Todo o Espaço Entre Nós

Sobre a Biologia dos Vulcanos


Jim soltou sua mala no chão e olhou para o interior de seu novo apartamento. Era realmente muito, muito maior que sua cabine na Enterprise. Ironicamente, Jim escolheu aquele apartamento pelo espaço extra. Não era nada extravagante, nem exagerado, mas havia bastante espaço para receber visitas, talvez até dar uma pequena festa, hospedar alguém. Mas agora, olhando para os móveis novos, e notando que o único barulho que ele ouvia era o de sua própria respiração, Jim teve o pensamento desagradável de ter conseguido apenas mais espaço para sua solidão se alastrar.

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Jim apertou a ponte do nariz tentando afastar uma dor de cabeça que estava começando a se formar. Ele olhou para a própria mão e tentou se lembrar do toque de Spock em seus dedos. Com um suspiro triste, Jim desejou que seu amigo vulcano estivesse ali.

Jim percebeu, com alguma amargura e ironia, que se ele e Spock fossem ainda “apenas amigos”, Jim poderia convidar Spock para ficar no quarto extra, e não haveria nenhum problema nisto. Não seria a primeira fez que ele e Spock dividiriam um mesmo apartamento ou até mesmo um quarto, isso ocorreu em muitas missões, e Jim sempre gerenciou muito bem seus sentimentos por Spock naqueles momentos. Mas do modo como as coisas estavam agora (a natureza incerta de como seu relacionamento seria a partir de agora, o conhecimento mútuo do que um realmente sentia pelo outro), convidar Spock para sua casa parecia pouco apropriado. Principalmente quando ele não sabia como estavam as coisas entre Spock e Uhura neste momento.

Ainda no primeiro dia, ele entrou em contato com sua mãe e Peter. Jim estava disposto a hospedá-los, mas Winona já tinha voltado para Iowa. Segundo ela, Peter ficara muito feliz com o presente e os vídeos que Jim lhe enviara.

Ele conversara com Peter por um tempo. O menino estava agora hospedado no antigo quarto de Sam. Jim contara a ele algumas aventuras que Sam e ele tinham vivido na fazenda dos Kirk. Só as partes boas, deliberadamente omitindo a existência de Frank.

Peter parecia bem. Mas Jim se surpreendeu ao notar o quão bem conhecia aquela expressão no rosto do sobrinho. Aquele sorriso de olhos tristes que ele usava tantas vezes apenas para fazer as pessoas pararem de perguntar se ele estava bem.

— Se você precisar de qualquer coisa, Peter, você pode entrar em contato comigo. — Foi dito como forma de consolo e apoio para o sobrinho, mas também poderia ser uma tentativa inconsciente de se agarrar a alguém. De manter um vínculo que ele e Sam perderam. — Eu posso demorar a responder quando eu voltar para o Espaço, mas não deixe de falar comigo.

— Tudo bem, tio Jim.

O menino olhou para Jim com uma mistura de gratidão e assombro, provavelmente perturbado com a semelhança de Jim e Sam. A semelhança de Jim com George Kirk manteve Winona longe, talvez fosse o que manteve Sam longe também.

Era bem possível que a semelhança física entre Jim e Sam afastasse Peter com o tempo. Ninguém quer ficar olhando para alguém que lembre seu pai morto.

Jim suspirou.

— Peter... Seu pai nunca me contou sobre seus dois irmãos, — Jim viu o semblante do menino cair ao ouvir seus irmãos serem mencionados, Jim não queria entristecê-lo, mas ele precisava saber. — Ele não entrou em contato comigo por três anos. Você sabe por quê?

O menino franziu a testa e balançou a cabeça negativamente.

A última vez que Jim falou com Sam foi uns cinco meses antes da Enterprise partir para o planeta Nibiru. Eles estavam fazendo várias daquelas missões chatas de escolta de algum político importante e transporte de algo para algum lugar. Eles passaram perto de Deneva e Jim aproveitou para visitar Sam. Peter devia ter uns oito ou nove anos na época, e Aurelan ainda não esperava nenhum outro filho.

Não houve nenhuma briga ou acusações daquela vez, talvez em benefício de Peter e Aurelan. Eles foram amigáveis na medida do possível. Sam até parecia genuinamente orgulhoso de Jim ter conseguido chegar a capitão de uma nave da Federação. Foi quase como nos velhos tempos. Mas havia essa lacuna entre eles que não podia ser facilmente preenchida.

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Mesmo naquela última visita, Jim percebeu que Sam não era a mesma pessoa que ele conhecera quando criança, ou brevemente depois de Tarsus. Havia muito que eles não sabiam um sobre o outro. Seria preciso um bom tempo gasto juntos para que eles pudessem voltar a ser como foram um dia, mas isso não era mais possível.

Depois de sua quase morte, Jim pensou que Sam entraria em contato, o que não aconteceu. Mas então, para anunciar a morte do capitão Kirk, a Frota Estelar teria que contar como Kirk podia ainda estar vivo. Então, obviamente, sua ressurreição por meios questionáveis e o fato de ter sangue de um experimento eugênico homicida correndo em suas veias foi acobertado pela Frota e nada vazou para a mídia. Jim achou que era melhor não preocupar sua mãe e Sam com isso. Ele estava vivo e bem no final, o que importava?

E os dias vieram e ficaram para trás. Foi isso.

— Papai estava muito focado no trabalho nos últimos anos. Mamãe sempre brigava com ele por isso. Não eram brigas feias, apenas reclamações, sabe? Mamãe dizia que ele se esquecia do mundo quando entrava no laboratório. Acho que ele estava tentando criar sementes mais resistentes a fungos ou algo assim. Não acho que ele estivesse zangado com você, tio Jim.

— Para ser justo, eu também não entrei em contato com ele por três anos.

— Você estava zangado com ele?

Jim parou por um instante para pensar. A ferida aberta quando Sam o abandonou em Riverside com Frank ainda estava lá. Ainda doía se pensasse nisso. Assim como qualquer coisa dolorosa que te marque na infância sempre vai te machucar de alguma forma. Mas Jim não estava com raiva de Sam.

Samuel fora, no final das contas, o mais próximo que Jim teve de um pai em sua infância. Talvez por isso sua partida tenha doído tanto.

— Não. Eu também estava... ocupado com o trabalho. Apenas isso.

