Trapaça

Pânico


Nunca pensei que a frase "dê tempo ao tempo" pudesse ser tão literal na minha vida; mas ela foi.

Oliver e eu não falamos sobre o ocorrido entre ele e aquela mulher, muito menos sobre eu tê-los visto.

Eu realmente havia ficado surpresa ao vê-lo com outra tão rápido, até que me recordei de que ele não se lembrava do beijo, e nós não tínhamos nada, absolutamente nada além de um relacionamento profissional. Aquela percepção me acalmou, mas a sensação esmagadora e estranha em meu peito não sumiu por completo. Não era algo que eu entendia, mas eu podia tentar ignorar, e foi o que fiz.

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Então, meia hora depois nós nos reencontramos no saguão do hotel. Não houveram comentários e quem mais falou durante a viagem de carro até o aeroporto foi Diggle, e até ele pareceu notar o clima estranho depois de algumas respostas automáticas de Oliver e o meu inesperado e raro – muito raro – silêncio. Por fim, ele desistiu de tentar entender o que estava se passando, e o restante da viagem foi um completo borrão para mim, pois eu adormeci logo no início, grata por meu sono não ter ido embora em meio à preocupações sem cabimento.

Mas a maior surpresa nem foi o meu flagra entre Oliver e a mulher desconhecida.

Quando Oliver finalmente parou para checar o livro que havia nos feito cruzar o oceano, ele deixou muito claro sua completa frustração ao nos informar, ainda incrédulo, que o livro estava inexplicavelmente com as folhas em branco. Isso foi antes de eu adormecer; pensei em algumas teorias que pudessem fazer sentido sobre o livro, mas para serem testadas eu precisava de equipamentos que eu não dispunha em um avião à 20 mil metros de altura, além do mais, isso também requeria que eu falasse com Oliver, coisa da qual eu não estava preparada para fazer e esperava adiar aquilo o quanto pudesse.

É claro que eu também fiquei extremamente frustrada com aquela notícia. Tive raiva por Oliver ter decidido fazer aquela viagem sem se ater melhor ao fato de que era muito estranho aquele livro ter simplesmente sumido de sua casa e ido parar na Espanha.

Senti pena de Barry, lembrando de como ele reagiu quando desci sete andares até o Departamento de Ciências Avançadas para me desculpar por estar cancelando nosso encontro. Eu esperava poder reverter isso quando pousássemos.

Não me lembro de muita coisa depois disso; meus olhos foram ficando pesados e eu adormeci, me escondendo dos problemas e de meus sentimentos em um sono profundo.

***

– Felicity, chegamos. – ouço a voz de John me chamar calmamente.

Fico meio confusa de início, até me lembrar de que estávamos finalmente de volta à Starling. Olhei pela janela, esperando que fosse madrugada, mas então me lembrei que a diferença de fuso horário era de sete horas à mais na Espanha. Fiz as contas mentalmente e me dei conta de que ainda era domingo aqui.

Liguei meu celular – que Oliver sem muitas palavras havia me devolvido ainda no saguão do hotel – e mandei uma mensagem para minha mãe.

Já está no avião?

Ela respondeu alguns minutos depois, quando eu já estava pronta para sair do avião.

Estou no aeroporto. Já está chegando?

Sorri.

Já cheguei. Estou no aeroporto também.

Levaria apenas cinco minutos para que eu saísse do aeroporto privado e chegasse ao que minha mãe estava, já que ambos ficavam na mesma região da cidade, praticamente ao lado um do outro.

– Já está remarcando seu encontro, Felicity? – John pergunta.

Ergo meus olhos para ele e sorrio, estou prestes à negar, mas então percebo que Oliver esperava pela resposta como se aquilo fosse da conta dele. Me lembrei do que Sara havia dito sobre ele parecer ter um ciúmes sem cabimento algum sobre a minha vida pessoal. Era ridículo, mas no momento parecia ser exatamente esse o caso.

Era infantilidade de minha parte, mas este jogo era para dois, e eu tinha certeza de que minhas cartas eram melhores.

Venha me dar um beijo! Estou no terminal 18.

– Na verdade sim. – digo, fazendo questão de evitar contato visual com Oliver, que está logo atrás de John. – A noite é uma criança. – falei sorrindo e dando uma piscadela para ele.

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Diggle apenas riu.

Entretanto, foi só quando descemos do avião que eu me lembrei de que Oliver havia me dado carona até ali. Ele pareceu se dar conta antes de mim, pois veio em minha direção meio incerto. Eu estava odiando aquela situação estranha entre nós, mas também não sabia o que fazer.

– Você... – ele pigarreou – Venha, eu te levo para casa.

Eu não podia ir com ele. Não só porque o clima dentro do carro ficaria ainda mais estranho sem a presença de John. Mas também porque eu precisava fazer um desvio até o Aeroporto de Starling, e eu não iria ruir a mentira sobre o encontro com Barry.

– Obrigada. – falei – Mas eu já pedi carona ao Diggle. – menti.

Diggle me encarou surpreso, por um momento temi que ele negasse, mas ele suavizou a expressão rapidamente, e confirmou, dando de ombros para Oliver, que pareceu ter sido obrigado a comer limão, pela cara franzida que fez com minha resposta.

