Wanda deixou a sala da senhora completamente abalada. Horas depois, seus olhos estavam injetados e vermelhos, não escarlate, mas injetados por lágrimas que marcavam a face alva. O tom ao se dirigir a Bucky, ainda esperando de braços cruzados junto à janela e olhos fixos no tapete da pequena sala tentando captar qualquer ruído estranho do outro lado, foi rouco e quase sem força.

— Vamos embora daqui.

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Acompanhou a ruiva sair porta afora num rompante e, no instante seguinte, a bruxa de cabelos platinados apareceu sob o portal, as mãos juntas na frente do corpo e um olhar resignado sobre o soldado, como se o julgasse por ainda estar à espera de Wanda depois de ter avisado que deveria se afastar dela enquanto podia. Ainda não entendia como deveria se sentir sobre aquilo, mesmo depois de tudo o que acontecera na cabana, se se tratava de um aviso ou uma ameaça.

— O que você fez? - Perguntou em voz baixa.

— Dei a ela as respostas que precisava. - A outra deu de ombros. - Infelizmente, não era o que desejava. É comum.

— É claro.

Riu amargo e apertou o boné entre os dedos para também sair, mas a mulher voltou a falar, dessa vez de forma um tanto contemplativa.

— Eu disse a você, deveria ter se afastado dela enquanto era tempo. - Suspirou, já próximo à porta, encarando a forma cambaleante como Wanda se afastava da casa pela trilha de cascalhos para fora da floresta. Já havia anoitecido há algum tempo, assim, logo ela se transformaria numa sombra distante e eles deveriam ir embora, para a cabana. - . Agora é tarde demais. Maximoff é um mistério instigante demais para que a deixe de lado.

Não se voltou para encarar as orbes azuis perfurantes da bruxa, mas resolveu sair antes que ela realmente dissesse algo que se arrependeria de ter ouvido. Tudo o que fizera até então, desde que chegara ali, soava como um grande passo errado em direção ao incerto e detestava essa sensação.

Guardando o boné enrolado da ruiva no bolso fundo da jaqueta, apertou o passo para alcançá-la, notando o caminhar vacilante e, mais perto, a respiração ofegante de quem tentava correr, mas apenas conseguia andar rapidamente para o mais longe possível daquela pequena casa e, possivelmente, daquela senhora.

— Wanda. - Chamou, sem sucesso, notando que ela continuou a fazer seu caminho, apertando as mãos em punho sob a manga comprida da jaqueta e curvando um pouco os ombros em encolhimento reflexo. Porém, ela tropeçou em uma das raízes, perdendo o equilíbrio e quase indo ao chão, antes que a alcançasse e a firmasse. Fechando a mão em torno do cotovelo dela, a viu se curvar contra si mesma, massageando o peito para tentar respirar melhor e os olhos esverdeados perdidos no chão. Novamente, não havia nada escarlate ali, o que estranhou. - O que houve?

— Eu… Eu só quero ir para a casa.

Ela afirmou em tom choroso, sem realmente o encarar, provavelmente sem processar sua presença de fato ali, inevitavelmente tremendo ante tudo o que acontecera dentro daquele cômodo. Se lembrou da bruxa afirmando que ela descobrira algo indesejado, embora não fizesse ideia do que se tratava - ainda que estivesse ao lado dela todos os dias, pouco sabia sobre seus objetivos.

— Ok… Precisa de ajuda?

A observou apenas abaixar a cabeça, sem negar ou anuir, apenas começando a andar um pouco mais devagar à sua frente. Parecia não se importar que a acompanhasse tão de perto para garantir que não fosse perder o equilíbrio ao mesmo tempo em que também aparentava ter os pensamentos muito longe dali, subindo a pequena colina por onde haviam descido.

Por mais que não a compreendesse realmente, havia aprendido alguns de seus maneirismos, como os dedos cheios de anéis remexendo ansiosos uns contra os outros, provavelmente sem que percebesse, e a forma como se fechava em si mesma antes que realmente pudesse racionalizar o que acontecia.

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Ultrapassaram a estação de trem e chegaram ao carro rapidamente, onde Wanda puxou o cinto e apenas esperou, virada para a janela sem realmente enxergar qualquer coisa. Observou a postura tensa por um instante, antes de manobrar e pegar a saída da cidade, se dirigindo para a cabana.

