The Amazing Spider-Man

Capitulo 37 - Despedidas


– ... então seu tio me perguntou se havia qualquer outra coisa que eu desejasse mais. Depois de um jantar aluz de velas, dos presentes, ele ainda queria saber o que mais eu queria! Eu não tinha palavras. Não sabia o que dizer. Ele percebeu que eu estava... nas mãos dele. Literalmente, nas mãos dele. Então, ele me mostrou a aliança e me pediu em casamento. Finalmente, eu consegui dizer alguma coisa. Consegui dizer o quanto estava feliz e o quanto eu queria casar com ele.

Os olhos de May Parker brilhavam de amor e saudade. Esse tipo de amor, que resiste a tudo, que suporta o teste do tempo, ainda existe. E é tão precioso quanto a vida, tão importante quanto viver. Pois, sem esse tipo de amor, não se vive.

Apenas se adia a morte.

Ela continuou falando sobre os anos que compartilharam, todas as alegrias que tiveram juntos e o quanto significou para eles criar o sobrinho Peter. O menino foi uma benção para um casal que não podia ter filhos. Foi educado com muito amor, dentro de valores morais muito sólidos, que o transformaram no homem que é hoje.

O Espetacular Homem-Aranha.

O que May Parker não sabia é que não estava conversando com seu sobrinho. Não, Peter já conhecia todas essas histórias.

Quem estava sentado no sofá da sala, olhando atentamente para a velha May era Ben Reilly. Ninguém saberia distinguir os dois. Mesmo alguém que conhecesse Peter intimamente não poderia diferenciá-los. May gostava de contar histórias sobre os anos em que viveu ao lado de Ben Parker, mas até achou estranho que Peter estivesse lhe perguntando. O rapaz parecia estranhamente carente, emotivo. Já a tinha abraçado várias vezes, como se não a visse há muitos anos – o que, de fato, era verdade. Talvez fosse só uma fase, pensou ela, talvez tivesse algo a ver com a separação de Mary Jane. Mas ela ia guardar as perguntas para mais tarde.

Por hora, ia lhe dar o que ele queria.

– E como foi o casamento, tia?
– Ah, uma pequena e bela cerimônia – disse ela, esticando o braço para apanhar um velho álbum de fotos. – Veja, aqui estão seus pais. Ainda jovens, eram apenas um belo casal de namorados na época. Vários de nossos amigos estão aqui. Este é o Padre Murphy, que batizou você alguns anos depois. Um grande amigo nosso. Foi, provavelmente, o dia mais feliz da minha vida. Sabe, você luta tanto para construir algo com uma pessoa e, numa bela manhã de domingo, você tem Deus por testemunha de que irá suportar tudo ao lado dessa pessoa, que vai amá-la, e só a ela, como nunca amou ninguém antes, como jamais achou que fosse capaz de amar. Você sabe que não vai ser um mar de rosas, que vai brigar com aquela pessoa, que vai passar a conhecer lados dela que nunca tinha visto antes, quando namoravam. Mas estar ali, junto com a família e os amigos, lhe dá força pra seguir em frente, pra encarar tudo isso. É uma daquelas ocasiões em que você percebe o quanto é capaz de amar. O quanto é capaz de se doar, de entregar um pouco de si em prol de algo maior, o quanto... Peter, você está chorando?
– Não, tia – disse o rapaz, tentando disfarçar. – Não é nada. Continue.

– E aí? Como foi?

Ben não tinha palavras. Abraçou Peter e começou a chorar, no alto do Edifício Chrysler. Tinham combinado de se encontrar ali, depois que Ben saísse da casa da tia May. Quando o Duende Verde destruiu sua memória, achou que Peter tivesse roubado sua vida. Como Joe Luto, o atacou e estava prestes a matá-lo, bem como a Mary Jane e Marianne Potter. Felizmente, a lembrança da tia May o trouxe de volta à realidade, a quem realmente era. Tinha todas as memórias de Peter Parker.

