The Road Behind Us

Capítulo 5 — Olds ghosts, new perspectives


Ele estava de volta ao hospital Saint Mary.

Adrenalina. Seu coração batia velozmente, tornando quase nula a dor dos ferimentos dos embates anteriores com os Vaga-lumes que estavam espalhados pelo hospital. Os médicos estavam caídos no chão, com as cabeças transpassadas por tiros de uma semiautomática. O único som ali era o bipe dos batimentos cardíacos de Ellie. Desconectou os aparelhos dela e a pegou em seus braços. Vamos, garotinha. Eu cuido disso. Luzes de lanterna brilhavam lá fora; mais um contingente de soldados estava se aproximando, e ele tinha que sair dali o mais rápido que pudesse.

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Quando saiu da sala de cirurgia, eles já não estavam mais no hospital. Era mais uma vez a Universidade do Colorado, nos corredores em ruínas onde havia estaladores e um verme. Ele teria esperado, aguardado o momento certo para afastar os estaladores e talvez matar alguns, por precaução. Porém os soldados estavam em sem encalço — ele sentia. E Joel precisava fugir.

Tudo o que fez foi correr. Passou pelos estaladores, que rugiram pelo barulho que ele causou, até que chegou ao final do corredor. A porta para sair dali estava bloqueada por uma máquina do outro lado. Não iria largar Ellie sob hipótese alguma, portanto empurrou a porta apenas com as costas, empurrando com toda a força que tinha. O verme se aproximava cada vez mais, bem como os estaladores, cada vez mais barulhentos. A cacofonia causada pelos barulhos dos infectados estava aterradora de uma maneira que ele jamais havia ouvido, e o som parecia perfurar seus tímpanos.

O verme passou por uma penumbra, e por alguns instantes não fora possível discernir seus contornos no breu. Quando saiu da escuridão, já não era mais um infectado que vinha ao seu encontro; era Marlene.

Você não pode salvá-la.

Ao ouvir aquelas palavras, por um único instante achou que iria fraquejar. Marlene não mexera os lábios para falar; sua voz parecia ecoar dentro de sua cabeça. Eu posso, Joel dizia para si mesmo. Eu posso. Ela vinha em passos vacilantes. Havia sangue por todo seu corpo, mais precisamente na cintura. A ferida vertia sangue e gotejava no chão. Joel tentou ser mais rápido, forçando cada vez mais a porta. Quando a luz finalmente iluminou o rosto de Marlene, viu o quanto ela estava pálida, com os olhos revirados. Em sua testa havia um buraco causado por um tiro.

Quanto tempo até ela ser morta, Joel?

* * *

Ellie despertou num sobressalto, assustada pela impressão de ter ouvido alguma coisa, ou alguém. Percebeu que ao seu lado, Joel parecia bastante inquieto, murmurando palavras ininteligíveis.

— Joel? — Ela o chamou baixinho.

Eu posso... eu posso...

* * *

É o que ela queria.

“Ache outra pessoa. Ache outra pessoa. Ache outra pessoa. ” Murmurava, embora não soubesse se era para si ou para Marlene, o que não fazia diferença alguma. A porta finalmente se abriu com espaço o suficiente para que Joel passasse. Ela estava cada vez mais próxima.

E você sabe disso.

A máquina rangeu quando caiu sobre a porta novamente, provocando um ruído ensurdecedor. Joel se ajoelhou no chão, resfolegando com dificuldade. Ellie ainda estava adormecida por conta suspensão narcótica, alheia a todos os acontecimentos que desenrolavam ao seu redor, e que no fim, eram por sua causa. No fundo, Joel achava que era melhor que ela continuasse assim.

Papai?

As pernas de Joel vacilaram ao ouvir aquela voz. Sentiu seu coração acelerar mais uma vez, e uma onda de torpor ameaçando sua sanidade, pronta para fazê-lo desabar a qualquer instante.

Era Sarah.

A voz de sua pequena Sarah vinha do andar superior. Ele subiu as escadas o mais rápido que conseguiu, passando por dois degraus quando era possível. Parou em outro corredor do campus.

— Sarah!? — Ele gritou, olhando ao redor, a procura de qualquer sinal de sua filha. — Onde você está?

Embora com dificuldade, Joel conseguiu abrir algumas das portas do corredor. Todos os quartos estavam vazios, sem nenhum sinal de Sarah. Ele sentia uma crescente onda de desespero lhe tomando a cada segundo, tornando seus esforços ainda mais urgentes para encontrá-la. Considerou a possibilidade deixar Ellie em um dos quartos vazios, para facilitar sua busca. Ela está morta, lembrou a si mesmo, num momento de lucidez enquanto percorria o corredor. Ela está morta, ela está morta, ela está morta... não era real. Era mera impressão, ilusão, alguma coisa do gênero. Ele tinha que continuar, Ellie era sua prioridade a partir de agora. E sempre seria.