Desde que soubera da morte de Sam e da existência dos dois sobrinhos mais novos, Jim se questionou se havia sido o desentendimento entre eles que os manteve separados e incomunicáveis por tanto tempo. A ideia atormentou Jim. Mas depois de conversar com Peter, Jim percebeu que o que manteve ele e Sam distantes um do outro foi simplesmente o curso natural da vida.

Cada um tinha seguido sua própria vida e se ocupou com suas próprias preocupações. Cada um tão absorto em suas próprias tarefas e problemas, que as pessoas que foram para longe foram ficando cada vez mais distantes.

Mais uma vez, Jim se viu pensando em Spock e no tempo que eles passariam separados. Se o tempo e a distância eram capazes de esfriar até mesmo o amor de dois irmãos, e torná-los completos estranhos um para o outro, o que isso faria a Spock e ele?

Como era de se esperar, Jim voltou a ter pesadelos. Às vezes, ele sonhava com Sam o deixando com Frank, às vezes eram as costas de Spock que Jim via deixando a fazenda Kirk. Outras vezes, ele voltaria ao momento em que teve que identificar o corpo de Sam, e via a si mesmo sem vida naquela maca. Outra vez, o médico de Deneva o trazia para identificar um corpo, mas não era Sam nem ele mesmo quem ele via morto, mas Spock. De todas as versões e formas que seus pesadelos poderiam tomar, aquela ela sem dúvida a pior.

Jim acordou ofegante, apanhando o Padd ao lado de sua cama por reflexo. Foi necessário muito controle para não ligar para Spock no meio da madrugada, apenas para ouvir sua voz e ter certeza de que ele estava bem.

É claro, Jim sabia que Spock estava bem, fora apenas um sonho idiota. Ele se concentrou em Spock novamente e, por um breve instante, pensou ter sentido o vulcano ao seu lado. Isso era impossível, é claro. Mas a sensação, embora imaginada, o acalmou, e Jim pôde enfim voltar a dormir com tranquilidade.

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Magro ainda não havia voltado da Georgia, e, provavelmente, não seria muito legal incomodar Spock tão cedo. Era em momentos assim, quando Jim não podia recorrer nem a McCoy, nem a Spock, que Jim costumava procurar Carol. A dor da ausência dela queimou nele junto com todas as outras coisas que pressionavam seu coração. Ele nem tinha se dado conta de quanto tinha se tornado dependente dela. E talvez por isso ela tenha ido embora.

Por cortesia, ele enviou uma mensagem a ela. Apenas desejando um feliz ano novo e desejos de que ela estivesse bem em seu novo trabalho. Não houve uma resposta, mas ele não estava esperando por uma.

Ele a amava. Sem dúvida, ele a amava assim como amava Spock ou McCoy. Mas o amor que ele tinha por Carol era diferente do que ele sentia por seus dois amigos.

Era algo entre os dois.

Era algo além do amor fraterno que tinha por McCoy, mas não chegava a ter um terço da intensidade dolorosa do que ele sentia por Spock. Ele pensou que Carol não soubesse disso, mas ela obviamente descobriu.

A ausência dela era uma dor somada às outras. Uma dor menor que a dor da simples consideração de perder Spock, mas ainda assim, era doloroso.

Era praticamente impossível passar tanto tempo na companhia de alguém, compartilhando beijos, afetos, desejos e segredos, e não sofrer nem um pouquinho com a separação. Sabendo disso, Jim tinha consciência do quanto Nyota devia significar para Spock, e que ele não a deixaria tão facilmente. Spock só faria tal escolha se tivesse a mais absoluta certeza dos seus sentimentos por Jim.

Jim sentiu seu corpo tremer com o pensamento e seus olhos arderam. A cada dia que passava, Jim ficava cada vez mais ciente de que Spock poderia escolher permanecer com Nyota. E talvez Spock já tivesse a escolhido e estava com vergonha de contar isso a Jim.

Jim estava decidido a não tentar influenciar a decisão de Spock. Ele não faria o papel de amante tentando convencer o marido a abandonar a esposa. Ele não faria isso nem com Spock nem com Uhura. Jim esperaria Spock entrar em contato com ele. E qualquer que fosse a decisão, Jim aceitaria.

Essa determinação de aceitar a realidade não o impediu de pular de susto e antecipação sempre que seu Padd tocava ou chegava alguma notificação, na maioria das vezes era apenas a Frota Estelar.

Felizmente, Jim estava acostumado a esquecer de suas preocupações se afundando no trabalho. Era realmente surpreendente que alguns no comando da Frota Estelar ainda pudessem pensar que James Kirk não era responsável, considerando a quantidade de trabalho extra que Kirk costuma realizar.

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Jim estava lendo os Ensinamentos de Surak para passar o tempo, quando lembrou da conversa estranha que teve com Sarek. Sarek mencionara algo sobre o pon farr, e Spock fizera parecer que Jim tinha concordado com algo que não devia.

Ele tentou pesquisar sobre por farr nos arquivos da Frota Estelar e na biblioteca on-line de Novo Vulcano, mas a informação estava classificada. Era preciso ter certificação médica para acessar os arquivos ou comprovar ser um cidadão vulcano para visualizá-los. A única informação livremente disponível em todos os lugares que ele pesquisou era uma nota ridícula e pouco explicativa.

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Por Farr: período de acasalamento vulcano. Ocorre a cada sete anos.

Jim não conseguia acreditar que os vulcanos, que eram sempre tão verborrágicos e detalhistas sobre as coisas mais simples e insignificantes, tinham redigido uma explicação tão medíocre. Jim acabara de ficar mais curioso e determinado a descobrir o que raios ele tinha prometido a Sarek. A palavra “acasalamento” naquela pequena nota gerava um monte de perguntas embaraçosas.

Jim começava a perceber de onde tinha surgido o boato de que vulcanos só faziam sexo uma vez a cada sete anos. Por mais que os vulcanos parecessem ser assexuados, Jim nunca acreditou nesse boato. Primeiro, Jim sabia de famílias vulcanas com até três filhos de idades muito próximas; agora mesmo havia uma grande quantidade de crianças e bebês de orelhas pontudas geradas nos quatro últimos anos para povoar Novo Vulcano. Esse Baby Boom não seria possível se os vulcanos só pudessem fazer a coisa a cada sete anos, e se assim fosse, eles já teriam entrado em extinção há um bom tempo. Segundo, Jim tinha quase que absoluta certeza de que Spock tinha transado com Uhura em pelo menos duas ocasiões num espaço de tempo bem menor do que sete anos.

