Hali

Chamei para que ela não saísse, mas já era tarde. Eu dei um passo para segui-la,mas dois para trás, acho que era melhor ela ficar sozinha.Muitas informações para pouco tempo: querem meu coração, Issa é uma bruxa negra, Axel não é tão mal assim, seu filho esta em perigo e por alguma razão estranha,Hansel e Gretel não querem me matar.

Sento na frente da lareira e observo os últimos resquíciosdo livro queimar. Como podemos parar esse ritual? O jeito que Issa ficou não foi só por causa do livro. O que será que ela leu?

–Melhor vigiarmos essa casa, em breve alguma bruxa tentará algo. – Disse Gretel– Quem vai ficar no primeiro turno?

–Eu fico no primeiro turno. – Respondeu Axel, virou-se para seu filho. – Fique aqui dentro. – Beijou a testa de Nathan e sai.

Axel vai ficar lá fora com a Issa? Axel vai matar Issa, sinto uma mão sobre meu ombro e nem preciso olhar para saber quem é.

–Ele não vai fazer nada. – Disse Hansel respondendo minha pergunta silenciosa

Eu só aceno em concordância.

–Eu irei até a cidade buscar nossas coisas. – Informou Gretel.

Hansel se afasta de mim e vai em direção a sua irmã, os dois conversam baixo, mesmo não escutando o que estão falando, parece ser serio. Nathan se aproxima e senta ao meu lado, seu rosto mostra a tristeza e medo.

–Quer fazer algo? – Pergunto querendo anima-lo

Ele olha em volta como tivesse procurando algo ou será alguem?

–Aqui tem livros? – Perguntou envergonhado

–Bem, tem sim. Eu não sou fã muito de ler, mas acho que Issa tem uns livros de historias. Pode pegar, está no nosso quarto, no baú no pé da cama. – Respondo

Nathan dá um belo sorriso, se levanta e corre para o quarto. Volto a olhar o fogo, já não contem nenhum sinal da existência do livro. Droga, precisamos arranjar algum jeito de parar o ritual, quem sabe eu consiga falar com minha mãe ou minha mestra, mas só consigo falar pelos sonhos.

Posso olhar no livro das bruxas brancas, mas não deve ter nada, somente feitiços de cura, benção e outras coisas.

–Se continuar a pensar muito, sua cabeça vai explodir. – Comenta uma voz ao meu lado.

Eu dou um sorriso como resposta, como sempre, Hansel tentando fazer uma piada. Noto o quão perto Hansel está sentado ao meu lado, meu coração dispara, nossos olhos se encontram.

–Onde esta Gretel? – Pergunto quebrando o olhando

–Ela foi até a cidade buscar as nossas coisas. – Respondeu Hansel irritado

–Aconteceu algo? – Pergunto novamente

Hansel solta um suspiro.

–Mesmo ela indo com Edward, deveria ficar aqui. As bruxas podem pega-la. – Respondeu preocupado.

–Ela é uma caçadora de bruxa, sabe se defender. Ela tem sorte não ser o coração dela que querem. – Digo tentando anima-lo

O caçador desvia o olhar para o fogo. Será que estão escondendo algo?

–Hansel, o que você esta escondendo?

–Hoje você está fazendo muitas perguntas. – Disse Hansel rindo. – Minha vez, como você e Issa se conheceram?

Aquela pergunta me pegou de surpresa. Pelo visto será uma longa história.

–Para te responder isso, terei que explicar meu passado. – Respondo para ele

–Bem, temos muito tempo. – Avisou.

Seus olhos tinham um brilho, que me arrepiei toda.

