Talismã

Finalmente o fim - Capítulo final


Meus olhos ainda estavam muito pesados pra eu conseguir abri-los. Minha garganta queimava e meu corpo doía imensamente. Minha respiração saia completamente descompassada. Sinceramente, esperava muito mais da morte. Não imaginei que ela pudesse ser tão dolorosa. Senti-me também muito encharcada. Isso porque eu achei que meu corpo ficara no plano material. Estou muito confusa.

Pov. Carl

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Faz um mês desde que tudo ocorrera. Eu ainda não tinha me recuperado completamente, mesmo assim, fui de volta pra Sibéria com Peter. Eu gostava daquele lugar, e lá me lembrava muito Amber. Sim, eu me cansei de chamá-la de Clarisse. Clarisse era o nome da garota talismã. Pra mim, ela é Amber. Minha Amber. Aquela garota sorridente e estressadinha, com uma resposta sempre na ponta da língua. Ninguém soube da morte dela. Digo, ninguém do mundo normal, como os coleguinhas do colegial ou o ex-namoradinho nerd que foi pro Japão.

Valéria e Paul, pelo que fiquei sabendo, também voltaram à suas rotinas normais, se mudando de Vancouver pra Londres. Não os culpo por isso. Não posso nem imaginar a dor que eles devem estar sentindo. Ness mudou-se com eles. Não sei se foi citado nessa história, mas ela é órfã. Pelo que parece, os três tentavam viver normalmente lá. Mas não era tão fácil simplesmente apagar a memória de Amber de nós.

Resolvemos todos voltar a Vancouver no aniversário de um mês do que aconteceu, pra prestar uma homenagem.

2 semanas atrás

Quando finalmente consegui abrir os olhos, notei que não, eu não estava no céu. Muito menos no inferno, a menos que ele fique na margem de um rio. Que circundava uma cidade muito, muito estranha. Meus olhos foram bombardeados pela forte luz do sol, que eu não via a muito. Meu estômago roncava. Depois de muito tempo, reuni minhas forças e levantei-me. Eu vestia uma roupa branca muito, mas muito surrada mesmo. Minha sandália de madeira estava em frangalhos, assim como eu. Quando eu consegui entrar na cidade, as pessoas começaram a me olhar muito estranhamente, como se eu fosse uma louca. Não me importei. O problema é que eu não tinha nenhum tostão no bolso e precisava loucamente de um banho, uma cama e um sanduíche enorme do Mc Donalds. Consegui falar o bastante com alguns poucos que se dispunham a conversar com uma louca, pra saber que tinha uma espécie de lugar que doa roupas aqui nessa cidade. Parece que houve uma forte enchente há pouco. Fui à direção que me orientaram e peguei um par de jeans velhos, uma camiseta grande demais pro meu corpo e um tênis velho. Nesse lugar me informaram também de uma pequena pensão que estava recebendo as vítimas da enchente. Lá eu pude tomar um banho, não como eu gostaria, mas o suficiente pra me sentir um pouquinho mais limpa. Quando eu me olhei no espelho, notei que eu tinha emagrecido ainda mais –e isso porque eu já era MUITO magra – e tinha uma cara de no mínimo duas semanas sem dormir.

Depois eu tentei relaxar num dos colchonetes que eles dispuseram lá pras pessoas, e me senti bem melhor uns três dias depois, quando eu resolvi voltar e reencontrar minha família. Essa cidade, um pequeno vilarejo ao sul, quase na divisa, ficava a alguns bons quilômetros de distância, e eu pensei ir pela água. Talvez nadando. Talvez de carona com algum barco. Pelo que me disseram, as águas eram ligeiramente calmas, e dava pra ir nadando se você fosse um bom nadador. Vamos dizer que é meu caso. Resolvi ir aquele dia mesmo.

Coloquei meus pés na água gelada, e mergulhei.

POV Carl

Finalmente aterrissamos em Vancouver. O dia estava particularmente quente pra um dia de inicio de outono. Eu e Peter fomos direto pra casa de Valéria e Paul. Eles ainda não tinham chegado de Londres. Contentamos-nos em esperar lá dentro, já que nos fora dado a cópia da chave. Peter, como se já fosse de casa, foi pegar uma dose de uísque.

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- Não acho que eles vão ligar pra um golinho de uísque. –disse ele, assim que viu minha cara de reprovação. –Me acompanha?

- Não, não. Obrigado.

Sentamo-nos no sofá marrom, um dos poucos móveis que ficara na casa, além do quarto de Amber, que todos fizeram questão que ficasse intacto.

- É realmente uma data muito triste, não é meu caro? –disse Peter.

- Com certeza. E pensar que parece que foi ontem que... que tudo aconteceu. –disse eu com nostalgia. A verdade é que muito provavelmente eu não superaria aquilo com facilidade. Podia completar anos, décadas, séculos... Enquanto eu vivesse, não superaria aquilo.