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Dirigiu-se até o final do corredor, que dava em uma curva para outro menos iluminado. As luzes oscilavam, tornando o corredor escuro em dados momentos. E quando a luz falhou por longos segundos e tornou a voltar, embora bruxuleante, ele a viu.

Pai!

Sarah vinha em sua direção. Se matinha em pé se sustentando pela parede, mancando. Papai, minha perna ‘tá doendo. Ela chorava copiosamente, soluçando a cada passo em que era obrigada a se sustentar na perna quebrada. Atrás dela, à frente da porta de saída, havia um soldado. Ele tinha erguido sua arma em direção a Sarah.

Não é real, murmurou para si. Não é real.

— A escolha nunca foi sua. — O soldado sentenciou, com a voz dura. Pareceu que a voz de Marlene ecoou ao fim daquelas palavras, como um sussurro fantasmagórico.

E puxou o gatilho.

* * *

— Joel, acorde. — Ellie o sacudia pelos ombros. — Joel!

Tudo se tornou escuro de maneira abrupta, e então Joel sentiu estar sendo sacudido freneticamente enquanto ouvia Ellie chamar seu nome. O tiro parecera incrivelmente real, ao ponto de jurar ouvir seu eco em seus ouvidos.

— Joel, meu Deus... — Ela segurou seu rosto. Seu semblante era preocupado quando encostou as mãos cálidas. —Você está suando frio!

Ele se levantou, ficando sentado sobre a cama. Sentia seu coração bater acelerado no peito, e suas mãos pareciam tremer. Ficou em silêncio, retomando o controle de si. As imagens vagueavam diante dos seus olhos, Ellie na sala de cirurgia, o corredor cheio de infectados, Marlene...

E Sarah.

— Você está bem?

Ellie o mirava com grande preocupação.

— Estou... — Joel esfregou os olhos com os dedos. — Foi só... Um pesadelo.

— Você falava sozinho. — Ellie comentou, ainda evidentemente preocupada. — Dizia “eu posso, eu posso”.

Suas entranhas se reviram naquele instante. Joel considerou a chance de que talvez ele tivesse falado mais alguma coisa. E o pior – ele engoliu seco. – ter dito algo em relação aos acontecimentos de Salt Lake City. Entretanto, ao olhar de relance para o semblante de Ellie, teve certeza de que não disse nada além do que ela lhe informara. Caso contrário... sequer conseguia imaginar como ela estaria, ou como agiria. Uma onda de alívio percorreu seu corpo. Todavia, ela ainda o observava, a espera de explicações. Sabia que ela não se tranquilizaria se ele não falasse alguma coisa.

— Era Sarah. — O que não deixava de ser verdade. — Eu sonhei com ela.

— Você quer... falar sobre isso? — Ellie indagou, embora hesitante. Temia estar intrometendo-se demais no que era claramente uma ferida aberta de Joel.

Joel não respondeu, pelo menos não de início. Levantou-se e andou pelo quarto, ainda perturbado pelo pesadelo. A nitidez do sonho não era apenas o que o assombrava; e sim a possibilidade de aquilo se repetir, e acabar falando o que não deveria. Sentia o olhar preocupado de Ellie acompanhando seus passos, aguardando em silêncio alguma coisa por parte dele. Por fim, encostou-se à soleira da porta, e cruzou os braços. Respirou fundo antes de falar.

— Ela tinha apenas doze anos. — Disse num tom distante. — Sarah havia ficado acordada até tarde, esperando eu voltar do trabalho. Era meu aniversário e... Ela tinha comprado um presente.

No momento em que ele mencionara a palavra presente, instintivamente levou a mão ao relógio quebrado em seu pulso esquerdo. Ellie escutava com atenção, capturando cada palavra e cada gesto de Joel, na busca para compreender o que ele sentia. Ficara perceptível que era a primeira vez que ele contava a alguém sobre ela, dado ao ar vago de suas palavras, a postura distante, os olhos submergidos nas memórias.

— Ela acabou adormecendo logo depois, e eu a levei para o quarto. E depois fiz o mesmo. Fui ver o noticiário, e algo estava acontecendo no centro da cidade. Então eu ouvi um grito vindo da casa do vizinho, e desci para ver o que era. Quando cheguei perto da porta, Cooper estava passando por lá, e parecia estar correndo de alguma coisa. Ele me viu, e pediu ajuda. Disse que sua mulher tinha enlouquecido e tentou ataca-lo.

