The Key

Capítulo 2


-Eu sabia que eles iam se dar bem! – ouvi o sussurro abafado atrás da porta da cozinha, dei uma olhadela rápida e comecei a rir ao ver Peter, Lara e Beth espiando-nos pela janelinha de vidro da porta.

-Fica quieta Lara! Ela não pode nos ouvir! – ouvi agora Peter, mas não me importei, eles não conseguiam me ver, olhando-os, então preferia somente continuar abarcada com Matthew, que estava muito feliz, pelo seu lindo sorriso estampado no rosto.

Todos foram dormir cedo, não que eu estivesse cansada, mas era por que meu corpo mal agüenta ficar em pé, enquanto meu psicológico queria continuar a treinar.

Meu quarto, quando cheguei era do modo de um quarto de hóspedes, com uma cama de casal, coberta por uma colcha de cor neutra, um armário de correr de madeira branca, uma escrivaninha da mesma madeira que o armário, uma janela grande e de aço, um abajur neutro e uma lâmpada fluorescente no teto. Mas, agora ele era bem diferente e estava com a minha cara, eu não me sentia mais uma hóspede e sim uma moradora, mas só me sentia assim, porque Beth nos tratava como filhas e filhos, eu me sentia segura ali e aquele quarto se passou a ser o meu quarto, com um abajur azul, vários papéis em cima da escrivaninha, roupas jogadas no armário e a cama sempre desarrumada. Para que arrumar?! Eu teria de deitar ali novamente mesmo!

Dormi normalmente em todos os dias desde a morte de minha irmã, mas naquela noite, alguma coisa aconteceu que meu sonho se tornou pesadelo em questão de segundos.

Estava eu, Catherine e Matthew. Um jardim florido e com o ar puro, com rosas e margaridas e as folhas verdinhas com um cheiro de hortelã. O céu estava ensolarado e com o sol bastante aconchegante. Estávamos conversando, sentados no gramado baixo, até que Charlie apareceu de longe e chamou Catherine e Matthew para perto de si, mas eu não, continuei sentada tentando entender o que havia acontecido ali, eles ficaram longos minutos conversando com Charlie, mas eu não via seus rostos claramente, até que eles se aproximaram de mim com as cabeças baixas e com o andar lerdo.

-O que foi? – minhas palavras ecoavam pelo espaço aberto.

Eles ficaram alguns segundos com as cabeças baixas, se olharam e levantaram a cabeça. Seus olhos estavam rubros e assustadores, seus dentes afiados e suas vozes estranhas, roucas e pavorosas.

-Ele está vindo Melany Black! – disseram em coro.

-Mel! Mel! – ouvi alguém gritar o meu nome e eu não estava mais no sonho/pesadelo, estava abrindo os olhos, sentindo-me soada e chorosa. Olhei para Beth. – Ouvi seus gritos do meu quarto! – sussurrou ela, espantada, enquanto eu tentava me situar no mundo.

-Desculpe... – falei arfando. – Eu tive um pesadelo. – falei, tentando respirar.

Minha testa estava ensopada de suor e minha roupa colada no corpo, com os olhos cheios de lágrimas ainda.

-Sabe o que eu faço quando tenho pesadelos? – falou ela, depois de um tempo olhando para mim e pensando no que dizer.

-O que? – perguntei, realmente curiosa.

-Bebo um copo de leite bem quentinho. – sorriu ela, com um amor fraternal.

Sorri, agradecida.

-Obrigada Beth.

Ela sorriu.

-De nada querida! Agora volte a dormir, amanhã tem treino. – mais uma vez, ela se mostrava realmente ciente de minha determinação.

-Obrigada mais uma vez. – disse me deitando e me aconchegando no quentinho dos dois lençóis e um cobertor grosso.

-Não precisa agradecer. – sorriu ela ao sair do quarto, não fechando a porta completamente e sim, deixando uma faixa de luz passando pelo quarto. Eu me sentia bem com aquilo.

Por mais que eu estivesse tranqüila, não conseguia dormir pensando naquele pesadelo. Parecia demais um aviso que Charlie, por mais que estivessem protegendo Alídea todos os dias e vinte e quatro horas pó dia, ele ainda assim, conseguiria ultrapassar a barreira e chegaria até mim. Por um lado eu não queria isso de jeito algum! Ele acabaria com a população de Alídea, me incluindo, e depois iria para a Terra. Mas, por outro lado, eu queria que eu o encontrasse para perguntar algumas coisas a ele e dar uma dela lição nele, que no caso, seria a morte dele, pela morte de todos os meus parentes e também pela morte de outras pessoas que eu vira a matar. Seria justo! E digno!

Comecei a me perder nos pensamentos e quando vi já estava de manhã e eu super mega ultra atrasada para o treino. Dormi até o meio-dia e havia combinado com Hélio às nove da manhã, por que de acordo com ele, eu tinha que descansar.

