Se passaram-se horas ou dias, Katherine não saberia dizer, mas quando ela abriu os olhos assustada e virou a cabeça, ela se arrependeu do movimento brusco.

Seu corpo não doía mais tanto quanto antes, mas parecia que todos seus machucados tinham se deslocado e se fixado em outros pontos de seu corpo. Ela grunhiu ao se sentar na cama e observar seu quarto escuro do Castelo. Ela tinha perdido toda a luta, como sempre, ela provavelmente só tinha atrapalhado.

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Katherine pulou para trás e se sentiu esfriar ao perceber a criatura sentada na beirada de sua cama. Se espremeu na parede ao ver que era uma pessoa, e teve que se segurar para não gritar quando viu que era uma mulher, mas não qualquer mulher, a mulher de seu pesadelo.

Todas as suas lembranças a atacaram de uma vez, e a dor do medo espremeu seu coração, fazendo com que ela se encolhesse mesmo sentindo ainda mais dores na sua perna, que estava enfaixada, assim como seu braço.

A mulher se virou para ela e sorriu, como muitas vezes fazia em seus sonhos, geralmente ela sorria, ou colhia flores, mas o que a assustava era o vinha depois...

– Ola Katharine.

Katherine piscou. Em nenhum de seus sonhos ela tinha ouvido a sua voz, apenas a sua imagem. A mulher era alta e aparentava ter vinte anos, mesmo possuindo os cabelos acinzentados. Sua expressão era jovem e extrovertida, como daquelas muitas garotas que Katherine observava no corredor de sua escola, aquelas que saiam todas as noites para ir no bar com as amigas ou em alguma boate, mas o que ela tinha de belo eram os olhos, aqueles penetrantes olhos violetas.

Na primeira vez que ela tinha visto a mulher com a aparência de uma índia em seu sonho, ela não acreditou que aquilo poderia significar algo ruim. Ela sempre usava a saia branca escurecida que se balançava e se arrastava no chão de tão comprida e o top com desenhos selvagens, cheias de retas e linhas sem curso. Suas marcas verdes feitas a dedo se estendiam em suas bochechas, dando um contraste em seu rosto pálido. E como se toda aquela roupa e beleza já não bastassem, ela ainda usava a cabeça de um lobo em sua própria. A cabeça se parecia muito com as muitas que Katherine já tinha visto algumas garotas que queriam se destacar em sua escola usar, mas na mulher a cabeça parecia certa, real, como se ela tivesse arrancado a cabeça de um lobo cinzento que eventualmente cruzou seu caminho e a utilizou como parte de seu visual.

– Ah - exclamou ela. - Mil perdões, sempre me esqueço que seu nome é Katherine.

Ela continuou a não responder pois estava muito chocada com a voz doce e calma da mulher, ela parecia estar tão ditante, como se sua alma tivesse se separado de seu corpo e costumasse andar na mente de Katherine por diversão.

– Então tá - disse a mulher para ela mesma se levantando em uma volta. - Já que você não vai me responder eu vou ficar te encarando até que você gele ainda mais e morra!

Ela sorriu com a própria ideia e Katherine piscou várias vezes antes de conseguir formular uma frase.

– O que... Quem é você?

– Ótima pergunta - disse ela dando palminhas e se sentando na cama outra vez. - Eu tenho muitos nomes... - ela hesitou como se estivesse se decidindo qual deles utilizar. - Pode me chamar de Rox.

– Eu a vejo em meus sonhos. - a fala pareceu ridícula, mas Katherine necessitava dizer isso em voz alta.

– É - admitiu ela. - Faço isso as vezes.

– Como você pode...

– Como posso estar aqui? - riu ela. - Eu nunca estive em outro lugar Kath, sempre estive em sua cabeça.

– Ai meu Deus - Katherine sentiu sua cabeça começar a girar de novo e resolveu segurá-la. - Ótimo, estou sonhando de novo.

– Não - discordou Rox mexendo em seus cabelos - Por mais incrível que pareça, isso não é um sonho, é real.

– Você disse que está dentro da minha cabeça.

– É por isso que só você pode me ver.

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– O que você quer de mim?

– Por que eu teria que querer alguma coisa?

– Os sonhos - Katherine engoliu em seco. - Meus pesadelos, todos vinham depois que você aparecia.

– Eu não tenho nada a ver com os pesadelos Kath - ela soou triste. - Eles eram apenas a forma de sua mente te mostrar a realidade.