– Tudo bem. – disse ele por fim – Nos vemos amanhã à tarde?

– Sem falta. – respondi, desviando de seu olhar penetrante.

Então ele se foi. Soltei a respiração enquanto observava seu Audi afastar-se em uma velocidade perigosa.

– Eu vou querer saber o que está acontecendo entre vocês? – John perguntou, assim que entrei no carro.

– Não está acontecendo nada. – respondi, a resposta pareceu ridícula até para mim. Diggle bufou.

– Sei. – falou ele com sarcasmo enquanto ligava o carro.

– Preciso que você me dê uma carona até o aeroporto de Starling. – anunciei quando estávamos passando pelos portões de saída do Hangar.

– Vai para onde? – perguntou ele em tom de brincadeira.

– Minha mãe está voltando para Las Vegas. – expliquei.

Ele assentiu, e em menos de cinco minutos estávamos em frente ao meu destino.

– Obrigada pela carona. – falei, pegando minhas coisas e saindo do carro.

– Não gosto da ideia de deixar você com essas malas. – falou ele.

Eu ri. Eu carregava uma bolsa e uma pequena mala de rodinhas não era nada demais.

– Eu estou bem. – respondi – Pode ir para casa ver sua família – sorri ao notar como sua expressão iluminou-se ao lembrar-se de sua esposa e sua pequena filha o esperando – Pegarei um táxi.

Ele ainda pareceu relutante, mas por fim acabou concordando.

– Diga para sua mãe que da próxima vez faremos um almoço em minha casa. – falou ele.

Eu ri. Se eu falasse isso era muito provável que minha mãe adiasse sua volta por mais alguns dias.

Despedi-me de John e entrei no aeroporto. O movimento era bastante aceitável, não tive grandes problemas para encontrar minha mãe sentada em um dos bancos no terminal 18.

– Oh, minha bebê! – minha mãe falou, abraçando-me.

Conversamos por alguns minutos, até que os alto-falantes chamaram os passageiros de seu vôo.

– Cuide-se. – minha mãe falou após mais um abraço apertado.

Estava me segurando para não chorar, eu odiava despedidas.

– Faça uma boa viagem. – falei.

Minha mãe limpou a lágrima de seu olho antes que ela caísse, enquanto assentia sobre minhas palavras.

– Eu te amo. – ela falou, beijando minha testa e limpando a marca de batom logo em seguida. Eu ri.

– Também te amo.

***

O motorista do táxi tirou minha mala do bagageiro.

– Obrigada. – disse à ele.

Seu bigode escondia parcialmente seu sorriso enquanto ele assentia e entrava novamente em seu carro, logo depois de eu ter pago pela corrida.

Eu estava exausta. A única coisa que me dava forças para não subir os lances de escada rastejando, era a ideia de tomar um banho de banheira longo e relaxante, assistir à um episódio de Game of Thrones – eu estava revendo todas as temporadas, já estava na terceira novamente – e ir para a cama.

A escuridão de meu apartamento parecia estranha. Eu gostava de morar sozinha, mas o silêncio esmagador me causava arrepios. Por isso, joguei o molho de chaves sob a mesa de vidro no centro da sala, e fui ligando as luzes pelo caminho, fazendo tanto barulho quanto conseguia.

Liguei a tv e fui em direção ao meu quarto. Tentei acender as luzes mas elas não deram sinal de vida.

– Que merda. – reclamei baixinho.

Joguei a mala em cima da cama e acendi o abajur que estava ao lado. Quando me virei para ir em direção ao banheiro, senti um arrepio gelar meu corpo ao ver paralelamente um vulto passar. Tentei correr para fora do quarto, mas uma mão agarrou meu braço direito.

Aquele toque me deixou em pânico. Não era coisa da minha cabeça, havia alguém de verdade em meu apartamento.

Gritei palavras sem sentido enquanto a pessoa tentava agarrar meu outro braço. Procurei por algo que pudesse jogar e vi um par de meus sapatos que eu havia deixado ao lado da porta. A adrenalina me deu forças para me abaixar, mas logo em seguida senti o aperto em meu pescoço, prendendo o gás carbônico em meus pulmões enquanto o oxigênio não conseguia abrir passagem.

Joguei o sapato com o salto virado para o rosto da pessoa. Pelo grunhido pude ter certeza de que era um homem.

– Sua vadiazinha! – ele falou baixo, mas sua voz era carregada de ódio.

Corri para fora do quarto, pensando que na luz da sala estaria mais segura. Já estava indo em direção à cozinha, em busca do telefone que fica ao lado da bancada, quando em questão de segundos um outro homem surgiu em minha frente. Não tive tempo de ver seu rosto ou de sequer me perguntar de onde ele havia saído; só percebi que ele usava roupas pretas, pois logo em seguida senti o impacto do soco que ele desferiu em meu estômago.

Caí no chão encolhida, desesperada por ar. Eu nunca havia sentido tanta dor na minha vida. Meus olhos ardiam com as lágrimas silenciosas que começavam a embaçar minha visão; um milhão de coisas aconteciam ao mesmo tempo.

O pânico de imaginar o que me aconteceria em seguida ficou suspenso no ar, porque a última coisa que minha mente registrou antes de apagar, foi o forte cheiro de clorofórmio queimando meu nariz e me levando à inconsciência.