Levantei-me da cama completamente estabanada, deixando cair tudo que estava na minha frente, ou seja, tudo. Cheguei na sala em menos de dez minutos, ainda colocando meus tênis e prendendo meu cabelo. Havia tomado banho, escovado os dentes, me vestido em tempo Record, até para mim.

-Quanto tempo eu ainda tenho? – perguntei ao ver Beth na cozinha, como sempre, mas não vi nenhum dos outros.

-Não tem mais tempo querida. Seu tempo acabou a alguma horas. – ela riu, me vendo por o tênis em pé.

-Casete! Hélio vai me matar! – falei nervosa. Ele não gostava de atrasos, ainda mais quando nosso treino começava sempre às cinco da manhã e ele havia me dado mais algumas horas para dormir e eu abusei desse favor dele. Não que eu aprovasse, mas já que ele me deixaria dormir mais um pouco...

-Já parece morta. – ouvi a voz de Lara, entrando pela porta.

Ela estava carregando vários cogumelos pintados, aqueles que os proêmios gostavam, me lembrei.

-Cala boca Lara! – falei, passando pela porta e trombando com Peter e Matthew que também estavam com vários cogumelos, que foram espalhados pela escadaria da casa de Beth.

-Desculpa gente! – falei correndo para o portão e desesperada para chegar logo à casa de Hélio, íamos treinar os “dons” de minha serpente, ele achava que eu já estava pronta para aquilo, então, ok!

-Ok! – ouvi a voz dos dois em coro, enquanto eu fechava o enorme portão e saia correndo para a floresta.

*

-Hélio! – gritei após passar pela “segurança, literalmente, invisível”. – Me desculpe!

O vi sentado em sua cadeira de balanço, tomando seu famoso chá de hortelã, ele não me olhou, nem pareceu me ouvir. Estava sereno e levando a caneca branca de porcelana a boca.

-Hélio! – me aproximei dele com passos rápidos.

-Está atrasada. – falou ele na maior tranqüilidade do mundo, tomando seu chá.

-Eu sei... – disse, me sentando na escada de madeira comida da casa. Eu não era pesada, era até muito magra, mas a escada fez um rangido forte, então preferi ficar de pé. –Perdi a noção da hora.

Ele riu, enquanto tomava seu chá e fui contagiada, mesmo sem entender nada.

-Do que ri? – falei, tentando não encará-lo.

-Eu já sabia que ira atrasar, por isso que eu estou aqui há essa hora. Sempre quando chega às cinco da manhã, eu estou aqui. Não achou estranho eu estar aqui nesse horário? – ele falou rapidamente e percebi que eu não havia percebido, realmente.

Sempre que eu chegava as cinco, ele estava naquela mesma posição.

-Tem que ser mais esperta Black Soul, e captar todos os detalhes. – falou ele, colocando sua caneca de porcelana no chão e olhando para mim, com os dedos entrelaçados encima do colo. –Vamos começar?

Eu estava ansiosa para começar o “novo” treinamento. Seria muito legal saber os “dons” de minha serpente.

-Vamos! – falei sorridente, e me pondo ereta.

-Me dê seu braço. – falou ele, olhando para a minha serpente.

Estiquei-a e ele segurou meu braço com força, passando sua enorme unha pela minha pele, fazendo cosquinha, mas me controlei para não rir.

Ele riu.

-Igualzinha a sua mãe. – falou ele com os olhos fechados e ainda examinando minha serpente.

Sorri ao saber que até nisso éramos tão parecidas, era bom sentir que eu tinha metade dela em mim.

Vi o rosto de Hélio mudar de sorridente para preocupado.

-O que foi? – falei, mudando minha expressão também.

-Não sei... Tem algo aqui! – falou ele com o dedo indicador na testa de minha serpente tatuada.

-O que tem aí? – eu estava começando a ficar preocupada também. A expressão de Hélio não era nem um pouco animadora.

-Você tem os mesmos dons que sua mãe, de foto! – disse ele, mas parecia que ele continuaria. – Mas, tem algo aqui, que não vem da família Black.

Ele largou meu braço e me observou, com os olhos arregalados, me deixando ainda mais nervosa que eu já estava.

-Vem de você. – falou ele, olhando-me nos olhos.

-Mas, isso... – gaguejei. – É normal, não é? – tentei me concentrar na idéia que minha mãe havia passado alguma coisa para a serpente, assim como a pessoa que a usou antes e antes.

-Não, não é. Ela tem sua própria identidade, não pode ser mudada, mas você mudou Melany. – ele me chamou de Melany?! – Seus poderes vêm da serpente, mas também vem de você. – ele sorriu e sentou em sua cadeira de balanço, fazendo-a ir para frente e para trás. – Isso é incrível!