Três em um

O até logo


O médico explica tudo que causou a cegueira. Inclusive, a falta de cuidados foram incluídas. Ele também explica sobre o transplante de córnea, na qual eu e minha mãe já sabíamos dessa possibilidade. Porém, nunca tivemos condições de bancar uma cirurgia tão cara, então por este motivo, ficamos aguardando na fila de doadores e fazendo alguns procedimentos na esperança de que isso nunca viesse a acontecer.

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Minha mãe ao ouvir o diagnostico, entra em desespero e as palavras que ela utiliza é clássico de uma mãe, onde já alertou o filho diversas vezes.

—- Está vendo, Miguel. Eu falei para ficar longe daqueles garotos e insistia para você procurar o oftalmologista. Eu te avisei Miguel, porra.

—- Calma mãe! Ele pode fazer o transplante de córnea, onde realmente, é difícil conseguir gratuitamente e aqui em Recife o procedimento é caro. Porém, em São Paulo ou Rio de Janeiro o custo é mais acessível. - O médico explica.

—- Quanto custa, doutor? - Pergunto tentando não chorar na frente da minha mãe

—- Não sei dizer ao certo, mas varia entre 8 á 10 mil.

—- Eu vou dar um jeito, filho. Você vai voltar a enxergar. - Ela fala enxugando as lagrimas.

O médico sai da sala e minha mãe o acompanha. Ela pega o celular e liga para alguém que eu não faço a mínima ideia.

Não tínhamos esse dinheiro e eu sabia que o causador de tudo isso foi eu mesmo. Então tinha que arcar com as consequências.

No dia seguinte eu tive alta e voltei para casa. Era como se eu nunca estivesse tido em minha própria casa. Era tudo muito estranho, eu estava com bastante dificuldade de me acostumar a enxergar com apenas um olho.

Os dias foram passando e o desgosto aumentando. Eu não esqueci de Gustavo e Bianca, mas todo meu foco era durante esse período de adaptação. Minha mãe por sua vez, permanecia ausente e isso me causava um estranhamento, pois não sabia o que ela estava aprontando. A única coisa que eu sabia era que, eu não estava aguentando passar por toda essa situação sozinho, mesmo tendo a consciência de que tudo isso seria um castigo de Deus por tudo que eu já tinha feito. Então devido as circunstancias, eu fui me entregando à solidão e quase cai em depressão.

Durante esse tempo que estava sozinho em casa, pude pensar em todas as besteiras que havia feito em toda minha vida e decidi mudar e passar a ser sincero com as pessoas. Então resolvi começar com minha mãe. Parecia que ela havia escutado meu pensamento e assim que eu parei de pensar, ela bate na porta do quarto e pede para entrar.

—- Filho, posso entrar? - Ela já estava dentro, sempre com essa mania. - Tenho algo para te contar.

—- A senhora já está dentro - Sorri - Eu também tenho algo para te contar.

Eu estava decidido, então antes que ela abrisse a boca, eu soltei.

—- Eu sou gay, mãe.

̶ Filho, eu consegui o dinheiro para teu transplan...

Falamos ao mesmo tempo. Portanto, quando ela escuta o que eu disse, ela para, interrompe o que estava tentando dizer, arregala os olhos e gagueja ao falar.

—- Co, co, como é?

—- Eu sou gay. Esse foi o motivo de eu ter brigado com André, por que ele me viu com Gustavo e se viu no direito de me xingar... Sim, antes que a senhora diga, eu estava com Gustavo. Aquele menino que a senhora nunca gostou. Porém, hoje não estávamos nos falando mais devido uma traição que eu causei à ele... Já Bianca, eu também fiquei no começo, mas com o passar do tempo, descobri que era de Gustavo que eu amo e outra, pedi demissão do trabalho por que eu não aguentava mais ter que ver aquele garoto e não poder toca-lo. - Desabafei completamente.

—- Calma Miguel, pera ai - Ela se ajeita na cama e continua - No fundo, eu sempre soube, infelizmente. Por isso implicava com aquele garoto. Mas foi ele que conseguiu te fazer mudar, inclusive, eu escutei você dizer que o ama.