–Tudo bem, mas aviso que a historia é bem grande Tudo começou quando no dia do meu nascimento, ou melhor, quando fui abandonada...Quando nasci fui deixada na porta de um casal que morava no meio da floresta. Meus pais tinham dificuldade em ter filhos, então me adotaram e me nomearam de Halias Luna. Halias por causa da cor dos meus olhos, minha mãe dizia que eles lembram o mar e Luna por ter sido abandonada no dia de lua cheia. Os anos foram passando e eu não desconfiava de quem eu era, só estranha ser tão diferentes dos meus pais fisicamente, mas eles diziam que isso era normal. Meu pai era caçador, então me ensinou tudo que sabia, por isso sei atirar tão bem. Quando tinha 10 anos, aconteceu um milagre, minha mãe ficou grávida e deu a luz a uma linda menina, que foi nomeada Dorothy, por ser uma dádiva de Deus. Foi uma alegria para nossa família, eu finalmente tive uma irmã, devo dizer que logo me tornei uma irmã coruja.

Fiz uma pausa, para saber se devia continuar, Hansel deu um sorriso para que eu prosseguisse.

–Quando tinha 16 anos, meu pai pediu para que eu fosse pescar peixes para o jantar e também levasse minha irmãnzinha comigo. Deixei-a sozinha por alguns minutos para pegar lenha, e quando voltei, tinha um urso a encarando.Peguei minha espingarda para atirar, mas o urso foi mais rápido e bateu na arma, vendo que atenção estava toda em mim, pedi para ela sair dali, mas a teimosa correu para mim e agarrou nas minhas pernas.

–Teimosia é de família pelo visto. – Brincou o caçador

Mostro a língua como resposta.

–Achei que íamos morrer, mas escutei uma voz feminina que me mandou pegar o galho que estava nos meus pés. Achei que estava pirando, mas aquela voz soou tão doce e confiante, que fiz o que mandou. A voz disse algumas palavras, e aquelas mesmas palavras deslizaram por meus lábios, senti um tipo de energia saindo de mim.

Fechei os olhos, lembrando da sensação, é como meu tivesse cercado de uma energia, fria como gelo e quente como a brasa.

–E então? – Perguntou Hansel interrompendo meus pensamentos

–Atingi o urso e ele caiu como uma pedra. Nós duas ficamos o encarando, eu estava em choque, não consegui fazer nada. Minha irmã foi que fez o primeiro movimento, chegou perto e cutucou o bicho, e foi quando acordei. Peguei na sua mão e arrastei até chegar em casa.

–Nossa. – Disse Hansel. – O que você disse para seus pais?

–A verdade, expliquei o que aconteceu. Meus pais ficaram desesperados, eu podia ser acusada de bruxaria e ir direto para a fogueira. Vendo que não podiam mais esconder, contaram a verdade e foi quando tudo se encaixou. Eu não parecia nada com eles, eu acreditei que isso era normal. Fizeram jurar que não faria nada que pudesse mostrar minha verdadeira face.

–E o que aconteceu?

–Depois daquele dia, comecei a sonhar com uma mulher belíssima. Foi pelos sonhos que eu descobri que ela é a dona da voz que escutei e me explicou que era uma bruxa diferente, uma bruxa branca.

–O que aconteceu com sua família?

Desvio o olhar, não consigo encarar. Como posso olhar-lo depois o que fiz.

–Eu quebrei a promessa. Nos sonhos, a mulher me ensinava sobre arte da magia e eu praticava escondido na floresta, a curiosidade e a sede de conhecimento falaram mais alto, e eu paguei o preço do mesmo valor.

As lagrimas escorriam por meu rosto e nada podia fazer para parar. Sinto a mão deHansel secando minhas lagrimas, tão suavemente.

– Continue...

–Eu fui para meu esconderijo na floresta, para poder treinar o mais novo feitiço...

Flashback

Esse feitiço está mais difícil do que os outros, eu aponto novamente a varinha e repito as palavras, mas nada.

–Por que tem que ser tão difícil?

Vou tentar novamente, mas escuto um barulho vindo de fora da caverna. Guardo minha varinha, pego minha arma e saiu da caverna, não há nenhum movimento ou barulho. Meu instinto diz que tem alguem, e são confirmados quando vejo alguem atras da arvore

–Melhor você sair, antes que eu atire. Eu sei onde você está. - Ameaçei

–Hali! – Choramingou uma garotinha saindo de trás da arvore.

–Dorothy! O que faz aqui?

Baixei a arma e entrei para a caverna, sei que Dorothy me seguia.