Mas a falta de informações sobre e, principalmente, o fato de Sarek ter pedido para ele estar com Spock durante o pon farr, deixou Jim muito intrigado.

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— Eu pensei que você me chamou aqui para beber e relaxar. Eu cheguei de viagem a malditas quatro horas atrás, e você já quer que eu faça trabalho.

McCoy se jogou no sofá de Jim com sua tão conhecida expressão ranzinza. Jim estava feliz por finalmente ter alguém além dele mesmo naquele lugar. Jim convenceu Leonard a se hospedar com ele. Era como estar na Academia novamente. Ele encheu dois copos com uísque e entregou um a McCoy.

— Não é trabalho, Magro. É só uma pesquisa pessoal.

— Você quer que eu pesquise o quê, mesmo? — disse McCoy distraído enquanto abria os botões do colarinho.

— Preciso saber o que é Pon Farr.

— Onde você ouviu isso?

— Em Novo Vulcano. O embaixador Sarek, o pai do Spock, ele mencionou isso. Mas ele não entrou em detalhes. Eu não perguntei a ele o que significava por que ele meio que me assusta. E ainda não tenho certeza se ele gosta de mim, embora ele tenha me presenteado com um livro.

— E porque não perguntou ao Spock? Ele é vulcano, deve saber.

Jim coçou a cabeça. Ele não entendia por que McCoy parecia repentinamente desconfiado, como se Jim estivesse planejando algum tipo de piada ou algo assim.

— Bem, Spock não quis falar sobre isso. Acho que é porque tem algo a ver com, você sabe, sexo, ou algo assim.

A sobrancelha direita de Leonard se ergueu lentamente de um jeito muito McCoy, e isso fez Jim começar a se sentir um pouco constrangido.

— E por que você não perguntou ao M’Benga? Ele é o médico especialista em vulcanos. — McCoy disse com cautela, como se estudasse a reação de Jim. Jim odiava quando Magro começava a agir como uma espécie de psicólogo, porque, na maioria das vezes, seu amigo ranzinza acabava descobrindo coisas que Jim não queria contar.

Jim respirou fundo.

— Não posso. Ele ainda está de licença e... ele provavelmente iria ficar se perguntando por que eu estou perguntando sobre isso.

— Jim, eu estou me perguntando por que você está perguntando sobre isso. Alguma razão particular para você estar repentinamente interessado nessa parte específica da biologia dos vulcanos?

Jim se contorceu um pouco e bebeu o resto do uísque de uma só vez.

— Bem... tem essa promessa que fiz ao pai do Spock.

— Promessa. — Leonard repetiu. Foi só uma palavra, mas Leonard soou como se estivesse dizendo “seu grandíssimo idiota!”. — O que exatamente você prometeu?

Jim se serviu de mais uma dose.

— Sarek me fez prometer que eu estaria com Spock durante seu primeiro pon farr. Ele estava sendo um pouco assustador, e pareceu algo realmente importante, então eu prometi que estaria.

— E você prometeu sem saber do que se tratava.

— Na hora eu pensei que fosse algo como um Bar Mitzvah ou algo assim.

— Jim, você é um idiota irresponsável.

— Spock disse algo parecido com isso.

— Bem, ele obviamente tem mais inteligência na cabeça do que você. Não deixe Spock me ouvir dizer isso. Confesso que essa é a primeira vez que ouço falar de um pai que pede para alguém transar com o filho.

Jim quase se engasga com sua bebida.

— Talvez não tenha sido exatamente isso o que Sarek pediu. Talvez eu tenha entendido errado.

— Vamos ver, se pon farr é sobre sexo, o que mais o embaixador poderia estar pedindo a você? Talvez ele ache que você poderia dar algumas dicas para Spock. Ou talvez Spock... Inferno, se eu sei alguma coisa! Sexualidade vulcana não é minha área de formação.

— Jesus, Magro, estou tentando ter uma conversa séria aqui.

— E eu só estou tentando entender.

McCoy olhou seriamente para Jim, que parecia terrivelmente desconfortável e envergonhado, completamente vermelho, coisa que não se vê todo dia. Leonard suspirou.

— Desculpe, Jim.

Jim olhou para o amigo. Leonard colocou o copo vazio sobre a mesa de centro e se sentou mais na borda do sofá, inclinando-se na direção de Jim, adotando uma postura e uma expressão que mais pareciam com a de um pai, do que com um médico ou um amigo.

— Vamos ser completamente sérios agora. Aconteceu alguma coisa durante essa viagem que você queira me contar?Algo que nos trouxe para toda essa história de pon farr? — Jim ficou girando o copo vazio nas mãos. — Jim, olhe para mim. Lembra o que eu te disse? Eu sou seu amigo e você pode me contar qualquer...

— Eu beijei o Spock.

Jim disse repentinamente, como se a frase tivesse escapado de sua boca contra sua vontade.

McCoy pareceu levemente surpreso, sua boca formando um não pronunciado “Oh!”. Mas McCoy não disse nada, apenas balançou a cabeça positivamente em entendimento. Ele se moveu para se sentar direito no sofá.

— E Spock?

— Ele meio que surtou.

— É claro que sim.

— Depois que ele se acalmou, nós conversamos, e ele pediu um tempo para pensar sobre nós dois e sobre Uhura. Mas foi só isso. Enfim, por alguma razão Sarek pensou que eu estava tendo um caso com Spock, então ele mencionou a coisa do pon farr. Acho que ele pensou que Spock já tivesse falado comigo sobre isso.

Mais uma vez, Leonard apenas balançou a cabeça para cima e para baixo, encarando Jim. Jim imaginou que Leonard estaria pirando a essa altura, mas o médico continuava muito calmo.

— Você não parece muito surpreso.

Leonard apontou para a garrafa de uísque sobre a mesa e Jim acenou para que ele fosse em frente. Leonard começou a falar enquanto entornava um pouco mais em seu copo.