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—- A senhora não vai me criticar, xingar, bater ou gritar? - Fiquei surpreso.

—- Não Miguel. Você sempre será meu único filho, o que fez de tudo para me tirar do hospital e cuidar de mim até hoje.

Aquelas palavras da minha mãe me confortou tanto, que naquele momento o que eu quis só foi abraça-la e ficar alí por toda minha vida. Até esqueci o que ela também tinha para me dizer.

—- Mãe, a senhora disse que tinha algo para me falar.

—- Sim meu filho. Eu só espero que você entenda o que eu fiz, é o seguinte... Quando eu soube que você estava cego, eu entrei em desespero como você viu e assim como você fez de tudo para me tirar do hospital naquela época, eu tive que fazer de tudo por você também.

—- Ai mãe, conta logo.

—- Eu engoli meu orgulho, fui atrás da sua família paterna, onde eles a principio se recusaram a ajudar por não ter condições, mas eles deram o numero do seu pai. Então entrei em contato com ele e ele aceitou nos ajudar... Seu pai não tem como vim te buscar, mas ele mandou o dinheiro da sua passagem e me prometeu que irá pagar sua cirurgia e te ajudar o tempo em que você estiver lá.

—- Lá aonde mãe? - Não estava acreditando - Eu vou ter que encontrar meu pai?

—- Você vai pro Rio de Janeiro meu filho, é lá que seu pai mora. - Ela estava tão animada - Você vai realizar dois sonhos ao mesmo tempo, ir para o Rio e voltar a enxergar.

—- Mas mãe, eu não quero ver meu pai.

—- Miguel, estamos precisando e assim como eu engoli meu orgulho, você também terá que engolir para seu próprio bem. Inclusive, veja isso como uma oportunidade dele lhe dar algo pelo menos uma vez na vida.

Minha mãe ficou ali me falando de tudo que tinha feito enquanto estava ausente. Inclusive, me explicou que a passagem já estava comprada, que eu não iria ficar na casa do meu pai, que eles alugaram um apartamento para mim e que eu ficaria lá por 8 meses.

Tudo isso, querendo ou não, me encheu os olhos, um olho na verdade. O fato era que sempre foi meu sonho conhecer o Rio de Janeiro. Por isso minha mãe estimulou 8 meses para eu ficar lá, pois a recuperação da cirurgia durava 6 meses. Os dois meses restante, eu poderia aproveitar a cidade maravilhosa.

Tudo foi uma surpresa, da atitude da minha mãe ao saber que eu era gay, até a atitude que ela teve para conseguir tudo aquilo para mim. Então eu segui o conselho dela, engoli meu orgulho e perguntei:

—- Quando eu vou?

—- Depois de amanhã - Ela respondeu - você tem hoje e amanhã para fazer as malas, comprar algumas coisas e se despedir de alguns amigos. - Ela falou estendendo a mão e me entregando um cartão de crédito e a passagem.

Deus soube fazer tudo no tempo certo. Mas ao ouvir que eu tinha dois dias para me despedir de alguém, me veio a cabeça meus dois amigos. Deu uma dor no coração, mas eu sabia que voltaria logo e totalmente disposto a reconquistar os dois.

No dia seguinte, eu acordo cedo e vou ao shopping comprar algumas roupas na companhia de Tacy. Eu não parava de rir, estava feliz depois de muito tempo. Mas Tacy sempre me lembrava de Gustavo e Bianca.

—- Primo, você quer que eu tente falar com eles?

—- Não Tacy! Eu tento todos os dois e nenhum me atende ou responde minhas mensagens. Eu vou passar apenas 8 meses fora, é tempo suficiente para eles me perdoarem. Quando eu voltar, farei de tudo para reconquista-los.

Após a conversa, resolvo ir ao banheiro e deixo meu celular com Tacy, onde ela pega o numero de Bianca e Gustavo e liga para os dois.

—- Alô, quem é? - Bianca atente.

—- Sou eu, a Tacy, prima de Miguel. Tudo bem?

—- Sim, está tudo bem! - Bianca responde.

—- Eu estou te ligando para avisar que Miguel está indo passar um tempo no Rio de Janeiro e como uma pessoa que se importa muito com ele, eu te peço para ir comigo amanhã levar ele no aeroporto, por favor, vamos, ele te ama. - Tacy implora.