– Que realidade?

– Essa realidade! - ela fez um gesto com a mão indicando todo o quarto. - Esse lugar, os monstros, Niah, sua mãe...

– O que minha mãe tem a ver com isso?

– Ops - ela exclamou contraindo os lábios. - Nada - ela disse rapidamente. - Ela não tem nada a ver com isso.

Ela encarou Rox o máximo que pôde. A imagem dela fazia com que suas lembranças agitassem sua cabeça e destruíssem seu cérebro. Todos seus pesadelos, cada um deles, sucedia a imagem de Rox, aparecendo naquele jardim ou no meio da floresta, ela não falava, apenas recolhia as flores e examinava-as, como se estivesse procurando uma já à muito esquecida.

De todas as coisas ruins que Katherine poderia imaginar acontecer com ela, ter Rox realmente na sua frente poderia ser a pior.

– O que você é?

Rox olhou para ela, os olhos violetas brilhando no quarto escuro.

– Você pode me chamar de Anjo Caído, ou Anjo anjo Caído - ela enfatizou o exagero da palavra com acenos da cabeça. - Eu era um anjo caído, até resolver traí-los também.

– Você voltou a ser um Anjo?

– Não é tão simples assim pelo tom de sua voz, também não parecia ser nada bom. - A luz quando é tocada pela escuridão, apodrece, mas quando a escuridão é tocada pela luz, ela fica apenas manchada.

– Manchada como? - Katherine se empertigou na cama

– Digamos que eu me tornei uma coisa única - ela soltou um suspiro de orgulho fraco. - Uma coisa importante.

Antes que Katherine pudesse fazer mais perguntas, a porta de seu quarto se abriu, e Niah adentrou no quarto, acompanhada de Blake e de Finn, que estava com os braços cruzados e olhava para o chão.

O coração de Katherine começou a bater mais rápido assim que ela o viu, e ela se esqueceu completamente de Rox e de todos seus pesadelos, ela sentiu seu rosto enrubescer ao se lembrar do beijo dos dois, ao se lembrar das mãos dele em sua cintura, do toque frio de seus lábios que faziam o corpo inteiro dela tremer e da maciez de seu cabelo...

– Então quer dizer que está viva? - a voz de Niah espantou-lha de seus pensamentos, fazendo com que ela voltasse a realidade e olhasse para ela.

– Por que não estaria?

– Eu não sei - disse Blake. - Talvez porque você bateu com sua cabeça no chão várias vezes, quase explodiu e porque veneno de Diliges corria em suas veias.

– A explosão... - Katherine tinha se esquecido dela. - Como...

– O seu querido monstro a salvou - ela se assustou ao ouvir a voz de Finn pela primeira vez e olhou para ele. Seus lábios estavam contraídos, e seus olhos brilhavam de ódio e rancor. - Valeu a pena salvá-lo, não?

– Ele salvou minha vida e você ainda espera que eu esteja errada?

– As pessoas não podem sair por ai salvando monstros!

– Ah é? - perguntou ela sarcasticamente - E quem foi que inventou essa regra? Você?

– Qualquer idiota iria saber disso - ele tinha se aproximado de sua cama e Katherine aproveitou a deixa para se levantar e encará-lo de frente, de braços cruzados.

– Bom - exclamou ela. - Ainda bem que eu não sou qualquer um.

Niah se intrometeu no meio dos dois antes que algo poderia acontecer e disse entre um sorrisinho falso:

– Acho que isso não é o mais importante, Finn - ela disse seu nome como se o tivesse alertando a algo. - O importante é que Kath está bem e já podemos discutir o que aconteceu naquela noite e depois deixo você voltar para casa.

Katherine olhou para ela espantada. Niah não a olhava, encarava um ponto perto de Blake sem nenhuma expressão.

– Para casa? - repetiu Katherine. Ela fez que sim com a cabeça. - Porque eu voltaria?

– Você quase morreu com o veneno - Niah se virou para ela com as sobrancelhas arqueadas. - Ficou desacordada por dois dias, sabia disso?

– Não importa - Katherine tentou não se importar para não deixar a expressão de preocupação dominar seu rosto. - Eu estou viva, não morri, não preciso ir embora.

– Porque você quer tanto ficar? - agora era Finn perguntando, que não tinha saído de sua posição e continuava a fitá-la avidamente.