Amava tia May tanto quanto ele.

– Eu... Eu não tenho como agradecer, Peter. Achei que ela estivesse morta, sofri por não poder falar com ela de novo, dar um último abraço... E agora, vendo ela viva e bem, feliz... Ela tem muito orgulho de você, cara.
– De certa forma, ela tem orgulho de você também.
– Eu sou apenas suas lembranças.
– Não, você é algo mais. Você é capaz de fazer suas próprias escolhas. Você podia ter me matado, mas mostrou que este coração é só seu. É uma cópia do meu apenas biologicamente falando. O que você faz com ele, é responsabilidade sua.
– Por favor, não me fale em responsabilidade, ou eu vou chorar de novo.
– Mulherzinha...

Os dois riram juntos, como velhos amigos. O Homem-Aranha e o Aranha Escarlate ficaram ali ainda por horas, falando sobre a vida e trocando experiências. Ben tinha planos de deixar Nova York. A cidade podia ser grande o suficiente para dois heróis aracnídeos, mas não havia como dois Peter Parker morarem tão próximos. Mas ainda queria rever tudo que tinha perdido nos anos que o Duende Verde lhe roubara.

A cidade tinha mudado, tinha sofrido. Ouvir Peter contar sobre o 11 de setembro o fez traçar um paralelo com sua própria vida. Ter algo arrancado, destruído dentro de seu coração, e ter que continuar seguindo em frente sem algo que lhe era tão precioso... O povo de Nova York era bravo, era corajoso.

Ben teria que ser assim também.

Cada história que ouvia de Peter era uma lição. Ficou particularmente encantado pela sua história com Marianne Potter, uma colega de trabalho que curara velhas feridas em seus sentimentos.

– Então, vocês estão namorando?
– Bom, não oficializamos nada...
– Como você é devagar!
– Ei, não quero nem pensar em como ela vai reagir a toda essa coisa de Duende Verde e Homem-Aranha. Espero que isso não estrague as coisas. Eu sou apenas um cara tentando reerguer a vida, depois de tudo que passei. Mudanças de emprego, de uniforme, de postura. Aquela atitude violenta não tinha nada a ver comigo. Se bem que eu gosto do uniforme negro...
– Nisso eu concordo contigo, é uma roupa bacana.
– Quer “herdar o manto”, Ben?
– Não, de jeito nenhum. Já tenho meu próprio uniforme.
– Ridículo, por sinal.
– Pelo menos, ele não vai se voltar contra mim.
– Rá-rá-rá.
– E depois, se você pretende contar seu segredo para a Mari um dia, melhor que ela esteja habituada ao “Homem-Aranha Amigão da Vizinhança”.
– É...
– O que foi?
– Começar um relacionamento... Do zero... Putz, a gente está numa fase gostosa, se conhecendo melhor e tal. Mas parece que dá tanto trabalho, e já vi tanta coisa pelo que lutei acabar...
– Eu que o diga! Mas, se está pensando em desistir...
– Não, de jeito nenhum. Quero ficar com ela. Quero que dê certo. Sabe, eu ainda tinha essa coisa mal resolvida com Mary Jane, eu deixei isso me segurar muitas vezes. Não que a MJ fosse algo “ruim” na minha vida. Eu nunca vou falar mal de alguém com quem fui casado, com quem fui tão feliz. Mas tinha chegado a hora de seguir em frente e só eu não tinha percebido. Sabe, é como pegar uma roupa emprestada pra ir numa festa. Você fica bonito e tal, mas no fundo, não vê a hora de chegar em casa e colocar seu pijama velho. É assim que me sinto com Mari. Confortável.
– Agora você sabe como eu me sinto com relação ao meu uniforme.
– Sim. É ridículo, mas é seu.
– Além do mais, veja meu exemplo: você só tem um namoro pra recomeçar. Eu tenho uma vida inteira.
– Acho que posso te ajudar quanto a isso.
– Como?
– Bom... Sabe o Batman? Então, ele é meu truta agora...

