Capítulo 60

Capítulo 60 - Entrando num inferno astral!

Como dizem por aí, não dá para agradar gregos e troianos. Depois de realizarmos mais um projeto maluco de criar nosso próprio horóscopo, uma garota aparentemente entendida no assunto, criticou duramente nosso trabalho e exigiu que nos retratássemos tirando o aplicativo do Zodíaco da Nova Geração do ar. Mas é claro que Wilson não pareceu muito satisfeito em se desfazer de um aplicativo que nos rendeu a imensa quantidade de sete acessos. Quando poderíamos ter um retorno tão grande? Talvez nunca! O problema é que ela amaldiçoou Wilson enquanto ele não se retratasse e isso, mesmo para seres científicos como nós, não pareceu ser um bom sinal. É. Veríamos logo.

- Como é que é?! - gritou Wilson, assim que a professora de Português devolveu sua atividade - Como assim? 9,75?!

- É, Wilson - disse a professora Margarida, com um paciente suspiro logo em seguida - Você esqueceu de analisar sintaticamente a palavra da última frase. Tive que descontar 0,25.

- Mas, professora...eu sempre tirei 10 nesses trabalhinhos

- Parece que tudo tem uma primeira vez, não é? - é tudo que ela respondeu, voltando a entregar os trabalhos - Mas também fiquei espantada...o que houve com você, Wilson?

- Se te serve de consolo...ainda é maior que os meus 7,0 - comentei.

- Não...não pode ser - a folha ainda tremia nas mãos dele - Como pude cometer um erro desses?

De qualquer forma, o dia ainda não acabou. No final da aula, embora ainda traumatizado com sua nota, Wilson encontrou Demi e pediu para visualizar seu iPhone para ver a quantas andava nosso zodíaco (para alguém que tem tantos computadores, por que diabos ele ainda não arranjou seu próprio iPhone ou Smartphone ou até mesmo um Netbook que não ocuparia muito espaço na mochila?).

- Ah, claro. Mas acho que não mudou muita coisa

- Vamos ver! Vamos ver! - ele se animava - Preciso me animar um pouco!

- O que houve? - Demi me perguntou voltando o olhar para mim.

- Notas de Português.

- Sério?

- Prefiro não lembrar - respondeu ele, com os olhos fixos na telinha - Isso! Ganhamos mais duas visitas!

- Presumo que dois seja um número bem alto para nossos padrões... - comentei.

- Precisamos comemorar cada acesso, Daniel! Em breve, isso aí vai estar bombando

- Acho que as pessoas que acessaram não estavam muito sóbrias - murmurei.

- Do que está falando? Dê mais alguns dias e estaremos até dando entrevista em jornal

Só se for no jornalzinho do bairro e acho que nem eles trocariam seu horóscopo diário pelo nosso. Mesmo assim, a megalomania daquele cara seria difícil de derrubar. Demi ainda tentou lembrar dos acontecimentos daquela manhã.

- Mas e a Emília? Ela pareceu mesmo ofendida com o que fizemos!

- Não ofendemos ninguém diretamente - respondeu ele - E se ela se incomoda tanto é só não usar o aplicativo, oras. Os incomodados que se mudem, já dizia o ditado.

Emília era o nome da garota que criticou nosso projeto e, além de ser estranha de longe, quando estava perto de mim também me passava uma sensação muito estranha. Melhor não pensar nisso. Pelo menos era o que eu queria: não pensar nisso. O problema é que as circunstâncias iriam nos levar até Emília de novo.

- Ops. Desculpe - disse um garoto, talvez do primário, após derrubar um estranho material na camisa deWilson, algo como...tinta - Que droga...precisava desse guache para o meu trabalho de Artes.

É muito azar alguém estar com um vidrinho de guache aberto e tropeçar com ele a ponto de manchar a camiseta da pessoa ao lado, não é?

- Ah...minha camiseta preferida! - exclamou Wilson.

- Sua camiseta preferida é o uniforme da escola? - perguntei.

- É minha camiseta de uniforme preferida! - ele explicou. O garoto se desculpa novamente e sai de cena. Foi mesmo uma pena.

- Ah...guache sai fácil - consolou Demi.

- É. Tem razão. Não faz mal. Hora de ir para casa...acho que vou programar mais previsões para nossos signos

- Tem certeza? Não quer mesmo reconsiderar o pedido da Emília? - perguntou Demi.