Ficamos em silêncio mais algum tempo. Resolvi subir até o quarto de Amber, me lembrar mais dela, recordar de tudo, mais uma vez. Fiquei olhando os álbuns de fotos, o diário que ela escreveu com onze anos, a enorme coleção de videogames, os CDs. Coloquei um deles no toca fitas. O que ela me dissera ser seu favorito. Uma dupla, chamada She & Him. O Cd Volume One começou a tocar, com uma melodia muito triste, de uma música, Take it back. Resolvi trocar por outra mais alegrinha. Aquela já estava me causando lágrimas. Fiquei ali, um bom tempo, ouvindo esse e o outro cd da banda, pelo que me pareceu uma eternidade. Enfim, uma hora ouvi que os outros tinham chegado e resolvi descer. Valéria veio me abraçar.

- Oh, Carl. –disse ela, baixinho. – Me desculpe dizer isso, mas você parece terrível. Parece ter uns quarenta anos. Tão cabisbaixo... Eu sei que deve estar sendo difícil, mas pelo menos cuide um pouco mais de você.

- Fácil dizer quando vem de alguém que tem a beleza eterna. –disse, tentando soar mais alegre.

- Aceitarei isso como um elogio. –disse ela, enquanto se afastava, com um sorriso.

Depois todos nos sentamos, inclusive Ness, que parecia tão terrível como eu.

- E então, como vai a vida em Londres? – eu disse tentando arrumar algum assunto.

- Agitada, mas um bocado boa. Estou cheia de trabalho, mas a cidade é maravilhosa. Vocês têm que nos visitar um dia. – respondeu Valeria.

- Não me dou muito bem com grandes cidades. Prefiro bem mais minhas terras no pequeno vilarejo. –comentou Peter. – Mas qualquer dia, eu vou sim. Disseram-me que lá tem ótimas cervejas.

- Isso é realmente verdade. –respondeu Paul..

- E você, Ness, como está sendo a faculdade? –perguntou Peter.

- Estou me dando bem, eu acho. Mas é mil vezes mais difícil do que eu jamais imaginaria.

- O tempo passa rápido. Acho melhor irmos. –comentou Paul.

- Vou buscar as velas. –disse Valeria.

E fomos. Pro ritual mais triste que eu jamais pudera ter ido. Só havia um problema: O corpo não estava mais lá. Talvez tivesse sido carregado pela correnteza ou algo assim. Valeria e Ness se descontrolaram bastante, mas alguns anjos nos enviaram consolo, comparecendo ao ritual. Depois que tudo acabou, resolvi ficar um pouco sozinho. Fui pro lugar mais especial que eu consegui imaginar. E deixei que a nostalgia tomasse conta de mim.

Finalmente terra firme. Sabia que tinha chegado ao local certo pela floresta. A floresta na qual eu viera tantas vezes. E que agora estava cheia de velas e incensos na beira do rio. Tanto faz. Eu sabia como ir pra onde eu costumava morar. Chegando lá, encontrei a casa completamente deserta. Um temor me abateu: Será que aconteceu algo com eles naquela batalha? E se eles tivessem morrido? E se ELE tiver morrido? OMG. Livrei-me desses pensamentos e entrei pela janela do meu quarto, já que a porta estava trancada. Tudo estava da mesma forma. Do mesmo jeito que eu deixei há algum tempo atrás, quando estive aqui pela primeira vez. Mas meus álbuns de fotos estavam jogados em cima da cama. E meu cd do She & Him estava no tocador. Muito, muito estranho. Talvez alguém tenha entrado aqui recentemente. Isso me deu um pouco de esperanças. Tomei um banho bem caprichado e vesti minha roupa favorita: meu jeans preto surrado, uma regata preta, meu all star velho e minha camisa vermelha de xadrez flanelada. Amarrei meu cabelo bem alto. Estava com uma fome terrível. Fome de comida humana. De... Hambúrguer com muito catchup e fritas gigantes e coca-cola. E só um lugar vendia o melhor hambúrguer que eu já comera. Peguei umas economias que eu escondia dentro de uma caixa de sapato, e tomei um ônibus.

Carl

Estava bebericando lentamente o chá gelado que eu pedira. O preferido dela. No lugar preferido dela. Na mesma mesa que nos sentamos quando viemos aqui pela primeira vez. Ah, Amber, que falta você me faz! Não agüentei mais segurar todas minhas emoções, e me entreguei àquele sentimento de saudade que tanto me corroia.

De repente, as portas se abriram, e eu, uma das únicas pessoas naquele lugar, parei pra olhar distraído quem é que chegara. Não fosse minha surpresa ao ver uma garota loira, com os olhos verdes como esmeraldas e um sorriso lindo. Fechei os olhos e abri de novo, pensando ser aquela garota uma ilusão criada pela minha mente. Ela era igual à Amber. Só podia ser minha mente me enganando. E então seus olhos se encontraram com os meus, e ela ficou em estado de choque. Será que...