–Eu queria saber por onde você anda. Depois de fazer os deveres, você some, irmã.

–Não interessa, agora volte para casa, antes que a mãe fique furiosa. Sabe que ela odeia quando você sai desacompanhada.

Eu me sento novamente e tento recitar o feitiço.

–A mamãe disse que você não podia fazer isso.

–“Mamãe” não esta aqui para saber e espero que não fale para ninguem.

Dorothy só deu os ombros como resposta.

–Dorothy. – Digo seu nome com tom bravo

–Ok, prometo.

–Ótimo. Agora vai embora.

Pego a mão de Dorothy e acompanho até a entrada da caverna. Me abaixo para receber um beijo na bochecha e vejo ela correr para a direção da nossa casa.

–Eu te amo. – Gritou Dorothy correndo

–Tambem te amo. – Grito em resposta. - Acho que vou treinar aqui fora, lá dentro esta muito quente. – Digo para mim mesma

Repito as palavras, mas nada acontece. Isso já esta me irritando, mas preciso ficar calma, fecho os olhos e as palavras saem da minha boca, e o feitiço funciona.

Pulo de emoção, mas escuto um gemido vindo de trás da arvore que atingi. Corro para lá e vejo minha irmã caída.

–Dorothy! Ai meu Deus, o que eu fiz?

Entro em desespero, ajoelho-me ao seu lado. Toco no rosto de Dorothy, noto que sua respiração esta diminuindo.

–Dorothy fala comigo, por favor, fique. – Imploro chorando

Ela olha para mim e sua respiração para, não podia acreditar que eu matei minha irmã. Sinto pingo de gotas no meu rosto, a chuva a cai e se mistura com minhas lagrimas. Abaixe-me, beijei a testa de minha irmã e fechei seus olhos,

–Meninas, cadê vocês? – Gritou meu pai

Se meus pais soubessem que eu a matei, não iriam me perdoar. Olho para minhas mãos e vejo que tem sangue, sangue da minha doce irmã. Escuto passos se aproximando, me levanto e corro, não tenho coragem em enfrenta-los.

Fim Flashback

Ao terminar de contar, senti que doeu menos que eu esperava. Minhas lagrimas não são mais de culpa, mas de saudades. Saudades das suas risadas, das suas brincadeiras, de sua teimosia.

Hansel me puxou para seus braços, para me confortar. Aqueles braços, me deram uma paz, que não tinha a muito tempo.

–Eu sinto muito. – Disse Hansel

–Não mais do que eu. Hoje ela teria 17 anos, seria uma jovem muito bonita e tenho certeza que seria uma grande caçadora. – Digo a imaginando, sim, ela quebraria muitos corações.

–O que houve depois? – Perguntou alisando meu cabelo

Eu ainda estava em seus braços, mas acho que ele não se importa.

–Viajei cidade em cidade, não ficava muito tempo, podiam desconfiar, principalmente, porque sempre ajudava alguem. Uma noite, enquanto viaja, fui ataca por uma matilha de lobos, mas fui salva por uma mulher. Essa mulher era uma bruxa branca, cuidou de mim e me fez aceitar quem eu sou. Sou muito grata a ela, não sei se teria conseguido viver por muito tempo. – Digo parando para respirar. – Ela me ensinou a manusear uma espada para me defender, já que não podemos, por vontade, atacar as pessoas e acabou meu treinamento, e me explicou do meu dom especial.

–Dom especial? – Questionou Hansel.

Eu me afasto para poder olha-lo. Devo dizer que ele fica bonito confuso.

–Algumas bruxas nascem com um dom, até mesmo as bruxas negras. Como essas bruxas e o feiticeiro que querem eu e o Nathan, eles tem o dom dos elementos. Eu nasci com o dom dos sonhos. – Ele ainda me olhava confuso. – Pelos sonhos, consigo pistas sobre algo que esta acontecendo, como eu sonhei com as crianças e Nathan e consigo me comunicar com quem já morreu.

O caçador me olha espantado, acho que não esperava isso.

