia iremos ter intimidade, doutora Trinket. — minha resposta é ríspida, mas a mulher em minha frente não parece se incomodar. — Mas fique à vontade para me chamar de Katniss.

— Certo, Katniss. Seus pais vieram aqui ontem e eu os avisei que não está havendo progresso então sugeri que pudesse começar a tratá-la em uma sessão particular...

— Espera aí, você o quê?

— Estou dizendo que estou disposta a dar um pouco mais de atenção a você, afinal, é mais confortável se abrir quando não há tanta gente nos olhando.

— Eu não tenho nenhum problema! — retruco, irritada. — E não vou a nenhuma sessão com você.

— Todos nós temos problemas, Katniss. Só precisamos saber lidar com eles e eu estou aqui para te ajudar.

— Eu não preciso da sua ajuda. — digo entre dentes, levantando-me em um rompante. No meio do caminho, ouço sua voz novamente e o meu corpo paralisa ao ouvi-la pronunciar o nome dele: — Tenho certeza de que eu poderia entender melhor o seu relacionamento com Peeta se você permitisse essa ajuda.

Irritada e rapidamente me aproximo de seu corpo, o coração na boca tamanha a força com a qual ele esmurra o meu peito.

— Como você sabe sobre ele?

A loira em minha frente se levanta com um enorme sorriso branco em seu rosto.

— Seu irmão trouxe sua esposa certa vez. — começa e eu reviro os olhos, porque, tudo o que eu mais gostaria de fazer era voltar para o meu quarto. — Ela se apresentou como Annie Cresta e me contou sobre você ter perdido um relacionamento de anos com o amigo do seu irmão. Tem certeza de que não quer falar um pouco sobre isso?

Contar a Effie Trinket sobre algo pessoal sem o meu consentimento me fez querer ir atrás de Annie para tirar satisfações com a mesma, mas não o fiz. Ao invés disso, permaneci trancada em meu quarto durante a última semana antes do recesso de inverno tentando me convencer de que estava tudo bem, mas todos os moradores da casa perceberam que isso era uma grande mentira minha.

Meus pais tentaram conversar comigo, mas não consegui contar nada a eles. Eu estava triste por ter perdido e magoado Peeta com as minhas ações e palavras, mas como eu poderia contar isso aos meus pais sem mencionar nossa relação perturbada, meu jeito egoísta e cruel de fazer Peeta trair sua esposa e sua vingança para me quebrar? Tudo desmoronaria em nossa família em questão segundos e o laço que nos unia jamais voltaria a ser o mesmo, e por que não admitir que Peeta e eu somos dois loucos com um fetiche pela destruição e a dor?

O problema é que mesmo que ele tenha mexido comigo, quem saiu mais machucado foi ele e eu nem pude ou consegui entendê-lo. Se ele não me amava, por que é que se machucou tanto depois da nossa briga?

— Nós vamos conversar. — a voz de Finnick está séria e firme quando adentra o meu quarto e fecha a porta atrás de si e eu nem tento fugir, porque sei que não falta muito para o jantar de véspera de natal na casa dos Mellark, do qual sou obrigada a comparecer. — Espero que me conte o que está acontecendo agora, porque Peeta não tem falado comigo a menos que seja algo relacionado ao trabalho e muitas vezes nem mesmo isso.

— Nada está acontecendo, Finnick. — respondo, cansada. Levanto-me de minha cama e me encaminho até o meu banheiro para não ter que olhá-lo nos olhos. — Se você e Peeta não são mais amigos, isso não é problema meu. — consigo dizer com a voz falha, sentindo-me mal por envolver meu irmão em algo que não tinha nada a ver com meu relacionamento.

— É mais fácil mentir quando não está olhando nos olhos, não é, Kat? — suas palavras me fazem congelar em meu lugar, o reflexo do meu rosto está assustado diante do espelho. — Eu sei o que você fez, aliás, o que vocês dois fizeram. E eu poderia ir acabar com Peeta a qualquer momento, mas sei que essa não é a melhor maneira de resolver as coisas. Sei também, que você o ama.

— Eu não...

— Você não consegue esconder isso de mim, Katniss.

Finnick se aproxima do meu corpo e me envolve em um abraço.

— Annie te contou? — pergunto, interessada.

— Vocês são péssimos mentirosos, sabia? — diz em tom divertido, o que me faz rir minimamente após desvencilhar de seu abraço e limpar as lágrimas que banhavam o meu rosto. — Conserte os seus erros com ele e eu tenho certeza de que ele consertará os dele também.