Mary Jane acordou, assustada. Passou a noite em claro e só conseguiu dormir quando o sol já estava nascendo. O barulho do trânsito, contudo, a privou do descanso. Passou a última semana sem conseguir dormir direito, sem conseguir se alimentar. As palavras do Duende Verde a machucaram mais do que qualquer ameaça que tivesse sofrido quando era a esposa de Peter Parker. O Duende era um canalha manipulador e sem coração, que agredia todos próximos a Peter apenas pelo prazer de vê-los sofrendo. Mas havia algo em suas palavras, uma espécie de sentido, que a estava matando por dentro.

Quantos experimentos vocês acham que eu realizei até acertar? Quantos acham que eu realizei depois de ter conseguido triunfar?

Se aquilo fosse verdade, tudo que tinha sonhado, tudo que tinha experimentado ao lado de Peter, toda sua vida não passava de um punhado de lembranças roubadas de outra pessoa. Não devia acreditar no Duende, mas algo em seu íntimo dizia que era verdade. Que todo o sofrimento pelo qual passara era algo ainda mais horrível e abominável que perder uma criança.

Como você acha que eu consegui tirar a pequena bebê May do hospital em que Mary Jane estava?!

Se isso fosse verdade, talvez May estivesse viva. Mas não seria sua filha, afinal. Contudo, onde estava a verdadeira Mary Jane? Poderia haver outra como ela, viva, andando por aí, ignorando a vida que deixara para trás? Seu casamento, sua carreira, sua filha?

Mary Jane nunca deu entrada no hospital para dar à luz!

Precisava encontrar um jeito de consertar as coisas, de descobrir a verdade. Sempre acreditou que a alma é imortal, que havia algo mais na vida do que este mundo físico de acordar cedo, ir trabalhar e voltar. Disse essas mesmas palavras para Ben Reilly várias vezes quando ele apareceu pela primeira vez, com dúvidas sobre sua humanidade.

Mas agora, nada daquilo parecia servir de consolo. Sentia como se não fosse ninguém. Como se fosse sair de casa e ninguém a reconheceria, não haveria pedidos de autógrafos, nem paparazzo inconvenientes tirando suas fotos. Ninguém a veria. Cairia no chão e se machucaria, e ninguém notaria. Porque ela não estava mais ali.

Porque ela não mais existia.

Eu a substituí por um clone!

Chorou novamente, soluçando em alto desespero. Era a única coisa para o qual ainda tinha forças, ainda tinha disposição. Chorar. Chorar por ela mesma, por Peter e por tudo que poderiam ter sido. Passou meses se perguntando se era a coisa certa a fazer: voltar para o marido. Ainda realmente o amava ou estava apenas querendo impedir que sua vida se tornasse um erro, como vira acontecer com tantas outras modelos que conhecia? O estilo de vida de uma modelo é regado a festas e abusos, sem pensar nas conseqüências. Podia seguir em frente sem Peter, estava certa disso. Mas tinha medo de se perder sem seu marido, sua âncora para uma vida normal.

Nada mais era “normal” em sua vida.

Peter Parker esteve casado com a Mary Jane-Bizarro!

Precisava se levantar, precisava reunir forças para lutar, mas não conseguia. Alcançou o frasco de comprimidos no chão e tomou mais uma dose, para tentar voltar a dormir. Estava exagerando nos tranqüilizantes, mas não se importava mais. Nada mais importava.

O Duende Verde a matara.

E apenas os vivos lamentam a morte.