— Há algum tempo eu estive com essa ideia louca na cabeça. Sobre você dois. Eu achei que eu estivesse vendo demais ou que vocês dois finalmente tinham arrancado meu juízo fora. Mas então, Carol e você terminaram e ela deu a entender que foi por causa do Spock. E já faz algum tempo que eu percebi que ela tinha ciúmes de você com ele. — Leonard deu um gole em sua bebida e depois outro, sem olhar para Jim. — Isso não me surpreende porque vocês sempre foram muito próximos. E Spock, Spock permite que você seja próximo dele de um jeito que ele não permite a mais ninguém, exceto Uhura, talvez. Eu nunca entendi essa ligação entre vocês dois. Acho que agora tudo faz sentido. Eu ainda não entendo, mas faz sentido.

Depois disso, eles ficaram em silêncio. Leonard ficou olhando para o restinho do liquido âmbar em seu copo.

— Então, vocês estão juntos agora?

— Não. Ele não falou comigo desde que chegamos a Terra. Talvez ele tenha percebido que deixar a Uhura por mim seria um erro. Talvez ele tenha percebido que não gosta de mim dessa maneira e ainda não sabe como me dizer.

— Não sei, Jim. Acho que você tem boas chances com ele. Chances muito boas, na verdade.

— O que te faz pensar isso?

McCoy queria dizer que viu como Spock ficou quando Jim morreu. Ele viu a reação de Spock quando soube que Jim viveria. A emoção e os sentimentos que Leonard viu em Spock naquele dia ainda estavam em algum lugar dentro do vulcano. E o simples fato de Spock pensar em considerar a possibilidade de terminar com Uhura, por Jim, isso devia significar alguma coisa. Ele pensou em dizer tudo isso, em vez disso, ele riu e disse:

— Eu tentei juntar vocês dois mandando-os sozinhos para aquele jantar, só para ver o que aconteceria.

Jim o olhou confuso.

— Você o quê? Do que você está falando?

— O jantar antes de vocês irem para Novo Vulcano, lembra?

— Você disse que tinha que pegar a Joana. Ela chegou antes do previsto.

— Eu menti. Minha ex me ligou naquela noite para confirmar os últimos detalhes da viagem da Joana. Jo chegou no outro dia pela manhã.

— Seu cretino. Por que você fez isso?

Leonard bufou. Como se a resposta fosse óbvia.

— Você não faz ideia de como vocês estavam se olhando naquela noite. Spock quase teve um troço quando pensou que você estava perguntando se você estava bonito, mas você estava falando do apartamento. Bem, pelo jeito que ele estava olhando pra você... Acho que ele quase disse isso.

— É? Eu não me lembro disso.

Leonard riu para si mesmo ao ver novamente a expressão esperançosa e encantada que vira em Jim tantas vezes sempre que o assunto era Spock.

— E você estava dando a ele seus melhores olhos brilhantes.

— Olhos... o quê? Eu não estava.

— É claro que você não se lembra de nada disso, vocês dois são muito densos. É por isso que eu nunca tive certeza se vocês se gostavam apenas como amigos ou algo a mais. Há momentos em que vocês parecem flertar descaradamente um com o outro e depois parecem completamente inconscientes do que estavam fazendo. Enfim, eu não estava com vontade de passar uma hora inteira tendo mais daquilo. Então eu resolvi deixar vocês sozinhos e ver se toda aquela tensão entre vocês resultaria em alguma coisa.

— Eu não acredito nisso. Spock estava namorando Uhura, você não pensou nisso?

— Eu pensei nisso vagamente. Mas eu pensei que algum perigo poderia apimentar as coisas. Mas, segundo você, vocês passaram o jantar inteiro falando de trabalho.

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Jim riu. Incrédulo com toda a confissão de Leonard.

— Sinto desapontar suas fantasias eróticas com seus dois oficiais comandantes, mas nós apenas conversamos, realmente.

— Que fantasia erótica, o quê?

— Você vai verificar essas informações sobre pon farr pra mim?

— Alguém está ansioso para entrar nas calças do vulcano, não é mesmo?

Jim sentiu que estava corando, embora não soubesse exatamente o motivo. Não era a primeira vez que Magro o provocava sobre os interesses sexuais de Jim por alguém, mas era a primeira vez que o fazia se referindo a Spock. No entanto, por mais que a ideia de ser sexualmente íntimo com Spock fosse agradável, não era isso que estava atraído a curiosidade de Jim sobre o pon farr. Era algo na forma com Sarek tinha feito o pedido. Algo escondido no tom de voz do vulcano, que ativou o instinto de proteção de Kirk.

— Não é isso. Eu acho que é algo mais sério do que apenas sexo, porque Sarek parecia realmente preocupado com Spock.

Neste momento, o Padd de Jim, que estava esquecido sobre o balcão da cozinha, deu dois bips. Jim se levantou para checá-lo. O suspiro desapontado dele indicava que a mensagem não era de quem ele esperava.

— Eu vou verificar esses arquivos sobre pon farr, e depois te conto o que descobri.

— Ok.

— Algum problema, Jim? — Leonard perguntou quando viu Jim pressionar os dedos contra a têmpora pela terceira vez naquela noite.

— Não. Só um pouco de dor de cabeça.

— Sim, e beber uísque é um bom remédio. Vou ver se tenho algum analgésico. Você está sempre com algum problema.

— Preciso te dar algum trabalho.

— A única coisa que você me dá é cabelos brancos.

Ambos riram.

Algum tempo depois, Jim estava preparando o jantar enquanto observava Leonard disfarçadamente.

Leonard pegou o Padd e inseriu alguns códigos, digitou algumas coisas e depois começou a ler. Ele resmungou alguma coisa sobre “Vulcanos e suas informações misteriosas” e “burocracia vulcana idiota”. Ele parecia finalmente ter conseguido acesso aos arquivos desejados quando soltou uma exclamação de triunfo e irritação. Leonard leu por alguns minutos antes de “Eles devem estar brincado comigo, isso não pode ser sério”. Jim fixou sua atenção em McCoy, desistindo de fingir que não estava interessado no que o médico estava fazendo. McCoy pareceu momentaneamente incrédulo e divertido com o que estava lendo, mas então sua testa começou a se enrugar.

McCoy se levantou com o Padd na mão. — Acho que vou terminar de ler isso no quarto.

— Está tudo bem?

McCoy hesitou. — Eu só preciso checar algumas coisas e procurar algumas informações adicionais.

.

.

