Durante os três dias seguintes a janela do quarto manteve-se fechada. Passei a maior parte de meus dias enfurnado dentro de casa. Saia raramente, ou muito cedo, ou muito tarde. Procurando não esbarrar com alguma “pessoa” indesejável.



Alfred estava extremamente excitado com a idéia de que seu filho faria uma faculdade. Até mesmo eu comecei a achar o assunto interessante. Procurando ter algo pra fazer buscava informações sobre a cidade, a faculdade. Conhecia no mínimo o básico sobre a mesma e seus atributos. Realmente não era de todo mal.


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Ter ido para Várzea Grande tornou-se uma idéia suportável. Apenas suportável, pois ainda não curtia essa merda toda que se acumulava nas minhas costas. Não conhecer o que estaria me esperando a partir de quinta-feira me assustava. O que aconteceria comigo, ou se poderia sair mais machucado de toda essa situação do que qualquer outro. Situação, no caso, refiro-me a “Vamos brincar Vitor Forward”. Ele ainda não tomava conhecimento do que eu estava tentando criar, mas logo saberia. Ter um adversário interado do que pode acontecer sempre será mais divertido. Mas também teria que saber se ele me acompanharia nessa brincadeira por livre e espontânea vontade. Se não fosse assim ele não teria escolha, continuaria com as idéias em minha mente do mesmo modo, só não seria tão divertido. Eu conseguiria o que almejava.



Dia 14 de Fevereiro, quinta-feira. Acordei radiante. Sem olheiras, sem enxaqueca, sem dores no corpo. Uma noite de sono que não existia para mim há algum tempo. Indo para o banho passei pelo grande espelho. Tive a impressão de que ganharia um concurso de beleza fácil, fácil. Não que eu fosse assim tão bonito, apenas que estava realmente radiante. Tirando os pircings na sobrancelha e lábio, poderia ser um modelo. Sacudi a cabeça e ri de meus pensamentos idiotas.



– Hoje você está com a corda toda hem, Kim?



Após meu banho e mais alguns inúmeros devaneios estúpidos, desci as escadas, tendo certeza que estaria sozinho. Minha mãe tivera conhecimento de um club perto do condômino onde morávamos, rapidamente se tornando sócia. Ficaria lá o dia todo, provavelmente. Meu pai, como sempre, deveria estar trabalhando. Enquanto preparava meu café pensava no que faria nesse dia especial. Em três dias tive tempo suficiente para observar a rotina dele. Horário em que normalmente saía e chegava: dez horas da manhã pegava sua BMW, voltando apenas às seis. Sempre o mesmo horário. As dez pretendia dar um passeio pelo condomínio, quem sabe até mesmo uma volta pela cidade. Seu olhar definiria as circunstâncias.



Faltando alguns minutos voltei para meu quarto, onde coloquei uma roupa descente para que pudesse sair. Uma calça jeans escura, um pouco mais baixa e larga do que o normal. Uma regata branca e vermelha cobria meu tronco, combinando com o tênis de mesma cor. A faixa preta já residia em meu pescoço, como em todos os dias. Peguei meu celular e algum dinheiro para caso fosse necessário. Desci as escadas lentamente. Não tinha a mínima presa em caminhar.



Quando cheguei à porta de casa eram exatamente dez horas, já podendo ouvir sua garagem sendo aberta. Fechei a porta calmamente. Passei pelo jardim e na calçada virei para a direita, passando em frente à casa de Forward. Mostraria que ainda existia, e que minha presença não havia sumido. Não dirigi meus olhos a ele, mas poderia dizer exatamente o modo como estava vestido. Blusa social de manga longa, calça social bege e um sapato de cor marrom bem escuro. Cabelos com gel, direcionados para trás, e em seu pulso um relógio que, porra, deveria custar uma fortuna.



Tinha certeza que enquanto colocava a chave na ignição me olhava pelo retrovisor. Porque aquele homem parecia observar tudo, estar ciente de tudo. Perguntava-me se ele estaria também ciente de minhas intenções. Mas pouco importava. Como disse, não mudaria nada. Já longe de sua casa pude ouvir o carro distanciando-se. Hoje segui-lo não faria parte de meus planos, e provavelmente nos dias seguintes também não. Sem um carro ficaria meio difícil. Continuei andando, chegando à minha primeira parada. A secretaria do condomínio que, por incrível que pareça, tinha uma. E bem organizada por sinal, como todo aquele lugar.

