There Is a Smile of Love

He always said I had a way with words


02 de janeiro de 2016

04:00. King’s Landing.

Ned Stark era um homem admirável e honesto. Era um homem de boa reputação, cuja família representava, por toda a Westeros, a força do homem perante as adversidades. Os Starks teriam sido os desbravadores do Grande Norte, fundadores da bela e gélida Winterfell e, em tempos de guerra, os guardiões das fronteiras além da Muralha.

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No decurso dos tempos e com a evolução do país, a liderança militar dos Starks no Norte fora realocada para a política e a índole de “governantes justos” recaiu como uma luva ao moralismo do que viera a ser chamado de “clã dos lobos”.

Sendo assim, era difícil corromper Eddard Stark e, mais ainda, era quase impossível enganá-lo.

“Sansa. Precisamos conversar”, dissera assim que avistara a filha. “Sozinhos”, acrescentara ao ver o olhar penetrante de Robb.

Sansa sentia o peso do tom do pai, acompanhando-o incerta para o quarto que funcionava como escritório provisório.

O apartamento era uma das novas aquisições da família por conta das viagens cada vez mais frequentes de Ned e Robb à capital. Os quartos já continham certa personalidade, porém o escritório ainda consistia no ambiente mais impessoal e minimalista do local. Era perceptível o desagrado de seu pai com o cômodo, mas ele nada falara sobre.

O homem seguiu para cadeira de couro por trás de uma grande mesa de vidro – os dedos sentindo a abstinência de sua enorme mesa de madeira deixada para trás em Winterfell.

Sansa sentara-se na poltrona à frente de seu pai e aguardou. Ele parecia ponderar as palavras certas, o olhar fixo no quadro de Pollock preso à parede – com certeza ideia de sua mãe -, a careta se formava em seu rosto pensativo, o que fizera a ruiva rir baixinho.

“O que é engraçado?”, perguntara curioso.

“Pai, o senhor é claramente um livro aberto, não sei como conseguiu não ofender o Sr. Baratheon quando visitamos o museu de caça. A sua cara era até pior do que a que está fazendo para o quadro”, respondera e, então, se arrependera por mencionar Robert ao pai. A lembrança da sua morte era fresca e as consequências terríveis ainda pairavam sobre todos.

E, assim, seu pai a surpreendera. O homem ria estrondosamente, jogando a cabeça para trás. Rira por bastante tempo e de repente parara com um daqueles sorrisos tristes.

“Robert não era um homem de se ofender facilmente por conta de caretas, ele era mais de responder a insultos verbais e físicos. De nada lhe importava etiqueta”, dissera com a voz firme, porém com ar de nostalgia.

“Sinto muito, pai. Sei que ele era seu melhor amigo”

“Obrigada, filha. Ele pode não ter sido sempre um bom homem, nem um bom governante, mas por muito tempo foi o único amigo que tive. Um bom amigo”, falara pesaroso. “Mas não a chamei aqui para saudarmos a memória de Robert. Esse desajustado até em morte me causa problemas”.

O semblante do patriarca da família Stark por um momento ficara sombrio e unira as mãos por cima da mesa, inclinando-se na direção de sua filha mais velha.

“O que seria, então?”, Sansa arguira confusa.

“Preciso de você e Robb de volta em Winterfell”, ele dissera sem cerimônias, enquanto levava a mão à barba.

Sansa sentira um aperto no peito e sua mente imediatamente pensara na última conversa que tivera com Margaery. Não poderia voltar para Winterfell. Não agora que as coisas estavam se intensificando e a morena, que tanto lhe confundia, se encontrava no meio deste caos.

No entanto, a expressão determinada e cansada de seu pai a puxara para as condições atuais. Winterfell elegeria um novo conselheiro para substituí-lo e os Boltons se regozijariam com a oportunidade. Robb precisaria voltar ao escritório e preparar-se para ingressar com todos os mecanismos jurídicos possíveis para combater os absurdos que em breve aparecerão no Norte se o pior acontecer. Porém, Sansa julgava não ter necessariamente um lugar para orquestrar algo junto a seu irmão.