Havia mais vulcanos circulando pelo Quartel General da Frota Estelar. Provavelmente os tripulantes da T’Saura. Os novos companheiros do Spock.

Todos estavam muito ocupados naquele início de ano. Jim chegou a duvidar se Spock tinha voltado para Frota, pois não viu o vulcano naqueles primeiros dias, mas soube, por terceiros, que Spock estava frequentando o QG e estava bastante atarefado com os preparativos de sua própria nave. Spock não teve tempo para procurar Jim ou mandar uma mensagem pelo menos. Jim tentou não se sentir tão amargo.

Jim podia iniciar tal contato a qualquer momento, mas havia o fato irritante de que qualquer tentativa sua de contato poderia ser interpretada como pressão sobre Spock. Coisa que Jim já tinha decidido não fazer.

Jim chegou a ver Spock de longe algumas vezes, quando eles caminhavam pelos corredores do QG. Spock estava sempre acompanhado por daquela mulher vulcana, T’Kiha, a Primeira Oficial dele. E, céus, como ela era bonita! Spock tinha que ser cego para não ter notado.

Jim não sabia dizer se Spock chegou a ver ele também em algum desses momentos. Mas se viu, não fez nenhum esforço para tentar contato.

Jim também não sabia qual era o atual status do relacionamento de Spock e Uhura. Jim e Uhura haviam se encontrado na reunião com os chefes de departamentos da Enterprise. Ela chegou poucos minutos antes da reunião começar e saiu imediatamente após terminar. Uhura respondeu a tudo que Jim perguntou a ela, e cooperou com a reunião fornecendo comentários pertinentes em mais de um momento. Ela foi completamente profissional. Friamente profissional.

Pelo olhar gelado que Uhura deu a ele, Jim soube que ela sabia. Spock tinha contado a ela sobre o beijo. Talvez até tivesse contado sobre a paixão secreta do capitão pelo namorado dela. No entanto, Jim não fazia ideia se os dois ainda eram um casal e ele não iria atrás de Uhura para descobrir isso.

Jim se sentia horrível por desejar que eles tivessem terminado, mas ele também se sentia horrível quando pensava que Spock e Uhura poderiam ter se reconciliado. Basicamente, ele se sentia horrível o tempo todo.

Jim estava tentando não pressionar, mas a falta de contato de Spock estava começando a entristecê-lo.

No dia seguinte a chegada de Magro, o Almirante Barnett e a Comodoro Wiseman convidaram Jim para almoçar juntos. Jim concordou. Barnett, depois de Pike, era o almirante mais amigável com Jim, e Maryan Wiseman era sempre muito divertida.

Jim não esperava encontrar Spock, mas lá estava ele, almoçando com T’Kiha, um homem vulcano desconhecido e de aparência severa, e outra mulher vulcana, que não vestia um uniforme da Frota Estelar, mas seus trajes revelavam que ela devia ser alguém importante. Como se sentisse a presença de Jim, Spock virou-se na direção dele e seus olhos se encontraram.

Jim sentiu como se sua mente se iluminasse, não havia outra forma de explicar a sensação.

Spock voltou a conversar com os companheiros dele, e Jim com os seus. Ambos lançando olhares para a mesa do outro de vez em quando.

— Não é seu ex-imediato ali? — Wiseman comentou, finalmente notando os membros da mesa ao fundo.

Jim se permitiu olhar abertamente para Spock por um momento. Jim se voltou para a ruiva com um de seus sorrisos mais charmosos. Ele esperava conseguir evitar que a mulher tentasse chamar a atenção de Spock, o que ela parecia tentada a fazer.

— Sim. Eu não quero incomodá-lo. Ele parece estar ocupado.

— É uma pena o Almirantado ter votado para transferir o comandante Spock da Enterprise. Capitão Spock agora. — Barnett se corrigiu. — Não desmerecendo as capacidades do Sr. Spock, mas eu votei contra. Vocês formavam uma ótima equipe e acho que ele fará muita falta na chefia da equipe de pesquisa científica da Enterprise.

— Sim. Ele é um excelente oficial e colega de trabalho. E um amigo. — Jim disse solenemente. O almirante não fazia ideia de quanta falta Spock faria. — Espero, no entanto, ter o privilégio de servir com ele novamente.

Barnett olhou para Jim com curiosidade.

— Quem é mulher com eles? — Wiseman perguntou — Ela não é uma oficial da Frota, é?

— Não é. Ela veio com o Embaixador Sarek. Foi enviada pela Academia de Ciências de Vulcano O nome dela é T’Pring, se não estou pronunciando errado.

Jim congelou ao ouvir o nome. Não era esse o nome da ex-noiva do Spock? O que ela estava fazendo aqui? Por que ela estava aqui? Por que ela estava com Spock?

Jim olhou novamente para os vulcanos, mas eles já tinham partido. Spock tinha saído sem falar com ele. Jim tentou não se sentir desapontado.

.

.

No final do dia, quando já estava saindo do prédio administrativo do QG, Jim deu a sorte de encontrar Spock. Eles praticamente se esbarraram.

Houve esse momento embaraçoso em que ambos começaram a falar ao mesmo tempo, e em seguida se calaram. Spock olhava para Jim com espanto e intensidade, e Jim não sabia dizer se era por admiração ou medo.

Jim concluiu que sua suposição estava certa, Spock decidiu que não estava interessado em ter qualquer envolvimento romântico com ele, e estava constrangido ou com medo de dizer isso e magoar Jim.

— Spock — os olhos de Spock pareciam capazes de fixar Jim no chão, sua atenção tão intensa e palpável, que Jim sentiu mais dificuldade ainda para dizer o que precisava. — Spock, sua amizade é mais importante para mim do que qualquer outra coisa. Então se você tiver escolhido a Uhura, tudo bem. Eu entendo. Apenas... Não deixe de ser meu amigo.

E não me abandone, Jim pensou. Não me deixe sozinho.

— Nyota e eu terminamos nosso relacionamento. No mesmo dia em que chegamos a Terra, Jim.

Jim olhou para ele surpreso. E houve esse momento estranho em que ele não soube se deveria se sentir feliz ou triste.

— Então porque você não me disse antes?

— Eu tinha algumas coisas a considerar. Eu sei que você está zangado comigo.

— Não estou zangado, estou triste. Você parte em uma semana, Spock. Isso é muito pouco tempo.