Naquele momento, concordaria com Sam que o silêncio soava incômodo, parecendo esmagá-los dentro do carro, mas poderia apostar que Wanda sequer notava. Ela não estava ali, mas no lugar onde a bruxa a colocara, e queria muito poder fazer algo por ela, mas tinha certeza de quão distante isso poderia estar de alguém como ele.

Ao chegarem na cabana, Wanda desceu do carro sem nada a dizer e seguiu direto para o quarto. Se ela ia fazer algo efetivamente ou, simplesmente, queria ficar sozinha para pensar, não saberia dizer. Com um suspiro resignado, alcançou o boné no bolso e colocou desleixadamente sobre a mesinha de centro, se acomodando no sofá em meio a um suspiro resignado.

“Wanda é um mistério instigante demais para que a deixe de lado”, se lembrou do que a senhora havia dito ao fixar os olhos cansados no teto vazio, se perguntando se se encontrava nesse estágio em que não via uma forma de deixá-la para trás em nome de sua sanidade. Ela não era seu dever, muito menos um trabalho, ela era… Wanda, apenas, uma conhecida. Sequer era capaz de afirmar que se tratava de uma amiga, tão distante sempre havia sido.

Antes que pudesse começar a apertar a fonte do nariz entre os dedos, no entanto, ouviu o ruído de algo se quebrando com força vindo do quarto dela. Algo dentro de si tremeu, pelo som do vidro se quebrando, pela forma como ela deveria estar depois de ter se recolhido em si mesma por todo o resto de tarde que gastaram no caminho de volta até os pés do Monte Wundagore.

Encarou a porta de maneira firmemente fechada, outro ruído, dessa vez de algo mais pesado, seguido por outro e mais outro e mais outro, repetidamente. Talvez, se se esforçasse mais, poderia ouvir até mesmo a respiração ofegante e frustrada da outra até, por fim, o choro preencher o ambiente.

Começou sem controle, um reflexo do momento, talvez sem se dar conta disso, mas logo se tornou mais alto. Fechou os olhos, concentrado na agonia de Wanda, tentando ignorar a imensa vontade de ajudá-la crescendo dentro de si, o comandando a, ao menos, checar se precisava de ajuda. Mas, racionalmente falando, o que poderia fazer por ela? Todo aquele embaraço estava muito além de sua compreensão e a ruiva se recusara a entrar no assunto ao voltarem para a cabana. Ela não precisava dele, não realmente.

Então, o ruído foi cessando até que só restou o eco de tudo o que foi. Nela, nele e na cabana, mais silenciosa do que jamais havia sido. Por isso, não conseguiu fazer os músculos distensionarem quando resolveu se deitar, nem quando pegou no sono, mais leve do que de costume para que, inconscientemente, conseguisse ficar atento a qualquer movimento de Wanda.

Naquela noite, não teve sonhos, mas logo os pequenos ruídos dos objetos na cozinha se fizeram presentes e ele se colocou sentado para encará-la, encolhida e sem pressa, andando de um lado a outro na cozinha enquanto a chaleira de ferro aquecia a água no fogo. Esfregando os olhos ardidos, notou que a madrugada ainda seguiria alta do lado de fora a julgar pela escuridão tangível além da larga janela da sala, o que queria dizer que ela não dormira muito ou nada.

Arrastando os pés meiados pelo piso de madeira, contornou a mesa e se aproximou em silêncio, percebendo que deliberadamente o ignorava ao procurar algo nos armários mais baixos, os cabelos presos em um coque alto e o moletom escorregando pelos ombros. Porém, começava a supor que não fosse algo pessoal, direcionado a ele: Wanda era realmente daquele jeito, distante e com pouco tato social.

Ela não se assustou nem mudou o passo ao se dirigir a bancada mais próxima ao fogão, onde algumas ervas estavam dispostas, as mãos trêmulas lidando com os pequenos ramos enquanto preparava o chá com paciência, embora calma não fosse sua maior virtude ali, pois ela inteira soava como vivesse uma batalha interna e introspectiva da qual Bucky jamais teria conhecimento.

— Eu termino para você.