Peter chegou para o trabalho preocupado. Ia rever Mari pela primeira vez desde que ela fora seqüestrada pelo Duende Verde. Ainda não tinha certeza se estava tudo bem com ela, mas não podia correr o risco de telefonar. Para todos os efeitos, Peter Parker não sabia que ela tinha sido seqüestrada. Não sabia que ela tinha sido salva pelo Homem-Aranha. Tinha que ser assim, se quisesse preservar sua identidade secreta. Mas isso não queria dizer que gostava daquela situação.

Da sensação de estar se isolando de alguém.

Principalmente alguém de quem queria estar próximo.

– Bom dia, Mari.
– Bom dia, Peter.
– Tudo bem?
– Hm.
– ...
– ...
– ...
– ...
– Almoça comigo hoje?
– Vou ver.

Mari se levantou e foi até a outra sala apanhar alguns documentos. Parecia abalada, triste. Mas não brava com Peter. Talvez ela apenas estivesse tentando assimilar o trauma. E, se tinha uma coisa de que Peter Parker entendia muito bem, eram traumas.

Mari voltou e colocou uma pasta na frente dele.

– Isso chegou durante a madrugada. Mais trabalho pra nós.
– O que é?
– Coisa feia. Menina de cinco anos, jogada do sexto andar. Os pais, ou melhor, o pai e a madrasta, alegam que alguém entrou no apartamento e a jogou enquanto eles desciam até o carro para pegar as compras. Mas os indícios indicam que não foi bem isso...

Petr abriu o envelope, com os trabalhos do plantão que atendeu à ocorrência. Mari continuou:

A menina chama-se Izabel Dornani, foi encontrada ferida no jardim do edifício após ter sido jogada de uma altura de seis andares. Ela chegou a ser socorrida por paramédicos, mas não resistiu. O pai afirma que alguém tentou assaltar o apartamento enquanto ele descia até o carro. Mas uma pessoa comum teria menos de cinco minutos pra fazer o que fez com a menina se essa versão for confirmada.

Peter começou a ver as fotos. Não era nada agradável ver uma criança de cinco anos morta.

– Vê essas marcas? – apontou Mari, no pescoço da menina. – Indícios de asfixia. E aqui – continuou, mostrando outra foto – pulso quebrado. Ela caiu de lado, ou...
– Coisa pior.
– Coisa pior. O Dr Eisner já está trabalhando na necrópsia. Encontrou manchas nos pulmões dela, o que confirma a hipótese de estrangulamento.
– A investigação parece bastante adiantada.
– Falta a nossa parte, Peter. Vamos ao local do crime.

– Tia Anna? Sou eu, Mary Jane. Sim, tudo. Não. Não desde... Bom, acho que acabou mesmo. É hora de seguir em frente. Não. Não assim. Eu quero voltar pra Florida, tia Anna.

Dentro do carro, Peter ia pensando na brutalidade do crime. Havia ainda a possibilidade de sua filha May estar viva, o que tornava tudo aquilo ainda mais perturbador. Quando um criminoso era preso por seus crimes, Peter nunca perguntava os motivos. Os por quês. O que leva alguém a cometer um delito. Tinha lá suas teorias. Conhecia muitos criminosos. Alguns dos mais notórios facínoras da América tinham sido presos pelo menos uma vez pelo Homem-Aranha. O que significava, então, quando alguém matava uma garotinha? Que tipo de monstro chegaria a tal ponto? Quem iria tão longe?

Seu trabalho na polícia não era encontrar essas respostas. Era levar ao culpado.

O caso passou a ser estranhamente pessoal para ele.