Spock não disse nada.

— Você mudou de ideia sobre mim? Sobre nós? — Jim disse a última parte num sussurro. Ele não sabia porque estava sussurrando. Talvez ele sentisse medo da resposta, então não queria que Spock ouvisse a pergunta. Talvez ele simplesmente estivesse perdendo a força interior para falar.

— Capitão Spock!

Antes que Spock pudesse dizer qualquer coisa, ninguém menos que o Almirante Nogura o chamou. O almirante estava acompanhado de Sarek, T’Pring, T’Kiha, o homem Vulcano desconhecido e mais outros oficiais vulcanos e humanos.

Estava claro que eles não poderiam continuar a conversar. Não com o grupo recém-chegado os vigiando.

— Eu tenho uma reunião agora. — Spock informou, a voz dele claramente sem vida. — Nós podemos conversar outra hora?

— Sim. Tudo bem.

Jim concordou, o que mais ele poderia dizer? Ele deu o seu melhor sorriso diplomático, o que acabou não sendo a melhor escolha, porque Spock claramente pôde enxergar através de sua encenação, e deu a Jim um olhar verdadeiramente triste antes de colocar sua própria máscara e seguir com o grupo.

Jim finalmente tinha a confirmação que tanto queria ouvir, isso deveria deixá-lo feliz. Mas esta não era a primeira vez que ele ouvia que Spock e Uhura tinham rompido. Então, obviamente, aquela informação não trazia nenhuma certeza nem verdadeiro conforto para ele.

Um calafrio percorreu o corpo de Jim quando voltava para casa. Era uma época ingrata para se estar em São Francisco. Fazia muito frio, estava sempre chovendo, muito nublado e muito escuro. Um cenário lúgubre por natureza.

.

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— Não sei, Jim, sinto como se isso fosse algo que Spock devesse contar a você. — Disse Leonard naquela noite, depois de finalmente ter terminado sua pesquisa. — Mas sei que você não vai parar de me atormentar por causa disso.

Leonard olhou para Kirk com mais atenção. Jim parecia cansado e mais pálido que o normal. As sombras escuras que ele havia notado sob os olhos de Jim na noite anterior estavam mais pronunciadas. As olheiras não estavam lá pela manhã, o que significava que Jim estava outra vez usando maquiagem para esconder de McCoy que não estava dormindo adequadamente.

— Jim, você está bem?

— Estou. Não se preocupe.

— Você não me parece bem.

— Estou ouvindo, Magro. O que você descobriu?

Leonard hesitou, se perguntando se devia iniciar uma discussão sobre a saúde de Jim ou ir direto ao assunto. Ele suspirou.

— Jim, antes de contar a você o que eu descobri, eu preciso saber se essa coisa com Spock é séria mesmo. Tem certeza que você estaria disposto a ter um relacionamento sério com ele? Tem certeza de que isso não é apenas uma coceira momentânea?

Jim olhou para McCoy verdadeiramente ofendido.

— Não me olhe assim. Okay, eu me expressei mal. O que quero dizer é: você não seria o primeiro capitão a se apaixonar por seu Primeiro Oficial, acontece devido à proximidade que seu trabalho exige, mas isso nem sempre dura.

— Spock não é só uma conquista para mim, Magro. Eu pensei ter deixado isso claro ontem. — Jim respondeu com raiva.

— Ouça, não ter um parceiro pode colocar a vida de Spock em risco.

— A vida dele? Como assim?

— Tudo bem, sente-se. Escute. Os vulcanos são capazes de se envolverem em atividade sexual a qualquer momento, se assim desejarem. Mas há um momento em que o desejo para acasalar, como eles dizem, é um imperativo biológico.

— O Pon Farr.

— Bingo. E se eles não fizerem sexo com sua parceira, ou parceiro, durante o pon farr, eles podem morrer.

— Espera aí, o quê? — Jim perguntou confuso, a raiva desaparecendo.

— Eu sei, parece algum tipo de piada ou tropo ruim de “Foda ou Morra”, mas é a mais pura e bizarra verdade.

Jim se sentiu tonto, mas podia ser apenas efeito da falta de sono.

— Eu ainda não estou entendendo, Magro. Como assim eles morrem? Como alguém pode morrer por não transar? Isso é impossível!

— Bem, para azar dos vulcanos isso é possível para a espécie deles. Durante o pon farr eles sofrem um desequilíbrio neuroquímico, que provoca um nível de loucura. Eles não vão conseguir controlar suas emoções adequadamente e seus pensamentos estarão voltados para um único objetivo. Tem algo a ver com aumentar a produção e a qualidade de espermas, é a época em que eles se tornam mais férteis. Bebês vulcanos garantido. Enfim, eles começam a sofrer do que os vulcanos chamam de plak tow, febre do sangue, que é quando seus hormônios e endorfinas aumentam para níveis perigosos, podendo prejudicar seriamente o cérebro e o coração. Um vulcano em pon farr pode morrer em até oito dias se a plak tow não for aplacada.

Jim piscou duas vezes tentando decidir se havia entendido corretamente.

— Mas se eles transarem tudo fica bem? Correto?

—Sim. Os arquivos médicos informam que o plak tow diminui e o organismo do indivíduo em pon farr começa a entrar em equilíbrio no momento em que inicia o ato sexual.

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— Quando isso começa? O pon farr?

— O primeiro pon farr costuma ocorrer entre os dezoito e os trinta anos.

Jim sentiu todo o sangue de seu rosto se esvair. — Spock tem trinta e três.

— Sim. As coisas estão um pouco atrasadas para ele. Isso nos dá duas possibilidades. Um: o sangue meio humano dele pode garantir que ele nunca passe por isso. Dois: Spock está em alerta vermelho e essa coisa de pon farr pode acontecer a qualquer momento.

Finalmente Jim compreendia o verdadeiro pedido de Sarek. Sarek não estava pedindo para Jim transar com Spock, estava pedindo para Jim impedir que Spock morresse.

Passou um momento em que os dois ficaram em silêncio. McCoy olhando para Jim e Jim olhando para o nada.

— Não precisa ser necessariamente uma fêmea?

— Não. Embora o pon farr seja um instinto puramente reprodutivo, há registros suficiente para comprovar que parceiros do mesmo sexo podem satisfazer o pon farr um do outro. E considerado que a mãe do Spock era humana, podemos concluir que esse parceiro também não precisa ser necessariamente um vulcano.