— Eu não sei, Finn. Ele não sente o mesmo que eu e eu não sei se consigo encarar a frieza em seu olhar. — admito, minha voz embargada novamente. — A última vez...

— Ele disse que não sente o mesmo?

— Não, mas ele enfatizou cada momento que eu o magoei e...

— E o quê, Katniss? — quis saber.

— Diga-me que Peeta vai estar no jantar. — peço, em tom de súplica.

— Ele vai estar lá, mas...

— Isso é tudo o que eu preciso saber. — digo a ele, enxotando-o do cômodo. — Volte aqui em uma hora para me acompanhar.

— Katniss, nós vamos nos atrasar...

— É importante, Finn. Apenas faça o que eu pedi.

— Tudo bem. — suspira. — Volto em uma hora.

°°°°°

Peeta está uma hora e meia atrasado e eu permaneço presa ao confortável sofá observando a hora passar lentamente enquanto jogo um estúpido jogo no celular.

Finnick e Annie estão namorando em algum lugar e meus pais e os pais de Peeta estão conversando em algum outro cômodo enquanto eu estou sozinha na sala de estar tentando arrumar uma maneira de não parecer nervosa e ansiosa pela chegada de Peeta, mas é impossível quando meus dedos não conseguem parar de tamborilar sobre minha coxa direita e o meu coração esmurra o meu peito com uma força surreal, pulsando em meu pescoço e ecoando em meus ouvidos como uma bomba-relógio.

Precisei me levantar e depois da terceira taça de vinho eu já estava caminhando de um lado para o outro com impaciência. Duas horas e meia de atraso foram o suficiente para eu desistir e me trancar no banheiro para chorar como uma criança estúpida e ainda precisei de alguns minutos a mais para retocar a maquiagem para estar apresentável no jantar.

Com um suspiro pesado, me encaminho para a sala, pronta para mais uma taça de vinho. No entanto, minhas pernas vacilam quando o vejo conversando animadamente com Delly e Glimmer.

Seu cabelo desorganizado, alguns dos cachos caindo sobre a testa. Suas roupas informais. A calça jeans escura realçando sua bela bunda, o suéter cinzento lhe acrescentando mais jovialidade.

Tão lindo...

Pisco algumas vezes, engolindo em seco, tentando me recompor diante de seu charmoso sorriso torto, que infelizmente era dirigido a esposa de Nietzsche.

Então, apresso meus passos até a cozinha e me sirvo de um pouco mais de vinho, consciente de que se eu continuar colocando minha ansiedade e nervosismo nessa taça brilhante irei acabar dopada antes mesmo de comemorarem o natal a meia-noite.

Sou interrompida por sussurros frenéticos de uma provável discussão e quase derrubo a garrafa de vinho quando Maysilee esbarra em meu corpo, mas, por sorte, uma mão agarrou a garrafa antes que um estrago pudesse ser feito na cozinha.

Pela reação súbita de meu corpo quando parte de seu indicador encosta no dorso da minha mão, não preciso pensar muito sobre o mistério da garrafa. O meu coração não estaria martelando em meu peito se esse alguém fosse Finnick, muito menos a esposa de Nietzsche.

— Pensei que não gostasse de vinho. — sussurra para mim, deixando um arrepio gostoso dançar em meu corpo, e então, puxa levemente a garrafa da minha mão e a deposita no balcão de mármore.

— Ahh... — as palavras não saem da minha boca quando os meus olhos encontram suas íris maravilhosamente azuis.

Peeta ergue as sobrancelhas.

— Você...

— Não. — responde, antes que eu possa terminar a frase. — Só gostaria de avisar sobre o que você verá se continuar na cozinha com eles. — ele aponta com o queixo para os seus pais, que sussurram um para o outro de maneira furiosa, do outro lado da cozinha. — Talvez o desastre seja de família. — encolhe os ombros, desviando os olhos para Haymitch e Maysilee. — Pelo menos ainda posso desfrutar de uma garrafa de uísque para comemorar esse maravilhoso natal.

Sinto o impacto de suas palavras em meu coração e desejo seus braços ao redor do meu corpo, em um abraço apertado, mas esse desejo é longínquo.

Encontro Peeta novamente, na parte externa da casa, observando a neve cair serenamente do céu enquanto saboreia seu copo de uísque quase vazio.

Me aproximo devagar, e antes mesmo que eu possa alcançá-lo, sua voz dura me faz permanecer estática:

— O que você quer, Katniss?

Engulo em seco.

— Eles vão se separar? — pergunto a ele, usando um tom de voz baixo, e me aproximo de seu corpo, hesitante.