– Eu não tenho para onde ir - Katherine sabia que tinha sua casa, mas não ficaria sob o mesmo teto que Paim até saber quem era sua verdadeira mãe.

– Tenho certeza que Paim vai te aceitar de volta - garantiu Niah - Afinal, você não deixou que eu a matá-se.

– Eu não quero ir - Katherine recuou balançando a cabeça e tropeçou na lateral da cama, caindo de costas em cima desta, ela se levantou rapidamente, arrumando o cabelo que caiu em seus olhos - Eu não posso ir.

Katherine... - Blake se adiantou para perto dos outros dois. - Aqui não é seguro para humanos, para mortais.

– Olha - ela fez um gesto com as mãos, tentando juntar tudo o que pretendia falar. - Estamos no Inferno, ta legal? Nada disso faz sentido, mas eu quero entender o porque de um dia eu estar andando normalmente na rua e do nada ter sido sequestrada, descobrir que tenho uma irmã gêmea, que luta com monstros, que por sinal existem, que minha mãe não é realmente a minha mãe e que ela, seja lá quem for, é uma bruxa, que por sinal também existem!

Ela recuperou o fôlego e tentou se acalmar. Ela estava praticamente gritando.

– Eu não me importo de morrer aqui - disse por fim. - Se tudo isso for para descobrir a verdade.

Finn se virou e saiu do quarto sem dizer nada, deixando Katherine vermelha de raiva, mas os outros dois não pareceram perceber a saída do colega, apenas continuaram a encará-la.

– Você tem certeza disso? - perguntou Blake depois de um tempo em silêncio.

Ela assentiu com a cabeça, ainda encarando atônita a porta que se fechará violentamente assim que o garoto passara, mas logo sua visão recaiu sobre o espelho e ela encarou seu reflexo. Estava usando apenas uma camisa comprida cinza desbotada que chegava até seus joelhos, sendo que uma das mangas caia pesadamente em seu ombro, mostrando uma das alças de seu sutiã. Ela estava cheia de hematomas e cortes, mesmo a maioria já estando cicatrizada, Katherine conseguia sentir sua pele um pouco grudenta graças ao sangue mal limpado. Suas duas pernas possuíam talas que se enroscavam quase no mesmo ponto nas duas, bem no ponto onde sua coxa encontrava-se com seu joelho, assim como seu antebraço direito.

Ela se espantou ao perceber que Niah estava falando com ela. Katherine piscou e deu uma desculpa para sair do quarto, e quando se encontrou no corredor, se pôs a correr na direção do quarto de Finn, suas pernas não ardiam mais, mas quando ela tocava um dos seus pés no chão, sentia uma pontada bem no fundo de seus ossos, como se ela estivesse atrapalhando o conserto deles.

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Se arrependeu da corrida quando chegou a porta de Finn, bateu na porta e ninguém atendeu, ela estava prestes a começar a gritar todos os tipos de xingamento que conhecia quando ele abriu a porta, dando de cara com uma muito surpresa Katherine.

– O que faz aqui? - perguntou ele olhando para o corredor como se esperasse ver mais alguém.

Ela demorou um tempo para se recompor e conseguir formular uma frase, mas fechou a boca ao perceber que não sabia o que dizer. Finn se encostou na porta, esperando uma resposta e fitando a menina com um sorriso nos lábios.

– E então?

Ela estreitou os os olhos e depois revirou-os, dando meia volta e andando na direção de seu quarto, mas antes que pudesse dar mais um passo, Finn segurou seu pulso e obrigou que ela entrasse em seu quarto, se encostando na porta para enxergar pela fresca que tinha deixado aberta. De inicio, Katherine não entendeu o que estava acontecendo, mas então Finn fez um gesto para que ela se aproximasse e ela se pôs a seu lado, tentando ver pela pequena fresta também. Ela agachou um pouco as pernas para ficar abaixo de Finn, que ficou com a cabeça sobre a dela, fazendo com que ela sentisse no topo de seu coro cabeludo os leves suspiros de sua respiração controlada.

O corredor estava vazio, até que uma sombra se estendeu no corredor e logo despareceu, deixando um rastro de terra para trás. Finn logo abriu a porta, fazendo com que Katherine quase desse de cara no chão e analisou as pedrinhas marrons. Ele pegou alguns dos grãos e os enfiou em seu bolso, voltando a atenção a Katherine como se nada tivesse acontecido.