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“Sei que está se perguntando o porquê de estar lhe enviando junto com Robb. E, antes de responde-la, queria fazer uma pergunta”. A ruiva se surpreendera com a proposta do pai, mas assentiu com a cabeça. Como agora desejava que não o tivesse feito.

Sentia o frio navegar por seu corpo, fluindo por suas veias e paralisando suas ações e o seu fôlego. Sansa poderia jurar que haveria se tornado uma estátua se não fosse a sua mente correndo a mil e o tremor das mãos.

“Qual a natureza da sua relação com os Tyrells?”, o eco em seu ouvido era ensurdecedor.

O homem esperava pacientemente a resposta, os olhos fixos em sua reação. A jovem nortenha poderia identificar a apreensão no rosto do pai. Respirara fundo e orara para sua voz sair uniforme.

“Por certo tempo, fui amiga dos dois herdeiros mais novos. Highgarden é praticamente a cidade da família e, como o senhor sabe, Mace Tyrell é o reitor da Universidade onde leciono”, respondera cautelosa.

“Hmmm”. Seu pai voltara o olhar para a pintura e se manteve pensativo por alguns segundos, não parecia ponderar algo, mas sim como dizê-lo. “Com qual dos dois você...é...mais familiarizada?”

“Em que termos?”, retribuíra incomodada. Não suportava tamanha hesitação, gostaria que as palavras dele fossem diretas, ainda que se transformassem num pesadelo.

Ned suspirara pesadamente e a melancolia voltara a ressoar em seu rosto. “Conheço Olenna e sei que ela estava insatisfeita com o mandato de Robert...”

“Você não quer dizer que acha possível que Olenna tenha feito algo desse tipo, não é?”, Sansa interrompera horrorizada.

“Não, claro que não”. Seu pai dispensara suas dúvidas e continuara. “Eu a conheço, não é do feitio dela se envolver com algo tão violento e nada sutil, porém creio que podem se utilizar da ligação recente dos Baratheons à família Tyrell e levantar suspeitas”.

“E, então utilizá-los como bodes expiatórios? É isto que está implicando?”, o coração de Sansa martelava pensando na possibilidade.

“É possível. Estou tentando antecipar todos os movimentos prováveis, mas ainda há muito que não se encaixa”.

A frustração do pai pesava – queria tanto revelar o que sabia, mas as consequências deste conhecimento poderiam prejudicar mais do que ajudar a atual posição do conselheiro nortista.

“Margaery”, respondera abruptamente e olhar de Ned a incentivara a continuar. “É com ela que...sou...mais familiar...por assim dizer”.

“Ela é a mais promissora de todos os herdeiros. Ela lembra muito a avó e pode chegar tão longe quanto ela se jogar com as cartas certas”, ele dissera com um leve sorriso.

“É verdade. Ela é...muito mais do que as pessoas veem”, Sansa tentara conter o sorriso, mas a memória dos debates das duas sobre os mais variados assuntos, desde política, literatura, artes e direito à ciência e tecnologia. Margaery sabia “um pouco” de tudo e não deixava de surpreender quanto a isso.

“Vejo que vocês são boas amigas, então. Isso é bom, tirando Jeyne e depois do que aconteceu com o Harry, sempre tive medo que tivesse poucos amigos”.

Sansa sorrira para o pai e levara a mão à dele. “Por incrível que pareça, não tenho medo de dizer que meus irmãos são os meus melhores amigos. Bem, tirando o Robb nesse exato momento”, fizera uma careta ao lembrar dos recentes sermões deste.

“Fico feliz em saber disso”, seu pai dissera ternamente. “Sansa, você herdou uma habilidade de sua mãe e eu espero e preciso que utilize agora. Necessito de você em Winterfell para enfrentar os possíveis resultados desta votação. Enquanto Robb pensa através daquilo que o ensinei e embora Jon tenha um bom coração, você consegue lidar com as pessoas melhor do que os dois”.

“Não entendi aonde quer chegar”, dissera relutante.