—- Não, ele não ama ninguém e você melhor do que ninguém sabe disso. Desculpa, mas estou no trabalho e não posso falar agora, beijos.

Bianca é grosseira e desliga na cara de Tacy, mas a mesma não se conforma e dessa vez tenta ligar para Gustavo.

—- Gustavo, sou eu, Tacy. Prima de Miguel.

—- Oi, pode falar.

—- Eu preciso te contar uma cois... - Tacy é interrompida.

—- Se for para falar do teu primo, por favor, nem tenta.

—- Espera Gustavo, eu preciso te avisar que ele está cego... - Tacy solta a parte pior, para dramatizar de uma vez.

—- Como assim cego? O que ele fez? - Gustavo se preocupa e Tacy aproveita para continuar...

—- Gustavo, ele pediu demissão de onde vocês trabalham e quando ele foi para aquele prédio, ele descobriu que estava vendido, então o mesmo foi para um bar, onde encontrou uns amigos idiotas que os bateram por saber que ele era gay. Os golpes foram tão fortes que agravou o problema de vista que ele tinha, por esse motivo ele perdeu a visão do olho esquerdo.

—- Ma...Ma... Mas como ele está agora? - Ele gagueja mostrando ainda importar-se com a má noticia.

—- Ele vai ficar bem, pois minha tia conseguiu o dinheiro para ele fazer o transplante lá no Rio de Janeiro e ele está indo amanhã. Por favor Gustavo, não deixa ele ir embora sem antes falar contigo... Ele vai passar 8 meses lá, eu te levo no aeroporto amanhã, vamos?

—- Eu não posso Tacy, desculpa, mas eu não posso. Eu ainda não consigo. - Gustavo respira fundo, dando para notar na ligação.

—- Ele te ama Gustavo, pega o livro que ele te deu, lembra dos momentos que vocês tiveram juntos. Ele ficou muito mal por tudo que aconteceu entre vocês... - Tacy tenta de todas as formas convencer Gustavo.

Nesse momento, eu volto do banheiro e percebo que Tacy está falando com alguém no celular.

—- Vamos? - Eu a chamo para ir embora.

—- Pensa direitinho, amanhã às 17:00 horas. Preciso desligar agora, MAS LER O LIVRO, TÁ? Tchau! - Tacy é surpreendida pela minha chegada e desliga o celular rapidamente - Oi, podemos ir sim. - Ela tenta disfarçar.

—- Com quem você estava em ligação e por que falou o horário da minha viagem? - Eu cocei a cabeça sem entender.

—- Não é nada, estava falando com minha professora da faculdade, avisando que não iria amanhã para aula por que vou te levar no aeroporto nesse horário. - Ela mentiu super bem.

Então fomos para casa cheios de sacolas e quando cheguei, fui direto para o quarto terminar de arrumar as malas e fiquei fazendo isso a noite toda.

Por fim, chegou o grande dia, eu estava conversando com minha mãe, onde ela reforçava todas as informações de como iria fazer ao chegar lá, quem estaria me esperando, da cirurgia, do ap. Falou do meu pai, da família que ele tem por lá. Enfim, ela me dava todas as instruções, mas fomos interrompidos pelo aviso do meu voo.

Eu abraço fortemente minha mãe, agradeço por tudo que ela fez mim, peço desculpas por tudo que fiz à ela e por fim, dou um longo beijo na sua testa.

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Vou me despedir de Tacy e dou um forte abraço, mas antes de solta-la, sussurro algo em seu ouvido:

—- Ontem era o Gustavo no telefone, não era? - Perguntei.

Ela balança a cabeça confirmando a pergunta, então eu me conformo que tudo realmente havia acabado. Então viro as costas com os olhos cheios de lágrimas e vou em direção a entrada até quase escapar da vista da minha mãe e da minha prima. Mas antes de seguir, paro, enxugo as lágrimas e aceno para as duas únicas pessoas que permaneceram comigo até aquele momento.

Minutos depois, o avião levanta voo e eu vou embora, levando comigo o coração apertado em busca do meu sonho...