— Então não há razão para nos preocuparmos.

McCoy torceu os lábios.

— O ato sexual não é a única coisa necessária, no entanto. Também é preciso um elo telepático durante o ato. As mentes precisam ser minimamente compatíveis para isso.

— Nossas mentes são compatíveis. Pelo menos foi o que Spock me disse. E nós já compartilhamos um vínculo de amizade. Eu não sei dizer se isso é o suficiente, mas deve ser alguma coisa.

Pela primeira vez desde que Jim revelou seus sentimentos por Spock, McCoy pareceu verdadeiramente surpreso.

Leonard sabia que Jim realmente gostava de Spock, mas também conhecia a natureza inconstante de Jim. E ele precisava fazer Jim entender a seriedade daquilo para Spock. Leonard temia que Jim estivesse sendo muito precipitado e idealista sobre a coisa toda. Era muito fácil ver os problemas e os desafios de forma muito romântica quando se está apaixonado. E decisões sérias que afetarão a vida de duas pessoas não deveriam ser tomadas sob a influência da paixão. Há sempre dor quando a paixão acaba. Jim se recuperaria com o tempo, mas no caso de Spock poderia ser muito pior.

— Jim. Nós não sabemos quanto tempo Spock tem realmente. Se você iniciar um relacionamento com ele e depois decidir que não quer continuar.... Bem, você pode estar dificultando as chances de Spock encontrar um parceiro adequado a tempo.

A raiva parecia estar voltando aos olhos de Jim.

— Magro, se Spock me escolher, se ele escolher ficar comigo, eu nunca o abandonaria. E mesmo que ele não me escolha ou que as coisas não deem certo entre nós, se Spock não tiver um parceiro quando seu pon farr chegar, eu me ofereceria. Eu nunca o deixaria sozinho. Eu nunca o deixaria morrer por algo tão estúpido quanto isso.

— Eu entendo isso, Jim. Mas você está esquecendo de uma coisa.

— E o que é isso? — Jim indagou irritado.

— Spock está indo para o outro lado do Espaço. Em uma nave cheia de vulcanos. Que garantias você tem de que, estando em uma missão completamente diferente da de Spock, a Frota Estelar vai liberar você para ir até ele? Que garantias você tem de que conseguirá alcançá-lo a tempo se esse pon farr ocorrer enquanto ele estiver lá?

Jim parecia finalmente estar compreendendo o ponto de vista de Leonard.

— No entanto, se Spock se unisse a um Vulcano...

— Jim interrompeu incisivamente. — Não!

— Essa pessoa poderia embarcar com ele na missão...

— Não.

— Jim.

— De que lado você está?

— Do lado em que a vida do Spock não corre perigo por causa da biologia maluca dele.

— Por que você está tentando afastá-lo de mim?

McCoy franziu a testa.

— O que? Eu não estou tentando...

Jim começou andar de um lado para outro, cada vez mais transtornado e zangado.

— Todo mundo está tentando afastá-lo de mim. O pai dele, Uhura, a Frota Estelar, aquela T’Pring, você. Eu nem o tenho ainda e todo mundo já quer separá-lo de mim. Por quê?

Só então Leonard percebeu que Jim tinha lágrimas nos olhos, a respiração acelerada e descompassada.

— Primeiro mandam ele para outra nave. E agora esse maldito pon farr. O que eu devo fazer? Dizer a ele para ficar com Uhura e transferi-la para a nave dele ou dizer a ele para casar com T’Pring? Pelo menos eles estariam na mesma nave e ele estaria seguro. Ele vai ficar bem se escolher qualquer uma dessas opções. Ele vai ficar bem se escolher qualquer um que não seja eu, aparentemente.

— Oh, Jim. — Leonard disse com compaixão, aproximando-se de Jim e tentando acalmá-lo.

— Estou cansado disso. Cansado de ter qualquer coisa boa arrancada da minha vida. Por que ele tem que ir embora, Leonard? Porque ele tem que me deixar? Ele vai esquecer de mim, como Sam fez. E talvez, talvez, em algum maldito dia eu fique sabendo que ele casou, ou que ele teve dois filhos que nunca conheci ou, pior, que ele morreu e eu não pude fazer absolutamente nada para evitar isso.

— Jim, você está muito agitado. Por favor, acalme-se...

Jim ouvia a voz de Leonard ao seu lado, mas não conseguia entender as palavras. Com espanto, percebeu que não estava conseguindo mais respirar, seu coração estava acelerado e ele começava a sentir vertigem. Ele sentiu como se estivesse morrendo. E antes que desmaiasse, pensou ter ouvido Spock chamando seu nome.

.

.

.

— Onde ele está? — Spock indagou assim que entrou no apartamento de Jim. McCoy olhou para o vucano molhado da cabeça aos pés. Ele também chegara bem rápido, como se já estivesse a caminho do apartamento de Jim antes mesmo de McCoy ligar para ele.

— No quarto. Eu tive que dar um calmante a ele. Mas ele já deve estar acordando.

Spock olhou na direção do quarto de Jim. — O que aconteceu?

— Ele teve um ataque de pânico. — McCoy suspirou. ­— Eu achei que ele já tivesse superado a morte do irmão, ou que pelo menos estivesse lidando bem com isso.

— Ele não tem. Ele tem tido pesadelos.

O médico ergueu uma sobrancelha para Spock.

— E como você saberia disso? Pelo que sei, você não falou com Jim desde que voltaram de Novo Vulcano.

— Estou ciente disso.

— Isso também é culpa sua Spock. Jim tem estado sob grande estresse e ansiedade esperado por uma conversa, ou pelo menos uma resposta, que você prometeu dar a ele.

— Também estou ciente disso, doutor.

Se Spock estava surpreso por McCoy dar a entender que sabia sobre o recente desenvolvimento romântico entre ele e Jim, não deixou transparecer.

— Droga, Spock! Pelo menos aja como se se importasse.

— Eu não estaria aqui se Jim não fosse importante, doutor.

McCoy grunhiu de irritação.

— Eu sei. Isso também foi um pouco culpa minha. Acho que o empurrei além da borda.

— Significado?