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Atrás de uma grande bancada no centro da sala encontrava-se uma mulher loura, na faixa dos quarenta anos com feições macias e simpáticas. Logo que passei pela porta seus olhos calorosos dirigiram-se a mim, mostrando-me seu profissionalismo, tendo capacidade de ser simpática com quem fosse. Deveria estar ali há algum tempo.



Quando coloquei os braços pela bancada e mostrei minha intenção de dizer algo, seus lábios curvaram-se para cima em um simples sorriso. Não. Não deveria estar ali há muito tempo, era simpática de mais. Ninguém gosta de pessoas simpáticas de mais. Normalmente ficaria irritado, mas seu jeito facilitaria meu trabalho. Quando falei pareci mais iluminado do que ela. Tive vontade de gargalhar. Só em uma situação daquela para agir desse modo. Era realmente engraçado.



– Bom dia senhorita.....



Ela sorriu ainda mais radiante. Aquele truquezinho que aprendi com ele realmente funcionava.



– Raika Klinkmir... Em que posso ajudar?



Que nome horrendo! O meu, que já não ia muito com a cara, era fichinha perto do dela. O que os pais tinham na cabeça ao dar nome aos filhos? Faça-me o favor. Ainda sorria, enquanto “acabava” com seu nome em minha mente. Voltei a falar.



– Meu nome é Kim Search, acabei de me mudar para a casa número 13 e....



– A casa ao lado da de Vitor Forward?



As coisas estavam ficando boas. Eu nem mesmo tive que falar, ela iniciou o assunto por mim. Como disse, simpática de mais.



– Sim, o conhece?



– Ora, com certeza. Vitor é um homem maravilhoso! É um de nossos moradores mais antigos. Bom, ao menos é o que diz sua ficha. Não trabalho aqui a muito tempo.



– Jura? Ele mora aqui a tanto tempo assim?



– Mora. A mais ou menos uns dez anos. Sempre colaborou com algumas instituições carentes ligadas ao condomínio. É realmente .... Oh! Comecei a me empolgar. Desculpe. Eh... Mas, então, o que deseja, Kim Search?



Ela meu deu poucas informações nesse dialogo, mas não menos importantes. Já havia outros lugares onde pudesse buscar informações sobre seu nome. Homem maravilhoso? Por que será que ela pensar assim não me surpreendeu em nada? Quem sabe, não é... [desgraçado manipulador].



– Na verdade eu gostaria de saber se existia ficha dos donos de imóvel nesse condomínio, mas minha pergunta já foi respondida. Obrigado.



– Ah, sim! Temos realmente. Mas, porque o interesse, querido?



Querido? Simpática de mais.



– É que eu gostaria de um favor. Se por acaso nessas fichas tiver algum endereço ou telefone de onde esse morador trabalha, teria como você ver a ficha de meu pai. Preciso falar com ele urgentemente, mas como somos novos na cidade não sei onde ele esta trabalhando, muito menos telefone ou endereço.



Dei um sorriso largo. Pensei que a cegaria com o brilho dos meus dentes. Ela respondeu com outro ainda maior estampado em sua face. Sorrir tanto já estava me dando câimbras. Não é lá um costume meu.



– Com certeza. Me de só um minuto que irei pegar a ficha, ainda não passamos os dados para o computador. Qual o nome do seu pai?



– Alfred Search.



– Tudo bem. Com licença, querido.



Ela se dirigiu a uma pequena porta no canto esquerdo da sala. Demorou cerca de cinco minutos para que retornasse. Ao passar pela porta notei que não a trancara, deixando-a apenas encostada. Ótimo! Seria ainda mais fácil. Acho que já é possível notar o que eu fora fazer. Se havia fichas dos “proprietários” a dele com certeza estaria ali. E se eu desse sorte, teria algumas informações interessantes.