“O resultado não será bom, Sansa. Renly não ganhará, mas é bem certo que, quando Baelish assumir, ele mantenha minha posição aqui na capital por enquanto, eu ainda represento o apoio do Norte e como argumentei mais cedo...parte da minha defesa ao jovem Baratheon foi em memória de Robert”.

Então percebera o quanto seu pai estava encurralado, não poderia ter negado a indicação ao Conselho da capital por ser o melhor amigo do Primeiro Ministro falecido e querer justiça, mas endossara o inimigo do eventual sucessor ao governo e agora permanecia quase como refém no mesmo Conselho pelo bem do Norte, ainda que a longo prazo. Porém, no plano imediato....

“O senhor quer que eu convença as famílias com representação no Conselho a não votarem nos Boltons”, deduzira a ruiva.

“Sim. E quero que use sua ligação com os Tyrells para assegurar isso”, respondera seriamente.

“Como faria isso?”, retrucara confusa.

“Sansa, creio que você sabe muito mais do que pretende me dizer. Apesar deste fato não ser nada agradável aos olhos de um pai, confio no seu julgamento. Preciso confiar nele”. Ned falara tranquilamente, sem qualquer sinal de ressentimento quanto à omissão da filha.

Sansa sentira o rubor de vergonha e remorso em suas bochechas, as sardas preenchidas pelo leve rosado que lhe era tão comum, e abrira a boca para se explicar, mas o pai fora mais rápido ao interrompê-la.

“Não estou te repreendendo, querida. Talvez seja melhor que eu não saiba de tudo por enquanto, mas quero que você encontre uma forma de usar as informações certas para persuadir as pessoas corretas.”

“Então, acho que não devo começar pelos Greystarks, Ryswells e Dustins”, a ruiva brincara.

“Pelos deuses, não”, replicara Ned rindo. “Mormonts, Cerwyns, Umbers e Karstaks. Comece por eles.”

A jovem Stark assentira e perguntara apreensiva, “Quando espera que retornemos?”.

“Pedi a Robb que reagendasse as passagens para esta noite. Vocês sairão de King’s Landing com certa desvantagem, já que os marcadores da corrida já se iniciaram por lá, mas talvez...uma última visita aos seus amigos Tyrells antes de partir seria o suficiente para ajudá-la a compor uma estratégia”.

A ruiva aceitara a oportunidade e respirara aliviada por ter tempo de acompanhar a votação e se despedir de Margaery.

“Agora, creio que precisamos descansar. O dia foi longo e temos muito o que fazer daqui a poucas horas”, dissera o pai abatido.

Os ombros largos dele suportavam tanto peso quanto o titã Atlas – o peso de um mundo inteiro -, Sansa jurara fazer o possível para aliviar este fardo, nem que o preço fosse se distanciar mais uma vez da morena que tanto amava. Depois de tantas investidas do destino, tantos encontros e desencontros, Sansa acreditava que o futuro poderia reservar outras oportunidades. Afinal, o horizonte no mundo de Westeros não poderia conter apenas tragédias, não é mesmo?

09:50. King’s Landing.

O bater insistente na porta do quarto a acordara. Os olhos ardiam e a dor de cabeça começara a martelar, os efeitos das pouquíssimas horas de sono cobravam muito de seu corpo. Levantara da cama atordoada e abrira a porta de encontro ao irmão.

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Os cabelos de Robb estavam molhados, assim como suas vestes. Seu terno escurecido pela água, a barba por fazer e os círculos arroxeados abaixo de seus olhos davam a ele um ar selvagem, fazia jus ao seu apelido de “jovem lobo”.

“Desculpe te acordar, sei que está cansada...mas precisamos conversar”, o tom dele era urgente, porém exausto.

“Prometa-me que não se trata de mais uma lição de moral e poderemos falar sobre o que quiser”, respondera sonolenta, abafando um bocejo com a mão direita.

“Sansa...”, ele repreendera.

“O quê? Posso ser sua irmã mais nova, mas sou uma adulta, Robb. Me trate como tal e podemos conversar tranquilamente”, retrucara firmemente e, então, sorrira debochada ao dizer: “Bem, se você tiver café, a conversa poderá até ser agradável”.