A ruiva hesitou por um instante, encarando as ervas, a chaleira e ele, como se fosse muito para desistir. Mas, com um suspiro cansado, ela apenas anuiu e voltou à sala, onde se sentou encolhida na ponta do sofá em que ele dormia, encarando a janela de forma pensativa e distante. Na pouca luz da cabana, conseguia apenas ver os olhos brilhantes e injetados pelo choro de algumas horas antes, mas não muito além disso.

Se concentrou em terminar o chá que ela costumava preparar todos os dias, sem falta, e levou uma xícara até ela, assim como o recipiente de mel para adoçar como desejava. Sentou-se na outra ponta do sofá e a observou, revirando a caneca negra entre os dedos finos em silêncio, mais melancólica do que de costume. Não conseguia deixar a curiosidade de lado sobre o que acontecera mais cedo, na casa da bruxa com Estrela de Davi no pescoço, mas, ao mesmo tempo, não se sentia à vontade para perguntar diretamente. Wanda vivia toda uma realidade intangível para além dele.

— Obrigado. - Ela murmurou, pouco antes de levantar os olhos sem vida. - E… Me desculpe por… Me fechar assim. Sei que te chateia.

Bucky franziu o cenho, sem resposta. Não havia processado daquela maneira o fato de detestar acompanhá-la sumindo em si mesma sempre que um imprevisto acontecia, embora soubesse que queria poder fazer algo por ela. Talvez, o fato de deixá-lo no escuro o irritasse mais do que chateasse, mas provavelmente tinha a ver com a forma como utilizava seus poderes nele, como o interpretava.

— Eu… - Estreitou os olhos, buscando as palavras certas. - Sei o que a pressão fez comigo quando precisava mais de… Compreensão do que qualquer outra coisa. Você não deveria dar a ninguém o poder de pressioná-la por qualquer que seja o motivo.

— É que… Isso parece vir de todos os lados. - Ela deu de ombros, como se rendida pela vontade alheia, mesmo a dele. Naquele momento, soube que, se perguntasse, talvez teria uma resposta concreta, pois Wanda sentia sua necessidade empurrando-a nessa direção.

— Sei disso.

Wanda voltou a olhá-lo, examinando a natureza de sua resposta. Mesmo agora, quando o Soldado parecia distante, podia notá-lo à espreita de uma brecha, pressionando seus limites para que cedesse por um momento, onde tudo sairia do controle por tempo suficiente para que todo o progresso naqueles anos desandasse.

Ela voltou a suspirar e tomou outro gole do chá, os olhos na escuridão lá fora, mais concentrada na batalha dentro de si do que na paisagem sem contrastes além da janela, até que mudou de posição e apoiou os cotovelos nos joelhos, meneando a cabeça de maneira pensativa enquanto os dedos circundavam a borda da caneca. O que veio a seguir, então, pareceu tê-la quebrado novamente, assim como a ele, que por um momento não soube reagir.

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— Eles não são meus verdadeiros pais. - O tom de voz dela arranhou e a viu se encolher, tensa, contra si mesma enquanto franzia o cenho para tentar compreender. - As pessoas que morreram na explosão em Sokovia, que criaram Pietro e eu…. Eles não são meus pais biológicos.

— O quê? - Porque a vida de Wanda e dos Maximoff se parecia mais com um tormento que nunca encontrava um fim? Ela era totalmente apegada à memória dos pais, daqueles pais, de como sua família era feliz com pouco vivendo em um país pobre como a Sokovia, de como tudo estava bem antes da arma de Stark destruir a realidade que conhecia. - Foi isso o que descobriu na casa daquela mulher? Como ela soube disso?

A ruiva confirmou e se encolheu um pouco mais, meneando a cabeça em decepção, mais com o mundo que a rodeava do que qualquer outra coisa. Inesperadamente, viu as lágrimas que segurara nos olhos já muito inchados escorrerem indetidamente por todo o rosto enquanto soluçava pesadamente.

— Ela se chama Natalya… - Ela colocou a xícara na mesinha de centro e tentou conter o choro quase compulsivo que o deixava completamente atônito, incapaz de processar que ela parecia tão quebrada além de cansada. Não era apenas o luto por Visão, nem seu objetivo ainda obscuro naquela cabana, se tratava de quem ela era, suas origens. - Minha verdadeira mãe, ela é… É a irmã do meu pai. Era… Eu não sei… Tudo o que conheço dela é uma antiga foto da época que meu pai e ela eram adolescentes, porquê… Não se falava nela em casa. Pietro e eu nunca éramos reprimidos de qualquer forma, mas… Apenas seu nome era um tabu, sussurrado nas discussões entre meus pais quando pensavam que não estávamos prestando atenção. Agora, entendo o motivo.