- Relaxa. Não vai dar problema nenhum

- Opa. E aí, gente?- chega Jorjão, com um picolé na mão.

- Isso não vai estragar seu almoço? - questionou Demi.

- Nem. É só para enganar o estômago - responde o grandão - Adoro esse de limão e...

Foi o tempo de Jorjão tropeçar também e fazer o picolé voar, indo cair justamente na cabeça de Wilson. Por que não tinha uma câmera naquela hora? Minha alcunha de Garoto do Sorvete finalmente seria vingada!

- Aaah...de novo?! - reclamou Wilson, retirando o picolé da cabeça antes que alguém se desse conta do ocorrido. Esse não viraria meme.

- Ops. Foi mal - se desculpa Jorjão.

- Acho que agora eu não sou o único garoto do sorvete - comentei.

- Tudo bem, tudo bem, essas coisas acontecem - disse Wilson, conformando-se com seus pequenos acidentes - Eu tô vivo, não estou?

- Pelo menos por enquanto.... - diz uma voz conhecida chegando de repente. Era a Karina. Além de garota robô ela também podia muito bem ser chamada de garota fantasma.

- Credo, Karina! - alarmou-se Demi - Por que está falando assim?

- Todos vamos morrer um dia, certo?

- Bom, olhando por esse lado - murmurei.

- Mas do jeito que as coisas estão, talvez o Wilson não dure tanto quanto nós

- Credo! - exclamou Demi de novo - Bate na madeira, gente!

- Bem, é que vocês se lembram das palavras de Emília, não se lembram? - disse Karina, com uma expressão mais séria do que de costume.

Ao ouvir isso, lembrei das palavras de maldição dela. "Lembre-se de mim quando tiver problemas". Será que a praga dela pegou mesmo?

- Ah, fala sério! - zomba nosso animado e otimista amigo - Até parece que essas coisas estão acontecendo comigo só por causa do que ela disse.

- Tem razão. Não é cientificamente razoável afirmar isso - disse Karina, com a mão no queixo e um ar pensativo - Porém...como explicar essa sua maré repentina de azar, Wilson?

- Coincidência. Nada além disso - respondeu ele - Só uma coisinhas que acontecem nas melhores famílias.

Ele falava isso enquanto saíamos pelos portões da escola, mas acaba de pronunciar essas palavras de confiança, acaba pisando num chiclete. E daqueles bem difíceis de tirar.

- Oh, que coisa. Esse pessoal que não joga lixo no lixo - reclamou Demi.

- Foi falta de atenção minha - disse Wilson, até um passarinho fazer cocô na sua cabeça.

- Urgh...isso também é um acidente, né? - comentei, já sentindo pena dele.

- Não pode ser...não vou acreditar nisso! - ele parecia determinado - Mas...deixa eu ver o meu horóscopo de hoje, Demi! Por favor!

- Como é que é? - murmurei.

Mas antes que eu pudesse dizer algo, ele ativou o aplicativo e viu sua predição para Palhaço Fantasma.

- Aqui diz "Tome cuidado com suas escolhas. Hoje é um dia onde você pode enfrentar desafios, mas se persistir poderá superá-los" - ele olha para nós quatro com os olhos esbugalhados - Ouviram só? Desafios! Problemas! É isso! Bate direitinho! Estou passando por um inferno astral

- Fala sério! Como pode acreditar no horóscopo que você mesmo inventou? - questionei.

- Não importa - retrucou ele, agora parecendo preocupado - O fato é que estou passando por um maré de azar e isso parece vir de uma causa não científica, por mais que eu me recuse a acreditar!

- Tá falando sério mesmo? - perguntou Jorjão.

- Sempre fui cético, mas agora...waaah! - ele tropeçou e caiu no chão. Tênis desamarrado de novo.

- Wilson, quando você vai amarrar seus tênis? - bronqueou Demi.

- Ai, eu esqueci e...auu! - ele tira a mão rápido de algum lugar - Como fui cair justo com a mão no formigueiro?

- Você está mesmo numa maré de azar - comentou Jorjão.

- Talvez...a maldição da Emília tenha mesmo funcionado - sugeriu Karina.

- N-Não pode ser - gaguejou Wilson - E agora?

- Se for isso mesmo, vamos ter que falar com ela - respondeu Karina. Voltar a falar com a Emília? Por alguma razão, senti um calafrio. Não preciso nem ler o horóscopo do dia para Ornitorrinco para saber que alguma encrenca ia acontecer...