–É um dom raro. – Continuo – Mas ainda não o controlo, não consigo controlar o que quero ver ou com quem falar.

–Nossa, eu estou espantado. Não sabia disso.

–Agora sabe. – Respondo sorrindo

–E aquela mulher do sonho, quem é?

–É minha mãe biológica. Depois do acontecimento, eu e ela tivemos uma briga e ela me contou tudo, que ela e meu pai me abandonaram, porque tinha bruxas negras atras de mim. Ela morreu alguns dias depois do meu nascimento e meu pai logo depois de me abandonar.

Mesmo entendo o motivo, sempre fiquei com aquele sentimento de rejeição.

–Eu entendo como é ser abandonado.

Olho questionando para ele.

–Quando eram crianças, nossos pais nos abandonaram para nos proteger. – Respondeu Hansel. – Mas vamos falar primeiro sobre você. Como você conheceu a Issa? – Perguntou mudando de assunto

–Depois que minha mestra morreu, eu continuei viajando para ajudar as pessoas e na cidade que tinha parado, escutei sobre uma bruxa negra seqüestrando crianças. E quando seqüestrou uma menina que lembrava tanto minha irmanzinha, logo fui a sua caça. Então enquanto procurava, acabei esbarrando na Issa, que também estava a procura da tal bruxa.

–Você não desconfiou de Issa?

–Não, nem um pouco. Ela não tinha o lado sombrio para identificar, então no começo achei que era uma caçadora de bruxa, principalmente pelas perguntas, mas logo acreditei ser uma bruxa, só que branca.

–Você trata todas as pessoas estranhas assim?

–Sabe que sua irmã me perguntou a mesma coisa. – Respondo soltando uma risada. – E dou a mesma resposta: depende, mas quando vejo algo bom nas pessoas, trato bem. – Dou um pequeno sorriso – Continuando, eu não falei, em primeiro momento, que era uma bruxa branca, mas mesmo assim ela me permitiu ir junto com ela. Eu fui a primeira a encontrar a bruxa negra, tentei lutar sem magia, mas não deu muito certo e quando fui com magia, acabei sendo atingida e apaguei.

Olhei para Hansel e seus olhos brilhavam de curiosidade.

–Quando acordei, estava numa caverna. Issa havia me salvado e as crianças. Vi que Issa estava ferida e cuidei, foi quando contei que era uma bruxa branca, ela não falou nada e só falou que era uma também, mas não disse que era branca. E desde então viramos irmãs.

–Desde o começo estranhei vocês serem irmãs de sangue, são tão diferentes fisicamente, mas depois veio essa idéia de que vocês eram irmãs de criação.

Eu dei um sorriso, Issa sempre será minha irmã, não importa se é bruxa negra ou não, eu a amo e isso que importa. Minha mãe tinha razão, eu já havia perdoado.

–Mesmo passando por tudo isso você tem um sorriso no rosto. – Admirou-se Hansel, devo ter sorrido

–Eu aprendi com minha mestra que sempre devemos sorrir, não importa o que aconteça.

Hansel sorriu, um sorriso genuíno e belo, e eu acabei sorrindo de volta. Seus olhos mostrava um carinho e tinha algo mais que não consegui identificar, só fez meu coração bater mais rápido. Seu rosto foi se aproximando do meu, só fechei seus olhos e senti seus lábios sobre o meu. Tão doce e macio, seu beijo foi melhor do que eu podia imaginar, para um caçador grosso, estava sendo um doce.

Nos separamos pro falta de ar, eu me senti tão envergonhada, afinal nunca tinha beijado um homem e eu não sabia o que fazer agora.

–Não precisa ficar com vergonha, bruxinha. – Disse Hansel beijando minha testa

Eu o abracei e escondi meu rosto em seu peito para que não visse mais minha vergonha. Sim, eu estava apaixonado pelo caçador e não pude deixar de sorrir mais ainda.

–Sabe, eu contei minha história... Está na sua vez de contar a sua para mim. – Digo

Afasto-me para poder olhá-lo enquanto escuto sua história. Ele me da um sorriso triste, pelo visto não sou a única a ter demônios.