— Que tal perguntar isso a eles? — indaga, com rispidez. — Eu realmente não quero saber o que eles farão ou deixaram de fazer com suas discussões e a infidelidade.

— Sinto muito. — é tudo o que consigo dizer.

— Poupe-me de sua pena, Katniss.

— Não é pe...

— Que porra, Katniss! — meu corpo se sobressalta ao choque do copo de vidro contra a parede de madeira, após Peeta atacá-lo com força ao se virar bruscamente. — O que você ainda quer comigo? Eu quebrei seu coração e brinquei com os seus sentimentos, não foi? O que mais está procurando?

— Amor. — minha voz falha ao pronunciar a palavra, a mesma soa tão baixa que eu mal consigo ouvi-la. — Também feri seu coração, Peeta. Eu não sou boa em fazer as pessoas gostarem de mim e nunca tinha entendido o que você tanto via em mim para me tratar como se eu realmente fosse importante. Então, Finnick veio conversar comigo e me fez relembrar nossa última conversa em sua casa e eu finalmente comecei a prestar atenção.

Os braços fortes de Peeta se cruzam, sua expressão permanece impassível, mas consigo perceber o seu peito subir e descer com rapidez devido ao seu movimento brusco há alguns minutos.

— No que exatamente você prestou atenção? — ergue a sobrancelha ao questionar, sua voz emanando dúvida.

— Em você. — seus lábios se entreabrem e os braços caem ao lado do corpo, sua respiração parece regulada novamente, mas ele nada diz. Me aproximo de seu corpo e capturo seus olhos. — Por mais que tente se esconder por trás desse seu comportamento rígido, sei que usa a pintura como um ponto de refugio. Você acredita que o vinho não é uma bebida digna de suportar comemorações ou decepções, por isso prefere o uísque. Mas, na verdade, você gosta de uma simples xícara de chá sem açúcar. Você gosta de dormir com a janela aberta e sempre dá dois nós nos cadarços.

Limpo rapidamente as lágrimas que molham minhas bochechas, encabulada com seus intensos olhos azuis me estudando.

O silêncio embalado ao momento me incomoda e, mentalmente, suplico para que Peeta diga alguma coisa antes que eu possa fazer o meu caminho de volta a dor e a tortura de vê-lo pelo resto da noite e não poder tocá-lo como eu realmente gostaria.

Solto um último suspiro e me afasto de seu corpo, caminhando em direção a porta de correr. Estou pronta para adentrar a casa novamente quando sinto uma pressão em meu braço direito, e, em questão de segundos, meu corpo está prensado contra o vidro gélido e os lábios de Peeta esmagando os meus em um beijo desesperado. Sua língua invade minha boca e, involuntariamente, meu corpo se entrega ao seu toque brutal.

As mãos grandes de Peeta viajam pelo meu corpo naturalmente e, em um piscar de olhos, minhas pernas estão ao redor de seu quadril, e eu estou implorando por sua pele em contato com a minha em uma dança prazerosa.

Até que eu me recordo do lugar em que estamos.

— Peeta... — sussurro seu nome dentre um gemido, assim que seus lábios alcançam o meu pescoço. — Alguém pode aparecer aqui e nos pegar nessa posição.

Com um último beijo em meu pescoço e seguido de um riso fanho, Peeta separa nossos corpos.

— Eu realmente não acredito nessa possibilidade, mas também não estou a fim de arriscar a minha capacidade sexual com o frio que está fazendo aqui fora. — debocha, levemente divertido, exibindo o seu famoso sorriso torto.

— Isso é tudo o que consegue pensar agora? — cutuco, esperando por uma resposta sua mais aberta, como a minha havia sido.

— Você é tudo o que eu consigo pensar agora. — admite, em um sussurro. Sua mão agarra uma madeixa do meu cabelo e, delicadamente, a coloca atrás da minha orelha. — Você mexe comigo de uma forma da qual não consigo explicar, ou sequer entender. Arriscar tudo e perder você... Eu não poderia e nem saberia lidar com isso.

— Você me tinha desde os meus dezoito anos, Peeta. Nunca iria me perder. — revelo, puxando seu corpo para perto do meu mais uma vez. — Eu só precisava saber se você me amava também. Agora, que estou prestando atenção consigo enxergar a verdade.

— Apenas me diga a verdade, morena. — ele pede, o sorriso brincando em seus lábios e nossas testas unidas. — Você me ama?

Essa é a minha vez de sorrir.

— Verdadeiro.

FIM

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.