— Jim e eu estávamos conversando sobre pon farr. O seu pon farr — dessa vez Spock mostrou alguma surpresa. — E eu sugeri que... Bem, tentei sugerir, já que você vai passar dois anos ou mais em uma nave vulcana no outro lado do quadrante, seria mais seguro para você ter um companheiro vulcano. Jim, obviamente não gostou muito da ideia.

Spock não fez nenhum comentário sobre isso.

— Posso vê-lo agora?

Leonard assentiu. E foi para o próprio quarto.

.

.

.

— Spock! — Jim levantou da cama no momento em que viu Spock entrar. Ele olhou Spock de cima a baixo antes de tocar o braço dele. — Você está molhado.

— Está chovendo lá fora.

— Você vai congelar assim.

Jim se virou para pegar uma toalha e algumas peças de roupas, os entregou a Spock e o empurrou para o banheiro. Dois minutos depois, Spock saiu vestindo uma calça de flanela listrada e um moletom vermelho. O cabelo estava com alguns fios fora do lugar. Spock parecia tão simples e familiar, que Jim sorriu por pura adoração.

Jim puxou Spock para se sentar com ele na cama, pegou um cobertor e o colocou em volta dos ombros de Spock, apenas para ter certeza de que o vulcano estava bem aquecido.

Eles fizeram todo o processo em silêncio, e não houve qualquer resistência da parte de Spock. Jim sabia que Spock tinha vindo porque Leonard o chamara, mas estava feliz por Spock ter vindo. E estava aliviado por Spock não estar fazendo perguntas sobre o que tinha acontecido. Embora ele tivesse certeza de que as perguntas viriam a qualquer momento.

— Você está com dor de cabeça? — Spock disse finalmente, pegando Jim de surpresa. Era uma pergunta que Jim não esperava. Ele também se perguntou como Spock sabia disso?

— Um pouco.

Jim ficou fascinado quando Spock tirou sua mão de dentro do cobertor e alcançou a mão de Jim, entrelaçando os dedos.

— Está melhor agora?

— Sim. O que você fez?

— Nada. Estou apenas segurando sua mão. — E depois de um momento acariciando a mão de Jim, Spock acrescentou: Minha dor de cabeça também diminuiu.

Jim queria perguntar sobre aquela afirmação, mas Spock puxou sua mão e a beijou repetidas vezes. O coração de Jim acelerou ridiculamente, e ele precisou fechar os olhos para controlar suas emoções.

— Jim, como você pôde pensar que eu mudaria de ideia sobre o que eu sinto por você? Você é muito precioso para mim, Jim. O presente mais querido, que eu jamais sonhei ter ou merecer.

Jim olhou para Spock, emudecido, tocado pela demonstração de afeto e devoção de Spock. Ele viu aquele olhar novamente. Não era medo nos olhos de Spock, era admiração pura. E amor.

— Você está tremendo, Spock. Você ainda está com frio?

Spock meneou a cabeça.

— Não. Estou tentando controlar.

— Controlar o quê? — Jim sussurrou.

Os olhos deles se encontram e naquele momento, Jim percebeu que queria tanto Spock, que seu corpo doía. No momento seguinte, Spock estava beijando-o com intensidade ardente. Spock se inclinou sobre o corpo de Jim até que ambos estivessem deitados na cama. Mas não importava a urgência ou a força do beijo, não parecia ser o suficiente para saciar a união que ambos desejavam. Sem percebeu, Jim estava puxando os dedos de Spock para o seu rosto, nos pontos de fusão. Percebendo a intenção de Jim, Spock quebrou o beijo e se afastou.

Era visível a força que Spock estava fazendo para recuperar o controle de si mesmo. — É tão fácil me perder em você, Jim. — Ele disse ainda ofegante. E soou como se aquela confissão fosse vergonhosa.

Jim, por outro lado, não estava nem um pouco envergonhado ao perceber que seu corpo havia despertado com os avanços de Spock. No entanto, ele se aproximou de Spock com cautela. — Você está em pon farr?

Jim tinha que perguntar, que outra razão haveria para Spock agir com tanta paixão?

Spock olhou para ele surpreso e riu. — Não. Isso é o mais preocupante. Eu deveria saber me controlar melhor. Eu tenho sido muito imprudente quando estou perto de você. E te causei dor sem perceber.

Percebendo o olhar preocupado de Jim, Spock voltou a iniciar contato físico, acariciando os cabelos de Jim. Aquele gesto era tão novo, e era tudo tão inesperado, que Jim começou a se perguntar se estava sonhando. Ele nunca imaginou que Spock pudesse ser tão carinhoso, nem que pudesse ser tão carinhoso com ele.

— Eu sinto muito, Jim. Não podemos fazer isso ainda.

— Isso o quê? O sexo ou a fusão?

— Ambos.

— Podemos ir devagar. Eu não me importo.

Jim segurou a mão de Spock quando disse isso, esperando que ele pudesse ler a sinceridade de Jim. Spock ficou pensativo por alguns segundos.

— Eu fui ver um curandeiro vulcano.

Jim olhou alarmado para ele. — Você está doente?

— Não. Estou bem. Não há nada de errado comigo. — Jim podia jurar que havia um sorriso escondido no semblante tranquilo de Spock. — Nós conversaremos sobre isso amanhã. Você precisa descansar.

— Okay. Você pode dormir aqui, se desejar. Ou pode pegar o sofá da sala se...

Jim se calou quando Spock o beijou novamente. Desta vez, um beijo calmo e gentil.

— Como você disse mais cedo, Jim, temos pouco tempo para estar juntos. Seria ilógico desperdiçar esse tempo ficando desnecessariamente separados.

Embora Spock tenha dito aquelas palavras com bastante confiança, ele parecia um pouco constrangido quando entrou sob os lençóis e ficou esperando que Jim se juntasse a ele na cama.

Jim, ainda perplexo com tudo, não tentou forçar uma intimidade que eles ainda não tinham. Ele alcançou a mão de Spock e entrelaçou os dedos novamente. Spock se aproximou dele o suficiente para que a cabeça de Jim descansasse em seu peito.

Eles ficaram rígidos no começo, porque, bem... essa nova proximidade era um pouco estranha. Mas depois de alguns minutos, eles relaxaram, se aconchegaram e dormiram abraçados um ao outro.

Coisas boas finalmente estavam acontecendo para James Kirk.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.