– O que você ia me falar mesmo?

– Eu quero saber o que aconteceu com o monstro - disse ela com a intenção de irritá-lo. - O que me salvou.

– Ele fugiu - sua voz era fria. - Assim que viu que eu me aproximava ele correu para a floresta, assim como todos os outros.

– Isso quer dizer que nunca mais vou vê-lo?

– Você devia dar graças a Deus por isso.

Ele entrou em seu quarto novamente, mas não fechou a porta atrás de si, então Katherine o seguiu. Ele se sentou na ponta de sua cama e pegou um caderno e um lápis que estavam apoiados ali, ele começou a rabiscá-los e ela se aproximou para ver o que era, mas ele colou o caderno em seu corpo, bloqueando sua visão.

– Perdeu alguma coisa?

– Só toda a vida que eu pensava que tinha. Porque, você está com ela?

Ele riu com deboche e voltou a rabiscar no caderno, permitindo que Katherine visse o que fazia. Ele estava desenhando um monstro, todos seus detalhes e linhas tão reais que ela chegou a se assustar. Ela se sentou na cama ao lado dele e tirou o caderno de suas mãos. Primeiro pensou que ele daria uma surra nela, mas ele apenas ficou parada, observando-a.

Ela virou as páginas, cada uma delas contendo mais uma espécie desconhecida de monstros, maravilhada. Não que os desenhos fossem lindos pelo que eram, mas era maravilhosos por seus detalhes, eram tão reais que pareciam sair da folha e atacá-la, ela reconheceu o desenho não terminado como o Diligie que a salvara, ele estava com as garras estendidas e o corpo curvado sobre uma forma preta que ela reconheceu por ser ela própria. A lembrança causou arrepios em sua pele, mas ela virou a página.

Ela segurou o grito que estava saindo de sua boca quando reconheceu o próximo desenho, era ela, quer dizer, Niah. Em vários posições e faces, Niah irradiava sua beleza sombria e o tom superior, em algumas ela lutava, em outras estava apenas parada encarando o vazio e em algumas estava dormindo, mas foi o último desenho que a preocupou.

Dessa vez ela sabia que não era Niah, não pelas roupas, ou pelos cabelos, mas pelos machucados e hematomas, os mesmos que cobriam seu rosto. Era ela dormindo com as mesmas roupas que estava usando agora, os cabelos caindo cansados sobre seus ombros, as mãos como sempre apoiando sua cabeça, um dos braços estendidos naquela posição estranha que as vezes se pegava fazendo sem querer, a mesma manga que caia em seu ombro, caia no desenho. Ela olhou para Finn.

– Esses desenhos são maravilhosos!

– Tenho muito tempo para praticar nesse lugar, e muitos modelos também - ele deu de ombros como se não ligasse para elogios, mas olhou para ela com aqueles seus olhos avermelhados que brilhavam tanto...

– Bom, eu sou inútil, não faço nada de importante - ela disse apenas para vê-lo sorrir. - Geralmente só atrapalho, como lá na boate.

– Você matou um monstro.

Ela contraiu o rosto e balançou a cabeça.

– Não me faça lembrar disso - ela suspirou devolvendo o livro para ele - Foi horrível, geralmente nos livros que leio quando as mocinhas matam alguma criatura maligna elas não ficam com esse sentimento estranho dentro delas.

Ele a olhou de lado, espantado.

– Você gosta de ler?

Os olhos dela brilharam ao ouvir essa pergunta. Ela não gostava de ler, ela amava. A única coisa que tinha certeza em sua vida eram os livros. Se qualquer coisa ruim acontecesse a ela, eles com certeza a fariam se sentir melhor. Fariam com que ela risse quando na verdade queria chorar, ou faziam com que ela chorasse quando estava próxima do fim. Ela sorriu para ele.

– É uma possibilidade - ela tentou segurar o sorriso - Porque?

Ele sorriu como se tivesse encontrado uma coisa já à muito perdida.

– Eu tenho um lugar para te mostrar - ela levantou o olhar para ele, as sobrancelhas arqueadas.

– Onde?

– Você vai ver.

Eles saíram do quarto, e quando Katherine cruzou a porta, olhou para a parte do corredor onde a sombra se estendera. Por um segundo, pensou tê-la visto novamente, mas depois espantou essa ideia e seguiu Finn pela escadaria, tentando ignorar a imagem de Rox que sorria para ela na ponta da escada.