– No que está pensando, Peter?
– O que!? Ah... Desculpe, Mari. Eu... Esse crime. Que tipo de monstro...?
– Difícil ficar em paz com esse tipo de coisa, né?
– Um bocado.
– Você deve ter visto muita coisa assim quando fotografava o Homem-Aranha pro Clarim, não?
– Era raro. A maioria dos caras que ele enfrenta são ladrões. Estão mais preocupados em roubar bancos ou joalherias, essas coisas. Exceto pelo Carnificina e...
– ... o Duende Verde.
– Isso, o Duende.
– Você o conhece?
– Eu já o vi.
– E como ele é?
– Acredite, é mais aterrorizante do que esse caso.
– E como é o Homem-Aranha, Peter?
Espetacular. Nunca conversamos mais do que meia dúzia de palavras. Não somos amigos. Mas vê-lo em ação, lutando com aqueles caras, era... Espetacular.
– Não tem medo do seu passado como “fotógrafo do Homem-Aranha” voltar para assombrá-lo?
– Bom... Já me meti em encrenca algumas vezes. Mas acho que estou mais seguro agora.
– Sem o Aranha por perto?
– Sem os vilões. O Aranha é um herói, vai por mim.
– Peter, eu... na sexta-feira, depois que eu te deixei na casa do seu amigo... Por que você não me ligou durante o final de semana?
– Ah, desculpe, Mari – Peter estava suando. – Mas eu precisava passar um tempo com a minha tia e as coisas acabaram ficando um pouco corridas. Sabe como é, fazer compras, serviço doméstico... Essas coisas.
– Sim. Coisas “normais”.
– Sim.

Marianne resolveu parar com as perguntas. Não queria acusar Peter. Não queria culpá-lo. Tudo que tinha era uma suspeita, o estranho pressentimento de que os eventos da noite de sexta estavam diretamente ligados a Peter Parker. Já tinha examinado o caso por todos os ângulos possíveis, e continuava enxergando uma única resposta:

Peter Parker é o Homem-Aranha.

Mas, a menos que Peter confiasse o bastante nela para lhe contar, não ia dizer nada. Esperava que seu namoro com ele significasse o suficiente para que ele mesmo dissesse. Mas talvez fosse muito cedo ainda, alguém que sofre tantas ameaças de morte deve pensar muito antes de se abrir dessa forma.

Mas isso não mudava o fato de que Peter estava mentindo sobre seu final-de-semana.

– Chegamos – disse Mari. – Prepare sua máquina. Temos muito trabalho pela frente.
– Ok. Mari, não que eu não esteja feliz de ter vindo com você... Mas por que mandaram uma especialista em balística, sendo que não houve nenhum tiro?
– Minha especialidade é balística. Mas sou boa em outras coisas também.
– Não duvido...

Marianne não conseguiu conter o sorriso. Era a primeira vez que sorria naquele dia. A companhia de Peter lhe fazia bem, não podia negar. Mas ainda tinham trabalho pela frente.

– Plaza Hotel, um dos mais luxuosos de Nova York, transformado recentemente num condomínio. O alto custo dos aluguéis tornou este – e muitos outros hotéis – um alvo dos especuladores – começou a contar Mari. – Um apartamento aqui custa caro demais. As imobiliárias fazem mais dinheiro vendendo. O metro quadrado custa nove mil dólares. Temos, assim, apartamentos no valor de um milhão de dólares.
– Uau.
– Foi aqui que aconteceu o crime. Vamos entrar.

Mostraram suas identificações da polícia e foram até os fundos do hotel, numa área gramada muito bonita. Havia repórteres lá, mas eles não incomodavam os detetives. Uma fita da polícia mantinha todos afastados.

Uma marca de giz no chão indicava o local em que Izabel tinha caído.

– Uma queda e tanto, não?
– Imagine os últimos momentos dela...
– Se eu pensar nisso, não vou conseguir dormir nunca mais, Peter.

Mari tinha razão. Um pouco de “distanciamento profissional” podia ser útil para manter a sanidade. Mas não era algo com que Peter estivesse acostumado a lidar.

Foram até o apartamento onde tudo tinha acontecido.

– Segundo o depoimento do pai, eles tinham voltado das compras. Ele deixou Izabel aqui, no quarto dela, dormindo. Desceu para buscar a madrasta dela com as compras e o filho do casal. Mas veja isso: marcas de sangue aqui no quarto. E a tela de proteção da janela foi cortada. Isso leva tempo.