Não era mais apenas o luto por Visão, nem seu objetivo ainda obscuro naquela cabana. O que descobrira a partir do contato com a bruxa, fosse como fosse, se tratava de quem ela era, suas raízes e tudo que ela considerava de mais concreto em sua vida. Ajeitou-se no sofá, sentando-se um pouco mais ereto para encarar o perfil marcado por lágrimas brilhantes.

— Sinto muito, Wanda. Por… Tudo isso.

Encontrou o que dizer após vê-la lamentar em lágrimas, como se estivesse óbvio aquilo que não estava. No entanto, ela não pareceu ter realmente ouvido, mais concentrada no próprio rancor do que nele enquanto tinha os olhos fixos na vista escura para além da janela aberta.

— Desde o início, minha vida é como… Um teatro ensaiado com alguém sempre mais conhecedor e ciente de tudo o que acontece puxando as cordinhas. - Ela murmurou gravemente, os dedos tensos uns contra os outros e os lábios trêmulos. - É como se… Esse tempo todo tivesse vivido uma mentira completa, porque… Tudo o que sou, tudo o que almejo ser e ter, é baseado neles, nos meus pais, Marya e Django, na família que nós tínhamos antes de tudo. Então, de repente… Nada! Eles são nada! Se tornam irrelevantes em todo esse quebra-cabeça!

Wanda levou a mão à cabeça tentando se concentrar na respiração enquanto sentia a crueldade latente escorrendo em suas palavras. Sabia que ela poderia sê-lo, mesmo que involuntariamente, mas nunca havia de fato a visto neste estado de desligamento da realidade, do que sentia realmente, em nome da raiva. Viu os dedos tremerem ao apoiar a testa na mão, os cabelos em um ruivo claro se soltando sem direção do coque frouxo e os músculos tensos junto ao pescoço.

— Ei… Isso não é verdade. Mesmo que não sejam seus pais biológicos, não há maneira de eles não estarem com você, em tudo o que faz e tudo o que é. - Alcançou o ombro dela, nu devido ao blusão largo que usava. - Isso o que descobriu pode mudá-la daqui em diante, mas… Suas memórias permanecem. São reais, Wanda. Foi Marya quem te colocou para dormir quando teve febre e Django quem levava você e seu irmão às compras de Natal… Isso é concreto, Natalya, seja quem for, não.

Se perguntou onde estaria Natalya, se estaria viva, se nutria algum interesse por Wanda e qual foi o motivo para ter deixado seus filhos para a irmã e o cunhado criarem, mas, de repente, olhos esverdeados muito brilhantes se levantaram para os dele em análise dolorida, o silêncio crescendo no espaço pequeno entre eles até que ela o quebrou de maneira rouca e cansada.

— Como sabe disso? - Quase suspirou aliviado que essa foi a pergunta que ela optou por fazer, pois, de repente, parecia muito ciente da pele quente no espaço entre o ombro e o pescoço.

— Isso… É o que os pais fazem, Wanda. Pais e mães de verdade. - Explicou da forma como sabia, surpreso que tivesse que verbalizar algo tão simples para os olhos pensativos da mulher. - Mesmo as partes ruins, sua dor e seu luto, vêm do que eles representam para você. E nunca vai deixar de ser assim, ainda que tudo mude tão repentinamente.

As lágrimas voltaram a umedecer os olhos claros e, logo, Wanda voltou a soluçar contra si mesma, mais silenciosa e encolhida do que antes. Naquele momento, mais a filha que perdera os pais cedo demais e precisava deles naquele momento, como todos os órfãos sentiam precisar quando se sentiam desnorteados no mundo. No fim das contas, se tivesse que colocar as coisas na balança, Wanda ainda era tão jovem para lidar com a eterna pressão recaindo sobre seus ombros, sobre sua mente, que conseguiria facilmente perdoá-la - embora aquele não fosse seu lugar.