Raika sentou-se novamente a minha frente, ainda sorrindo. Isso realmente me irritava. O mundo parecia perfeito e cor de rosa com aquela face, e ele não era, não é, e nunca será assim, perfeito. Nunca fui de distribuir sorrisos a qualquer um. Eram raros os momentos que meus lábios se moviam verdadeiramente. Sorrir verdadeiramente. Há algum tempo isso não me acontecia. E vê-la ali, sorrindo daquele modo para alguém que nem conhecia, deixava-me irritado e confuso. Como ela conseguia? Seria eu o estranho?... Mas também pouco me importava responder a qualquer dessas perguntas naquele momento. Nos últimos dias só havia tido os mesmos pensamentos. Esses que ainda durariam um belo tempo.



– Kim, seu pai está trabalhando no Aeroporto Marechal Rondon. Deseja o telefone e endereço?



– Ah, sim, por favor. Muito obrigado.



Peguei o papel com as informações de suas mãos, e me dirigi para a saída. Desfazendo o sorriso que não agüentava mais manter. Sentei em um banco próximo, mas escondido pelos arbustos, impedindo que Raika me visse quando saísse. Encarei a lixeira localizada ao lado do banco, e ali joguei o papel com número e endereço. Como se aquilo fosse mesmo necessário. Já sabia tudo sobre a empresa que meu pai trabalharia antes mesmo de estar certo de que viríamos para Várzea Grande.



Fiquei naquele lugar cerca de uma hora e meia. Não desviei meus olhos da grande porta, apenas quando vi a mulher passando por ela é que retornei ao meu estado “normal”, sentindo uma dor desgraçada na bunda. Aquele banco com certeza não era confortável.



Corri para a porta. Não sabia quanto tempo ela ficaria fora. Quando entrei na sala e vi a pequena placa colocada em cima da mesa dizendo “Em horário de almoço” senti-me mais aliviado. Meia hora pelo menos eu teria. Não que fosse necessário mais de quinze minutos, mas nunca se sabe.



Dirigi-me para a pequena porta ao lado esquerdo da sala. Ainda estava encostada. Suspirei. Se me encontrassem ali não me meteria em grandes problemas, mas poderia atrasar tudo que planejava. A sala era ligeiramente pequena, com arquivos organizados em fila, em ordem alfabética. Procurei pela letra V, que logo foi encontrada.



Valmir; Vânia; Verita; Vitor .. VITOR FORWARD



A ficha era simples, como qualquer outra. Apenas não possuía a famosa foto três por quatro. Não estava quase totalmente em branco como esperava. Possuía até mesmo mais dados do que o pedido.



– Nome completo: Vitor Forward

– Data de nascimento: 13/12/1975

– Renda Fixa: Não

– Empresário/Forward Investimentos

Endereço: Rua das Travessias, Bairro Bom Presságio, n° 100

Telefone: 555-4657

– Compra de imóvel em 20/06/1996

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– Casa n° 12, Rua 8

Telefone: 543-6689

– Colaborações com Instituições ligadas ao clube.

Quatro mil reais mensais.

Telefones: 556-1238 ; 555-7778 ; 545-5536



Li a ficha com o máximo de atenção. Gastos com telefone seriam altos aquele mês. Tantos números para tirar informações! Peguei rapidamente o celular em meu bolso e tirei uma foto do documento. Depois de dez minutos naquela pequena sala, colocava tudo em seu devido lugar.



Quando já me preparava para sair pude ouvir passos do lado de fora. A única coisa em que pensei foi que teria de encontrar uma bela desculpa. A maçaneta começou a girar. Antes que pudesse imaginar uma solução, a porta já se encontrava escancarada e eu paralisado frente aos arquivos. Uma figura pequena, de seus no máximo 1,60, longos cabelos castanhos caindo por seus ombros, corpo magro e voluptuoso, olhos de mesmo tom castanho de seus cabelos, parada a porta, ainda com a mão na maçaneta. Já iria inventar alguma coisa quando ela perguntou:



– Tem alguém aqui? Raika, é você?



O que? Ela não estava me vendo? Eu estava parado bem a sua frente! Queria tirar uma com a minha cara. E então não obtendo resposta, simplesmente saiu e fechou a porta. O que fora aquilo? Tinha ficado louco ou ela realmente não me vira?



Esperei alguns minutos até abrir a porta novamente, de leve, olhando em volta. Não havia ninguém pela sala. Saí rapidamente, e quando cheguei à calçada pude ouvi-la novamente.



– Quem é você?