Os cantos da boca do irmão se levantaram fracamente em um sorriso breve e assentira, bagunçando os cabelos molhados. Eram tão parecidos, Tullys em aparência e Starks em todo o seu jeito de ser.

Sansa permitiu que ele entrasse no quarto e sentou-se na cama, enquanto o rapaz se acomodara na poltrona azul junto à janela. As cortinas não eram capazes de deter alguns raios de sol teimosos, mas era o bastante para que as sombras no canto escolhido por Robb funcionassem como um efeito dramático.

“O pai me disse que você pretende visitar os Tyrells novamente antes de partirmos”, falara como achasse desnecessário qualquer contato com os herdeiros de Highgarden. “Eu irei com você”.

A afirmação não era o único motivo que incomodara Sansa, mas a convicção nos dizeres dele, como se fosse seu protetor de uma ameaça que somente ela não poderia enxergar. Sentira a irritação subir pelo seu estômago e cerrara os punhos, torcendo o tecido que cobria a cama.

“Por que? ”, perguntara contrariada.

“Porque é bem óbvio que seu julgamento fica comprometido quando está perto deles”, Robb retrucara.

“Eles são meus amigos, mas não sou ingênua a ponto de acreditar e seguir piamente tudo que dizem”. Sansa o fitara indignada em resposta. Não conseguia acreditar na falta de confiança do irmão.

“Sansa, entenda. Rosas são lindas e nos inebriam com seu aroma adocicado, mas seus espinhos existem e são traiçoeiros. Odiaria te ver machucada por se associar com eles”.

Era tarde demais, pensara Sansa. A vontade de rir em resposta fora silenciada pelo olhar suplicante dele. A amargura em pensar nos espinhos de sua bela rosa não lhe era mais tão forte, pensava no quanto seu sofrimento parecia distante – era como se a sua mente tivesse ciência dos acontecimentos, mas seu corpo se negasse a lembrar das cicatrizes em seu coração. Só havia espaço para um filete de esperança e, mesmo assim, lutava para não criar expectativas irreais.

“Se quiser, pode me acompanhar, mas não garanto que eles se sintam confortáveis para conversar tão livremente quanto o fariam sem a sua presença. Ainda mais com a preocupação pelo destino de Renly”, respondera com um longo suspiro.

Robb parecia não reconhecer a irmã, a expressão em seu rosto agora era dura e fria, tão contrastante à imagem serena que tinha dela há anos atrás. Seu receio cada vez mais se comprovava ao observar as interações que esta guardava com os dois Tyrells mais novos, especialmente ao redor de Margaery.

Os pontos se conectavam em sua mente e, apesar, de se magoar com o quanto não sabia sobre sua própria irmã, sabia que a culpa recairia sobre ele mesmo por não ter se aproximado mais dela, por ter deixado que seu trabalho o afastasse do resto de sua família – não queria ser ausente como o pai deles por vezes poderia ser.

Já para Sansa, o garoto ruivo que lhe lia contos de heróis e donzelas com um sorriso cativante se transformara num mártir taciturno, abraçando o peso que nem era dele para carregar.

Ambos se perguntavam como poderiam ter se tornado tão distantes e como poderiam cooperar em face dos acontecimentos que viriam. No entanto, uma coisa era certa, o inverno chegaria e os dois precisariam um do outro para enfrenta-lo.

O Stark mais velho acenara com a cabeça em reconhecimento aos dizeres de Sansa e levantara-se em direção à porta. “Sei que não somos mais próximos como antigamente e que Jon e Arya te conhecem melhor, mas se precisar de mim, eu farei o possível”.

“Obrigada”, retribuíra acanhada.

“Sairemos assim que se arrumar”

A porta se fechara e Sansa desabara na cama, parecia viver emocionalmente exausta e, mesmo assim, ainda haviam forças a serem sugadas pela ansiedade que lhe acompanhava. Decidira se aprontar para o próximo embate – coletar informações e despedir-se de seu grande amor, tudo sob a vigia do seu irmão mais velho.