— Não é justo. - Ela murmurou, soluçando copiosamente enquanto os dedos tremiam como ainda não tinha visto. Havia nervosismo em todos os seus gestos, mesmo os mais contidos, pois aquilo, a coisa escarlate, sempre crescia nela de dentro para fora, sem avisos após muita contenção. - Sinto que nunca tenho controle de nada e quando estou chegando perto… Algo assim acontece para me levar para baixo novamente.

— Não… Realmente não é justo.

Murmurou num suspiro, incapaz de argumentar para consolá-la, pois simplesmente não havia o que fazer quanto à dor que provavelmente a preenchia por aquela notícia que parecia atacar diretamente as raízes de Wanda. Era como se, pela segunda vez, o chão da garotinha que perdeu os pais aos cinco anos lhe fosse arrancado, pois novamente, tinha de lidar com o que sobrou de sua vida como conhecia.

Então, sem qualquer resistência e ainda encolhida naquele sentimento de perda soluçada, Wanda se voltou à ele, encontrando espaço em seu ombro sem muita cerimônia enquanto se deixava chorar mais silenciosa e internamente do que antes. Já havia expressado toda a sua frustração na mobília de seu quarto, que ele não imaginava como poderia se encontrar, pois simplesmente não esperava vê-la tão abertamente vulnerável denovo.

A resistência era dele, constatou ao notar como não calculara a imprevisibilidade de tudo aquilo, ponderando se poderia abraçá-la, prosseguir naquele contato. Bucky não era exatamente a pessoa mais indicada para consolar alguém, mas o único que estava ali com ela - e não sabia se por real preocupação ou um motivo mais egoísta.

Por isso, mais em hesitação que resignação, passou o braço pelos ombros dela e a acolheu de verdade, decidindo ignorar a forma como aquilo parecia… Demais para pessoas como eles. Contato demais, vulnerabilidade demais, confiança demais, pois ela não confiava em ninguém, não se mostrava frágil e não se abria com ninguém. No entanto, em detrimento disso tudo, lá estava ela se ajeitando contra ele enquanto copiosamente chorava pela segunda vez, as lágrimas molhando sua camiseta, os dedos se retorcendo em si mesmos e o perfume feminino preenchendo todo ele.

Não disse nada, nem ela, por tempo o bastante para que a noite ganhasse contornos mais claros na janela adiante. Já se encontrava melhor encostado contra o sofá, mas Wanda se mantinha na mesma posição, se recusando a se afastar ou falar alguma coisa - como se falar naquele momento fosse quebrar a atmosfera que se instalava naquele momento sagrado onde o mundo prendia a respiração para o nascer do sol.

De qualquer forma, provavelmente estava exausta. A forma com que se enrolara no sofá, se deixando pesar inteiramente contra ele, exalava o cansaço mental e físico que a tomara após todas as atividades do dia anterior. Então, instintivamente seus dedos começaram a traçar círculos abstratos logo abaixo do ombro, distraidamente passeando pelo espaço de pele deixado pela blusa de moletom largo. Já estava com sono, mas a respiração da ruiva não denotava que ela estivesse dormindo.

— Você pode dormir, Wanda.

Murmurou sem tirar os olhos do espaço cada vez mais claro além da janela. Agora já podia denotar as sombras da floresta mais longe, embora ainda estivesse longe de poder distinguir mais do que isso. Os dedos dela já não se torciam uns contra os outros, também distraidamente, brincando com o tecido de sua camiseta, tão lentamente que quase podia sentir a pele queimando sob eles.

Demorou tanto para que respondesse que achou que fosse resistir, até que, por fim, murmurou uma concordância muito baixa e ajeitou melhor a cabeça, parecendo relaxar um pouco mais. De certa forma, era como se a tensão dela se estendesse por todo ele fazendo com que também ficasse em alerta pelo que viria a seguir, pois a vida de Wanda era uma sucessão de incontáveis tragédias inadvertidas.

Toda a instabilidade e o amargor que guardava dentro de si eram compreensíveis demais - por mais que parecesse buscar um ponto de paz, especialmente com Visão, sempre haveria algo feio a se encontrar nas entrelinhas de sua jornada, o que não era justo realmente.

Com isso em mente, a firmou um pouco melhor entre seus braços e também fechou os olhos, entregando-se à exaustão daquela longa madrugada.