Um copo de vidro preenchido pelo familiar líquido matizado foi posto diante de seus olhos, causando leves estrondos ao encontrar a superfície áspera do balcão e retirando-a de seu devaneio.

A loira ergueu o olhar, contando com o amparo da balconista que todos os dias tentava obrigá-la a tomar uma terrível vitamina; mas não encontrou muito além do salão — ofuscado pela presença das nuvens negras permeando o horizonte — e uma guilda desprovida, mesmo de vestígios, da emoção que já houvera ali um dia.

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Lucy não sabia quanto tempo fazia desde a última vez que vira alguém sorrir.

Semanas? Meses?

Mais lhe pareciam anos. Um terrível aglomerado de dias, agrupando-se em algo maior, arrastando-se com malícia e de forma vagarosa, se espreitando por cantos obscuros de suas memória e sempre trazendo a tragédia à tona, impedindo-os de esquecer.

Era como um ciclo interminável.

Sempre que a esperança ressurgia, era questão de tempo até tudo voltar ao chão.

Estavam presos por sua próprias dúvidas. Relutavam para aceitar sua morte; mas ao mesmo tempo pareciam incapazes de prová-la contrária.

A princesa baixou a cabeça e voltou a encarar o vidro, dessa vez lutando contra as lágrimas que candidamente acreditou ter dominado, abafando os soluços que se projetavam para fora de sua boca.

Depois de analisar os arredores e certificar de não ter sido vista, abandonou o copo e atravessou o salão em silêncio, desejando evitar um futuro flagra.

Quando passou pelo portão, seu rosto rubro foi embebido pelo líquido de antes. Voltou a provar do salgado sabor das lágrimas, parcialmente satisfeita pela liberdade adquirida — sentindo a tontura capturá-la e causar um leve embaço na visão.

A garota se encontrou quase sem forças para continuar a andar.

Seus joelhos cederam e ela esperou pelo impacto iminente.

Talvez devesse ter sido obediente e se alimentado direito, ela pensou. Pôde ouvir a voz baixa de Mirajane ecoar quase como um mantra, repetindo o mesmo discurso num eterno e bem conhecido monólogo.

Em perfeita sincronia, um forte par de braços enrolou-se ao redor de seu corpo, impedindo que ela caísse e, ao invés do chão, Lucy encontrou-se pressionada contra aquele que desde o início desejara a seu lado.

Aconchegou o rosto contra o peito de Natsu e aproveitou-se de seu calor, prendendo o cachecol subitamente entre os dedos.

Não precisava se segurar mais.

Não enquanto estivesse ao lado dele.

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Logo quando ouviu as insistentes batidas em sua porta, seriamente considerou ignorá-las.

Conseguiu se manter em negação por exatas duas horas — nas quais, surpreendentemente as batidas se recusaram a ceder. De sua poltrona reclinável, prestou um único olhar à porta.

Levou algum tempo para estabilizar a voz e engolir por completo a saliva, mas não mediu esforços em falsificar sua indignação.

— Vai embora! — Gray Fullbuster berrou, soltando a bituca gasta sobre uma enorme pilha que rondava o estofado.

— G-gray! Abre a p-porta... precisamos estar juntos— ouviu o choramingo abafado de sua companheira, já acendendo um novo cigarro — M-mesmo que esteja doendo... p-precisamos continuar todos juntos! — sua voz, repleta de embargo, preencheu o vazio da sala de estar.

O rosto dele se contorceu, tomando forma terrível que estivera evitando até Lucy bater sua porta. Os soluços se arrastaram, sempre baixos, e ele levou a mão à boca para tentar contê-los, o cigarro quase escorrendo por entre os dedos soltos.

— G-gray... por favor...

Foi tanto uma frustração como alívio sua incapacidade de chorar. Talvez suas lágrimas estivessem secas — provavelmente haviam sido gastas nos últimos três meses, ou mesmo naquela manhã.

Fechou os olhos e revirou sua mente à procura das lembranças do dia que aprendera a odiar, o corpo trêmulo e as mãos cerradas em punhos revoltosos, sua teoria de lágrimas secas sendo imediatamente banida.

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Sua primeira reação havia sido choque.

Levou tempo para absorver a informação. Foi necessário ainda mais tempo para se convencer de que tudo era real. E quando o pensamente finalmente se concretizou, o que antes era negação se condensou em pura e absoluta dor.

Desde então, passou seus dias evitando contanto e recusando qualquer tipo de proximidade. Tentou fingir sentir tanto quanto os outros, tentou manter a postura indiferente; mas foi impossível. Afinal, sua dor era ainda maior que a deles.

Talvez fosse culpa o que o mantinha isolado.

Talvez fosse orgulho.

Talvez fosse apenas seu subconsciente tentando castigá-lo da forma mais cruel que conseguiu encontrar, como naturalmente fazia.

Talvez, fosse outra coisa.

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— Gray, desgraçado! Abre a porta!

Em frente à uma modesta porta de mogno, que muitos dos recém chegados juravam nunca ter visto ser aberta, um pequeno aglomerado de magos estava reunido.

A loira mantinha a cabeça baixa, os cotovelos apoiados contra a mureta e as mãos sustentando-lhe a cabeça, já havia desistido de convencer Gray a deixar o apartamento — isso é, naquele dia.

Obviamente, voltariam no dia seguinte.

E, provavelmente, ainda estariam lá durante o mês que estava para chegar.

— Maldito, abre! Abre, Gray! Cuecão gelado! Princesa de gelo! — Natsu cuspiu, batendo os punhos contra a porta repetidamente — Picolé! Stripper desagraçado! Graaaaaayy — vociferou , sua voz mais parecendo um rugido entrecortado enquanto ele chutava, socava e cabeceava o bloco de madeira.

A menina, encolhida no degrau da escada, apertou sua gata com um pouco mais de força, ouvindo aos gritos incessantes de Natsu — que não parecia disposto a ceder dessa vez.

Haviam feito isso pelos últimos três meses. Lucy, Wendy, Natsu, Happy e Carla haviam estado lá, dias pós dia, tentando convencê-lo a deixar o cômodo abafado e, ao menos tentar, seguir em frente.

De todas as vezes, Wendy se lembrava de quatro principais respostas — que, na verdade, não passavam da mesma mensagem, ocasionalmente reformulada e dita com palavras diferentes.

— Graaaaaaaaaayyyy!

O som de colisão se tornou mais frequente.

— Grayyyyyyyyyyyyyyyyyyyyyyy, não vamos sair até você abrir!

Salamander rosnou, aumentando a distância entre ele e a maldita madeira que estivera em seu caminho por tanto tempo. Flexionou os joelhos e fixou o olhar no alvo, pronto para levá-lo ao chão.

Por três meses esperou que Gray tomasse coragem para viver novamente.

Não esperaria mais. Nos próximos segundos estaria dentro da casa, com a porta por debaixo do braço enquanto tentava trazer a sanidade até ele, gritando pedaços desconexos das sentenças que reunira durante todo aquele tempo — Gray provavelmente não entenderia, mas o arrastaria para fora do quarto de qualquer maneira.

Seus pés empurraram o chão, guiando-o em alto velocidade até sua vítima.

Ignorando os protestos incoerentes de Lucy, Wendy e Carla— todas falando ao mesmo tempo—, arqueou o cotovelo e seu punho se preparou para acertar em cheio o mogno rachado, chamas brandas envolvendo-o.

No último momento, a porta se abriu.

Quando se deu conta, seu punho em chamas havia repousado no estômago de Gray, imediatamente levando-o ao chão.