Peter se aproximou da tela. Talvez ela tivesse sido cortada a mais tempo, mas não era o caso. As marcas no metal da tela indicavam que o corte era recente. Não havia sujeira nem ferrugem.

– Agora, Peter, a parte estranha. Lembra-se da foto do pulso dela quebrado? Então. Ela tinha alguns ferimentos no corpo. Segundo as impressões do Dr Eisner, eles não condizem com a queda.
– Ela não quebrou o pulso na queda, é isso?
– Já trabalhei com médicos antes, Pete. Pediatras. Eles diziam que, quando uma criança chegava no hospital com fratura, eles imediatamente chamavam a polícia, mesmo que a mãe dissesse que “caiu do berço”. Segundo os médicos, a chance de uma criança se fraturar em uma queda é mínima. Se fosse diferente, os berços não seriam fabricados sem uma tampa, ou os hospitais estariam sempre lotados. Criança, quando cai, ganha um galo. Não uma fratura.
– Mas são seis andares!
– Sim. Só que ela caiu de costas. Explique os ferimentos no rosto e a fratura no punho.
– Você acha que...
– Não podemos “achar”. Vamos aos fatos. Está sentindo esse cheiro?
– Sim. O que é? Desinfetante?
– Alguém pode ter tirado manchas de sangue daqui, ou vômito.
– Não um ladrão. Que ladrão pensaria nisso?
– Ok, o pai da criança disse que alguém entrou aqui. No depoimento, o pai da menina disse que o apartamento foi arrombado, mas não há sinais de arrombamento na porta. O sangue é visível na tela, mas parece que alguém usou muito desinfetante no chão do apartamento. As câmeras de segurança não captaram ninguém estranho entrando no apartamento. Apenas a família do pai de Izabel chegando, depois que o crime aconteceu.
– Certo.
– A primeira pessoa a ver a menina caída foi o porteiro. Ele disse que escutou um forte barulho e, quando foi verificar, encontrou-a caída. Um morador do primeiro andar ouviu algo como “um estrondo” e também viu a menina. Ele chamou os paramédicos, que levaram cerca de 13 minutos para chegar. Os paramédicos passaram 34 minutos tentando salvá-la.
– Então, o que temos até agora?
– Extra-oficialmente? Eles espancaram a menina, estrangularam, torceram seu braço, cortaram a grade e a arremessaram, esperando que a queda encobrisse os sinais de espancamento. O vômito confirma o estrangulamento, o sangue, o espancamento.
– Que tipo de monstro faria isso? Você acha mesmo que o próprio pai...?
– Tire as fotos, Peter. Precisamos voltar para o laboratório.

No laboratório, enquanto examinavam os depoimentos e laudos, Peter se sentia pouco à vontade para falar com Mari. Quando ela se sentou ao seu lado, contudo, segurou a mão dela e disse: Você está bem?

Peter estava bastante abalado com a brutalidade do crime que estavam investigando. Mari parecia firme, mas a preocupação dele era outra. Estava preocupado que ela estivesse se afastando dela.

Ela o abraçou, dissipando qualquer dúvida.

– Estou. Estou cansada. Nem almoçamos.
– Uma pizza depois do expediente?
– Pode ser... Que tal...

Antes que Mari pudesse terminar a frase, o Dr Eisner entrou na sala.