- Carl! Carl é você? –dizia a doce melodiosa voz da garota. Acho que estou num transe profundo e minha mente já consegue imitar perfeitamente a voz dela.

Eu simplesmente fiquei ali, estupefato encarando minha ilusão.

- Carl, hey, você está bem? –disse ela vindo em minha direção.

- Você é apenas um fantasma. Você não existe. Eu te vi morrer. –eu sussurrei pra mim mesmo, fechando os olhos.

- Carl, para com isso. Sou eu, Amber. Olhe pra mim. –disse ela passando a mão pelo meu rosto, me fazendo abrir os olhos. Não. O toque já era demais. Não podia ser mais ilusão. Abri os olhos.

- A-Amber?

- Carl! –disse ela com lágrimas nos olhos. – Carl! Eu te amo. Eu... –continuou ela, me abraçando, colocando a cabeça no meu ombro.

- Como isso é possível? Eu... Eu te vi morrer. Eu estava lá, eu vi tudo.

- Mas eu morri. E eu não sei como eu voltei à vida. É tudo tão confuso. Eu simplesmente acordei uma cidade aqui das redondezas e depois vim nadando até aqui. Nem eu consigo entender isso. –disse ela, se sentando.

- Vocês aceitam alguma coisa? –perguntou a garçonete.

- Um hambúrguer com catchup extra, fritas grandes e coca-cola. –disse ela.

- O mesmo pra mim.

- Mas, como estava dizendo, o que aconteceu no fim da batalha?

- O senhor das trevas e todos os outros servos se desintegraram e voltaram aprisionados pro submundo. Seu sacrifício quebrou toda a maldição do talismã, tanto pra você quanto pros seus descendentes. E me parece – continuei, ao ouvir seu coração bater, devagarzinho – que você voltou a ser uma meia-vampira.

- Isso explica toda essa fome por comida humana. Mas... Por que a casa estava tão deserta?

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- Por que seus pais se mudaram pra Londres, juntamente com a Ness. Eles a adotaram. E eu fui pra Sibéria com o Peter. Hoje todos nós nos reunimos aqui pra fazer um ritual por você. Por que faz um mês que você supostamente “morreu”.

- Uau. É muita coisa pra digerir.

- Aqui está o pedido de vocês. –disse a garçonete nos entregando os lanches. Amber devorou o dela em poucos minutos.

Depois nós fomos pro carro, pra dar uma volta pela cidade à pedido de Amber.

- Sabe qual foi a última coisa em que eu pensei quando eu enfiei aquela espada no meu peito? –ela começou dizendo enquanto estávamos vendo a lua cheia brilhar no céu numa clareira na floresta. – Em você. Pode parecer egoísta da minha parte falar isso, mas eu não conseguia mais ver você lá, estirado no chão, sem saber se estava vivo ou morto, não conseguia mais me culpar por tudo o que acontecera, nem imaginar o que seria de mim, se eu sobrevivesse, mas tivesse que viver sem você. Eu percebi que te amo mais do que eu sequer pudesse imaginar.

- Eu tive que passar pelos seus temores. Você pode imaginar o que foi viver um mês acordando todas as manhãs sabendo que eu jamais poderia vê-la novamente? Não foi todas as vezes que eu fiquei preso no submundo. Por que de uma forma ou de outra, eu sabia que você viria atrás de mim todas aquelas vezes.

- Que tal esquecermos isso? O importante é o agora. Que eu sei que você está vivo, assim como você sabe que eu estou. Eu te amo, e só isso basta.

- Ok, eu tentarei me conformar com a eternidade ao seu lado.

- Acho ótimo. Devíamos viajar. Pra começar nossa eternidade juntos.

- Paris?

- Não. Comum demais. Que tal algo como... Nova Zelândia? A gente pode aproveitar aqueles bungee jumps irados.

- Não. Perigoso demais. –eu disse.

- Polinésia Francesa?

- Acho que é perfeito pra nossa “lua de mel”. Feito.

- Lua de mel? Está me pedindo em casamento, é isso?

- Só se você quiser.

- Posso pensar no seu caso.

- Só se não for pensar agora. Temos coisas mais importantes pra fazer do que pensar. Aliás, acho que isso pode pesar um pouquinho mais na sua decisão

Eu tomei seus lábios em um beijo demorado, nos derrubando na grama macia. Eu não conseguia mais agir com racionalidade. Tudo o que importava naquele momento era ela e eu. Seu corpo tão perto do meu, nossas respirações descompassadas e todo o amor que eu tinha por ela. Minhas mãos percorreram seu corpo perfeito e ela sorriu. Considerei isso uma afirmação.

Foi uma bela forma de terminar a noite. A noite que eu jamais me esqueceria por toda a eternidade.