Joel parou de falar por um momento, relembrando as coisas que vira quando fora até a casa dos Coopers. Se ao menos, na época, soubesse que era apenas um prelúdio para o que viria ao longo dos anos...

— Jimmy, o cara que eu tinha ido ajudar foi atacado pela mulher dele, e eu fugi dali. Quando voltei, Sarah estava acordada. Não tinha tempo para explicar para ela, e tudo o que eu fiz foi pegar um revolver que tinha e leva-la para fora. Tommy chegou naquele mesmo instante.

“Íamos sair da cidade. A estrada principal estava bloqueada, então tomamos as rodovias alternativas que nos levassem para longe. Tivemos que voltar para a cidade, e foi então que um caminhão bateu no nosso carro.”

— Saí do carro, e logo depois ajudei Sarah. Ela não conseguia andar, tinha quebrado a perna, então tive que carrega-la. Dei a arma que tinha para que Tommy nos protegesse. E tivemos que ir a pé, para qualquer lugar que fosse longe dali.

“As ruas, todas estavam interditadas. Tudo estava pegando fogo, as pessoas gritavam desesperadas, carros se batiam entre si. Um verdadeiro caos. Tommy encontrou uma ruela por onde poderíamos ir, e lá havia alguns infectados. Ele matou um que me atacou, e seguimos em frente.”

“Só havia mais. Um grupo de cinco, seis, não lembro, surgiu correndo atrás de nós. Entramos em um prédio e Tommy disse que ia tentar atrasá-los, para que eu levasse Sarah para a rodovia, que estava próxima. Disse que nos encontraria depois. ”

“Saí do prédio e comecei a correr o mais rápido que podia. A rodovia estava perto, sobre uma elevação. No meio do caminho, uma ambulância tinha tombado e um enfermeiro se arrastava debaixo dos destroços em nossa direção. Ele grunhia. A elevação era íngreme, mas conseguir chegar ao topo. ”

“Dois infectados estavam atrás de nós, e antes que pudessem me atacar, um soldado os matou. Eu pedi ajuda, mas... Ele tinha ordens. ”

Ele sentiu um aperto desconfortável no peito. Algo pareceu subir em sua garganta.

— Eu tentei... tentei protege-la. Quando eu percebi que ele ia atirar, me joguei na descida, tentando proteger Sarah e a mim dos tiros. Mas acho que um deles a atingiu... E eu a peguei, tentando estancar o sangramento... e ela apenas chorava... ela... ela morreu em meus braços.

Joel se calou, com a cabeça baixa. Sentia os olhos cheios de lágrimas, e aquilo era tudo o que ele menos queria que Ellie visse.

Ellie, por sua vez, ouvira tudo em silêncio. Quando viu que ele abaixou a cabeça, sentiu um impulso em si e se deixou levar por ele; caminhou até Joel, e o abraçou da maneira mais forte que conseguiu.

— Merda, Joel. Eu sinto muito, sinto muito mesmo. — Murmurou com a voz entrecortada. — Eu... eu devo parecer um bebê chorão agora, mas eu sinto de verdade por ela, e por você.

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Aquela atitude de Ellie o pegou de surpresa, de uma maneira inesperada e agradável. Ele retribuiu, e percebeu que ela chorava, embora silenciosamente. Afagou sua cabeça, sentindo-se profundamente agradecido por ela estar ao seu lado. Ficaram naquele momento por algum tempo, até que finalmente Joel se desvencilhou dos braços de Ellie e tocou-lhe o ombro.

— Vamos voltar a dormir. Amanhã o dia será cheio.

Ellie assentiu, e então o soltou. Joel se deitou na cama, virando-se para o lado. Ela não fizera o mesmo, permaneceu parada à porta. Antes que Joel perguntasse alguma coisa, alegou que iria ao banheiro.

Ainda havia algo que incomodava Ellie. Foi até o quarto inutilizado, sentando-se no parapeito da janela. Seu canivete ainda repousa no mesmo lugar, incólume. Uma brisa fria balançava as cortinas fazendo-as parecerem com ondas suaves e diáfanas. Ainda trovejava lá fora.

“Ache outra pessoa”. Joel havia murmurado aquelas palavras, no entanto Ellie preferiu não perguntar ao que elas se referiam. Pelo menos não naquele momento. Algo dentro de si dizia que aquelas palavras carregavam muito mais peso do que qualquer outra que ele tenha pronunciado durante o sono, ou do que ele explicara. E elas nada tinham haver com Sarah.

E sim com Ellie.

E ela sabia disso.