– Já tenho algumas coisas aqui comigo, Parker e Potter.
– Qual o seu laudo, Doutor?
– Muito cedo para divulgar, mas tudo indica que o pai e a madrasta a espancaram, asfixiaram e jogaram pela janela.
– Isso confirma o nosso laudo!
– Ótimo. Veja isso – disse o Dr Eisner, mostrando fotos do corpo da menina. – Há sinais de que a fratura no pulso ocorreu quando ela ainda estava viva. Isso indica que alguém torceu o bracinho dela, para imobilizá-la. Há uma pequena hemorragia no cérebro...
– “Síndrome da Criança Espancada”, disse Mari.
– Isso mesmo. Comum nesses casos. E um pequeno ferimento no antebraço esquerdo, que pode ter sido causado ao tentarem passá-la pela grade. Como se ela tivesse tentado se agarrar.
– Que horror!
– Sem dúvida. Isso é só um rascunho. Vou passar a madrugada digitando o laudo e evitando jornalistas. Vocês podem ir pra casa, se quiserem. Mas estejam aqui amanhã cedo. Vai ser um dia cheio. O casal vai responder por homicídio doloso triplamente qualificado.

Peter e Mari foram até o estacionamento, onde ela havia deixado o carro.

– Ainda a fim daquela pizza, Peter?
– Não, Mari, eu... Eu acho que vou ficar mais um pouco. Preciso falar com o Dr Eisner.
– Esse caso mexeu mesmo com você!
– É... Acho que sim.

Nenhum dos dois esperava aquilo, mas Peter se despediu dela com um leve beijo nos lábios. Os dois se olharam, por alguns instantes, pensando coisas como “Que diabos foi isso?!” e “Por que demorou tanto?”

Beijaram-se, então, de maneira longa e apaixonada.

Mas Peter esperou até que ela fosse embora para colocar seu traje de Homem-Aranha. O pai de Izabel, Alex Dornani, estava sozinho, em um apartamento de seu pai, no Brooklyn. A madrasta, Carol, tinha ficado com a família em Greenwich Village. Mas ela podia esperar. Não tinha intenção de enfrentar toda a família dela, e o pai estava sozinho.

A polícia científica tinha que ser muito cuidadosa, tanto em seus laudos quanto em suas declarações. O Dr Eisner tomava o cuidado de não deixar escapar nenhuma acusação, mesmo na frente de sua equipe, para que isso não influenciasse no trabalho. Mas Peter tinha lido todos os relatórios. A polícia já tinha boletins de ocorrência contra Alex Dornani, por tentativa de agressão. Câmeras de segurança flagraram a família dele chegando ao apartamento enquanto os paramédicos socorriam a menina. Tempo suficiente para tentar encobrir as provas.

Por algum motivo, aquele homem matou a própria filha.

Ele era um advogado bem-sucedido, como seu pai. Ambos conheciam todo o trâmite legal até que uma acusação formal pudesse ser feita. Sabiam como encobrir provas e obstruir a justiça. Para cada evidência, tinham um argumento. Para cada argumento, tinham um contra-argumento.

Mas o Homem-Aranha ainda tinha, claramente, uma perspectiva do que tinha acontecido. Ninguém entrou ou saiu do prédio no horário que a menina foi morta. Apenas o pai estava com ela. Ele foi o último a vê-la com vida. E, segundo o depoimento do morador do primeiro andar e do porteiro, sua primeira atitude ao ver o corpo da menina caído foi tentar ouvir seu coração.

Para certificar-se de que ela estava morta?

Peter achava que a atitude de qualquer pai, num momento como esse, seria gritar em desespero por ajuda. Seria tentar levá-la nos braços, correndo, até o hospital. Seria gritar até que o culpado fosse morto.

E não algo tão frio e técnico quanto ouvir seus batimentos.

Pensou em May, a filha que mal pôde amar. Pensou no sofrimento de Mary Jane. Pensou no que faria se alguém tocasse em um filho seu. Pensou até em Norman Osborn.

E pensou no Batman.

– Alex Dornani? – disse o Homem-Aranha, da janela do apartamento.
– O quê? Homem-Aranha! O que você está fazendo aqui!? Eu não tive nada a ver com aquilo, já disse! O que eu tinha pra dizer, já contei pra polícia!
– Você acha mesmo que eu vim aqui pra conversar?

Talvez Peter estivesse enganado. Mas tinha a madrugada inteira para descobrir.